Complicações pós-operatórias em pacientes adultos submetidos a cirurgias com infecção confirmada por SARS-CoV-2: revisão integrativa

Resumos

Objective:

to analyze the evidence available in the literature about postoperative complications in adult patients undergoing surgical procedures with confirmed infection by SARS-CoV-2.

Method:

an integrative literature review conducted in the CINAHL, EMBASE, LILACS, PubMed, Scopus and Web of Science databases, as well as in the gray literature. The references identified were exported to the EndNote manager and, subsequently, to the Rayyan web application for study selection. The stages of sampling, categorization of studies, evaluation of the studies included, interpretation of the results and knowledge synthesis were performed by two reviewers independently and in a masked manner. The data were analyzed descriptively.

Results:

of the 247 articles identified, 15 were selected to comprise this review. The prevalent postoperative complications in patients infected with SARS-CoV-2 were the following: cough, dyspnea and hypoxia, need for invasive mechanical ventilation or not, admission to the intensive care unit and death.

Conclusion:

the most reported postoperative complications in the studies evaluated were respiratory-related, followed by cardiovascular complications. The importance of preoperative screening for COVID-19 is highlighted, as well as of the monitoring and tracking of confirmed cases in the postoperative period, as these actions exert an impact on reducing the occurrence of complications related to SARS-CoV-2.

Descriptors:
Postoperative Complications; Coronavirus Infections; SARS-CoV-2; Adult; Perioperative Nursing; Review Literature as Topic

Objetivo:

analizar la evidencia disponible en la literatura sobre las complicaciones postoperatorias en pacientes adultos sometidos a procedimientos quirúrgicos con infección confirmada por SARS-CoV-2.

Método:

revisión integradora de la literatura realizada en las bases de datos CINAHL, EMBASE, LILACS, PubMed, Scopus, Web of Science y literatura gris. Las referencias identificadas se exportaron al administrador EndNote y luego a la aplicación web Rayyan para la selección de estudios. Las etapas de muestreo, categorización de los estudios, evaluación de los estudios incluidos, interpretación de los resultados y síntesis del conocimiento fueron realizadas por dos revisores de forma independiente y enmascarada. Los datos se analizaron de forma descriptiva.

Resultados:

de los 247 artículos identificados, se seleccionaron 15 para componer esta revisión. Las complicaciones postoperatorias prevalentes en pacientes infectados por SARS-CoV-2 fueron: tos, disnea e hipoxia, necesidad de ventilación mecánica invasiva o no, ingreso en la unidad de terapia intensiva y muerte.

Conclusión:

las complicaciones postoperatorias más reportadas en los estudios evaluados fueron las respiratorias seguidas de las cardiovasculares. Se destaca la importancia del cribado preoperatorio de COVID-19, así como también del monitoreo y seguimiento de los casos confirmados en el postoperatorio, ya que son acciones que reducen la aparición de complicaciones relacionadas con el SARS-CoV-2.

Descriptores:
Complicaciones Posoperatorias; Infecciones por Coronavirus; SARS-CoV-2; Adulto; Enfermería Perioperatoria; Literatura de Revisión como Asunto

Introdução

A doença do coronavírus 2019 (Coronavirus disease - COVID-19) foi identificada, pela primeira vez, em Wuhan, província de Hubei, na China, em dezembro de 2019, e rapidamente se disseminou pelo mundo. Em março de 2020, foi declarada como pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Trata-se de uma doença infecciosa, causada pelo agente etiológico Coronavírus 2 da Síndrome Respiratória Aguda Grave (Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2 - SARS-CoV-2)(¹).

As manifestações clínicas causadas pela COVID-19 geralmente estão relacionadas ao trato respiratório superior, sendo a maioria dos infectados assintomáticos ou com sintomas leves. Os sinais e sintomas clínicos mais frequentes são febre, tosse seca, mialgia ou fadiga e dispneia e, em menor frequência, cefaleia, diarreia, náuseas, vômitos, anosmia, disgeusia e dor de garganta. Alguns pacientes podem desenvolver infecções do trato respiratório inferior. No entanto, as infecções podem evoluir para pneumonia com Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), insuficiência renal, síndrome da disfunção de múltiplos órgãos e óbito(²-⁴).

