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Qualidade de vida de sobreviventes de sepse grave após alta hospitalar1 1 Artigo extraído da Tese de Doutorado “Qualidade de Vida em Sobreviventes de Sepse Graves Após Alta Hospitalar” apresentada à Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, São José do Rio Preto, SP, Brasil

Resumos

OBJETIVOS:

avaliar a qualidade de vida em sobreviventes de sepse grave, utilizando os instrumentos EuroQol-5 Dimensions e Escala Analógica Visual.

MÉTODO:

caso controle aninhado, realizado em pacientes que receberam alta da unidade de terapia intensiva de um hospital de ensino, após admissão com sepse grave. A seleção foi feita a partir do cadastro sepse, contendo 349 prontuários. Cada paciente com sepse foi considerado como um sujeito e o paciente internado após foi considerado controle, desde que não tivesse sepse e tivesse sobrevivido à internação, totalizando 100 sujeitos.

RESULTADOS:

o grupo sepse apresentou mortalidade mais elevada em 1 ano comparado com pacientes críticos, porém, sem sepse no grupo controle. Pacientes mais velhos (>60 anos de idade) no grupo sepse tiveram prevalência significativamente maior de problemas. Não houve diferença na Escala Visual Análoga entre os entrevistados de ambos os grupos.

CONCLUSÕES:

após alta da unidade de terapia intensiva, os pacientes que sobreviveram à sepse tiveram taxa de mortalidade mais elevada do que os pacientes críticos sem a doença. Pacientes idosos com sepse tiveram problemas variando de moderado a grave, em todas as cinco dimensões de qualidade de vida avaliadas.

Sobreviventes; Sepse; UTI; Qualidade de Vida


AIMS:

to evaluate the quality of life in severe sepsis survivors, using specific QoL questionnaires: the EuroQol-5 Dimensions and the Visual Analogue Scale (EQ-VAS).

METHOD:

This case-control study was performed in patients discharged from a teaching hospital after being admitted to the ICU with severe sepsis. Medical records from 349 patients were retrieved from the hospital sepsis registry. Each patient with sepsis was considered as a case. Patients who were admitted immediately after the sepsis episode were considered as controls, provided that they did not have sepsis and survived the ICU admission. This specific study population included 100 patients.

RESULTS:

The sepsis group showed higher mortality at 1 year compared with critically ill patients. However, the control group showed no sepsis. Older patients (>60 years) in the sepsis group had a significantly higher prevalence of problems. There were no differences in EQ-VAS between respondents from both groups.

CONCLUSIONS:

After discharge from ICU, sepsis survivors of sepsis had a higher mortality rate than critically ill patients without sepsis. Older patients with sepsis had more moderate and severe problems in all five quality of life dimensions evaluated.

Survivors; Sepsis; Intensive Care Units; Quality of Life


OBJETIVO:

Evaluación de la calidad de vida de los sobrevivientes de sepsis grave con los instrumentos EuroQol-5D y la Escala Analógica Visual (EQ-VAS).

MÉTODO:

Estudio caso-control anidado en pacientes que recibieron alta de la unidad de cuidados intensivos (UCI) de un hospital de enseñanza después de la admisión con sepsis grave. La selección fue realizada a partir del registro de sepsis conteniendo 349 pacientes y cada paciente con sepsis fue considerado como un caso y el que fue hospitalizado inmediatamente después fue seleccionado como control, desde que no tuviera sepsis y hubiera sobrevivido a la hospitalización en la UCI y la sepsis, totalizando 100 sujetos.

RESULTADOS:

El grupo de sepsis mostró una mayor mortalidad a 1 año comparado con los pacientes en estado crítico pero sin sepsis en el grupo control. Los pacientes ancianos (>60 años) con sepsis tuvieron una prevalencia significativamente mayor de problemas. No hubo diferencias en EQ-VAS entre los entrevistados de ambos grupos.

CONCLUSIONES:

Después del alta de la UCI, los pacientes que sobrevivieron a la sepsis tuvieron una tasa de mortalidad más alta que los pacientes sin enfermedad crítica. Pacientes ancianos con sepsis tuvieron problemas moderados y graves en todas las cinco dimensiones de calidad de vida evaluadas.

