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A estrutura local em psicanálise 1 1 Este artigo deriva de uma pesquisa de seu primeiro autor que foi elaborada na tese de doutorado “Cultura e estrutura em psicanálise”, sob orientação da coautora, no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Para esta publicação, seu texto foi consideravelmente revisado e alterado pelos autores.

La structure local en psychanalyse

La estructura local en psicoanálisis

Resumo

Este artigo investiga a eficácia do pensamento formal na psicanálise de Lacan na forma de estruturas locais. Assim como as estruturas do estruturalismo não se encontraram num único sistema, os matemas lacanianos não serão partes de uma estrutura maior que as organiza. A criação de matemas que se referem a estruturas locais permite a discussão de questões diagnósticas da clínica contemporânea, como o universalismo dos axiomas da psicanálise e do complexo de Édipo.

Palavras-chave:
estrutura; psicanálise; matemática; diagnóstico

Résumé

Cet article examine l’efficacité de la pensée formelle dans la psychanalyse de Lacan sous la forme de structures locales. Tout comme les structures du structuralisme ne se sont pas reduites à un système unique, les formalisations lacaniennes ne feront pas partie d’une structure plus vaste qui les organise. La création des mathèmes qui se réfèrent à des structures locales permet la discussion des questions sur le diagnostic dans la clinique contemporaine comme l’universalisme des axiomes de la psychanalyse et le complexe d’Œdipe.

Mots-clés:
structure; psychanalyse; mathématiques; diagnostic

Resumen

En este artículo se investiga la eficacia del pensamiento formal en el psicoanálisis de Lacan en la forma de estructuras locales. Así como las estructuras del estructuralismo no se encuentran en un solo sistema, las formalizaciones lacanianas no serán partes de una estructura mayor que las organiza. La creación de matemas que se refieren a las estructuras locales permite la discusión de cuestiones acerca del diagnóstico en la clínica contemporánea así como sobre el universalismo de los axiomas del psicoanálisis y el complejo de Edipo.

Palabras clave:
estructura; psicoanálisis; matemática; diagnóstico

Abstract

This article investigates the efficacy of formal thought in Lacan’s psychoanalysis in the form of local structures. In the same way that the structures of structuralism are not met in a single system, the Lacanian mathemes will not be part of a larger structure that organizes it. The creation of mathemes that refer to local structures allows the discussion of contemporary clinic diagnostic questions about, for instance, the universalism of psychoanalysis axioms from the Oedipus complex.

Keywords:
structure; psychoanalysis; mathematics; diagnosis

Da estrutura às estruturas

Muito embora tenha promovido importantes e inéditas aproximações entre psicanálise, etnologia e linguística, o movimento estruturalista não pôde equiparar completamente as estruturas do inconsciente, do parentesco e da linguagem de modo a reduzi-las a um único sistema ou base comum. Segundo Foucault (1966/2007Foucault, M. (2007). As palavras e as coisas (9a ed.). São Paulo, SP: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1966)), a linguística, considerada então um fundamento comum à psicanálise e à etnologia, não foi suficiente para que estas disciplinas formassem uma espécie de “antropologia psicanalítica” (p. 525) a partir de algo “irredutível, de uniformemente válido” (p. 525) sobre o homem. A hipótese de uma estrutura única e comum aos três diferentes campos teve de ser abandonada, de forma que cada um deles estaria livre a abordar seus objetos a partir dos seus próprios meios, ou seja, inclusive através de sua própria noção de estrutura.

Contribuindo para a questão da relação entre as estruturas de diferentes ordens, Dufour (2000Dufour, D.-R. (2000). Os mistérios da trindade. Rio de Janeiro, RJ: Companhia de Freud.) retoma de Deleuze (1972/2005Deleuze, G. (2005). Em que se pode reconhecer o estruturalismo In G. Deleuze, A ilha deserta e outros textos (pp. 222-251). São Paulo, SP: Iluminuras. (Trabalho original publicado em 1972)) o conceito de “casa vazia”. A casa vazia, segundo Deleuze (1972/2005Deleuze, G. (2005). Em que se pode reconhecer o estruturalismo In G. Deleuze, A ilha deserta e outros textos (pp. 222-251). São Paulo, SP: Iluminuras. (Trabalho original publicado em 1972), p. 247),

deve guardar a perfeição de seu vazio para deslocar-se com relação a si mesma, e para circular através dos elementos e das variedades de relações. Simbólica, ela deve ser para si mesma seu próprio símbolo, e faltar eternamente à sua própria metade que seria susceptível de vir ocupá-la.

Também chamada por Deleuze (1972/2005Deleuze, G. (2005). Em que se pode reconhecer o estruturalismo In G. Deleuze, A ilha deserta e outros textos (pp. 222-251). São Paulo, SP: Iluminuras. (Trabalho original publicado em 1972)) de objeto = x, a casa vazia seria o elemento que se desloca pela estrutura e lhe garante variação, não sendo identificável a um lugar, gênero ou espécie. O objeto = x, entretanto, mesmo que resistindo a qualquer identidade ou lugar fixo, “constitui o gênero último da estrutura” (p. 241), como se a sua função de deslocamento determinasse a estrutura na qual se encontra. Por isso, acentua-se antes seu caráter de decisão e determinação da estrutura do que da indeterminação de sua própria identidade.

Dufour (2000Dufour, D.-R. (2000). Os mistérios da trindade. Rio de Janeiro, RJ: Companhia de Freud.), por sua vez, destaca que no contexto do estruturalismo, apesar dos muitos nomes dados pelos autores à casa vazia e das muitas formas de sua aparição, há uma função que persiste: a resistência à inscrição na binariedade. Isso porque o autor (2000, p. 29) considera a estrutura como um operador que reúne em ordens binárias os objetos estudados. Esse operador destinado a abordar os discursos e sistemas simbólicos humanos elidiria, porém, uma particularidade a eles inerente: seu fundamento trinitário, pois “existe sempre um valor imaginário nas tentativas de captura (e de gestão) do real pelos sistemas simbólicos” (Dufour, 2000Dufour, D.-R. (2000). Os mistérios da trindade. Rio de Janeiro, RJ: Companhia de Freud., p. 32, grifos nossos). A casa vazia apareceria no estruturalismo, portanto, como o insistente retorno daquilo que a redução ao binário suprime. A relação entre o operador (a estrutura) e a matéria-prima sobre a qual ele age (os axiomas) é central no raciocínio de Dufour, adquirindo um valor epistemológico. O operador “estrutura” é tomado como um instrumento ou “o dispositivo que contém um processo de decisão”, desempenhando no estruturalismo “o papel da inferência e da dedução nas matemáticas, ou ainda o papel do silogismo na lógica aristotélica . . . ou ainda o papel da analogia no pensamento pré-científico” (Dufour, 2000Dufour, D.-R. (2000). Os mistérios da trindade. Rio de Janeiro, RJ: Companhia de Freud., p. 34). A matéria-prima sobre a qual ele age é o axioma - proposições simples e fundamentais sobre o objeto que não precisam ser demonstradas (Dufour, 2000Dufour, D.-R. (2000). Os mistérios da trindade. Rio de Janeiro, RJ: Companhia de Freud., p. 34). Um axioma do contexto do estruturalismo, como em Lacan, para quem o significante é o que representa um sujeito para outro significante, encerraria “fragmentos ininteligíveis no quadro da binariedade e mesmo no quadro geral da razão: o conteúdo da casa vazia não está estruturado segundo a ordem geral da dualidade” (Dufour, 2000Dufour, D.-R. (2000). Os mistérios da trindade. Rio de Janeiro, RJ: Companhia de Freud., p. 35). O simbólico, bidimensional e binário, porta um escolho que lhe escapa.

