Carga de trabalho e fatores associados: estudo em porto marítimo do Brasil¹

RESUMO

Objetivo:

identificar o efeito das demandas mental, física, temporal, de desempenho, esforço total e frustração na carga global de trabalho, da mesma maneira que analisar a carga global de trabalho portuário e fatores associados que mais contribuem para sua diminuição ou aumento.

Método:

estudo transversal, quantitativo, desenvolvido com 232 trabalhadores portuários. Para a coleta de dados, foi aplicado um questionário estruturado com variáveis de caracterização, ocupacional, tabagismo e uso de drogas ilícitas, além de variáveis sobre a carga nas tarefas desenvolvidas no trabalho, com base no questionário NASA Task Load Index. Para análise dos dados, utilizou-se a análise do modelo de regressão de Poisson.

Resultados:

as demandas exigência física e esforço total apresentaram maior efeito sobre a carga global de trabalho, indicando elevada carga global no trabalho portuário (134 trabalhadores - 58,8%). Permaneceram associados, estatisticamente, com níveis elevados da carga de trabalho: idade (p = 0,044), ser trabalhador da capatazia (p = 0,006), trabalhar somente no período noturno (p = 0,025), tabagismo (p = 0,037) e uso de drogas ilícitas (p = 0,029).

Conclusão:

a carga de trabalho, nesse tipo de atividade, foi alta, sendo a categoria profissional e o turno de trabalho os fatores que contribuíram para o aumento, enquanto a idade mostrou-se fator associado à sua diminuição.

Descritores:
Trabalho; Carga de Trabalho; Condições de Trabalho; Ambiente de Trabalho; Saúde do Trabalhador; Enfermagem em Saúde Pública

ABSTRACT

Objective:

to identify the effect of the mental, physical, temporal, performance, total effort and frustration demands in the overall workload, and in the same way analyze the global burden of port labor and associated factors that contribute most to their decrease or increase.

Method:

a cross-sectional, quantitative study, developed with 232 dock workers. For data collection, a structured questionnaire with descriptive, occupational, smoking and illicit drug use variables was applied, as well as variables on the load on the tasks undertaken at work, based on the questionnaire NASA Task Load Index. For data analysis, we used the analysis of the Poisson regression model.

Results:

the demands physical demand and total effort showed greater effect on the overall workload, indicating high overall load on port work (134 employees - 58.8%). The following remained associated statistically with high levels of workload: age (p = 0.044), to be employee of the wharfage (p = 0.006), work only at night (p = 0.025), smoking (p = 0.037) and use of illegal drugs (p = 0.029).

Conclusion:

the workload in this type of activity was high, and the professional category and work shift the factors that contributed to the increase, while the age proved to be a factor associated with a decrease.

Descriptors:
Work; Workload; Working Conditions; Working Environment; Occupational Health; Public Health Nursing

RESUMEN

Objetivo:

identificar el efecto de las demandas mentales, físicas de tiempo y de desempeño, el esfuerzo total y la frustración en la carga de trabajo global, al mismo tiempo que se analizan la carga global de trabajo portuario y los factores asociados que contribuyen principalmente a su disminución o aumento.

Método:

estudio transversal cuantitativo desarrollado con 232 trabajadores portuarios. Para la recolección de datos se aplicó un cuestionario estructurado con variables de caracterización, ocupacionales, tabaquismo y uso de drogas ilícitas así como también variables sobre la carga en las tareas desarrolladas en el trabajo, en base en el cuestionario NASA Task Load Index. Para el análisis de los datos se utilizó análisis de regresión de Poisson.

Resultados:

las demandas exigencia física y esfuerzo total presentaron mayor efecto sobre la carga global de trabajo, indicando una elevada carga global en el trabajo portuario (134 trabajadores 58,8%). Estaban asociados estadísticamente con niveles elevados de la carga de trabajo: la edad (p = 0,044); ser trabajador de la capatacía (p = 0,006); trabajar solamente en el periodo nocturno (p = 0,025); tabaquismo (p = 0,037); y uso de drogas ilícitas (p = 0,029).

Conclusión:

la carga de trabajo en este tipo de actividad fue alta, siendo la categoría profesional y el turno de trabajo los factores que contribuyeron para este aumento, mientras que la edad fue un factor asociado a su disminución.

