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Saberes e atitudes dos adolescentes frente à contracepção

Resumos

OBJETIVO: Descrever e analisar os saberes e atitudes dos adolescentes sobre a contracepção. MÉTODOS: Estudo descritivo com análise quantitativa, compreendendo uma amostra de 499 adolescentes de cinco escolas estaduais de Cuiabá, MT, utilizando-se um questionário fechado. Os dados foram processados e analisados pelo programa Epi-Info, com análises bivariadas. RESULTADOS: Entre os adolescentes estudados, constatou-se que 36% têm vida sexual ativa, sendo o uso atual de algum método contraceptivo presente em 77% das meninas e 66% dos meninos; com relação aos métodos contraceptivos mais conhecidos pelos adolescentes, 55% declararam conhecer o preservativo juntamente com os anticoncepcionais orais e injetáveis; identificou-se entre os adolescentes sexualmente ativos que apenas 40% dos meninos e 58% das meninas conversam sempre com seus namorados(as)/parceiros(as) sobre maneiras de evitar a gravidez; 54% das meninas e 40% dos meninos declararam que quem deve usar o método contraceptivo deve ser tanto o homem quanto a mulher; a fonte de indicação dos métodos contraceptivos foram os amigos(as) para 22% dos meninos e os médicos para 36% das meninas. CONCLUSÕES: Apesar de os adolescentes apresentarem alguns conhecimentos e atitudes adequadas em relação à contracepção, ainda há a necessidade de ações de prevenção e orientação sexual, tendo em vista o relato de pouco diálogo entre os parceiros, a não adoção de métodos de prevenção em todas as relações sexuais e a ocorrência de gravidez.

anticoncepção; comportamento do adolescente; saúde do adolescente; gravidez na adolescência; sexualidade


OBJECTIVE: To describe and analyze adolescents' knowledge and attitudes in relation to contraception. METHODS: Descriptive study with a quantitative analysis comprising a sample of 499 adolescents of five state schools of Cuiabá, MT, Brazil, with a structured questionnaire. Data were processed and analyzed by Epi-Info software, with bivariate analysis. RESULTS: Among the studied adolescents, 36% were sexually active; the use of contraceptive methods was referred by 77% of the girls and 66% of the boys; 55% stated they were more familiar with condoms associated with oral and injectable contraceptives; among the adolescents who were sexually active, 40% of the boys and 58% of the girls talk with their lovers/partners on ways to avoid pregnancy; 54% of the girls and 40% of the boys stated that both the man and the woman should use a contraceptive method; the source of indication of contraceptive methods were friends for 22% of the boys and physicians for 36% of the girls. CONCLUSIONS: Although adolescents present some knowledge and adequate attitudes about contraception, there is still the need for prevention and sexual orientation in face of the lack of dialogue between partners, the non-adoption of preventive methods in all sexual intercourses and the reported pregnancy rate.

contraception; adolescent behavior; adolescent health; pregnancy in adolescence; sexuality


ARTIGO ORIGINAL

Saberes e atitudes dos adolescentes frente à contracepção

Stéfani de Salles MendesI; Raissa Mariah F. MoreiraI; Christine Baccarat G. MartinsII; Solange Pires S. SouzaIII; Karla Fonseca de MatosIV

Instituição: Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Cuiabá, MT, Brasil

IAcadêmica de Enfermagem e Aluna de Iniciação Científica da UFMT, Cuiabá, MT, Brasil

IIDoutora em Enfermagem em Saúde Pública pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo; Professora Adjunta do Departamento de Enfermagem da UFMT, Cuiabá, MT, Brasil

IIIDoutora em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da USP; Professora Adjunta do Departamento de Enfermagem da UFMT, Cuiabá, MT, Brasil

IVMestranda em Enfermagem pela UFMT, Cuiabá, MT, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Christine Baccarat G. Martins Rua Fortaleza, 70 - Jardim Paulista CEP 78065-350 - Cuiabá/MT E-mail: leocris2001@terra.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Descrever e analisar os saberes e atitudes dos adolescentes sobre a contracepção.