Diante das elevadas taxas de infecção e transmissibilidade, houve aumento significativo de pacientes com doenças agudas, o que sobrecarregou os sistemas de saúde ao redor do mundo, especialmente os hospitais, que não estavam preparados para lidar com a magnitude de cuidados e recursos requeridos por esta pandemia. A superlotação das Unidades de Terapia Intensiva e a sobrecarga dos profissionais de saúde foram inevitáveis, sendo necessária a rápida adaptação dos setores cirúrgicos(⁵-⁹).

Para aliviar a pressão no sistema de saúde e minimizar o risco de disseminação nosocomial da COVID-19 durante os procedimentos cirúrgicos, sociedades especializadas determinaram que as intervenções cirúrgicas eletivas fossem suspensas ou adiadas. Entretanto, procedimentos de urgência e emergência, e aqueles com indicação cirúrgica inadiável, deveriam passar por avaliação cuidadosa caso a caso, para analisar o risco de transmissão e as complicações pós-operatórias(⁹-¹⁰). Além disso, medidas para prevenir e evitar a propagação do vírus dentro do ambiente cirúrgico salientaram o uso correto dos equipamentos de proteção individual e a redução da circulação de pessoal dentro das salas de operações na vigência dos procedimentos invasivos(²,⁸).

Estudos que avaliaram o impacto das complicações pós-operatórias em pacientes infectados por SARS-CoV-2 ainda são escassos na literatura. Apesar disso, evidenciou-se que, devido à citocina pró-inflamatória e às respostas imunossupressoras relacionadas à cirurgia e à ventilação mecânica, tais pacientes são especialmente suscetíveis a complicações pulmonares subsequentes, alterações de exames laboratoriais, lesão renal aguda, arritmia, lesão cardíaca aguda, choque e infecções secundárias(¹¹-¹⁴).

Identificar as complicações pós-operatórias precocemente se faz relevante para reduzir a morbimortalidade neste período. Estudos apontam que a COVID-19 não diagnosticada previamente pode complicar a recuperação pós-operatória(¹³,¹⁵). Nesse sentido, destaca-se a importância da equipe de enfermagem na sala de recuperação pós-anestésica e nas unidades de internação, por ser a categoria profissional que mais tempo permanece ao lado do paciente, sendo responsável pela avaliação das complicações e implementação de intervenções com vistas à prevenção de agravos e promoção da recuperação da saúde(¹³,¹⁵).

Apesar da publicação de diretrizes para nortear as formas de reorganização das atividades cirúrgicas durante a pandemia de COVID-19, a produção científica relacionada ao manejo das cirurgias é incipiente, particularmente no que se refere ao tratamento de complicações pós-operatórias. Adicionado a tal contexto, o enfermeiro é o protagonista para identificar precocemente as manifestações clínicas que possam estar relacionadas a tais adversidades e tomar decisões clínicas baseadas em evidências para solucioná-las. Assim, a síntese das evidências para aumentar a segurança do paciente cirúrgico exposto à SARS-CoV-2 é urgente e necessária, com potencial de influenciar diretamente os resultados clínicos desses pacientes. Por esse motivo, o presente estudo teve o objetivo de analisar as evidências disponíveis na literatura sobre as complicações pós-operatórias em pacientes adultos submetidos a procedimentos cirúrgicos com infecção confirmada por SARS-CoV-2.

Método

Tipo do estudo

O presente estudo consiste em uma revisão integrativa da literatura, protocolado na plataforma Open Science Framework, cujo registro está disponível em https://osf.io/be97s/ a qual possibilita reunir e sintetizar a produção do conhecimento sobre determinado assunto, garantindo, por meio da ampla quantidade de estudos, o aprofundamento teórico sobre diferentes perspectivas de um mesmo tema(¹⁶). O estudo foi conduzido em seis etapas(¹⁶), a saber: identificação do tema, amostragem, categorização dos estudos, avaliação dos estudos incluídos, interpretação dos resultados e síntese do conhecimento, respectivamente. A pergunta da presente revisão integrativa foi norteada pela estratégia PECO(¹⁷) (Figura 1) e consistiu-se em: Quais são as complicações pós-operatórias em pacientes adultos submetidos a procedimentos cirúrgicos com infecção confirmada por SARS-CoV-2?