Sobrevivientes; Sepsis; Unidades de Cuidados Intensivos; Calidad de Vida


Introdução

Sepse adquiriu grande importância epidemiológica. A incidência de sepse aumentou aproximadamente 90% na década passada e continua a crescer em torno de 1,5% ao ano( 11. Martin GS, Mannino DM, Eaton S, Moss M. The epidemiology of sepsis in the United States from 1979 through 2000. N Engl J Med. 2003;348(16):1546-54. ). Apesar do tratamento, a mortalidade dos pacientes permanece muitíssimo elevada, variando de 40 a 50%( 22. Tsiotou AG, Sakorafas GH, Anagnostopoulos G, Bramis J. Septic shock; current pathogenetic concepts from a clinical perspective. Med Sci Monit. 2005;11(3):RA76-85. ). A prevalência crescente e o aparecimento de novas etiologias estão relacionados com alterações nas características demográficas da população e com o uso cada vez mais frequente de terapêutica imunossupressora e procedimentos invasivos( 33. American Sepsis Institute [Internet]. Campanha Sobrevivendo à Sepse [acesso em: 20 mar. 2012]. Disponível em: http://www.sepsisnet.org/PDF/sugestao%20de%20ficha%20de%20triagem.pdf
http://www.sepsisnet.org/PDF/sugestao%20...
- 44. Sales Jr JA, Lobo SMA, Hatum R, Dias FD, Macedo GL, Costa JI, et al. Sepse Brasil: estudo epidemiológico da sepse em unidades de terapia intensiva brasileiras. Rev Bras Ter Intensiva. 2006;18(1):9-17. ).

No Brasil, aproximadamente 25% dos pacientes internados nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI) tiveram sepse grave, com taxas de mortalidade variando de 35 a 65%( 44. Sales Jr JA, Lobo SMA, Hatum R, Dias FD, Macedo GL, Costa JI, et al. Sepse Brasil: estudo epidemiológico da sepse em unidades de terapia intensiva brasileiras. Rev Bras Ter Intensiva. 2006;18(1):9-17. ). A elevada letalidade da sepse não está restrita à fase aguda da doença, aumentando inclusive o risco de morte nos anos seguintes após a alta hospitalar( 55.Winters BD, Eberlein M, Leung J, Needham DM, Pronovost PJ, Sevransky JE. Long-term mortality and quality of life in sepsis: a systematic review. Crit Care Med. 2010;38(5):1276-83. ). Estudos mostram sequelas cognitivas significativas naqueles que sobrevivem à sepse( 66. Iwashyna TJ, Ely EW, Smith DM, Langa KM. Long-term cognitive impairment and functional disability among survivors of severe sepsis. JAMA. 2010;304(16):1787-94. ). Além da associação com elevadas taxas de mortalidade hospitalar, sepse também pode colocar em risco a qualidade de vida daqueles que sobrevivem à hospitalização, comprometendo sobremaneira a sobrevivência em longo prazo( 77. Westphal GA, Vieira KD, Orzechowski R, Kaefer KM, Zaclikevis VR, Mastroeni MF. Análise da qualidade de vida após a alta hospitalar em sobreviventes de sepse grave e choque séptico. Rev Panam Salud Pública 2012;31(6):499-505. ).

Devido à imunossupressão e a outra razão ainda não bem conhecida no momento, pacientes que tiveram sepse no hospital ainda são considerados em risco elevado de morte após a alta hospitalar. Nos EUA, existem relatos de taxa de mortalidade de 37% para pacientes internados na UTI. Entretanto, apenas 49% dos pacientes sobrevivem à hospitalização e 72% morrem dentro de um ano após a alta hospitalar( 33. American Sepsis Institute [Internet]. Campanha Sobrevivendo à Sepse [acesso em: 20 mar. 2012]. Disponível em: http://www.sepsisnet.org/PDF/sugestao%20de%20ficha%20de%20triagem.pdf
http://www.sepsisnet.org/PDF/sugestao%20...
, 88. Poutsiaka DD, Davidson LE, Kahn KL, Bates DW, Snydman DR, Hibberd PL. Risk factors for death after sepsis in patients immunosuppressed before the onset of sepsis. Scand J Infect Dis. 2009;41(6-7):469-79. ).