Na obra de Lacan é possível reconhecer diversos casos de retorno da casa vazia enquanto o terceiro que insiste e “ex-siste” no campo binário. O falo, o objeto “a” e o Real são alguns exemplos desse retorno na forma de conceitos que buscam apreender o que resiste à inscrição no binarismo simbólico, uma vez que os axiomas sobre os quais age o operador “estrutura” tratam de enunciados de natureza trinitária. Não por acaso, há uma pluralidade de casas vazias na obra de Lacan, como se houvesse em cada domínio de sua teorização a necessidade de uma. Em termos lacanianos, a afirmação de que o binarismo é insuficiente equivale ao aforismo não há Outro do Outro, ou seja, o Outro é incompleto.

Deleuze (1972/2005Deleuze, G. (2005). Em que se pode reconhecer o estruturalismo In G. Deleuze, A ilha deserta e outros textos (pp. 222-251). São Paulo, SP: Iluminuras. (Trabalho original publicado em 1972)) considera que a questão acerca de uma estrutura que determinaria todas as outras, como a primazia do valor sobre o falo ou do fetiche econômico sobre o fetiche sexual (e vice-versa), não teria sentido, pois “todas são infraestruturas” (p. 246). As diferentes ordens de estruturas (linguística, familiar, econômica, sexual etc.) estariam caracterizadas em suas distintas singularidades pela “forma de seus elementos simbólicos, pela variedade de suas relações diferenciais” (Deleuze, 1972/2005Deleuze, G. (2005). Em que se pode reconhecer o estruturalismo In G. Deleuze, A ilha deserta e outros textos (pp. 222-251). São Paulo, SP: Iluminuras. (Trabalho original publicado em 1972), p. 246) e, sobretudo, “pela natureza do objeto = x que preside a seu funcionamento” (p. 246). O filósofo ainda rejeita a ordem de causalidade linear de uma estrutura à outra, pois a particularidade do objeto = x a impede - o que destaca o caráter mais ou menos independente de cada estrutura. O objeto = x, portanto, será não apenas o que, a partir de sua impossibilidade de identidade, garante a própria identidade da estrutura, mas também o objeto móvel através do qual as estruturas podem se articular umas às outras. Como exemplo disso, Deleuze cita uma conhecida passagem de Foucault em As palavras e as coisas:

a cadeia significante pela qual se constitui a experiência única do indivíduo é perpendicular ao sistema formal a partir do qual se constituem as significações de uma cultura; a cada instante a estrutura própria da experiência individual encontra nos sistemas da sociedade certo número de escolhas possíveis (e de possibilidades excluídas); inversamente, as estruturas sociais encontram, em cada um de seus pontos de escolha, certo número de indivíduos possíveis (e outros que não o são). (Foucault, 1966/2007, p. 526)

Sobre um plano bidimensional, as estruturas se encontram e se atravessam em ângulo reto, mas não há uma que se sobreponha de forma a determinar a outra. A casa vazia seria, para cada estrutura, tanto o seu ponto de falta singular, a anomalia estrutural cujos deslocamentos provocam rearranjos, quanto o lugar de cruzamento com outras estruturas. O objeto = x, paradoxalmente, representa assim tanto a impossibilidade de sobredeterminação das estruturas quanto sua possiblidade de encontro.

. . . não reclamaremos um privilégio para as estruturas sociais etnográficas, remetendo as estruturas sexuais psicanalíticas à determinação empírica de um indivíduo mais ou menos dessocializado. Nem mesmo as estruturas da linguística podem passar por elementos simbólicos ou significantes últimos: precisamente porque as outras estruturas não se contentam em aplicar por analogia métodos tomados de empréstimo à linguística, mas descobrem por si mesmas verdadeiras linguagens. (Deleuze, 1972/2005, p. 246)

Essa discussão, além de situar em parte o contexto intelectual do qual participou Lacan, demonstra como a ideia de uma estrutura maior ou superior foi rejeitada. Não apenas a possibilidade de uma pluralidade de estruturas foi estabelecida, mas também uma variedade de noções de estrutura. Isso permitiu que diferentes disciplinas desenvolvessem seus próprios métodos estruturais sem a necessidade de que estes estivessem articulados ou que derivassem de uma concepção estruturalista primeira que lhes conferisse validade. A seguir, investigaremos como Lacan seguirá utilizando uma noção de estrutura independente do contexto do estruturalismo e para seus próprios fins e descobertas, sem a necessidade de que corresponda a outras.

O matema lacaniano

Em A obra clara (1996) e Le périple structural (2008), Milner propõe uma leitura acerca da obra de Lacan que destaca sua relação com a ciência, atravessando o estruturalismo. Através de dois dos momentos a partir dos quais o autor compreende essa relação, a saber, o primeiro e o segundo classicismo, poderemos reconhecer e aprofundar a questão das estruturas localizadas e do matema em Lacan.

O primeiro classicismo, mais localizável nos primeiros anos do ensino lacaniano, tem como central a relação de Lacan com a linguística estrutural, que serve de apoio à teoria do significante e da estrutura. Um princípio da ciência moderna, que Milner chama de galileísmo, fundamentará essa relação: depurar os objetos, a língua e a linguagem de todo imaginário que obscurece sua estrutura (Milner, 2008Milner, J.-C. (2008). Le périple structural. Paris, France: Verdier.).