MÉTODOS: Estudo descritivo com análise quantitativa, compreendendo uma amostra de 499 adolescentes de cinco escolas estaduais de Cuiabá, MT, utilizando-se um questionário fechado. Os dados foram processados e analisados pelo programa Epi-Info, com análises bivariadas.

RESULTADOS: Entre os adolescentes estudados, constatou-se que 36% têm vida sexual ativa, sendo o uso atual de algum método contraceptivo presente em 77% das meninas e 66% dos meninos; com relação aos métodos contraceptivos mais conhecidos pelos adolescentes, 55% declararam conhecer o preservativo juntamente com os anticoncepcionais orais e injetáveis; identificou-se entre os adolescentes sexualmente ativos que apenas 40% dos meninos e 58% das meninas conversam sempre com seus namorados(as)/parceiros(as) sobre maneiras de evitar a gravidez; 54% das meninas e 40% dos meninos declararam que quem deve usar o método contraceptivo deve ser tanto o homem quanto a mulher; a fonte de indicação dos métodos contraceptivos foram os amigos(as) para 22% dos meninos e os médicos para 36% das meninas.

CONCLUSÕES: Apesar de os adolescentes apresentarem alguns conhecimentos e atitudes adequadas em relação à contracepção, ainda há a necessidade de ações de prevenção e orientação sexual, tendo em vista o relato de pouco diálogo entre os parceiros, a não adoção de métodos de prevenção em todas as relações sexuais e a ocorrência de gravidez.

Palavras-chave: anticoncepção; comportamento do adolescente; saúde do adolescente; gravidez na adolescência; sexualidade.

Introdução

A sexualidade, presente em toda a trajetória de vida do ser humano, se manifesta com mais intensidade na adolescência, o que desperta a preocupação do setor saúde, pois, muitas vezes, a sexualidade é vivida pelo adolescente por meio de práticas sexuais desprotegidas, além da falta de informação e comunicação entre os familiares, seja pela presença de tabus ou pelo medo do adolescente em assumi-la(1,2), podendo acarretar gravidez indesejada e doenças sexualmente transmissíveis (DST)(3).

Segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura(4), 33% dos jovens brasileiros entre 12 e 17 anos já iniciaram a vida sexual e, destes, 61% são meninos. Como consequência da atividade sexual precoce, a gravidez constitui um evento frequente, o que contribui para o aumento da fecundidade(5,6). Conforme os dados do IBGE de 2000(7), houve uma elevação da contribuição de mulheres mais jovens entre 15 e 19 anos na taxa de fecundidade brasileira. Observa-se tal elevação principalmente no Norte, Nordeste e Centro-Oeste, sendo esta última região aquela que apresenta maior crescimento proporcional das gestações em mulheres abaixo de 20 anos (11% em 1980 para 24% em 2000).

As razões para o alto índice de gravidez e DST na adolescência são atribuídas à não utilização de métodos contraceptivos de forma adequada em razão da própria negação do adolescente quanto à possibilidade de engravidar, os encontros sexuais são casuais, o fato de que, para o adolescente, utilizar método contraceptivo representa assumir sua vida sexual ativa, além do pouco conhecimento relativo aos métodos(8,9).

Nesse contexto, a prevenção ganha enfoque prioritário. Entretanto, para que estratégias de redução desses eventos na população adolescente sejam implementadas, torna-se necessário conhecer primeiramente até que ponto os adolescentes compreendem a contracepção, quais suas práticas e os motivos que os levam a não adotar práticas seguras.

Desta forma, o presente estudo teve como objetivo descrever e analisar os saberes e atitudes dos adolescentes do primeiro ano do ensino médio das escolas estaduais de Cuiabá,MT, sobre a contracepção, tendo como possibilidade fornecer dados primários à elaboração de políticas para a saúde sexual que contemplem essa população.