Sepse representa gastos volumosos para o sistema de saúde, bem como perdas significativas de produtividade, decorrentes dos longos períodos de internação exigidos e das altas taxas de mortalidade iniciais e finais associadas( 99. Sogayar AMCB, Silva E, Cal RGR, Beer I, Akamine N, Safi J, et al. What are the direct costs of sepsis treatment in Brazilian ICUs? Crit Care 2005;9(Suppl 2):P112. - 1010. Shorr AF, Micek ST, Jackson WL Jr, Kollef MH. Economic implications of an evidence-based sepsis protocol: can we improve outcomes at lower costs? Crit Care Med. 2007;35(5):1257-62. ).

Avanços no tratamento de sepse reduziram as taxas de mortalidade. No entanto, as possibilidades de reintegração dos indivíduos na sociedade, de forma que mantenham convívio social, atividades física e laboral satisfatórias, são comumente desprezadas pela maioria dos estudos( 1111. Hofhuis JG, Spronk PE, van Stel HF, Schrijvers GJ, Rommes JH, Bakker J. The impact of critical illness on perceived health-related quality of life during ICU treatment, hospital stay, and after hospital discharge: a long-term follow-up study. Chest. 2008;133(2):377-85 ).

O conceito de qualidade de vida é subjetivo e, portanto, sua definição é variável e difícil( 1212. Ferraz MB. Qualidade de vida. Conceito e um breve histórico. Jovem Med. 1998;3:219-222. ). A avaliação de qualidade de vida baseia-se na percepção do individuo em relação ao seu próprio estado de saúde. Essa percepção inclui domínios ou dimensões que estão envolvidas no contexto cultural, sistema de valores, expectativas, padrões de estilo de vida e preocupações. Embora difícil de executar, inúmeras ferramentas foram propostas na tentativa de avaliar a qualidade de vida dos pacientes. Alguns questionários foram elaborados e usados para avaliar a qualidade de vida dos pacientes, contemplando diversos aspectos e dimensões como, por exemplo, o físico, o psicológico, o social, o desempenho geral, a dor e o sono, entre outros( 1313. Fleck MPA. O instrumento de avaliação de qualidade de vida da OMS (WHOQOL - 100): característica e perspectiva. Ciênc Saúde Coletiva 2000;5(1):33-8. ).

A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que, de 2000 a 2025, o número de pessoas com mais de 65 anos aumentará 67% nos países desenvolvidos e 44% em países menos desenvolvidos. O nível de saúde, o aumento da demanda de leitos hospitalares e de UTIs e a qualidade de vida após a hospitalização representam preocupações importantes, especialmente para a terceira idade. A evolução tecnológica e os conceitos de economia em saúde tornaram necessária a avaliação não só da eficácia e da toxicidade das intervenções, mas, também, do seu impacto na qualidade de vida dos indivíduos( 1313. Fleck MPA. O instrumento de avaliação de qualidade de vida da OMS (WHOQOL - 100): característica e perspectiva. Ciênc Saúde Coletiva 2000;5(1):33-8. ). O objetivo deste estudo caso-controle aninhado foi avaliar a qualidade de vida de sobreviventes de sepse grave, usando o questionário EuroQol-5 Dimensions - (EQ-5D) e a Escala Visual Análoga - (EQ-VAS).