Granger (1960/1975aGranger, G.-G. (1975a). Pensamento formal e ciências do homem (Vol. I). Lisboa, Portugal: Editorial Presença. (Trabalho original publicado em 1960)), comentando essa depuração, inclusive afirma que o conhecimento de um objeto a partir da matemática, característica da física moderna, não se refere às suas qualidades, mas às “propriedades formais de um sistema” (p. 10). O conjunto das línguas naturais é considerado apreensível pelos métodos científicos, o que faria da linguística estrutural, cerne do estruturalismo, uma ciência galileana (Milner, 1996Milner, J.-C. (1996). A obra clara: Lacan, a ciência, a filosofia. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar.). O primeiro classicismo, por isso, é considerado um galileísmo ampliado, pois é estendido a objetos que não lhe são “naturais”, uma vez que estranhos aos seus propósitos originais. Se o inconsciente está estruturado como uma linguagem, como propõe o axioma lacaniano, os métodos estruturais podem ser estendidos e a ele aplicados. No primeiro classicismo, portanto, Lacan estaria utilizando os meios científicos da linguística estrutural para construir uma teoria do inconsciente enquanto estruturado. Essa aproximação, porém, baseia-se no que Milner chama de “conjectura hiperestrutural ou teoria da estrutura qualquer” (1996, p. 91), o que implica que a estrutura tem propriedades mínimas, é matematizável e, logo, comum à matemática e à linguística. O galileísmo ampliado garantia a Lacan a cientificidade dos métodos estruturais, mas isso dependeria da sustentação da crucial hipótese de correspondência entre as estruturas linguísticas e matemáticas. Tal correspondência, finalmente, não pôde ser estabelecida, o que determinaria o declínio do primeiro classicismo (Milner, 2008Milner, J.-C. (2008). Le périple structural. Paris, France: Verdier., p. 256). Trata-se de um momento decisivo para Lacan, pois estava colocada a possiblidade para uma noção de estrutura própria. Segundo Milner (2008Milner, J.-C. (2008). Le périple structural. Paris, France: Verdier., p. 205): “A linguagem seguirá sendo objeto das ciências da língua apenas pelas propriedades que só ela tem, mas não pelas propriedades estruturais mínimas que compartilharia com a estrutura qualquer”. Apesar de seguir usando métodos estruturais, isso não mais constrangeria a psicanálise ou qualquer outra disciplina a encontrar um garante epistemológico na linguística estrutural. Isso separa Lacan do movimento estruturalista - ele mesmo já fragmentado -, uma vez que a psicanálise prescindirá dos métodos da linguística estrutural para abordar a estrutura qualquer e dependerá apenas dos seus próprios meios, afinal, estava rompida em definitivo a homogeneidade entre as formalizações das disciplinas do primeiro classicismo - a mesma conclusão à qual vimos chegarem também Foucault e Deleuze.

Há uma passagem de Lacan que ilustra e esclarece o momento de desaparecimento do primeiro classicismo e começo do segundo: “O estruturalismo durará tanto quanto duram as rosas, os simbolismos e os Parnasos: uma temporada literária. . . . Já a estrutura não está nem perto de passar porque se inscreve no real” (Lacan, 1966/2003Lacan, J. (2003). Pequeno discurso no ORTF. In J. Lacan, Outros escritos. (pp. 226-231). Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1966)., pp. 230-231). A relação de Lacan com a estrutura atravessa o estruturalismo, mas dele não depende. A estrutura enquanto método de abordagem e recorte do Real será mantida no segundo classicismo. Mantém-se o encontro lacaniano com a ciência moderna a partir da estrutura qualquer, não necessariamente linguística. Dentro da perspectiva do segundo classicismo, ainda marcado pela manutenção da conjectura hiperstrutural, permanece a hipótese de que a estrutura qualquer é matematizável e, por isso, toca o Real. A interpretação do axioma “o inconsciente é estruturado como uma linguagem” passa a ser: “estando admitido que uma linguagem tem propriedades de estrutura - e isso é demonstrado pela linguística -, o inconsciente tem as mesmas propriedades. Pouco importam os procedimentos pelos quais essas propriedades são estabelecidas” (Milner, 2008Milner, J.-C. (2008). Le périple structural. Paris, France: Verdier., p. 197).

Antes de seguirmos, é preciso superar uma possível contradição que pode se apresentar ao leitor neste ponto. Ora, Milner afirma que a linguagem e o inconsciente têm as mesmas propriedades de estrutura, ao passo que anteriormente, a partir de Foucault e Deleuze, vimos que as estruturas da linguagem, do parentesco e do inconsciente não puderam ser reduzidas a uma mesma base estrutural. Ter propriedades de estrutura significa, para Milner, ter as propriedades mínimas de uma estrutura qualquer. Ou seja, o inconsciente é estruturado assim como a linguagem é estruturada - o que não implica necessariamente que a estrutura do inconsciente seja redutível à da linguagem, ao menos tal qual proposta pela linguística. Dois objetos serem apreensíveis em termos de estrutura não significa que compartilham as mesmas propriedades estruturais. Considerando os motivos do fim do primeiro classicismo, poderíamos afirmar que há inclusive diversos métodos estruturais, procedimentos próprios a cada disciplina e elaborados para seus fins particulares. Por isso Lacan terá que inventar novos conceitos e dialogar com outros campos, como a topologia e a lógica matemática, pois os métodos da linguística deixarão de ser os únicos ou mesmo privilegiados meios de acesso à estrutura.

A conjectura hiperestrutural (ou teoria da estrutura qualquer) seguirá no segundo classicismo, e a literalização será ainda mais marcante na obra lacaniana. A literalização, ou simplesmente redução a letras, apreende os objetos de forma que suas qualidades sejam “sistematicamente eliminadas e substituídas por fórmulas matematizadas” escritas por letras, dentro da perspectiva do galileísmo, em que “tudo o que se deixa matematizar é objeto possível para a ciência” (Milner, 2008Milner, J.-C. (2008). Le périple structural. Paris, France: Verdier., pp. 288-289). Os matemas, fórmulas resultantes da literalização, por sua vez, não tratarão de se constituir em encadeamento racional, mas “zonas estritamente circunscritas de literalidade” (Milner, 1996Milner, J.-C. (1996). A obra clara: Lacan, a ciência, a filosofia. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar., p. 108). Para cada região do Real, um matema não necessariamente articulado aos demais. A consequência disso, conclui Milner (1996Milner, J.-C. (1996). A obra clara: Lacan, a ciência, a filosofia. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar., p. 108), é que todo matema é “fragmentado” e, finalmente, local. O caráter localizado dos matemas lacanianos e, logo, a sua desarticulação, não representa necessariamente um prejuízo ou deficiência à teoria psicanalítica. Muito antes, e esta é a perspectiva defendida neste artigo, a localização do matema é o que permite sua variedade e potência teóricas.