Figura 1
Estratégia PECO para a formulação da pergunta de pesquisa. Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2020

Coleta de dados

Para a identificação dos estudos, foram utilizadas as bases de dados eletrônicas: CINAHL, EMBASE, LILACS, PubMed, Scopus e Web of Science. A literatura cinzenta foi consultada utilizando o Google Scholar. A estratégia de busca foi formulada com a conjugação dos descritores controlados e/ou palavras-chave “Postoperative Complications”, “Coronavirus Infections”, “COVID-19” e seus respectivos sinônimos, combinados aos operadores booleanos (AND e OR), e adaptados de acordo com as especificidades de cada base de dados. A estratégia de busca realizada em cada base de dados está descrita na Figura 2.

Figura 2
Estratégias de busca empregadas nas bases de dados utilizadas. Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2020

Após a busca, os resultados foram exportados para o gerenciador de referências EndNote Basic(¹⁸), versão on-line, para a remoção das referências duplicadas. Em seguida, foram importados para o aplicativo web Rayyan, o qual pode ser acessado por meio do endereço eletrônico https://rayyan.qcri.org para a seleção dos estudos.

No aplicativo web Rayyan, os estudos foram avaliados e selecionados por dois revisores de forma independente e às cegas, primeiramente por meio da leitura do título e resumo, a fim de verificar se atendiam aos critérios de elegibilidade da presente revisão. Os estudos considerados elegíveis foram, então, analisados mediante leitura do texto na íntegra, segundo os critérios de elegibilidade. Em caso de divergência entre os revisores, um terceiro revisor com expertise na temática foi consultado.

Período

A busca nas bases de dados eletrônicas foi realizada em 19 de agosto de 2020.

Critérios de seleção

Foram incluídos estudos primários que abordavam complicações pós-operatórias ocorridas em pacientes adultos submetidos a cirurgias e infectados por COVID-19, publicados nos idiomas português, inglês ou espanhol. Estudos realizados com pacientes pediátricos, anais e resumos de congressos e estudos que não atendiam ao escopo da presente revisão foram excluídos.

Identificou-se um total de 247 estudos nas bases de dados, dos quais 87 foram excluídos por se apresentarem duplicados em pelo menos duas bases de dados, totalizando 160 estudos. Dentre os 160 estudos identificados e avaliados por meio da leitura do título e resumo, 96 foram excluídos por não atenderem aos critérios de elegibilidade da presente revisão. Dos 64 estudos elegíveis para análise por meio da leitura do texto na íntegra, 15 foram incluídos na presente revisão. Ao final do processo de seleção, fez-se busca manual na lista de referências dos estudos incluídos. No entanto, a mesma não identificou publicações que pudessem ser incluídas na amostra final da revisão. Assim, a amostra final foi composta de 15 estudos primários.

Instrumento utilizado para coleta das informações

Os dados dos estudos foram coletados utilizando um formulário adaptado(¹⁹), que contempla: referência e ano de publicação, país de realização, características metodológicas [delineamento do estudo conforme a nomenclatura utilizada pelo(s) autor(es) e amostra] e principais desfechos (complicações pós-operatórias).

Tratamento e análise dos dados

Os dados foram analisados de forma qualitativa, sintetizando as evidências dos estudos primários de forma descritiva.

Para a etapa de avaliação crítica, optou-se por avaliar a qualidade metodológica dos estudos primários incluídos na amostra, por meio das ferramentas disponibilizadas pelo Joanna Briggs Institute (JBI)(²⁰), também de maneira independente, por dois revisores. Realizou-se tal avaliação considerando as ferramentas adequadas para cada tipo de desenho incluído, as quais podem apresentar respostas “sim”, “pouco claro”, “não” ou “não aplicável”. Antes do início da avaliação crítica dos estudos, as decisões acerca das pontuações foram acordadas entre os revisores. Os estudos incluídos foram categorizados quanto ao risco de viés da seguinte forma: alto risco de viés (quando alcançou escore de “sim” abaixo de 49%), moderado risco de viés (quando o escore de “sim” atingiu 50% a 69%), e baixo risco de viés (quando o estudo alcançou escore de “sim” acima de 70%)(²¹). O terceiro revisor foi consultado no caso de conflitos na avaliação entre os dois primeiros revisores.

