Desafios metodológicos para a enfermagem na pesquisa do cuidado

Truisi, Martha Lucia Vásquez

doi:10.1590/S0104-07072010000400001

EDITORIAL

Professora Titular da Escola de Enfermagem da Universidad del Valle, Cali - Colômbia. Coordenadora da Linha de Pesquisa: Sexualidade e Procriação e Cuidado Cultural

Atualmente, podemos ver que, apesar de ter um grande pluralismo metodológico na pesquisa do cuidado em enfermagem, existem ainda alguns desafios a serem considerados para o desenvolvimento e fortalecimento do corpo de conhecimentos da disciplina. Alguns dos desafios metodológicos para a disciplina de enfermagem que deveríamos enfrentar com a finalidade de continuar a avançar e aprofundar o estudo do ato de cuidar estão relacionados a: primeiro, passar de estudos disciplinares a inter e transdisciplinares. A este respeito, devemos abordar o ser humano, não com uma concepção fragmentada, mas como uma unidade, como um ser integral. Por isso é necessário ter em mente que o cuidado é um processo complexo em que atuam diferentes agentes, num contexto socioeconômico, e num momento histórico particular. Poderíamos dizer que, deste modo, a realidade do cuidado se mostra de forma poliédrica, com contradições, em um contexto espaço-temporal. Da mesma forma, sabemos que existe uma interdependência com outras disciplinas e que os instrumentos e formas de construção de teorias foram gerados não só pela disciplina de enfermagem, mas que são patrimônio de outras disciplinas. Essa realidade representa um desafio porque a investigação exigiria uma abordagem menos reducionista e fragmentaria e mais interligada com outras disciplinas, em um complexo esforço metodológico, porque as diferentes disciplinas, muitas vezes, envolvem diferentes abordagens e formas de pensar sobre o fenômeno.

Outro desafio está relacionado com aprender e desenvolver propostas de pesquisa como uma prática de rotina, com um sentido essencialmente transformador de melhorar a qualidade dos cuidados diários nos serviços de saúde. Sabemos que existe uma lacuna entre a teoria ensinada em instituições de formação de talentos humanos e a prática que é exercida em todas as fases do atendimento. Essa ruptura também é evidente entre os resultados obtidos a partir de pesquisa primária realizada por enfermeiros e as poucas mudanças permitidas no cuidado diário.¹ Por isso, é necessário que os enfermeiros se envolvam e participem ativamente nos processos de investigação, que lhes permitam identificar problemas práticos e resolvê-los através desses processos. Um terceiro desafio é que os enfermeiros aprendam a resgatar as experiências de sua prática para sistematizá-las e, a partir deste processo, gerar conhecimento. Nesse sentido, refere-se a ir além da classificação das informações, olhando para as experiências como processos históricos; processos complexos em que diferentes atores intervém em um determinado contexto social e econômico e em um momento institucional do qual fazemos parte. Sistematizar significa, então, entender porque esse processo está se desenvolvendo dessa forma, compreender e interpretar o que está acontecendo, a partir de um ordenamento e uma reconstrução do que aconteceu.

O quarto desafio pode ser trabalhar com métodos que favoreçam a integração e a complementaridade dos paradigmas qualitativo e quantitativo. A defesa da complementaridade metodológica é proclamada por Morin² em sua obra "Os sete saberes necessários à educação do futuro", onde explica que a complexidade dos fatos ou fenômenos exige a presença de visões distintas, mas concorrentes, que oferecem uma riqueza de nuances que podem escapar a cada uma delas isoladamente.

O quinto desafio consiste em transcender o local e particular do cuidado, enriquecendo-o com o global e coletivo. Os estudos comparativos ou interculturais são um excelente exercício para fazer essa transição. Geralmente são encontrados muitos artigos de investigação que estudam o fenômeno do cuidado em uma comunidade ou subcultura em particular, sem comparar ou identificar as semelhanças ou diferenças nas diferentes culturas. O convite é para que esses esforços não fiquem apenas no local e específico da subcultura que é abordada. Com os estudos cross-cultural, como são comumente chamados, se identificam semelhanças e diferenças nas maneiras de abordar o cuidado em diferentes culturas. Através deste tipo de pesquisa podemos descobrir aspectos universais que nos ajudam a entender melhor o comportamento humano em relação ao cuidado humano.

Todos esses desafios podem ser rigoroso exercício de análise, interpretação e integração de resultados que visam dar maior eficácia às investigações desenvolvidas sobre o cuidado e, assim, contribuir significativamente para a geração de conhecimento que permita criar e manter uma sólida base científica para promover melhores práticas no cuidado de pessoas, que reflete não apenas o exercício de práticas com base científica, mas, também, o desenvolvimento de uma profissão autônoma. A pesquisa em Enfermagem deve desenvolver procedimentos metodológicos que facilitem aos profissionais elementos que contribuam a livrá-los da rotina de fazer sempre o mesmo e da mesma maneira.

É necessário questionar o que fazemos, tentando considerar o ato de cuidar, sem menosprezar a fundamentação teórica atual, mas aperfeiçoando-a.

Os desafios assinalados tentam destacar algumas luzes e sombras metodológicas da pesquisa do cuidado em enfermagem. As luzes serão mais luminosas a cada dia, porque temos o talento humano preocupado com a busca da verdade e sobre como transmiti-la no cuidado às pessoas, com o objetivo último de contribuir para a melhoria da qualidade de vida da sociedade.

1. Loayza Enríquez BK. Buscando evidencias en la ciencia y el arte del cuidado de enfermería: retos y desafíos. Evidentia [online]. 2010 Abr-Jun [acceso 2010 Jul 29]; 7(30). Disponible en: http://www.index-f.com/evidentia/n30/ev1530.php
2. Morin E. Los siete saberes necesarios a la educación del futuro. Paris (FR): Organización para las Naciones Unidas para la Educación, la Ciencia y la Cultura (UNESCO); 1999.