O matema lacaniano não é uma cadeia racional, mas apreende pedaços do Real, da estrutura do inconsciente naquilo que ela se deixa simbolizar. Sobre isso, Lacan afirma que “é por pequenos nacos de escritura que entramos no real, a saber, que cessamos de imaginar; . . . a escritura de pequenas letras, de pequenas letras matemáticas, é isso que suporta o real” (1975-1976, 13/1/76). O Real, portanto, opõe-se a qualquer ideia de totalidade, pois, conforme Lacan (1975-1976, 16/3/76), “o real é sempre um naco [bout]”. A apreensão de estruturas tão somente locais em forma de matema não diz respeito a uma insuficiência da literalização, mas sim a uma conformidade do método ao objeto, ou melhor, a uma particularidade epistemológica de Lacan: se o Real é heterogeneamente composto por “nacos”, a estrutura só pode ser local.

Isso depende de uma compreensão da noção de Real como “ex-sistência” ao sentido (Lacan, 1974-1975/2002Lacan, J. (2002). R.S.I: Seminário 22. Buenos Aires, Argentina: Escuela Freudiana de Buenos Aires. (Trabalho original publicado em 1974-1975, publicação não comercial)), ou seja, ele não apenas não compõe uma cadeia racional como é justamente o limite desta. Clinicamente falando, à guisa de exemplo, podemos citar o lapso que interrompe e desaloja a narrativa linear e organizada de um analisante. Voltando ao plano teórico, como uma casa vazia de Deleuze, o Real surge como um impossível que a binariedade encontra em seu procedimento de formalização. Uma das consequências desse raciocínio é que os matemas da psicanálise não promovem sequer um encadeamento entre si. Costuram zonas heterogêneas, mas não compõem uma totalidade, possuindo, inclusive, tipos de escrita diferentes (Milner, 1996Milner, J.-C. (1996). A obra clara: Lacan, a ciência, a filosofia. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar., p. 106). Rona também contribui para este debate:

a possibilidade de formalização existe, guardada a necessidade de se delimitar os fenômenos psicanalíticos, de tratá-los localmente. Sonhos, fantasia, a fala em análise, como exemplos, poderiam a bom título apresentar lógicas distintas, o que não impediria sua formalização, em cada caso. (2012, pp. 238-239)

Rona apresenta a tese da homologia entre a lógica do significante e a teoria dos conjuntos e, por isso, coloca-se em acordo com a passagem do pensamento qualitativo ao pensamento matematizado conforme sustentado por Granger (1960/1975bGranger, G.-G. (1975b). Pensamento formal e ciências do homem (Vol. II). Lisboa, Portugal: Editorial Presença. (Trabalho original publicado em 1960), p. 14), no qual um universo de objetos é desprovido de suas qualidades e reduzido à sua essência de diferença em um conjunto. Segundo Rona (2012Rona, P. M. (2012). O significante, o conjunto e o número: a topologia na psicanálise de Jacques Lacan. São Paulo, SP: Annablume.), se mais de um conjunto pode ser considerado coerente, haveria uma “pluralidade das verdades” (p. 92), de forma que “mais de uma forma de organização do sistema significante” e, portanto, diferentes topologias podem ser consideradas verdadeiras (Rona, 2012Rona, P. M. (2012). O significante, o conjunto e o número: a topologia na psicanálise de Jacques Lacan. São Paulo, SP: Annablume., p. 346). Não há razão para que “todas as noções, práticas, éticas, clínicas e teóricas sejam reconduzidas a um mesmo núcleo de assertivas para que postulemos um grau de cientificidade da psicanálise”, pois “basta que exista coerência nas localidades e que exista comensurabilidade entre elementos” (Rona, 2012Rona, P. M. (2012). O significante, o conjunto e o número: a topologia na psicanálise de Jacques Lacan. São Paulo, SP: Annablume., p. 93). A verdade de cada matema não seria assim garantida pela sua conformidade a um princípio maior, mas sim pela sua coerência interna e local. A literalização em Lacan seria, portanto, livre tanto da “aspiração totalitária” e da “racionalidade triunfal”, que buscam uma racionalidade explicativa final única, quanto da “aspiração relativista” e da “irracionalidade obscurantista”, que prescindem de coerência para suas construções teóricas (Rona, 2012Rona, P. M. (2012). O significante, o conjunto e o número: a topologia na psicanálise de Jacques Lacan. São Paulo, SP: Annablume., p. 348).

Se os matemas lacanianos não são dedutíveis uns dos outros e sequer compõem um mesmo conjunto teórico coeso, eles estariam de acordo com a ciência e sua busca por leis fundamentais subjacentes aos fenômenos? Muito embora Einstein e Infeld (1938/2008Einstein, A., & Infeld, L. (2008). A evolução da física. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1938)) reconheçam uma distância incalculável entre a situação das teorias da física e o seu ideal, esclarecem que este “seria a explicação de todos os acontecimentos da natureza por leis estruturais sempre válidas em toda parte” (p. 202). Físicos contemporâneos como Hawking e Mlodinow (2011Hawking, S., & Mlodinow, L. (2011). O grande projeto: novas respostas para as questões definitivas da vida. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira.) inclusive admitem que “a esperança original dos físicos de produzir uma teoria única, explicando as leis aparentes do nosso universo como a única consequência possível de umas poucas suposições simples, pode precisar ser abandonada” (p. 89). Em outro trabalho, os mesmos autores (Hawking & Mlodinow, 2005Hawking, S., & Mlodinow, L. (2005). Uma nova história do tempo. Rio de Janeiro, RJ: Ediouro.) ainda consideram possível que, sob as exigências da coerência matemática, o estudo do universo primitivo produza uma teoria única ainda neste século.

Mesmo assim, segundo eles, na situação atual “não há um modelo matemático ou uma teoria única que descreva todos os seus aspectos [do universo]”, mas apenas uma rede de teorias na qual cada uma delas “descreve muito bem fenômenos dentro de um determinado domínio” (Hawking & Mlodinow, 2011Hawking, S., & Mlodinow, L. (2011). O grande projeto: novas respostas para as questões definitivas da vida. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira., pp. 43-44). Essa afirmação dos cientistas opõe-se a Granger (1960/1975bGranger, G.-G. (1975b). Pensamento formal e ciências do homem (Vol. II). Lisboa, Portugal: Editorial Presença. (Trabalho original publicado em 1960), p. 109), para quem nas ciências da natureza é possível encontrar estruturas globais, ao passo que nas ciências humanas apenas as investigações locais seriam eficazes.