Material e Método

A coleta de dados só foi realizada após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), Protocolo nº6310/2008. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi dispensado pelo CEP em virtude da natureza anônima do estudo. A coleta de dados foi realizada via entrevista telefônica. O objetivo do estudo foi explicado aos pacientes antes que concordassem em participar do estudo. O estudo foi realizado com pacientes que receberam alta de um hospital-escola de grande porte, após internação na UTI, com sepse grave (UTI com 24 leitos mistos). Os dados dos pacientes com sepse foram recuperados do registro local do Centro de Estudos e Pesquisa em Medicina Intensiva-Cepemi. O registro foi realizado por residentes de medicina e incluíam pacientes internados de maio de 2004 a dezembro de 2009, compreendendo um período de, no mínimo, um ano após a alta hospitalar. Pacientes foram admitidos no estudo sob a condição de terem 18 anos ou mais e possuírem diagnóstico clínico de sepse grave (i.e., dois ou mais critérios de Síndrome de Resposta Inflamatória Sistêmica, SIRS, indício de infecção e, pelo menos, uma Disfunção Orgânica, DO, induzida pela sepse)( 1414. Carr AJ, Thompson PW, Kirwan JR. Quality of life measures. Br J Rheumatol. 1996;35(3):275-81. - 1515. Levy MM, Fink MP, Marshall JC, Abraham E, Angus D, Cook D, et al. 2001 SCCM/ESICM/ACCP/ATS/SIS International Sepsis Definitions Conference. Crit Care Med. 2003;31(4):1250-6. ). Cada paciente com sepse foi considerado como um caso e o paciente admitido imediatamente após foi selecionado para o grupo controle, contanto que não apresentasse sepse e sobrevivesse à internação na UTI.

Recuperou-se, da base de dados do Cepemi, o total de 349 prontuários de pacientes e aqueles que sobreviveram foram examinados no período de estudo. A amostra foi dividida em dois grupos: grupo Controle (grupo C; n=164) e grupo Sepse (grupo S; n=185). Todos os dados foram recuperados dos arquivos dos pacientes incluídos na base de dados do hospital. No grupo S, avaliaram-se 185 pacientes e 50 (27,03%) foram incluídos no estudo. Dos 185 pacientes inicialmente admitidos no estudo, 31 (16,76%) morreram em menos de um ano; dois (1,08%) morreram após um ano; 49 (26,49%) não puderam ser identificados; dois (1,08%) recusaram-se a participar e 51 (27,57%) não puderam ser localizados após duas tentativas. O total de 164 pacientes foi inscrito no grupo C. Dos 164 pacientes admitidos, 14 (8,54%) morreram em menos de um ano; seis (3,66%) morreram após um ano; 11 (6,71%) não puderam ser identificados; um (0,61%) recusou-se a participar e 82 (50%) não puderam ser localizados (Figura 1).

Figura 1
Fluxograma da população do estudo

O objetivo primário do estudo foi avaliar a qualidade de vida dos sobreviventes de sepse, usando-se os questionários EQ-5D e EQ-VAS, considerando que esses instrumentos são usados para coleta de dados via contato telefônico. Esse fato permitiu que o paciente ou o parente mais próximo/representante legal/responsável respondesse aos questionários. Os objetivos secundários foram observar características como, por exemplo, sexo, idade, nível educacional e classe socioeconômica, período de internação hospitalar e na UTI e mortalidade.

Dados demográficos e características clínicas foram coletados dos registros do Cepemi e dos prontuários hospitalares. Foram feitas até três tentativas para contatar todos os pacientes por telefone de manhã, de tarde e de noite, se necessário. Pediu-se a cinquenta pacientes ou membros da família, em cada grupo, que respondessem um questionário semiestruturado, após explicação e esclarecimento do propósito do presente estudo. Aplicaram-se os dois principais componentes do EQ-5D( 1616. EuroQol - a new facility for the measurement of health-related quality of life. The EuroQol Group. Health Policy. 1990;16(3):199-208. - 1717. Dolan P. Modeling valuations for EuroQol health states. Med Care. 1997;35(11):1095-108. ). O primeiro componente define a qualidade de vida relativa à saúde (HR-QoL) em cinco dimensões (mobilidade, cuidados pessoais, atividades usuais, dor/desconforto e ansiedade/depressão), cada uma com três níveis de gravidade (1-nenhum problema/2-algum problema/3-problema extremo). A Escala Visual Análoga (VAS), o segundo componente em uma autoavaliação do estado de saúde, compõe-se de uma escala numerada de 0 (o pior estado de saúde imaginável) a 100 (o melhor estado de saúde imaginável). Consequentemente, EQ-5D foi convertido em índice cardinal único, aplicando-se uma fórmula que atribui valores (pesos) a cada um dos níveis definidos pelas cinco dimensões( 1717. Dolan P. Modeling valuations for EuroQol health states. Med Care. 1997;35(11):1095-108. ). Os índices do estado de saúde foram obtidos subtraindo-se os valores (pesos) relevantes de 1.

