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Editorial

EDITORIAL

É corrente a ideia de que nossa produção cientifica é estreitamente vinculada aos Programas de pós-graduação, não apenas porque eles congregam os resultados do trabalho acadêmico da mais expressiva parcela de nossos pesquisadores ativos ou em formação (vide o fato do requisito de atuação em Programa de pós-graduação para obter uma bolsa de pesquisador, por exemplo), mas também por muitas das nossas revistas terem sua emergência e sustentabilidade ligadas a estes Programas.

Quando vivemos o encerramento de um ciclo avaliativo da pós-graduação brasileira, ou seja, a avaliação trienal (2010-2012) dos Programas, pela CAPES, é natural que muito mais esteja em jogo do que conceitos atribuídos a Programas. O ano de 2013 iniciou com este "clima" de final de triênio e, em meio a relatórios, critérios e métricas, estão sob exame professores, estudantes, produções acadêmicas, científicas e tecnológicas. Ficam em foco não apenas os atores da vida acadêmica e seus produtos, mas os sucessos e insucessos de políticas institucionais e das próprias áreas de conhecimento.

Visibilidade é a palavra-chave, já que é condição essencial para uma avaliação consistente. Em que pese as atribulações e limites de um processo de tal monta, é inegável a importância deste momento para um exercício fundamental − a autorreflexividade. Aqui, usando a expressão aplicada pelo sociólogo Giddens para pensar a sociedade atual, esta reflexividade aponta a situação de colocar-se como problema para si mesmo, ou seja, problematizar-se. E tornar-se ou ser "problemático" é algo quase inerente ao conhecimento válido e útil, às práticas sociais que se pretendem críticas e transformadoras, aos pesquisadores comprometidos e, também, às nossas revistas e Programas.1

Podemos levantar algumas questões que permanecem desafiadoras, apesar dos avanços em curso. Ao avaliarmos Programas e cursos, também avaliamos produções, periódicos e pesquisadores. Critérios produzem métricas, em alternativas de transformar em dados ponderáveis ou medidas comparáveis os resultados e impactos que nem sempre são tão comparáveis. Por exemplo, quando apenas o número de publicações se mostrou uma medida insuficiente, foi necessário classificar a qualidade destes produtos, por meio de uma classificação dos veículos de publicação, especialmente os periódicos. Para isso foi necessário estabelecer requisitos de qualidade e, em seguida, rankeamentos com base no impacto de periódicos e artigos.

Por impacto leia-se número de citações e, portanto, visibilidade destes produtos no idioma mundial da ciência, o inglês. De fato, chega-se a dados comparáveis, mas sob que leitura de impacto? Seria possível comparar dois pesquisadores hipotéticos, supondo que o pesquisador 1 atingiu um importante Índice H, no Web of Science ou Scopus (usados neste triênio como fontes para leitura de impacto) e o pesquisador 2 obteve um índice pouco expressivo? Obviamente que este é um elemento capaz de discriminar entre produções quantitativamente semelhantes, por exemplo. Mas o que diz e o que não diz esta leitura? Esta leitura diz que artigos do pesquisador 1 foram mais citados em periódicos indexados nestas bases (Web of Science e Scopus). Portanto, há uma evidência da contribuição de sua produção, o que é meritório, sem dúvida. Mas ela não diz se os artigos do pesquisador 2 também representam contribuição igual ou maior, simplesmente porque são citados em outros periódicos, ou em menor número. Ela não diz se o score de citações se refere a diferentes pesquisadores, revistas e países, ou se concentra em poucos pesquisadores e em uma mesma revista, ou até na revista editada pela instituição ou por autores do mesmo Programa daquele pesquisador (autocitação). Ela não diz se a maioria dos periódicos indexados nestas bases são permeáveis a resultados de pesquisa sobre o objeto de estudo do pesquisador 1 e pouco permeáveis (ou até refratários) ao objeto de estudo do pesquisador 2. Um estudo clínico, por exemplo, encontrará um número muito maior de revistas cujo escopo é pertinente, ou seja, uma disponibilidade expressiva de periódicos acessíveis (que publicam o tema estudado). Já um estudo que aborda objetos relativos à educação em saúde e enfermagem, em contextos nacionais, ou políticas publicas brasileiras, por exemplo, terá reduzida, em muito, a disponibilidade de periódicos permeáveis ao tema. O próprio fato de eleger cenário ou problema regional/nacional já faz com que muitos periódicos orientem autores a submeterem seus artigos a veículos nacionais. Claro que esta não é uma regra ou barreira intransponível, mas representa uma restrição importante. Além disso, tanto pelas restrições colocadas, como pelo interesse mais identificável no escopo de periódicos brasileiros, a oportunidade de divulgação do pesquisador 2 se concentra em veículos que não estão nas bases de dados utilizadas para esta leitura de impacto. Isto não significa menor relevância, mas, como referem alguns, é a medida/leitura disponível neste momento.