Método

Trata-se de um estudo transversal, com análise quantitativa, cuja população foi composta por alunos do primeiro ano do ensino médio de cinco escolas estaduais da capital de Cuiabá, MT. As escolas foram previamente selecionadas por sorteio em conjunto com a Secretaria de Estado de Educação (Seduc), de forma aleatória, totalizando 22 turmas, cujo critério de inclusão na pesquisa foi concordar em participar do estudo e o de exclusão, não ter idade entre 10 e 19 anos, período que a Organização Mundial da Saúde (OMS) define como adolescência.

Os dados foram coletados utilizando-se questionário a ser preenchido pelo participante, composto por 12 questões (10 fechadas e duas abertas), ajustado em teste piloto em escola diferente das contempladas na pesquisa. Os adolescentes participaram da pesquisa de forma voluntária e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, assegurando-se aos participantes o sigilo absoluto das informações, assim como a privacidade e o anonimato. A autorização dos pais para os filhos participarem da pesquisa foi providenciada pelas escolas nas quais a pesquisa se desenvolveu. O questionário foi aplicado sob supervisão das próprias pesquisadoras, auxiliadas por uma equipe de voluntários. A Seduc e as diretorias das escolas autorizaram por escrito a realização do estudo. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Júlio Muller da Universidade Federal de Mato Grosso.

As variáveis estudadas foram: importância do planejamento familiar; métodos anticoncepcionais mais conhecidos; a existência de diálogo com seu(sua) parceiro(a) no uso de métodos anticoncepcionais; se os adolescentes pensam na possibilidade da gravidez na hora da relação sexual; quem deve usar o método para evitar a gravidez; o uso atual de algum método contraceptivo, bem como de quem foi a iniciativa de seu uso e sua fonte de indicação; qual o método ideal para adolescentes; atitudes da menina e do menino frente a uma gravidez não planejada; a experiência de gravidez em ambos os sexos e se chegou a interromper alguma gestação, bem como os motivos que levaram a essa interrupção.

Os dados foram analisados pelo programa Epi Info, versão 3.5.1, por meio de frequência absoluta e relativa. Para as análises bivariadas, utilizou-se o teste do qui-quadrado para testar associações, considerando-se significante p<0,05.

Resultados

Foram estudados 499 adolescentes, do primeiro ano do ensino médio, com idade média de 15,4±1,0 anos, sendo a renda familiar média de 2,2±0,8 salários mínimos (SM), com variação de 1-3 SM. Entre os adolescentes estudados, 38% eram do sexo masculino e 62% do sexo feminino. Declararam já ter iniciado a vida sexual 40% dos adolescentes pesquisados: 55% dos meninos e 31% das meninas. Declararam ter vida sexual ativa no atual relacionamento 37% - 50% meninos e 50% meninas.

Quando questionados sobre a importância do planejamento familiar, 49% dos meninos declararam ter certeza da sua importância, 30% diziam ser importante, 8% não sabiam, 6% deixaram a questão em branco, 5% achavam que o planejamento familiar não é importante e 2% tinham certeza de que o planejamento familiar não é importante. Entre as meninas, a maioria (73%) tinha certeza da sua importância, 18% achavam que é importante, 4% delas não sabiam, 3% achavam que o planejamento familiar não é importante, 2% tinham certeza de que o planejamento familiar não é importante e 1% deixou a questão em branco (meninos versus meninas; teste do qui-quadrado: p<0,001).

Com relação aos métodos contraceptivos mais conhecidos pelos adolescentes, a maioria (55%) declarou conhecer o preservativo juntamente com os anticoncepcionais orais e injetáveis; 18% conheciam apenas o preservativo, 16% deixaram a questão em branco, 4% indicaram os anticoncepcionais orais e injetáveis, 4% deles não sabiam, 3% declararam "outras respostas". A categoria "outras respostas" se refere à tabelinha, dispositivo intrauterino, diafragma, vasectomia, laqueadura, coito interrompido, pílula do dia seguinte e não ter relações sexuais.