Sem que ela seja necessariamente representativa de todo campo científico, a situação da ciência física demonstra que a reunião de um conjunto de enunciados sob um princípio único dos quais seriam dedutíveis não é uma condição à prática das disciplinas científicas. Segundo Milner (1996Milner, J.-C. (1996). A obra clara: Lacan, a ciência, a filosofia. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar.), “mesmo que a física matematizada fosse unificada (o que não é), a matemática de sua matematização não teria de sê-lo, pois a matemática em si mesma não o é” (p. 112). Por isso, os matemas da psicanálise não estarem ordenados segundo um princípio único não os torna menos eficazes na literalização do Real, afinal, também não há motivo para um encadeamento totalizante na teoria psicanalítica.

Também não se trata de autorizar a matematização em psicanálise a partir de sua comparação com a ciência, como se esta fosse o garante daquela. A epistemologia psicanalítica, se assim podemos dizer, não necessita de nenhuma validação externa. Não há, aliás, motivo sequer para que a psicanálise esteja alinhada em seus métodos - literalizantes ou não - com a ciência. A psicanálise, afinal, orientada ou não por métodos científicos, ocupa-se de um domínio foracluído pela ciência - o sujeito do inconsciente. Além do mais, a literalização lacaniana se dedica a um Real que não é o real natural da ciência. Nesse sentido, não se trata da utilização de um método já construído e apenas aplicado a um objeto diferente. A literalização na psicanálise não é, por isso, tão somente um galileísmo estendido, pois a apropriação lacaniana de métodos científicos acaba por modificá-los e torná-los psicanalíticos.

Mais uma vez, Granger contribui para esta discussão, afirmando que a ciência “não se reduz a um conjunto de dogmas definitivamente estabelecidos e racionalmente encadeados”, de forma que não é a sistematização definitiva que garantiria a “estrada segura da ciência” (Granger, 1960/1975aGranger, G.-G. (1975a). Pensamento formal e ciências do homem (Vol. I). Lisboa, Portugal: Editorial Presença. (Trabalho original publicado em 1960), p. 22). O autor (1960/1975aGranger, G.-G. (1975a). Pensamento formal e ciências do homem (Vol. I). Lisboa, Portugal: Editorial Presença. (Trabalho original publicado em 1960)) propõe que a epistemologia deve se encontrar na posição paradoxal de captar a ciência sem substituí-la por uma imagem hipostasiada, pois “o edifício científico encontra-se necessariamente em desequilíbrio e constantemente em progresso” (p. 22). De acordo com esses argumentos, a psicanálise pode depender dos seus próprios meios teóricos sem ter de se adaptar a uma epistemologia já existente e supostamente válida. O diálogo de Lacan com a ciência não tem como objetivo a busca de vias consagradas e seguras, afinal, o próprio movimento científico age por rupturas e reformulações, numa espécie de instabilidade produtiva. Se Granger (1960/1975bGranger, G.-G. (1975b). Pensamento formal e ciências do homem (Vol. II). Lisboa, Portugal: Editorial Presença. (Trabalho original publicado em 1960), p. 18), ao investigar o pensamento formal nas ciências humanas, conclui que cabe justamente a elas colocar problemas inéditos ao matemático, poderíamos dizer que o mesmo se aplica à psicanálise. E é assim que Lacan (1965Lacan, J. (1965). Resumo do seminário “Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise”. Annuaire de l’École Pratique des Hautes Études (pp. 249-251). Recuperado de https://goo.gl/Cd32nY
https://goo.gl/Cd32nY...
) define a questão que faz seu “projeto radical”: a que vai de “a psicanálise é uma ciência?” para: “o que é uma ciência que inclui a psicanálise?” (p. 249). Referindo-se agora diretamente à psicanálise, Granger coloca:

Se [a psicanálise] contribui para desencadear eficazmente uma revisão da ciência, é, sem dúvida, na medida em que a objetivação da situação clínica exige uma maior flexibilidade dos modelos utilizados noutras disciplinas e uma perspectivação, no interior de uma prática, da noção de estrutura. (1960/1975bGranger, G.-G. (1975b). Pensamento formal e ciências do homem (Vol. II). Lisboa, Portugal: Editorial Presença. (Trabalho original publicado em 1960), p. 155)

Sendo assim, afirmando que o pensamento formal não se reduz apenas aos instrumentos matemáticos já conhecidos, Granger (1960/1975aGranger, G.-G. (1975a). Pensamento formal e ciências do homem (Vol. I). Lisboa, Portugal: Editorial Presença. (Trabalho original publicado em 1960)) conclui que a “ação do pensamento formal nas ciências humanas” não opera somente como redução dos fenômenos aos cálculos, “mas também como invenção de estruturas novas, e mesmo de uma matemática original” (p. 40). Ora, e não seria exatamente uma espécie de “matemática original” aquilo que podemos reconhecer em Lacan?

A estrutura localizada e o universalismo na clínica

François Jullien (2009Jullien, F. (2009). O diálogo entre as culturas: do universal ao multiculturalismo. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar.) coloca uma questão sobre o universal que será pertinente para esta discussão: o universal serviria “apenas para reconhecer uma totalidade constatada na experiência” ou, diferentemente, ele apontaria um “dever-ser projetado como a priori e estabelecendo uma norma absoluta para toda humanidade?” (p. 14). O interesse da psicanálise nessa questão se justifica de várias formas. Uma delas é a discussão da natureza dos aforismos axiomáticos lacanianos, como “o inconsciente é estruturado como uma linguagem”. Outra diz respeito aos matemas, como a fórmula do fantasma ($ <> a) e o seu fundamento epistemológico. Se até então estamos reconhecendo uma noção de estruturas localizadas em Lacan, é preciso compreender agora sua possível relação com o universal. Os aforismos e matemas lacanianos seriam descrições de algo constatado na experiência ou, de outra forma, seriam enunciados teóricos a priori? Em ambos os casos podemos questionar se são de ordem universal ou restritos a um domínio específico, como a cultura ocidental dentro da qual surge a psicanálise. Percorreremos a distinção entre universal, uniforme e comum, conforme proposta por François Jullien, para aprofundar esse problema.