Considerando ser fundamental unir a qualidade metodológica e a força da evidência para a tomada de decisões na prática clínica, os estudos avaliados foram classificados de acordo com o nível de evidência, segundo a hierarquia para questões clínicas de prognóstico/predição ou etiologia, que varia do nível I (evidências de síntese de estudo de coorte ou de estudos de caso-controle) ao V (evidências oriundas de opinião de especialistas)(²²-²³).

Resultados

A presente revisão integrativa analisou 15 estudos primários que identificaram complicações pós-operatórias em pacientes adultos submetidos a cirurgias com infecção confirmada por SARS-CoV-2, sendo estes publicados no ano de 2020, nos idiomas inglês (n=14) e espanhol (n=1), em periódicos internacionais. O fluxograma da seleção dos estudos pode ser observado na Figura 3.

A análise possibilitou identificar quatro artigos caracterizados como estudos de coorte(⁹,²⁴-²⁶), três estudos transversais(²⁷-²⁹), três relatos de caso(³⁰-³²), dois estudos retrospectivos(¹⁵,³³), duas séries de casos(³⁴-³⁵) e uma carta ao editor(³⁶).

Figura 3
Adaptação do fluxograma de seleção dos estudos da presente revisão integrativa (n=15), segundo o modelo Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA)(³⁷). Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2020

A Figura 4 apresenta a síntese geral dos estudos incluídos nesta revisão segundo autor, ano de publicação, país, método, objetivo, principais resultados (aqui representados pelas complicações pós-operatórias em pacientes adultos infectados com SARS-CoV-2), qualidade metodológica e nível de evidência.

As principais complicações pós-operatórias identificadas nos estudos primários estavam relacionadas ao sistema respiratório, sendo as prevalentes tosse(¹⁵,²⁵-²⁶,³⁴-³⁵), dispneia(²⁶,³¹,³⁴), hipóxia(²⁵,³¹,³⁴-³⁵), insuficiência respiratória grave(²⁴,²⁸,³³), embolia pulmonar(⁹,²⁸-²⁹) e infecção respiratória grave com necessidade de ventilação mecânica invasiva ou não invasiva(⁹,²⁵-²⁶,³⁴).

Pacientes com infecção confirmada por SARS-CoV-2 apresentaram alterações nos exames de imagem, compatíveis com pneumonia por COVID-19, como opacidade em vidro fosco, consolidações nodulares em lóbulos e derrame pleural(²⁵-²⁶,³⁰,³²,³⁵-³⁶). Alterações em exames laboratoriais evidenciaram acidose metabólica(²⁴), disfunções de coagulação(²⁴,²⁹-³⁰) e lesão renal aguda(²⁴).

Estudos ressaltam a importância da triagem pré-operatória para COVID-19 a todos os pacientes, a fim de excluir a possibilidade de infecção, considerando o período de incubação do vírus para pacientes com resultados negativos(³²,³⁵). Alguns autores relatam dificuldade no diagnóstico de infecção pós-operatória por SARS-CoV-2(³⁰,³⁶), pois os sintomas são semelhantes aos de complicações pós-operatórias comuns, como o aumento da temperatura corporal(¹⁵,²⁵-²⁶,³⁰-³²,³⁵).

Outras complicações observadas estavam relacionadas ao sistema cardiovascular, incluindo infarto agudo do miocárdio(²⁴), hipotensão(²⁵), lesão cardíaca aguda(¹⁵) e arritmia cardíaca(¹⁵,²⁸). Além disso, foram observados casos de choque séptico(²⁴), infecção do trato urinário(²⁸,³⁴) e disfunção de múltiplos órgãos(¹⁵,²⁴).