Quanto à frequência de diálogo com o(a) parceiro(a)/namorado(a) sobre maneiras de evitar a gravidez segundo a experiência sexual (vida sexual ativa no atual relacionamento ou não), foram observadas diferenças estatisticamente significantes entre meninos e meninas no grupo de sexualmente ativos (p<0,001). Entre os meninos com vida sexual ativa no atual relacionamento, 40% conversavam sempre com suas namoradas/parceiras sobre métodos contraceptivos, 22% conversavam às vezes, 19% nunca conversavam, 9% diziam ter diálogo frequente e 9% não responderam a questão. Entre as meninas sexualmente ativas no atual relacionamento, 58% sempre conversavam a respeito com seus namorados/parceiros; 25% diziam ter diálogo frequente; 10% conversavam às vezes e 6% nunca conversavam.

Quando analisada a mesma variável entre os que se declararam sexualmente inativos no atual relacionamento, observou-se que a maior parte dos meninos (32%) nunca conversou com suas namoradas/parceiras sobre métodos contraceptivos; apenas 28% conversavam sempre; 24% às vezes; 12% não responderam e 4% diziam ser frequente o diálogo. Entre as meninas não ativas sexualmente no atual relacionamento, 44% sempre conversavam sobre contracepção com seus namorados/parceiros, 30% nunca conversavam, 13% diziam ser frequente o diálogo, 9% conversavam às vezes e 4% não responderam à questão.

A Tabela 1 apresenta a distribuição dos adolescentes segundo o sexo no que se refere ao pensamento da possibilidade da gravidez em uma relação sexual. A proporção de meninos que declararam que esse pensamento ocorre sempre (31%) foi semelhante à de meninas (30%). Entretanto, a proporção de meninas que nunca pensam nessa possibilidade (37%) foi bem maior que a dos meninos (23%), assim como os meninos pensam na possibilidade de gravidez de forma mais frequente (15%) do que as meninas (9%), diferenças significantes (p=0,007).

Na Tabela 2, observa-se que mais da metade das meninas (54%) e 40% dos meninos declararam que o uso do método contraceptivo deve ser feito tanto pelo homem quanto pela mulher. Tal opinião diferiu entre os sexos (p<0,001).

Analisando-se separadamente os adolescentes com vida sexual ativa no atual relacionamento (36%), na questão sobre o uso atual de algum método contraceptivo, 66% dos meninos e 77% das meninas responderam positivamente; 23% dos meninos e 22% das meninas relataram não fazer uso atual de método contraceptivo; a questão foi deixada em branco por 11% dos meninos e por apenas 1% das meninas, sendo que houve 0,5% de respostas nulas. Assim, observa-se haver diferenças em relação ao uso de método contraceptivo segundo o sexo (p=0,016).

Entre aqueles que declararam ter vida sexual ativa no atual relacionamento e fazer uso de algum método contraceptivo, 41% dos meninos relataram que a decisão pelo método empregado foi tomada pelos dois, 30% declararam que a decisão foi tomada apenas pela parceira, 22% disseram que decidiram por si próprios, 6% não se lembram e 3% deixaram a questão em branco. Entre as meninas, 58% afirmaram que essa decisão foi tomada pelos dois, 24% por si mesma, 15% apenas pelo parceiro e 3% deixaram a questão em branco, não havendo diferença significante entre os sexos (p=0,062).

A Tabela 3 expõe os dados sobre a fonte de indicação do método contraceptivo utilizado para os adolescentes que declararam ter vida sexual ativa no atual relacionamento e fazer uso de algum método, sendo o(a) amigo(a) para os meninos e o médico para as meninas os mais frequentes (p=0,001).

Com relação ao método contraceptivo ideal para adolescentes na opinião deles, 43% apontaram o preservativo, 29% deixaram a questão em branco, 14% relataram o preservativo juntamente com o anticoncepcional, 7% anotaram "outras respostas", 3% não sabiam e 3% dos adolescentes responderam ser o anticoncepcional o método mais indicado para o adolescente. A categoria "outras respostas" se referia à pílula do dia seguinte, coito interrompido e não ter relações sexuais.