Descriptores:
Trabajo; Carga de Trabajo; Condiciones de Trabajo; Ambiente de Trabajo; Salud Laboral; Enfermería en Salud Pública

Introdução

A projeção de ações de prevenção de doenças e agravos e de promoção de condições saudáveis e bem-estar, na área da saúde do trabalhador, exige métricas capazes de detectar condições adequadas ou inadequadas de trabalho, com potencial para desencadear adoecimento em grupos específicos de trabalhadores. Uma das métricas que auxilia no planejamento de conjuntos de ações para a saúde desse operário é o estudo da carga de trabalho, pois representa o custo para o indivíduo realizar qualquer tarefa¹. A análise da mensuração dessa carga mostra que, por vezes, no processo desse conjunto de atividades, a realização de determinadas tarefas pode ocasionar custos humanos (fadiga, estresse, doenças e acidentes), garantindo que a tarefa possa ser realizada com alta produtividade.

A enfermagem utiliza essa métrica para estudar o próprio trabalho, como, por exemplo, em estudo realizado nos Estados Unidos, no qual se avaliou a carga de trabalho de enfermeiros, em unidades de terapia intensiva², apontando carga de trabalho maior para os enfermeiros que atuavam 12 horas em turnos diurnos, em comparação àqueles que trabalhavam o mesmo período em turnos noturnos. Ainda, investigação realizada no Brasil sobre a comparação da carga de trabalho de enfermeiros que realizavam o processo de enfermagem de maneira impressa versus informatizada mostrou que o modo informatizado contribuía para redução da carga de trabalho dos enfermeiros, por ser um sistema de apoio para a tomada de decisão da prática clínica³.

Esses estudos indicam que a enfermagem produz conhecimento científico sobre os custos humanos que os sujeitos sofrem para processar a prática, considerando o foco da organização do processo e, ademais, da relação com os instrumentos tecnológicos que podem diminuir ou aumentar a carga laboral. Há lacunas no conhecimento acumulado na enfermagem, pois o objeto principal dos estudos está centrado em sua força de trabalho. A premência é produzir conhecimentos, interessando-se cientificamente, também, por outros processos produtivos, com a finalidade de gerar conhecimentos que se desdobrem, no cotidiano das práticas, na assistência aos adultos, na relação com a carga ocupacional que pode produzir agravos e doenças no trabalhador.

Isso é evidenciado ao se buscar o tema em outras áreas. Estudo, na indústria têxtil, realizado por engenheiros do Irã, com trabalhadores do sexo masculino, mostra alta carga de trabalho e, ainda, os trabalhadores do turno da noite apresentam maior carga de trabalho do que aqueles do período diurno⁴. Investigação, realizada por sociólogos belgas sobre as atividades relacionadas ou não ao ensino, quando há aumento da carga de trabalho de professores, com 45 anos ou mais, mostrou que a carga de trabalho das atividades de ensino está mais relacionada à exaustão emocional do que às atividades não docentes⁵. Na área da saúde, pesquisa realizada por psicólogos da Austrália, com trabalhadores ferroviários, mostrou que a alta carga de trabalho contribui significativamente para a fadiga dos trabalhadores⁶. Já investigação realizada, também por psicólogos, com operadores da sala de controle da marinha italiana, sobre a carga de trabalho antes e depois da adoção de novos equipamentos, mostrou que a tecnologia aplicada auxiliou na melhoria do desempenho dos operadores, apesar da quantidade de trabalho não ter sido alterada⁶.

Alguns estudos também abordam esse volume de trabalho de maneira separada, selecionando aspectos da carga de trabalho para serem investigadas. Em investigação, realizada por profissionais da área da saúde ocupacional, com professores do ensino fundamental e médio, do Irã, identificou-se que as demandas por exigência mental e frustração no trabalho, componentes da carga de trabalho, são as maiores e estão relacionadas a problemas emocionais⁷. Além disso, estudo efetuado com estivadores - categoria de trabalhador portuário - executado por psicólogos, apontou a carga de trabalho mental e física desses trabalhadores, identificando, além da questão física do trabalho do porto, a questão mental, na relação com a exigência de atenção e concentração no trabalho⁸.