Muitos elementos poderiam ser discutidos para problematizar também a capacidade discriminatória do índice H, o que não pode ser feito neste espaço. Diversas críticas são dirigidas às capacidades e incapacidades deste tipo de "dado", especialmente quando aplicado como critério decisivo em processos avaliativos. Por "decisivo" entenda-se "com maior peso". Se este não é um indicador exclusivo, pode ser o mais questionável e arriscado. Por exemplo, quando um Programa alcança todas as métricas de excelência, mas a maioria de seus docentes não atinge o índice H, ela não cumprirá um entre os 13 indicadores ou métricas utilizadas para avaliar a circulação internacional de sua produção científica. Até aí nada incorreto − de fato, a métrica não foi atingida. O problema é quando este único indicador terá impacto em uma dimensão que representa 45% do peso total do que se considera "excelência". Mas, se este Programa atingisse esta métrica, mas não atingisse vários indicadores/métricas de dimensões como solidariedade, nucleação e liderança, não acarretaria semelhante prejuízo à sua avaliação, pois estas três dimensões possuem pesos de 10%, 10% e 15%, respectivamente.

Enfim, parece que estaríamos dizendo a nossos pesquisadores e Programas: "concentrem-se no mais decisivo, no índice H, pois se outros indicadores não forem atingidos, ainda se demonstrará a excelência, mas se este único indicador não for alcançado, de nada valerá demonstrar a excelência em todos os outros indicadores e dimensões". Talvez não se concretize este cenário de adesão às regras do jogo colocadas pelas ciências básicas e médicas, mas precisamos estar alertas.

Apesar de esta reflexão apontar para alguns riscos de nossas decisões, seu foco principal é reconhecer que o momento a que nos referimos (encerramento de ciclo avaliativo) tem se mostrado rico e produtivo. É preciso que se diga para todos que produzem e consomem os resultados da pesquisa em enfermagem brasileira, para todos os atores de nossa pós-graduação, mas que não participam dos fóruns onde todos os Programas estão representados. É evidente o amadurecimento de nossa área; amadurecimento que se mostra nas relações de parceria e solidariedade, na qualidade das discussões e da condução dos processos por todos os líderes e representantes, locais e nacionais.

E o que dizer sobre o grande desafio de ampliar o número e a qualidade de nossos periódicos? Escolas e entidades têm compartilhado este desafio e os resultados são visíveis nos últimos anos − há novas revistas e é crescente a qualificação das mesmas, segundo padrões internacionais. Mas tal crescimento ainda é inferior à demanda alimentada pelo aumento de cursos de pós-graduação e, consequentemente, de novos pesquisadores. Também a visível qualificação editorial não significa rápidos resultados em termos de indexação nas mais reconhecidas bases, também sob limites concretos para dar resposta à maioria dos periódicos. Um círculo vicioso que exige permanente empenho e, muitas vezes, expectativas adiadas.

Para os quatro periódicos brasileiros de enfermagem que já estão indexados nestas bases, e dentre eles, a Texto & Contexto Enfermagem, fica o desafio de acompanhar a evolução dos perfis editoriais, evitando a endogenia e o impacto baseado em autocitação. Aos que buscam tal visibilidade cabe a valorização por parte de pesquisadores e consumidores, pois representam a maior parcela das oportunidades de divulgação, tão necessárias à enfermagem. Não há efeitos imediatos − há o tempo para preparar, submeter e publicar um manuscrito; há o tempo para ser lido e citado. Se estes tempos, somados, forem comparados ao tempo em que nossas revistas estão disponíveis em segunda língua (portanto lidas e citadas internacionalmente) podemos sim reconhecer avanços significativos. Observando-se os resultados alcançados por periódicos que foram pioneiros nestas iniciativas, e que já tiveram melhorias em seus índices de impacto, esta tendência é inegável e podemos pensar que estamos no caminho certo. Mesmo novas revistas já incorporam estes aprendizados e mais rapidamente conquistam importantes patamares de qualidade.

A área está de parabéns. Talvez por isso mesmo não possamos esquecer da primeira de todas as tarefas − problematizar o lugar em que estamos e o que almejamos estar, nossa situação de conforto e de desconforto, o que superamos e o custo de cada passo do caminho.

REFERÊNCIA

  • 1. Giddens A, Beck U, Lach S. Modernização reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. São Paulo (SP): Editora da Universidade Estadual Paulista; 1997.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Abr 2013
  • Data do Fascículo
    Mar 2013
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