Análise Estatística

Onde apropriado, os dados são apresentados como medianas e Amplitude Interquartis (Iq), valores absolutos e percentuais com Intervalos de Confiança (IC) de 95%, ou médias e Desvios-Padrões (DP). O teste U de Mann-Whitney foi usado para comparação das variáveis contínuas. Grupos múltiplos foram comparados usando-se o teste de Kruskal-Wallis. Um valor de p<0,05 foi considerado estatisticamente significante.

Resultados

Dados demográficos, educacionais e socioeconômicos de ambos os grupos são mostrados na Tabela 1. A média de idade dos sobreviventes na hospitalização foi de 52,2 no grupo C e de 51,3 no grupo S. Pacientes com sepse tiveram tempo de hospitalização maior (24,2±15,3 dias) do que pacientes no grupo controle (14,8±10,2 dias) (p<0,001) (Tabela 1). Além disso, pacientes com sepse passaram mais dias na UTI (10,8±9,5 dias) em comparação com o grupo controle (4,8±4,2 dias) (p<0,001).

Tabela 1
Dados demográficos e características dos grupos. São José do Rio Preto, SP, Brasil, 2010

O índice EQ-5D corresponde a 0,747±0,327 e 0,678±0,427 nos grupos C e S, respectivamente, (p=0,66). A frequência de cada nível do EQ-5D de todos os pacientes é demonstrada na Figura 2. As maiores taxas do nível 3 ocorreram na dimensão atividades habituais (16%), autocuidado (10%) no grupo sepse (S). A Tabela 2 mostra a frequência de problemas moderados ou graves (níveis 2 e 3) de cada nível do EQ-5D para ambos os grupos, classificados de acordo com a idade. Pacientes mais velhos (>60 anos), no grupo S, apresentaram prevalência significativamente maior de problemas de moderado a grave (níveis 2 e 3) em todas as dimensões. No entanto, em pacientes mais jovens, problemas de graus moderado a grave foram mais observados no grupo C do que no grupo S, especificamente na dimensão atividades habituais (57% vs 13,3%; p<0,01). Em geral, os pacientes com sepse tiveram menos problemas em todas as cinco dimensões do que aqueles no grupo C (Tabela 2).

Figura 2
Frequência (%) de cada nível do EQ-5D (A: mobilidade; B: autocuidado; C: atividades usuais; D: dor/ desconforto; E: ansiedade/depressão)

Tabela 2
Distribuição de EQ-5D valores 2 e 3 para os grupos S e C, de acordo com categorias de idade. São Jose do Rio Preto, SP, Brasil, 2010

Não houve diferenças na EQ-VAS (72,7±26 grupo C; 79,7±21,1 grupo S; p=0,19) entre os entrevistados de ambos os grupos (Figura 2).

Um valor mediano de 60 foi obtido para pacientes sépticos com mais de 60 anos, em comparação a um valor de 88 obtido para pacientes no grupo controle (p=0,09) (Tabela 3).

Tebela 3
EQ-VAS dos grupos sepse e controle, de acordo com a categoria idade. São Jose do Rio Preto, SP, Brasil, 2010

Discussão

Os resultados principais deste estudo indicam taxa de mortalidade maior para pacientes com sepse que receberam alta hospitalar em um ano, em comparação com aqueles criticamente enfermos, porém, sem sepse. Observa-se, também, prevalência significativamente maior de problemas de moderado a grave em todas as dimensões da vida, avaliada em pacientes mais velhos com sepse.