A população de trabalhadores portuários, foco do presente estudo, encontra-se exposta às condições inadequadas de trabalho, relacionadas aos graus de carga de trabalho, provenientes do tipo de atividade desenvolvida. O trabalho portuário envolve procedimentos de carregamento, descarregamento, transporte e armazenagem de mercadorias⁹, como movimento de contêineres (vestimentas, carnes e computadores), produtos líquidos (combustíveis e óleos vegetais), produtos sólidos (grãos, carvão e cimento), produtos fracionados (papel, madeira, rolos de aço e turbinas eólicas) e roll on/roll off (carros, ônibus, caminhões, veículos agrícolas e guindastes)¹⁰. Essa atividade é responsável pelo fornecimento de produtos para todo o mundo, o que demonstra sua importância global¹¹. Em contrapartida, apresenta condições desgastantes e perigosas aos trabalhadores envolvidos diretamente nesse processo.

Pode-se reiterar que os trabalhadores portuários lidam com processos e produtos diferenciados como, por exemplo, os combustíveis. Estudo realizado nos Estados Unidos mostrou que a exposição ao benzeno ocorre principalmente em tarefas de curta duração, como a retirada de amostragem do tanque de combustível e a desconexão de mangueiras para movimentação dos produtos¹². O esforço humano necessário ao desenvolvimento de inúmeras tarefas, inerentes à atividade portuária, contrapõe-se ao avanço dos produtos tecnológicos que são movimentados por eles, ou seja, as condições de trabalho ainda requerem melhorias qualitativas e quantitativas para que o esforço total necessário (im)posto à força humana no trabalho portuário seja minimizado. Nessa perspectiva, estudar a carga de trabalho à qual os portuários estão expostos contribui para o avanço do conhecimento do quão custoso, para as condições de saúde dos trabalhadores, essa atividade portuária representa.

Além disso, este estudo torna-se relevante, pois, na particularidade da carga de trabalho no ambiente portuário, encontrou-se, na literatura, apenas um estudo que embasa tal conhecimento⁸. Este estudo foi realizado no Brasil, o que demonstra lacuna no conhecimento científico e sua circulação no contexto internacional. Além disso, aborda os estivadores, ou seja, somente uma dentre outras categorias de trabalhadores portuários. Essas características demonstram a falta de conhecimento sobre essa população específica, em razão das características do trabalho portuário e de possíveis prejuízos à saúde desse trabalhador.

Outra situação que demonstra a importância do estudo está na possibilidade de identificar quais componentes da carga de trabalho apresentam mais efeito na carga global de trabalho. Nessa direção, objetivou-se identificar o efeito das demandas mental, física, temporal, de desempenho, esforço total e frustração na carga global de trabalho, da mesma maneira que analisar a carga global de trabalho portuário e fatores associados que mais contribuem para sua diminuição ou aumento.

Método

Trata-se de estudo transversal, quantitativo, desenvolvido com trabalhadores portuários, em 2014. A população do estudo foi composta por 723 trabalhadores portuários. Para a realização do cálculo da amostra, subtraíram-se 53 participantes afastados do trabalho (sem informação de retorno ao trabalho no período da pesquisa), totalizando 579 trabalhadores portuários. Considerou-se uma amostra aleatória, com 95% de confiança (IC95%), com 232 participantes, e foram incluídos no estudo os trabalhadores portuários que se apresentaram no local para concorrer à oportunidade de trabalho no turno (manhã, tarde ou noite).

Esta pesquisa ficou composta por capatazes, estivadores e conferentes de carga. O trabalho de capatazia envolve atividades de movimentação de mercadorias dentro do porto, os estivadores são responsáveis pela movimentação de mercadorias nos conveses ou nos porões das embarcações e os conferentes de carga atuam tanto dentro das embarcações como nas instalações do porto, realizando a conferência das mercadorias¹³. Os sujeitos foram abordados no próprio local de trabalho, ou seja, em área de porto marítimo da Região Sul do Brasil, no período de janeiro a novembro de 2014.

Para a coleta de dados, foi utilizada entrevista individual, conduzida por meio de questionário estruturado, o qual apresentava variáveis sociodemográficas (sexo, idade, cor da pele - informação declarada pelos participantes, estado civil e escolaridade), variáveis ocupacionais (atividade profissional portuária, renda mensal, tempo de trabalho e turno), variáveis dicotômicas relacionadas ao uso de tabaco e de drogas ilícitas (sem especificar o tipo utilizado, para este estudo).