O comum, de ordem política, é o lugar da partilha e “aponta o fundo sem fundo no qual nossa experiência se enraíza e que ela mesma contribui para desenvolver” (Jullien, 2009Jullien, F. (2009). O diálogo entre as culturas: do universal ao multiculturalismo. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar., p. 15); ele é, portanto, extensivo, e essa extensão se estabelece de acordo com a própria experiência de partilha. O uniforme, por sua vez, diz respeito à globalização da mercadoria e atende aos interesses da produção, “difundindo indefinidamente o semelhante” (Jullien, 2009Jullien, F. (2009). O diálogo entre as culturas: do universal ao multiculturalismo. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar., p. 14). O universal, finalmente, ao contrário do uniforme e do comum, surge de uma necessidade da razão, a priori, e é prévia a toda experiência (Jullien, 2009Jullien, F. (2009). O diálogo entre as culturas: do universal ao multiculturalismo. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar., p. 19). O uniforme opõe-se ao diferente, o universal, ao singular (Jullien, 2009Jullien, F. (2009). O diálogo entre as culturas: do universal ao multiculturalismo. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar., p. 31). A partir dessa tríade, contata-se ainda um desdobramento em dois tipos de universal. Um deles, mais fraco, estaria sustentado pela experiência: “constatamos, na medida em que pudemos observar até aqui, que essa coisa sempre se dá de tal forma” ou “todos os casos (de uma mesma classe) acham-se efetivamente concernidos” (Jullien, 2009Jullien, F. (2009). O diálogo entre as culturas: do universal ao multiculturalismo. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar., p. 19). O segundo universal, mais forte e estrito, surge da razão como necessidade lógica:

supomos a princípio, antes de qualquer confirmação pela experiência, que determinada coisa deve se passar assim. Sem nenhuma exceção possível: afirmamos não apenas que a coisa acha-se até o presente de tal forma, mas que não pode ser diferente. (Jullien, 2009Jullien, F. (2009). O diálogo entre as culturas: do universal ao multiculturalismo. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar., p. 19)

Um último desdobramento da esquematização de Jullien será crucial para a questão da estrutura localizada apreendida pelo matema de Lacan, a saber, a oposição entre o enunciado universalizável e o universalizante. O primeiro caso pode ter a extensão de sua validade posta à prova, isto é, até qual parte da amostragem o enunciado se aplica. O segundo, por sua vez, não pode ter sua validade testada pela experiência, pois ele é “o que faz surgir . . . o universal”, e seu valor só é medido “pela potência e intensidade desse efeito” (Jullien, 2009Jullien, F. (2009). O diálogo entre as culturas: do universal ao multiculturalismo. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar., p. 152). O universalizante nem por isso deixaria de estar ligado à experiência, pois é um tipo de enunciado que produz efeitos sobre dada realidade. Ora, dado que a ciência pode apreender objetos construindo sistemas sintaticamente coerentes e através de enunciados universalizantes, prescindindo dos dados sensíveis da experiência, Granger (1960/1975aGranger, G.-G. (1975a). Pensamento formal e ciências do homem (Vol. I). Lisboa, Portugal: Editorial Presença. (Trabalho original publicado em 1960)) pergunta: “como se encontra garantida a eficácia do seu impacto no mundo da percepção?” (p. 30). De maneira ainda mais pertinente à presente discussão, Jullien coloca uma questão semelhante, mas no âmbito das ciências humanas:

. . . uma universalidade desse tipo, que tem como modelo a demonstração matemática e repousa exclusivamente na ligação formal necessária, operando-se a priori no espírito, independentemente de tudo que possamos aprender por observação ou experiência, mas cuja validação seguramente, quanto à ciência, é incontestável . . . será ela tão pertinente quando, deixando de lado o saber que construímos com as coisas, retornamos ao humano? (2009, p. 21)

Dito de outra forma, por que o enunciado universalizável, matematicamente válido e coerente, seria tão eficaz em outros campos quanto o é na natureza? A questão pode ser transposta para o matema lacaniano da estrutura localizada; afinal, ao que se deve sua eficácia? À oposição entre a estrutura como modelo teórico, a priori, distante da experiência, e a estrutura como simples descrição de uma realidade dada, veremos que Lacan proporá uma terceira alternativa:

. . . essa antinomia desconhece um modo da estrutura que, por ser terceiro, não deve ser excluído, ou seja, os efeitos que a combinatória pura e simples do significante determina na realidade em que se produz. Pois, é ou não o estruturalismo aquilo que nos permite situar nossa experiência como o campo em que isso fala? Em caso afirmativo, “a distância da experiência” da estrutura desaparece, já que opera nela não como modelo teórico, mas como a máquina original que nela põe em cena o sujeito. (Lacan, 1960/1998Lacan, J. (1998). Observação sobre o relatório de Daniel Lagache. In J. Lacan, Escritos (pp. 653-691). Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1960), p. 655)

Isso torna claro que o interesse de Lacan na noção de estrutura é a maneira como o sujeito do significante está por ela determinado. O que a matematização do Real permite a Lacan apreender em termos de estrutura é essa “máquina original” que põe o sujeito em cena, na experiência. Nem a teoria a priori nem a descrição de uma realidade dada - a estrutura em Lacan tem um caráter criador.

Para responder a questão de Jullien e compreender a afirmação de Lacan colocadas, recorremos novamente a Granger. O pensamento científico seguiria o propósito de construir uma linguagem cuja sintaxe pode descrever as relações objetivas entre os fenômenos e, por isso, deve ser um trabalhado realizado “sobre o mundo percepcionado” (Granger, 1960/1975aGranger, G.-G. (1975a). Pensamento formal e ciências do homem (Vol. I). Lisboa, Portugal: Editorial Presença. (Trabalho original publicado em 1960), p. 71). Granger afasta o propósito do pensamento formal da razão a priori - que constrói esquemas perfeitos que só dizem respeito a um mundo de imagens ideais -, assim como de outro tipo de esquema que busca aperfeiçoar-se gradualmente a fim de melhor descrever a estrutura de uma realidade. Desfazendo a oposição entre a abstração ideal e a experiência, o autor defende que sem um esquema “não há, estritamente falando, estrutura”, pois uma estrutura objetiva é “o mundo mais a linguagem” (Granger, 1960/1975aGranger, G.-G. (1975a). Pensamento formal e ciências do homem (Vol. I). Lisboa, Portugal: Editorial Presença. (Trabalho original publicado em 1960), p. 71, grifo nosso). Não podemos afirmar que o autor se refere à mesma noção de estrutura utilizada por Lacan, mas isso não é relevante aqui, pois levamos em conta apenas a maneira como Granger constrói a relação de uma teoria com seu campo de experiência desfazendo a oposição entre a teoria a priori e a que somente descreve uma realidade dada. Apesar de Granger (1960/1975aGranger, G.-G. (1975a). Pensamento formal e ciências do homem (Vol. I). Lisboa, Portugal: Editorial Presença. (Trabalho original publicado em 1960), p. 90) afirmar que o sucesso de uma linguagem científica dependerá sempre de sua ligação com a experiência, isso não significa que o sucesso dessa linguagem está subordinado à experiência, isto é, à confirmação ou refutação daquela.