Os estudos ainda evidenciaram casos de necessidade de reoperação(⁹), admissão não planejada em UTI(⁹,¹⁵,³⁴) e óbito(¹⁵,²⁵-²⁶,²⁹,³³-³⁴,³⁶), decorrentes do agravo das complicações pós-operatórias entre os pacientes com infecção confirmada por SARS-CoV-2.

Com relação à qualidade metodológica dos estudos primários incluídos, oito foram classificados como baixo risco de viés e, portanto, apresentam boa qualidade metodológica. Seis estudos foram classificados como risco de viés moderado, apresentando qualidade metodológica moderada, e apenas um como alto risco de viés, apresentando baixa qualidade metodológica. Em relação ao nível de evidência, quatro estudos apresentaram nível de evidência II, sete nível IV e quatro nível de evidência V.

Figura 4
Quadro-síntese dos estudos incluídos para compor a amostra final da presente revisão integrativa (n=15). Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2020

Discussão

Este estudo sintetizou as evidências relacionadas às complicações pós-operatórias em pacientes adultos submetidos a procedimentos cirúrgicos com infecção por SARS-CoV-2 e verificou que as complicações mais relatadas nos estudos primários incluídos nesta revisão estavam relacionadas ao sistema respiratório e associadas a altas taxas de mortalidade entre os pacientes submetidos a cirurgias. Tosse, dispneia e hipóxia, alterações de imagem compatíveis com a doença de COVID-19 e necessidade de ventilação mecânica invasiva estavam entre as mais presentes nos estudos analisados.

As complicações respiratórias são comuns no pós-operatório em geral, principalmente devido ao procedimento anestésico. Na anestesia geral, dada a necessidade de intubação orotraqueal, ocorrem mudanças no sistema pulmonar pela alteração do impulso respiratório e da função muscular no paciente anestesiado, reduzindo os volumes pulmonares e levando, em muitos casos, a complicações como a atelectasia. O sistema respiratório pode demorar até seis semanas para retornar à sua condição basal após anestesia geral para uma cirurgia de grande porte(³⁸).

Entretanto, a incidência de complicações pós-operatórias respiratórias durante a pandemia é ainda maior. Estudo de coorte internacional multicêntrico, realizado entre janeiro e março de 2020, em 235 hospitais de 24 países, com 1128 pacientes submetidos a cirurgias com infecção confirmada por SARS-CoV-2, encontrou incidência de complicações pulmonares de 51,2%(⁹). Essa taxa é superior à identificada em um estudo de coorte multicêntrico, realizado pré-pandemia, de 2014 a 2015, em 211 hospitais de 28 países europeus com 21.694 pacientes adultos submetidos à anestesia geral, em que a incidência de complicações pulmonares pós-operatórias foi de 7,6%(³⁹).

Dentre os fatores de risco para o desenvolvimento de complicações respiratórias no pós-operatório destacam-se as comorbidades (hipertensão arterial sistêmica, doença pulmonar obstrutiva crônica e câncer), fatores extrínsecos como o tabagismo e o próprio procedimento cirúrgico, o qual pode gerar um comprometimento das células do sistema imunológico(⁴⁰-⁴¹). Somada a tais fatores, a infecção pelo novo coronavírus apresenta-se como fator de risco adicional para o agravo das complicações pós-operatórias, visto que o SARS-CoV-2 apresenta tropismo pelas células do sistema respiratório(⁹,⁴²-⁴⁵) e aumenta os níveis de citocinas e quimocinas pró-inflamatórias, correlacionadas com a gravidade da doença(⁴⁶-⁴⁷).

Os sinais da infecção por SARS-CoV-2 no período pós-operatório podem se apresentar de maneira muito semelhante às infecções comuns, como as infecções do sítio cirúrgico, tornando o diagnóstico da COVID-19 difícil. Diante disso, episódios de febre no pós-operatório, mesmo que incidentes e sem a presença de outros sinais e sintomas, devem ser atentamente investigados, pois podem estar relacionados a complicações cirúrgicas ou respiratórias oriundas da infecção por SARS-CoV-2 ou de outro microrganismo(³⁰,³⁶).