Essas variáveis citadas, foram testadas em pesquisas anteriores^14-15) e adequadas para o estudo atual. Para identificar a carga de trabalho nas tarefas desenvolvidas foi aplicada escala validada NASA Task Load Index (NASA-TLX)¹, que apresenta seis demandas de mensuração da carga de trabalho: exigência mental (a tarefa realizada apresenta muita atividade mental, como decisão e cálculo), exigência física (a tarefa requer atividade física, como empurrar, puxar e controlar), exigência temporal (quanto tempo é exigido e, ainda, se o ritmo de trabalho é lento ou rápido), desempenho (quão bem-sucedidas o trabalhador acredita que são as atividades realizadas que a função requer), esforço total (dificuldade mental e física que o trabalhador apresenta para atingir o nível de desempenho) e frustração (sensação de insegurança, desânimo, irritação que o trabalho possa provocar). Essa escala foi escolhida para mensurar a carga de trabalho por ser validada, em suas estruturas conceitual e operacional, sendo que é uma das mais utilizadas para tal finalidade^16-17.

As variáveis do questionário estruturado (variáveis sociodemográficas, ocupacionais, dicotômicas sobre uso de tabaco e de drogas ilícitas e carga de trabalho) foram testadas e adequadas como conjunto em reuniões do grupo de pesquisa e por meio de estudo-piloto, em momento prévio à coleta de dados, com amostra de dez sujeitos de distintas categorias de portuários. As principais proposições desse estudo prévio destinavam-se a avaliar e adequar a utilização do instrumento de coleta de dados, no que concerne sua eficácia na aplicação e apreensão cognitiva dos participantes na facilidade ou dificuldade de resposta ao solicitado, da mesma maneira que aprimorar a habilitação dos pesquisadores em campo.

Cada demanda é composta por 20 etapas de 5 pontos, correspondendo aos valores de zero a 100. Após referir um ponto para a carga de trabalho de cada demanda, o participante faz uma comparação pareada, decidindo entre os 15 pares possíveis de combinações das seis demandas, indicando qual o mais importante, no que se refere à carga de trabalho nas tarefas desenvolvidas. Dessa forma, os pontos atribuídos a cada uma das demandas são ponderados pela quantidade de vezes que o participante considerou aquela demanda como a que mais contribui para a carga de trabalho portuário. A multiplicação da pontuação da carga de cada demanda pelo número de vezes que a mesma foi indicada, como importante, pelo trabalhador, representa resultado que, somado e dividido por 15, indica a carga global de trabalho, em porcentagem¹. Embora o questionário para a verificação seja subjetivo, é amplamente utilizado^2,4,7,18, demonstrando que é válido e confiável para mensurar a carga de trabalho por meio da carga global de trabalho e das diferentes demandas que a compõem.

Para determinar níveis elevados e reduzidos de carga de trabalho portuário, foram considerados os valores da carga global de trabalho acima e abaixo do terceiro tercil (70%). Tal estratégia foi utilizada em outro estudo¹⁹, no qual não havia ponto de corte predeterminado. No entanto, apesar de haver ponto de corte determinado para a carga de trabalho (50%)¹, entende-se que utilizar acima e abaixo do terceiro tercil (70%) facilita a distinção entre os participantes que apresentam carga de trabalho reduzida e elevada. Assim, considerou-se nível elevado na carga global de trabalho, nas tarefas desenvolvidas no trabalho portuário, se a nota atribuída fosse superior a 70 na escala de zero a 100, correspondendo a, no mínimo, 70%, da carga mais alta, em termos porcentuais.

A análise dos dados foi realizada no programa IBM Statistical Package for Social Science (SPSS), versão 21.0. As variáveis quantitativas foram descritas por média e desvio-padrão (dp), ou mediana e amplitude interquartílica, e as categóricas, descritas por frequências absolutas e relativas. O teste t de Student para amostras independentes foi aplicado para comparar as médias entre os grupos − trabalhadores com níveis elevados e reduzidos de carga de trabalho. Em caso de assimetria, foi utilizado o teste de Mann-Whitney. Na comparação de proporções, utilizou-se o teste qui-quadrado de Pearson ou o exato de Fisher. Para controle de fatores confundidores, empregou-se a análise de regressão de Poisson.