Não se trata de hipóteses sobre uma realidade dada que podem ser testadas na experiência imediata. Como, portanto, a apreensão da estrutura, em termos formais, conecta-se com a experiência, isto é, pode ser “o mundo mais a linguagem”? Granger (1960/1975aGranger, G.-G. (1975a). Pensamento formal e ciências do homem (Vol. I). Lisboa, Portugal: Editorial Presença. (Trabalho original publicado em 1960), p. 106) propõe que o pensamento formal funcione como um sistema de “observação e intervenção” que o teórico tenta reduzir a uma axiomática, o que supõe que o reconhecimento da existência de uma realidade depende de sua esquematização. Na relação do pensamento formal com as ciências do homem, não há experiência imediata ou pura da realidade, tampouco uma linguagem sintaticamente organizada que diga respeito apenas a objetos transcendentes. A solução à questão da relação da esquematização com a experiência será, finalmente, a provisoriedade do esquema (Granger, 1960/1975aGranger, G.-G. (1975a). Pensamento formal e ciências do homem (Vol. I). Lisboa, Portugal: Editorial Presença. (Trabalho original publicado em 1960), p. 135). O esquema, mesmo que elaborado a priori, cria uma ordem de fenômenos e possibilita sobre eles a experiência controlada que, por sua vez, permite rever a esquematização. A axiomatização serve antes ao equilíbrio provisório dos conceitos que organizam uma prática do que à busca por estruturas imóveis e, por isso, funciona como um trabalho (Granger, 1960/1975bGranger, G.-G. (1975b). Pensamento formal e ciências do homem (Vol. II). Lisboa, Portugal: Editorial Presença. (Trabalho original publicado em 1960)), o que lhe confere o valor de método.

A discussão acerca dos tipos de universalidade e da particularidade da teoria psicanalítica de Lacan é fundamental para a construção de uma perspectiva crítica a respeito das questões contemporâneas da clínica psicanalítica. A universalidade do complexo de Édipo, por exemplo, objeto de debates entre antropólogos e psicanalistas no século passado (no caso mais conhecido, entre Malinowski e Jones), é uma delas. Essa questão tem especial relevância também na contemporaneidade, uma vez que diversos trabalhos e estudos psicanalíticos se dedicam a investigar novas formas clínicas como correlatas de novos laços ou organizações culturais, o que permite questionar o lugar do mito edípico na teoria e na clínica psicanalíticas na atualidade. Se o complexo de Édipo é tido como universal extensivo, universalizável, bastaria apresentar casos clínicos não edípicos para contestar a universalidade do complexo. Se, por outro lado, tomarmos Édipo como universalizante, como um conjunto de conceitos que organizam uma prática, podemos considerá-lo como um dos conjuntos verdadeiros ou uma das estruturas possíveis. Ainda que originado de uma necessidade a priori da razão, consideraremos o universalizante como eficaz apenas na medida em que opera como o esquema, tal qual exposto por Granger, como que ordenando um conjunto de fenômenos sobre o qual permite uma prática antes inexistente. Uma necessidade lógica que não esteja referida apenas a objetos transcendentais e indiferentes à prática, tampouco uma teoria descritiva da realidade dada, mas um método de simbolização de regiões do Real. Acreditamos que essa construção serve para elucidar as vias epistemológicas escolhidas por Lacan, como o seguinte trecho demonstra:

Temos que nos aperceber de que não é com a faca que dissecamos, mas com conceitos. Os conceitos têm sua ordem de realidade original. Não surgem da experiência humana - senão seriam bem feitos. As primeiras denominações surgem das próprias palavras, são instrumentos para delinear as coisas. Toda ciência permanece, pois, muito tempo nas trevas, entravada na linguagem. (Lacan, 1975/1986Lacan, J. (1986). O seminário, livro 1: os escritos técnicos de Freud. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1975), p. 10)

Sugerindo que a ambição universalista é mais reveladora do pesquisador do que do domínio investigado, Granger (1960/1975bGranger, G.-G. (1975b). Pensamento formal e ciências do homem (Vol. II). Lisboa, Portugal: Editorial Presença. (Trabalho original publicado em 1960)) afirma que os tipos clínicos considerados representativos de uma sociedade podem depender “muito estreitamente dos traços culturais do grupo a que pertence o autor do inquérito” (p. 153). Jullien (2009Jullien, F. (2009). O diálogo entre as culturas: do universal ao multiculturalismo. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar., pp. 57, 86), por sua vez, localiza o interesse pela questão do universal, oriunda dos gregos, no Ocidente, o que faria dela uma preocupação singular de certa cultura. Isso permite colocar as seguintes questões: de que serve à psicanálise que seus tipos ou estruturas clínicas sejam compreendidos apenas a partir de um único complexo? Em que medida isso não seria apenas a reprodução da tendência ocidental ao universalismo? A universalidade de Édipo pode ser questionada também a partir de sua amplitude histórica e não apenas geográfica, o que reforça a relevância das questões secretadas pela clínica psicanalítica contemporânea, na qual a discussão sobre novos sintomas e tipos clínicos pode ser relançada a partir do matema da estrutura localizada.

Um autor brasileiro que contribui para o aprofundamento do problema é Dunker (2015Dunker, C. I. L. (2015). Mal-estar, sofrimento e sintoma: uma psicopatologia do Brasil entre muros. São Paulo, SP: Boitempo.). Ele critica o centramento da diagnóstica psicanalítica no modelo da neurose, correlato da compreensão exclusivamente totêmica da cultura organizada universalmente pela função paterna. Por entender que os discursos sobre um objeto podem modificá-lo, o autor realiza uma espécie de genealogia da racionalidade diagnóstica que culmina na psicopatologia contemporânea, ao mesmo tempo que identifica as diferentes estratégias diagnósticas que lhe são idiossincráticas. O diagnóstico é uma nomeação que gera efeitos no indivíduo e no social, restabelecendo os critérios normativos através da história. A conclusão de Dunker (2015Dunker, C. I. L. (2015). Mal-estar, sofrimento e sintoma: uma psicopatologia do Brasil entre muros. São Paulo, SP: Boitempo.) é a de que “não é possível separar os sofrimentos e sintomas típicos de um contexto histórico-cultural da racionalidade diagnóstica onde eles se apresentam” (p. 265). Se aceitamos essa hipótese, devemos considerar que a própria psicanálise estaria contribuindo para os novos sintomas pelos quais tem se interessado. Sendo assim, Dunker (2015Dunker, C. I. L. (2015). Mal-estar, sofrimento e sintoma: uma psicopatologia do Brasil entre muros. São Paulo, SP: Boitempo.) afirma que, se “temos agora novas patologias baseadas no déficit narrativo, na incapacidade de contar a história de um sofrimento, na redução do mal-estar à dor sensorial” (p. 33), isso não deve ser pensado como independente da “condensação das formas de linguagem que a pós-modernidade reserva ao sofrimento”. A psicanálise estaria aí implicada?