A Tabela 4 mostra qual a atitude a ser tomada pela mulher frente a uma gravidez não planejada. Na opinião dos meninos, o melhor seria continuar o namoro sem casar (31%), embora alguns referissem que tentariam casar (16%) ou entregariam a criança para adoção (10%). Para as meninas, a resposta mais frequente foi continuar o namoro, ter a criança e depois decidir sobre casar (44%) ou criar o bebê sozinha (18%). Observam-se diferenças estatisticamente significativas segundo o sexo (p<0,001).

Na Tabela 5, são apresentadas as opiniões sobre a atitude a ser tomada pelo homem frente a uma gravidez não planejada, sendo a resposta mais apontada apoiar a menina a ter o bebê, mas sem a promessa de casar. Não houve diferença estatisticamente significativa segundo o sexo do entrevistado (p=0,3663).

Entre os meninos envolvidos na pesquisa, quando questionados sobre sua experiência com a gravidez, 73% declararam nunca ter engravidado alguém, 22% deixaram a questão em branco, 2% relataram que a namorada atual está grávida, 2% disseram que a ex-namorada já ficou grávida e 1% relatou que a namorada atual já ficou grávida. É importante destacar que, dentre os meninos que declararam já ter engravidado alguém, 40% disseram que suas namoradas realizaram o aborto. Entre as meninas, 82% declararam nunca ter ficado grávida, 15% deixaram a questão em branco, 2% das respostas foram nulas, 0,6% declararam estar grávida, 0,6% disseram já terem engravidado do atual namorado e 0,3%, de um ex-namorado. Dentre as meninas que relataram já ter passado pela experiência de gravidez, nenhuma delas declarou ter realizado o aborto.

Discussão

O número de adolescentes que dá início à atividade sexual cada vez mais precocemente, associado ao desconhecimento sobre contracepção e reprodução, constitui um fenômeno apontado por alguns autores(6,10). Há que se considerar, ainda, as repercussões e o impacto da iniciação sexual tão precoce, muitas vezes agravada pela falta de conhecimento, reflexão e consciência crítica sobre seu comportamento mediante o sexo. Em decorrência de tais fatores, a gravidez inesperada tem sido relatada como uma vulnerabilidade nessa fase da vida(3,9,11), podendo contribuir para a morbimortalidade materna e neonatal, com complicações no parto, prematuridade e maiores riscos de aborto(12,13). Outra consequência da gravidez na adolescência é a evasão escolar, o que pode minimizar as oportunidades de desenvolvimento e crescimento profissional(6), justificando, dessa maneira, a necessidade de iniciativas que tratem de contracepção/planejamento familiar com essa população, de forma a orientá-los para uma sexualidade saudável e com menos riscos.

De acordo com o Ministério da Saúde, a assistência ao planejamento familiar para os adolescentes deve ser composta por ações preventivas e educativas, pela garantia do acesso igualitário às informações, métodos e técnicas disponíveis para regulação da fecundidade(14). Destaca-se, nesse contexto, a preocupação com a qualidade dos serviços que oferecem tal orientação(10). Acredita-se, portanto, na urgência de estratégias que contemplem a população adolescente no que se refere ao planejamento familiar, proporcionando espaços de discussão que alcancem esse grupo etário, muitas vezes já em atividade sexual.

O fato de os adolescentes conhecerem mais o preservativo e o anticoncepcional oral coincide com outras pesquisas(1,15), o que pode estar relacionado à falta de conhecimento sobre os outros métodos, bem como à forte campanha do Ministério da Saúde enfocando o preservativo, além de apresentar menor custo em relação a outros métodos. Entretanto, citar métodos de anticoncepção não significa necessariamente conhecê-los, ou seja, ter adquirido informações suficientes sobre as suas vantagens, desvantagens e modo de utilizá-los(16). Cabe salientar, ainda, que as respostas em branco verificadas na presente investigação apontam para a necessidade de orientação, já que o conhecimento é um elemento necessário para o uso correto dos métodos contraceptivos.