O critério para a entrada da variável no modelo foi que apresentasse valor p < 0,20 na análise bivariada e, quanto à permanência da mesma no modelo, deveria apresentar um valor p < 0,10, no modelo final. Para avaliar o efeito dos domínios sobre a carga global de trabalho, aplicou-se a medida de Cohen. A interpretação mais utilizada é de que, se o Tamanho de Efeito Padronizado (TEP) for inferior a 0,5, é considerado pequeno, entre 0,5 e 0,79 considerado moderado e igual ou acima de 0,8 é grande. O nível de significância utilizado foi de 5% (p ≤ 0,05).

O estudo respeitou as recomendações da Resolução 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde, que trata de pesquisas envolvendo seres humanos. O projeto de pesquisa foi aprovado (Protocolo 23116.004481/2013-53) pelo Comitê de Ética em Pesquisa, credenciado junto ao Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (Conep). Todos os participantes do estudo foram informados dos objetivos do mesmo e assinaram, em duas vias, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), garantindo-lhes o anonimato e a privacidade das informações.

Resultados

Participaram do estudo 232 trabalhadores portuários. Todos eram do sexo masculino. A maioria deles (n = 130; 47,8%) era branca, 54 (19,9%) pretos, 34 (12,5%) pardos, oito (2,9%) amarelos e seis (2,2%) indígenas. Com respeito à escolaridade, três (1,1%) eram analfabetos, 67 (24,6%) tinham ensino fundamental incompleto, 35 (12,9%) ensino fundamental completo, 22 (8,1%) ensino médio incompleto, 86 (31,6%) ensino médio completo, dez (3,7) ensino superior completo e nove (3,3%) ensino superior completo ou mais. A média de idade foi de 48,7 anos (dp±10,4 anos). A maior parte da amostra incluía-se na categoria de trabalho portuário − capatazia (n = 137; 50,4%), 78 (28,7%) eram estivadores e 17 (6,3%) conferentes de carga. O tempo de trabalho médio foi de 24,2 anos (dp±11,3 anos) e o rendimento financeiro médio era de R$4.248,76 (dp±R$2.429,27). Quanto às demandas mental, física, temporal, de desempenho, de esforço total e de frustração, componentes da carga de trabalho, todas as demandas apresentaram efeito significativo na carga global de trabalho (p < 0,001). No entanto, por meio do tamanho de efeito padronizado, o efeito foi moderado para o nível de frustração e grande para as demais demandas. As demandas que apresentam maior efeito na carga global foram, respectivamente, exigência física e nível de esforço total (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição das demandas de carga de trabalho nas tarefas desenvolvidas pelo trabalhador portuário, de acordo com a NASA Task Load Index (NASA-TLX). Região Sul, Brasil, 2014

Demandas da carga de trabalho	Níveis elevados n (%)	Níveis reduzidos n (%)	Níveis elevados de carga global de trabalho (n = 138)	Níveis reduzidos de carga global de trabalho (n = 94)	Valor de p*	TEP†
			Média±dp	Média±dp
Exigência mental	113 (48,7)	119 (51,3)	74,5±22,0	50,3±23,4	<0,001	1,11
Exigência física	138 (59,5)	94 (40,5)	84,2±17,2	52,5±22,7	<0,001	1,71
Exigência temporal	86 (37,1)	146 (62,9)	69,7±24,9	38,8±23,3	<0,001	1,28
Desempenho	173 (74,6)	59 (25,4)	89,7±14,9	67,7±25,4	<0,001	1,13
Esforço total	156 (67,2)	76 (32,8)	87,2±15,0	61,9±62,1	<0,001	1,58
Frustração	77 (33,2)	155 (66,8)	56,6±32,1	36,8±27,9	<0,001	0,60

• * Teste t de Student; ^† TEP de Cohen; dp: desvio-padrão; TEP: tamanho de efeito padronizado

Quanto à carga global de trabalho, 134 trabalhadores portuários (58,8%) indicaram submeter-se a elevadas cargas de trabalho, ou seja, a nota atribuída à carga de trabalho foi superior a 70 na escala de zero a 100, correspondendo a, no mínimo, 70% da carga mais elevada em termos porcentuais. As associações das variáveis com os níveis elevados e reduzidos de carga global de trabalho, nas tarefas desenvolvidas no trabalho portuário, estão apresentadas na Tabela 2. Houve associação significativa dos níveis elevados de carga de trabalho nas tarefas desenvolvidas no trabalho portuário com idade (p = 0,001), categoria profissional capatazia (p < 0,001) e estiva (p = 0,042), tempo de atuação no setor (p = 0,031) e turno de trabalho (p = 0,048).