No presente estudo, a taxa de mortalidade em um ano após alta hospitalar da UTI foi quase duas vezes mais elevada para pacientes com sepse (36,5%) do que para pacientes criticamente enfermos sem sepse (19,7%). Uma pesquisa de magnitude e duração do efeito da sepse em sobreviventes acompanhou 1.505 pacientes hospitalizados com sepse durante oito anos, após alta hospitalar, e apenas 44% dos pacientes com choque séptico sobreviveram após um ano de acompanhamento; 30% dos pacientes sobreviveram após dois anos, e menos de 20% sobreviveram após oito anos( 1818. Kind P, Hardman G, Macran S. UK Population norms for EQ-5D. Discussion Paper 172. York (UK): Centre for Health Economics, University of York; 1999. 98 p. ). De fato, pacientes cirúrgicos com sepse tiveram sobrevivência pós-hospitalar de dois anos, significativamente menor do que pacientes com traumatismo (33 versus 57%)( 1919.Korosec Jagodic H, Jagodic K, Podbregar M. Long-term outcome and quality of life of patients treated in surgical intensive care: a comparison between sepsis and trauma. Crit Care 2006;10(5):R134. ). Em um estudo de revisão sistemática, recém-publicado, sobre mortalidade em longo prazo e qualidade de vida na sepse, a mortalidade em um ano após a alta hospitalar variou de 7 a 43% em 17 estudos, incluindo acompanhamento de um ano. Oito estudos compararam pacientes sépticos com uma população livre de infecção e descobriram taxas de mortalidade quase duas a cinco vezes mais elevadas nos pacientes sépticos( 55.Winters BD, Eberlein M, Leung J, Needham DM, Pronovost PJ, Sevransky JE. Long-term mortality and quality of life in sepsis: a systematic review. Crit Care Med. 2010;38(5):1276-83. ).

Não foram observadas diferenças no índice EQ-5D entre os dois grupos. No entanto, resultados, aqui, indicam um impacto da idade na qualidade de vida dos pacientes sépticos. Mais de 60% dos pacientes acima de 60 anos de idade, no grupo S, tiveram problemas moderados ou graves em todas as cinco dimensões do EQ-5D, taxas essas significativamente mais elevadas do que no grupo C.

Muitos estudos relataram diminuições nos escores de qualidade de vida dos pacientes, comparados com normas populacionais. Alguns autores não encontraram diferenças na qualidade de vida dos pacientes que tiveram sepse em comparação com pacientes gravemente enfermos sem sepse, porém, outros autores encontraram.

A qualidade de vida dos pacientes que sobreviveram à sepse grave e choque séptico foi comparada com aquela dos que sobreviveram a doenças graves sem sepse usando o EQ-5D( 2020. Granja C, Dias C, Costa-Pereira A, Sarmento A. Quality of life of survivors from severe sepsis and septic shock may be similar to that of others who survive critical illness. Crit Care 2004;8(2):R91-8. ). O estudo relatou que em sobreviventes de sepse e choque séptico a qualidade de vida é semelhante à daqueles que sobreviveram a doenças graves internados sem sepse. Em pacientes cirúrgicos com sepse, quando comparados com aqueles com trauma sem sepse, a qualidade de vida foi reduzida ao mesmo nível em ambos os grupos( 1919.Korosec Jagodic H, Jagodic K, Podbregar M. Long-term outcome and quality of life of patients treated in surgical intensive care: a comparison between sepsis and trauma. Crit Care 2006;10(5):R134. ). Por outro lado, pacientes que tiveram sepse como fator de risco primário para Síndrome da Angústia Respiratória Aguda (SARA) foram comparados com sobreviventes de SARA decorrente de trauma. Os autores concluíram que SARA induzida por sepse determinou qualidade de vida pior do que naqueles com SARA induzida por trauma. No entanto, é difícil determinar até que ponto o impacto na qualidade de vida é atribuível à sepse e não à SARA( 2121. Davidson TA, Caldwell ES, Curtis JR, Hudson LD, Steinberg KP. Reduced quality of life in survivors of acute respiratory dis tress syndrome compared with critically ill control patients. JAMA. 1999;281(4):354-60. ).