A não preocupação dos adolescentes sobre a possibilidade da gravidez quando vão ter uma relação sexual coincide com estudo realizado com adolescentes primigestas, que, em sua maioria, não haviam programado a gravidez atual(17). Outra pesquisa realizada em Campinas, SP, observou que 62% das meninas entre 10 e 14 anos tiveram sua primeira relação sexual sem uso de qualquer método anticoncepcional(18). A não preocupação dos adolescentes pode estar relacionada à eventualidade das suas relações(8), bem como com a iniciação sexual precoce, pois quanto mais cedo ela acontece menores são as chances de uso de métodos contraceptivos e, consequentemente, maiores são as possibilidades de gravidez(19).

Quanto à responsabilidade do uso do método contraceptivo, pesquisa realizada com adolescentes de uma universidade pública do estado de São Paulo também verificou que eles entendem ser esta responsabilidade do casal(3). Neste sentido, são fundamentais ações de orientação e prevenção não apenas para as meninas, mas que envolvam também os meninos nessa responsabilidade conjunta relativa à contracepção.

Ressalta-se a necessidade de ir além das atividades realizadas nas Unidades Básicas de Saúde, em busca de parcerias, sendo a escola uma dessas opções. Porém, há que se destacar a importância de também capacitar os professores para que abordem no ambiente escolar temas como a contracepção na adolescência(16). É possível, ainda, capacitar os próprios adolescentes, fazendo com que se tornem agentes multiplicadores, já que é comum o adolescente fazer dos seus amigos uma fonte de informação(20). Portanto, a articulação entre os setores saúde e educação torna-se imprescindível.

O uso de método contraceptivo em adolescentes com vida sexual ativa no atual relacionamento está em concordância com outros estudos(15,21). Porém, há que se destacar que as mulheres geralmente se envolvem mais com a contracepção, enquanto os homens vivenciam sua sexualidade de uma forma despreocupada(16), o que aumenta a frequência de gravidez inesperada e DST, além de sobrecarregar as meninas com a responsabilidade da contracepção(22).

O fato de as meninas dialogarem mais com seus namorados/parceiros sobre contracepção reafirma a maior cobrança social sobre o gênero feminino(22). Desta maneira, o diálogo entre o casal deve ser estimulado para que o menino também seja responsável pela contracepção. Apesar da iniciativa em conjunto com seus(suas) parceiros(as) no uso de método contraceptivo, pesquisa realizada no Rio de Janeiro chama a atenção para o fato de a iniciativa ou a solicitação de uso do preservativo entre adolescentes ainda ser muito baixa, em ambos os gêneros(23). Ainda segundo a pesquisa, os meninos raramente optam por utilizar o preservativo, mas não se recusam a usar quando solicitados. As meninas, por sua vez, não pedem para os meninos usarem porque não gostam ou sentem vergonha. Esse tipo de comportamento preocupa, visto que basta uma única relação sexual desprotegida para que aconteça uma gravidez e transmissão das DST.

No que diz respeito à escolha e uso de métodos anticoncepcionais, autores(18) afirmam que a adolescência é um período no qual os indivíduos sofrem fortes influências externas e, principalmente, do grupo no qual estão inseridos. Essa questão reflete na escolha do método contraceptivo. Sendo assim, pode-se destacar a influência dos amigos na escolha do método anticoncepcional, o que foi identificado no presente estudo.

Além dos amigos, sabe-se que os adolescentes de hoje vivenciam maior acesso e disponibilidade de informações através dos meios de comunicação em massa como propagandas de televisão, rádio, revistas, cartazes e internet(24,25). Nesse contexto, tanto os amigos(as) como os meios de comunicação são as fontes de informações para a escolha do método contraceptivo. Ressalta-se, portanto, a preocupação com a qualidade da informação recebida, que deve orientar não apenas os tipos de métodos, mas também seu uso correto, a escolha individual do melhor método, suas vantagens e desvantagens.

Os adolescentes incluídos no presente estudo apontaram a camisinha como o método contraceptivo ideal para o adolescente. Tal resultado pode estar relacionado à existência de campanhas de prevenção das DST/AIDS, que enfatizam a importância do uso de preservativo masculino em todas as relações sexuais(15,16,18), além do menor custo, maior facilidade na compra e nenhum efeito colateral, comparados aos anticoncepcionais orais e injetáveis(3,21).