Tabela 2
Associação das variáveis em estudo com os níveis elevados e reduzidos de carga global de trabalho nas tarefas desenvolvidas (n = 232). Região Sul, Brasil, 2014

• *Variáveis descritas por média±desvio-padrão, mediana (percentis 25-75) ou n (%). ^† teste t de Student; ^‡ teste qui-quadrado de Pearson; ^§ teste de Mann-Whitney

Os homens mais novos, com atividade profissional da capatazia e da estiva, com menor tempo de atuação no porto e que não trabalhavam somente no turno diurno, apresentaram maior probabilidade de níveis elevados de carga de trabalho.

Para controle de fatores confundidores, as variáveis que apresentaram p < 0,20 na análise bivariada foram inseridas em um modelo multivariado de regressão de Poisson. Permaneceram no modelo final apenas as variáveis com p < 0,10. Após o ajuste, permaneceram associadas estatisticamente aos níveis elevados de carga de trabalho nas tarefas desenvolvidas no trabalho portuário: idade (p = 0,044), ser trabalhador da capatazia (p = 0,006), trabalhar somente no período noturno (p = 0,025), tabagismo (p = 0,037) e uso de drogas ilícitas (p = 0,029) (Tabela 3).

Tabela 3
Fatores independentes associados* aos níveis elevados de carga de trabalho nas tarefas desenvolvidas pelo trabalhador portuário. Região Sul, Brasil, 2014

Variáveis	RP† (IC‡95%)	Valor de p
Idade, anos	0,99 (0,98-1,00)	0,044
Categoria profissional
Capatazia	1,69 (1,17-2,44)	0,006
Turno de trabalho
Somente diurno	1,0
Somente noturno	1,77 (1,07-2,90)	0,025
Noturno/diurno	1,26 (0,84-1,88)	0,271
Outro	1,35 (0,69-2,61)	0,380
Tabagista	1,26 (1,01-1,57)	0,037
Uso de drogas ilícitas	1,30 (1,03-1,66)	0,029

• * Regressão de Poisson; ^† RP: razão de prevalência; ^‡ IC95%: intervalo de confiança de 95%

Trabalhadores portuários com 1 ano a mais de idade reduziram a prevalência de níveis elevados de carga de trabalho em 1% (razão de prevalência − RP = 0,99; IC95%: 0,98-1,00). Os trabalhadores que realizavam atividades de capatazia apresentaram aumento na prevalência de níveis elevados de carga de trabalho em 69% (RP = 1,69; IC95%: 1,17-2,44), em relação às demais categorias de trabalhadores portuários.

Aqueles que atuavam somente no período noturno apresentaram prevalência (77%) maior de níveis elevados de carga de trabalho (RP = 1,77; IC95%: 1,07-2,90), quando comparados aos que trabalhavam apenas no diurno. Também, trabalhadores tabagistas apresentaram prevalência (26%) maior na probabilidade de níveis elevados de carga global de trabalho quando comparados aos não tabagistas (RP = 1,26; IC95%: 1,01-1,57) e os que usavam drogas ilícitas apresentaram aumento na carga global de trabalho em 30% (RP = 1,30; IC95%: 1,03-1,66).

Discussão

As demandas exigência física e esforço total foram aquelas que apresentaram maior efeito sobre a carga global de trabalho. A demanda exigência física apresenta, como conceito, a solicitação física que uma determinada tarefa exige, como, por exemplo, empurrar, puxar e controlar. Já a demanda esforço total indica a dificuldade mental e física que o trabalhador apresenta para atingir o nível de desempenho que a atividade requer¹. A exigência física está, então, colocada duplamente, em virtude do esforço total associar exigência física e mental.

Nessa direção, a solicitação física do trabalho portuário é visualizada em estudo sobre a corporalidade da classe trabalhadora masculina, em regimes trabalhistas e em regimes privados, por meio do conceito do trabalhador portuário como um trabalhador de colarinho azul, ou seja, um trabalhador que realiza trabalhos manuais e que necessita de força física para realizar suas atividades²⁰. O esforço físico desse trabalhador é mostrado em estudo com a mesma população, apresentando análise de dados secundários, mostrando que as doenças osteomusculares são as mais frequentes²¹. Isso pode apresentar riscos para a saúde, devido ao esforço físico realizado no trabalho.