Se as narrativas oferecidas pelos diagnósticos da psicopatologia participam da determinação dos sofrimentos, podemos discutir a proposta de Dunker a partir do uniforme e do universal descritos por Jullien. Segundo o autor, “o mundo contemporâneo, globalizado, parece confundi-los” (Jullien, 2009Jullien, F. (2009). O diálogo entre as culturas: do universal ao multiculturalismo. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar., p. 29). O Um que funda o universal como “uni-versus”, em oposição à dispersão do “di-versus”, teria passado a funcionar como o Um do “uni-forme”, repetidor do mesmo. Questionamos: a assunção do mito edípico como complexo universalmente experienciado não promoveria uma semelhante uniformização? Ao contrário do universal, o uniforme não tem “nenhuma preocupação com seu fundamento” (Jullien, 2009Jullien, F. (2009). O diálogo entre as culturas: do universal ao multiculturalismo. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar., p. 29), apenas replica o regular. A globalização dos diagnósticos, aliada à falta de críticas que contribuam para suas reformulações, estaria sendo o modelo privilegiado que abafa a possiblidade de novas racionalidades diagnósticas teoricamente fundamentadas por hipóteses universalizantes (no sentido criador que destacamos neste artigo).

Na lógica diagnóstica psicanalítica tripartida entre neurose, perversão e psicose, os casos diferentes da neurose são reconhecidos apenas por meio de um déficit paterno (foraclusão na psicose e desmentido na perversão). Dunker (2015Dunker, C. I. L. (2015). Mal-estar, sofrimento e sintoma: uma psicopatologia do Brasil entre muros. São Paulo, SP: Boitempo.) sugere a necessidade de reformulação da diagnóstica psicanalítica, uma vez que o diagnóstico tripartido, tomado acriticamente, também não contempla a diversidade dos casos clínicos na contemporaneidade. Assim, propondo o perspectivismo animista como uma das alternativas possíveis ao totemismo, Dunker (2015Dunker, C. I. L. (2015). Mal-estar, sofrimento e sintoma: uma psicopatologia do Brasil entre muros. São Paulo, SP: Boitempo.) critica as ideias de cultura e estruturas clínicas organizadas por princípios únicos, a saber, o totêmico e o paterno. Se o Real da psicanálise não se ordena segundo uma razão única, ou seja, é variado e não uniforme, vemos que esse Real é compatível com o conjunto de proposições sobre a estrutura localizada de Rona e Milner, pois a variedade de topologias e conjuntos coerentes se opõe a uma estrutura baseada segundo uma ordem única. Ora, as generalizações via indução, incluído aí o uniforme universalizável de Jullien, no qual a regularidade em alguns casos pode ser estendida a todos os outros, baseiam-se na assunção de um real uniforme, como a natureza investigada pela ciência. Se o Real lacaniano é, por definição, uma impossibilidade irredutível de simbolização, um universalismo em psicanálise deverá ser restrito ao sentido lógico, como hipótese que funda uma classe, que recorta e ordena pedaços do Real, mas não como afirmação universalmente verdadeira e aplicável. Eis a importância de uma compreensão crítica da modalidade de universalidade que o matema lacaniano confere à teoria psicanalítica.

Esse raciocínio, quando aproximado do que vimos acerca do matema da estrutura localizada, pode ser levado adiante para questionar a relevância do diagnóstico estrutural. De acordo com Dunker (2015Dunker, C. I. L. (2015). Mal-estar, sofrimento e sintoma: uma psicopatologia do Brasil entre muros. São Paulo, SP: Boitempo.), “muito se perdeu na psicanálise reduzindo o diagnóstico à definição de estruturas” (p. 275), afinal, a escuta orientada pela racionalidade diagnóstica se faz presente em todos os momentos do tratamento. Desse ponto de vista, o diagnóstico estrutural aparece como uma alternativa dentro do tratamento, não como um imperativo de identificar a posição do sujeito a uma estrutura clínica. A racionalidade diagnóstica psicanalítica não se reduziria à atribuição de um diagnóstico estrutural. O que se destaca, novamente, é a importância de soluções localizadas que não sejam somente partes de uma cadeia previamente conhecida e referida a um princípio único, afinal, diferentemente de outras práticas clínicas, a psicanálise não começa pelo diagnóstico.

A compreensão de que Édipo não é um complexo extensivamente constatado, mas antes uma teoria que orienta uma prática, requer uma discussão epistemológica. O mesmo se dá no que diz respeito ao diagnóstico estrutural, no qual as três consagradas estruturas clínicas não podem ser consideradas como as únicas possibilidades conhecidas a partir da prática dos psicanalistas, mas sim como as únicas possibilidades teóricas criadas. Sendo assim, a afirmação de Lacan de que os conceitos são os instrumentos com os quais o psicanalista disseca e cria uma “realidade original” ganha seu pleno sentido e reforça a necessidade de compreender criticamente o estatuto das suas ferramentas teóricas. A universalidade no sentido globalizante ou uniformizante, por oferecer uma racionalidade diagnóstica orientada por um princípio único, não apenas não corresponderia às aspirações da ciência moderna (diga-se, fundamental influência na obra de Lacan), como também impediria o reconhecimento de tipos clínicos diversos. A noção de estrutura local, portanto, por organizar-se dentro da perspectiva da pluralidade de topologias e conjuntos coerentes, surge como alternativa teórica para o reconhecimento e a sistematização dos casos clínicos que põem em questão a racionalidade diagnóstica psicanalítica na contemporaneidade.

Referências

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  • 1
    Este artigo deriva de uma pesquisa de seu primeiro autor que foi elaborada na tese de doutorado “Cultura e estrutura em psicanálise”, sob orientação da coautora, no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Para esta publicação, seu texto foi consideravelmente revisado e alterado pelos autores.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2017

Histórico

  • Recebido
    10 Set 2015
  • Revisado
    08 Jan 2016
  • Aceito
    18 Ago 2016
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