Alguns estudos ressaltam que, nos relacionamentos considerados estáveis, há redução do uso de preservativos e, consequentemente, maior adesão ao anticoncepcional, o que mostra mudança progressiva na prioridade dos adolescentes, deixando de ser a proteção das DST e passando a ser somente a prevenção da gravidez, decisão esta que, muitas vezes, é motivada pela ideia da prova de fidelidade(15,23). Outro estudo(3) identificou que grande parte dos adolescentes acredita que deveria fazer o uso do preservativo em todas as relações sexuais, mas, mesmo assim, 17,6% disseram que teriam relações sem proteção se conhecesse bem o(a) parceiro(a). Tais estudos apontam para a preocupação por parte dos adolescentes de apenas prevenir uma gravidez não desejada, mostrando que eles ainda acreditam que não estão expostos a qualquer tipo de DST. Pesquisa nacional mostra que 86% das meninas e meninos consideram elevado o risco de um adolescente adquirir DST/AIDS hoje em dia, mas 11% das meninas e 10% dos meninos analisados consideraram ser pequeno seu próprio risco de adquirir DST/AIDS(11).

Quanto à decisão de continuar o namoro sem se casar frente a uma gravidez inesperada, destaca-se a falta de autonomia financeira e de amadurecimento emocional dos adolescentes para assumirem a gravidez(26). Há que se considerar, ainda, a atitude dos familiares frente à gravidez precoce, pois muitos mostram o desejo de criar a criança sem que haja o casamento dos pais(27). A reação frente a uma experiência de gravidez não desejada também foi abordada neste estudo. Sabe-se que o abortamento provocado é reconhecido como uma prática presente entre adolescentes como uma medida de solução diante do inesperado. Um exemplo é a pesquisa de Aquino et al(28), que verificaram alta prevalência de abortamentos provocados entre adolescentes frente à primeira gravidez. Apesar disso, várias pesquisas indicam um menor relato por parte das meninas de abortamento provocado em comparação aos meninos(29,30), talvez pelo fato de que estes não possuem certeza da realização do aborto ou não se sentem necessariamente implicados ou responsáveis. Já as meninas são mais discretas ao declararem a concretização de um aborto, o que pode ser compreendido pelo difícil processo vivido por elas até a tomada de uma decisão.

Assim, os resultados indicam a necessidade de programas educativos envolvendo os adolescentes no ambiente escolar, já que é o local em que iniciam o namoro, expressam suas dúvidas, recebem informações e permanecem a maior parte do tempo. Nesse contexto, os setores saúde e educação se complementam, na busca de uma interdisciplinaridade capaz de enfrentar os desafios da orientação sexual para adolescentes. Reconhece-se, ainda, a necessidade de investimento na capacitação dos profissionais da saúde e da educação para que os mesmos se sintam preparados e motivados a trabalhar com a temática da sexualidade na adolescência, na perspectiva da prevenção. Contudo, ressalta-se que a educação sexual é um processo em que os adolescentes não devem somente obter informações racionalizadas, mas sim elaborar seus próprios valores com pensamento crítico para tomar decisões responsáveis, ou seja, articulando suas vivências, experiências e conhecimentos (valores) com o seu comportamento (prática).

Agradecimentos

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela concessão de bolsa de iniciação científica, e à Fundação de Amparo à Pesquisa de Mato Grosso (FAPEMAT) pela concessão de recursos segundo o edital nº. 001/2009, processo 407104/2009.

Fonte financiadora: Fundação de Amparo à Pesquisa de Mato Grosso (FAPEMAT Edital nº 001/2009, processo 407104/2009).

Conflito de interesse: nada a declarar

Recebido em: 12/7/2010

Aprovado em: 17/1/2011

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  • Endereço para correspondência:
    Christine Baccarat G. Martins
    Rua Fortaleza, 70 - Jardim Paulista
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Out 2011
    • Data do Fascículo
      Set 2011

    Histórico

    • Aceito
      17 Jan 2011
    • Recebido
      12 Jul 2010
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