A exigência mental no trabalho portuário pode ser explicada pela necessidade dos trabalhadores estarem sempre atentos, pois, caso contrário, pode haver resultados negativos, como acidentes, ocasionando sequelas e perda da vida. Estudo realizado na Grã-Bretanha com trabalhadores portuários mostrou formas precárias de trabalho, ao longo de 35 anos, e, também, as consequências negativas desse trabalho para a saúde e segurança dos operários²². Ainda, é preciso considerar que demandas físicas e mentais elevadas, que vão além da capacidade dos indivíduos, contribuem para construção de um ambiente de trabalho negativo²³. Conhecer tais condições de trabalho, relacionadas ao conceito de carga de trabalho, pode auxiliar para a elaboração de estratégias conjuntas entre trabalhadores e gestão do trabalho portuário, para aumentar o bem-estar quando da realização das funções²⁴, com vistas a qualificar, de maneira saudável, tais condições.

Outro resultado importante deste estudo é que a demanda frustração foi a única que apresentou efeito moderado sobre a carga global de trabalho. Isso porque o trabalho no porto pode trazer satisfação para os trabalhadores, ou seja, o oposto da frustração (sensação de insegurança, desânimo, irritação que o trabalho possa provocar). Embora não tenha sido investigada, no presente estudo, a questão da satisfação propriamente dita, pode-se relacionar a não frustração à satisfação.

Revisão de literatura sobre a motivação em dois ambientes profissionais, relacionados ao mar (marítimos de navios mercantes e trabalhadores portuários), mostra que esses ambientes são diferenciados dos demais, em termos de motivação. Isso porque visualizam-se, no ambiente portuário, recompensas salariais e independência, fatores que satisfazem os trabalhadores em relação ao trabalho no porto²⁵.

Os resultados do presente estudo também indicam que os portuários, com 1 ano a mais de idade nas funções indicadas, reduziram a prevalência de níveis elevados de carga global de trabalho em 1%.

Estudos sobre a carga de trabalho na indústria têxtil⁴ e professores⁷ mostram que a idade não apresenta relevância significativa no aumento/diminuição da carga global de trabalho. No entanto, estudo, no qual a idade foi o principal fator associado¹⁸, mostra que a pior demanda de carga de trabalho é mental, identificada pelos trabalhadores mais jovens de uma companhia ferroviária. Em virtude de tais resultados, defende-se a ideia de que é preciso entender as relações e as cargas de trabalho em todas as idades, mas é necessária atenção aos mais jovens, em virtude da falta de apoio social¹⁸ para essa faixa etária.

Outro ponto relevante, nos resultados, é aquele em que os trabalhadores que realizam atividades de capatazia apresentaram aumento na prevalência de níveis elevados de carga de trabalho em 69%. Os trabalhadores da capatazia realizam tarefas que envolvem a movimentação de mercadorias nas instalações dentro do porto, compreendendo recebimento, transporte interno, abertura de volumes para a conferência aduaneira, manipulação, arrumação, entrega, carregamento e descarga de embarcações¹³.

O que difere a atividade profissional da capatazia daquelas dos demais trabalhadores portuários entrevistados (estivadores e conferentes) é que os primeiros realizam movimentação das mercadorias nos conveses ou nos porões das embarcações, ou seja, o trabalho dos estivadores ocorre apenas no interior das embarcações e, para os trabalhadores da capatazia, o trabalho está em qualquer local nas instalações do porto, exceto no interior das embarcações. Para os segundos, os conferentes, a diferença acontece na essência do trabalho, considerando-se que eles, como o próprio nome diz, são responsáveis por conferir o estado das mercadorias, anotar suas características, procedência e destino, diferentemente dos trabalhadores da capatazia que devem movimentá-las²³. Estudo com foco na produtividade, com operadores de terminais (estivadores e transportadores), mostra que os estivadores apresentam maior capacidade de produção do que os transportadores²⁶. Essa última categoria assemelha-se à capatazia, no que concerne ao trabalho, considerando-se que ambas atuam na área portuária, sem adentrar os navios. Apesar do estudo citado não identificar cargas de trabalho, pode-se supor que o trabalho exercido por transportadores e trabalhadores da capatazia inflija alta carga de trabalho, visto o aumento na prevalência de carga de trabalho em 69% nessa categoria de trabalhadores, o que pode contribuir para a dificuldade em apresentar alta produtividade.