Os resultados, aqui, indicam influência do envelhecimento na qualidade de vida dos pacientes sépticos. Mais de 60% dos pacientes acima de 60 anos de idade, no grupo S, tiveram problemas moderados ou graves em todas as cinco dimensões do EQ-5D, significativamente mais elevados do que no grupo C. A sepse grave na população mais idosa esteve independentemente associada à sequela cognitiva persistente e à nova incapacidade funcional entre os sobreviventes. A média de idade dos sobreviventes na internação foi de 76,9 anos( 66. Iwashyna TJ, Ely EW, Smith DM, Langa KM. Long-term cognitive impairment and functional disability among survivors of severe sepsis. JAMA. 2010;304(16):1787-94. ). Outros autores demonstraram que pacientes idosos apresentaram mais dor e desconforto e que a piora na qualidade de vida estava relacionada mais à causa da internação na UTI e à baixa qualidade de vida anterior( 2222. Dowdy DW, Eid MP, Sedrakyan A, Mendez-Tellez PA, Pronovost PJ, Herridge MS, et al. Quality of life in adult survivors of critical illness: a systematic review of the literature. Intensive Care Med. 2005;31(5):611-20. ).

Os dados deste estudo mostram que de 24 a 46% dos pacientes no grupo S têm problemas, variando de moderado a extremo, com relação às cinco dimensões, o que está de acordo com dados na literatura( 1919.Korosec Jagodic H, Jagodic K, Podbregar M. Long-term outcome and quality of life of patients treated in surgical intensive care: a comparison between sepsis and trauma. Crit Care 2006;10(5):R134. ). Diferentemente dos resultados encontrados, porém, que relataram mais problemas nas dimensões atividade habituais e ansiedade/depressão, descobriram-se mais problemas na dimensão mobilidade e dor/desconforto. Essas discrepâncias podem ser decorrentes de diferenças na população, como a prevalência mais elevada de pacientes cirúrgicos em nossa população. Nos pacientes cirúrgicos com sepse, quase 60% tiveram problemas nas atividades habituais( 1919.Korosec Jagodic H, Jagodic K, Podbregar M. Long-term outcome and quality of life of patients treated in surgical intensive care: a comparison between sepsis and trauma. Crit Care 2006;10(5):R134. ).

Uma limitação deste estudo foi o número significativo de pacientes perdidos no acompanhamento. Representantes dos pacientes responderam por 50% das respostas. No entanto, as respostas dos representantes podem ser confiavelmente usadas com o EQ-5D quando se mensura a qualidade de vida( 2323. Badia X, Díaz-Prieto A, Rué M, Patrick DL. Measuring health and health state preferences among critically ill patients. Intensive Care Med. 1996;22(12):1379-84. ). Embora existam controvérsias, a comunicação e a relação estabelecida entre o paciente e o parente mais próximo influenciam, de fato, as respostas( 2424. Roeser K, Eichholz R, Schwerdtle B, Schlarb AA, Kübler A. Relationship of sleep quality and health-related quality of life in adolescents according to self- and proxy ratings: a questionnaire survey. Front Psychiatry. 2012;3:76. ).

A força deste estudo foi o ajuste de fatores de confusão, comparando-se a população com sepse a uma população aninhada de pacientes gravemente enfermos sem sepse.

Conclusão

Após a alta da UTI, os sobreviventes de sepse tiveram maior taxa de mortalidade do que os pacientes gravemente enfermos sem sepse. Pacientes idosos com sepse tiveram mais problemas moderados e graves em todas as dimensões avaliadas para qualidade de vida.

Conclui-se que objetivos de longo prazo e a qualidade de vida devem ser incorporados aos estudos para melhor compreensão dos efeitos das intervenções e para permitir pesquisas urgentemente necessárias na área. Esforços devem ser direcionados para a compreensão e prevenção de diminuições, considerando não apenas a incapacidade funcional, mas, também, as sequelas cognitivas que acompanham os sobreviventes de sepse.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2013

Histórico

  • Recebido
    04 Jul 2012
  • Aceito
    06 Mar 2013
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