Ainda, trabalhadores portuários que atuam somente no período noturno apresentaram prevalência 77% maior de níveis elevados de carga de trabalho, quando comparados com os que trabalhavam apenas no diurno. Tal resultado é visualizado em outros estudos sobre a carga de trabalho, com outras categorias de trabalhadores, como aqueles da indústria têxtil⁴ e com ferroviários⁶. Isso porque os trabalhadores noturnos são propensos à privação do sono, desalinhamento dos ritmos circadianos, sonolência e défices de desempenho relacionados ao sono, o que justifica o aumento da carga global de trabalho para eles.

Já os trabalhadores tabagistas e que utilizavam drogas ilícitas apresentaram prevalência de 26 e 30% maiores no aumento da carga global de trabalho, respectivamente. Essa associação pode acontecer em virtude da alta carga global de trabalho à qual os trabalhadores portuários estão expostos. Estudo realizado com diferentes categorias (trabalhadores da saúde) mostrou que uma das formas de redução do uso de drogas, como cigarro e substâncias psicoativas, poderia ser a redução da carga de trabalho, demonstrando que a questão das drogas deve ser abordada no ambiente de trabalho²⁷. Os resultados da presente pesquisa instigam estudos futuros na especificidade da relação entre hábitos de vida, bem-estar no/do trabalho e sua produtividade.

A carga global de trabalho dos trabalhadores portuários apresentou-se alta, considerando-se que a maioria (58,8%) atribuiu nota superior a 70 na escala de zero a 100. Essa realidade empírica, articulada a partir do conceito de carga global de trabalho, permitiu análise de cunho subjetivo na relação objetiva da produtividade do trabalho, desenvolvido pelo próprio conceito. Tal característica da métrica da carga de trabalho possibilita que a natureza do diálogo entre os trabalhadores seja apreendida com foco na saúde sem, contudo, sair do foco da produtividade.

O trabalhador da presente pesquisa entende seu trabalho diretamente na relação com a produtividade e, ao usar uma linguagem que mantém essa natureza, permite a ele apreender (subjetividade) que a carga de trabalho resulta em desgaste orgânico, com potencial para distúrbios e doenças e, como consequência, redução da produtividade^8,26. Ao se realizar a entrevista com os trabalhadores e ao levá-los a refletir sobre a carga global e seus desdobramentos, permitiu-se essa aproximação, fato que leva a futuro promissor e mais ambicioso, no sentido acadêmico de investimento na aplicação conjunta de intervenção tecnológica, com participação dos trabalhadores e dos gestores.

Entende-se que o estudo apresenta limitações em relação à amostra, representada por somente um porto marítimo, o que não possibilita a generalização. Além disso, o corte transversal do estudo o qual não verifica as causas do aumento da carga de trabalho, mas, mesmo assim, indica associações (no caso, a categoria profissional capatazia, atuação no período noturno, tabagismo e uso de drogas ilícitas). Salienta-se que a base teórico-metodológica, estruturada nesta pesquisa, encontra-se em consonância com outros estudos sobre a carga de trabalho, permitindo, assim, que a enfermagem dialogue, de forma interdisciplinar, com outras áreas de conhecimento. Expecta-se que os resultados apresentados representem fonte de informação relevante para o desenvolvimento de pesquisas à semelhança desse e de outros ambientes de trabalho.

Conclusão

A carga de trabalho portuário foi alta, sendo a categoria profissional e o turno de trabalho os fatores que contribuíram para seu aumento, enquanto a idade foi fator associado à sua diminuição. Tanto as características dos indivíduos como as do trabalho podem influenciar a carga de trabalho portuário. Nesta pesquisa alerta-se gestores e profissionais da saúde − dentre esses, enfermeiros − sobre a elevada carga de trabalho à qual os trabalhadores portuários são submetidos, em linguagem própria do trabalho: a produtividade − e o custo dessa produção, ou seja, a carga de trabalho.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  2016

Histórico

• Recebido
  11 Nov 2015
• Aceito
  15 Set 2016