Quando identificada a infecção por SARS-CoV-2 perioperatória, o prognóstico tende a ser pior, com o aumento significativo nas taxas de mortalidade, no tempo de internação e na necessidade de ventilação mecânica, invasiva ou não. Para tanto, preconiza-se a realização de triagem pré-operatória para detecção de infecção por SARS-CoV-2 em todos os pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos eletivos. Porém, sabe-se que essa prática não é possível em todos os serviços cirúrgicos. Além disso, deve-se levar em consideração, durante a triagem, o tempo de incubação do vírus e a possibilidade de infecção perioperatória, sendo recomendada, também, a testagem pós-operatória(²⁴,²⁹,³²,³⁵-³⁶). Por esse motivo, estudos sugerem que cada caso seja avaliado individualmente, em relação aos riscos associados à infecção perioperatória por SARS-CoV-2, em comparação aos riscos de retardar a realização dos procedimentos cirúrgicos. Os pacientes do sexo masculino com 70 anos ou mais, portadores de comorbidades, e pacientes classificados em ASA (American Society of Anesthesiologists) de 3 a 5, submetidos a cirurgias oncológicas, cirurgias de grande porte ou cirurgias de emergência são os mais vulneráveis a resultados adversos(⁹,⁴⁵).

A presente síntese evidenciou ainda outras complicações entre os pacientes cirúrgicos infectados pelo SARS-CoV-2, principalmente complicações cardiovasculares, como arritmia, lesão cardíaca aguda e infarto agudo do miocárdio. Corroborando esses resultados, estudo recente mostrou que o SARS-CoV-2 possui uma patogenicidade que pode aumentar danos no miocárdio(⁴⁸). Os resultados dessa pesquisa mostraram casos de lesão cardíaca aguda, choque e arritmia, em 7,2%, 8,7% e 16,7% dos pacientes infectados, respectivamente, sendo mais prevalentes entre aqueles que necessitavam de cuidados intensivos. Com base nesses dados, atenção cuidadosa deve ser dada à proteção cardiovascular durante o tratamento para COVID-19(⁴⁹), principalmente no pós-operatório.

A equipe de enfermagem tem papel protagonista na assistência prestada ao paciente cirúrgico. O cuidado de enfermagem perioperatório pautado em evidências científicas é essencial na prevenção de complicações pós-operatórias(⁵⁰-⁵¹) e, também, para a prevenção e diminuição da transmissão de SARS-CoV-2 em ambientes cirúrgicos.

Salienta-se a necessidade de novas investigações sobre a temática, destacando os efeitos da infecção por SARS-CoV-2 no prognóstico de pacientes cirúrgicos, a fim de que a equipe de saúde possa intervir de forma precoce e garantir a segurança do paciente no período pós-operatório.

Dentre as fragilidades deste estudo destaca-se que a maioria dos artigos analisados abordou problemas de cunho respiratório, o que pode prejudicar a análise de outras complicações vivenciadas por pacientes cirúrgicos com SARS-CoV-2. Ressalta-se ainda que, dos 15 estudos, 11 apresentaram classificação de nível de evidência entre IV e V, e sete qualidade metodológica vulnerável, o que pode comprometer a generalização dos resultados para outros contextos. Dentre as lacunas de conhecimento identificadas observou-se carência de estudos que abordassem complicações de outras naturezas, além do sistema respiratório. Recomenda-se a realização de novos estudos com abordagens metodológicas robustas e que identifiquem complicações sistêmicas de forma abrangente.

Conclusão

Considerando as evidências sintetizadas sobre as complicações pós-operatórias que acometeram pacientes adultos infectados com SARS-CoV-2 e submetidos a cirurgias, conclui-se que as principais complicações estão relacionadas ao sistema respiratório, com aumento das taxas de mortalidade, necessidade de internação em unidade de terapia intensiva e tempo de internação prolongado. Tal ocorrência pode ser justificada pelo fato do SARS-CoV-2 ter uma maior afinidade com as células do epitélio respiratório. Além disso, complicações referentes ao sistema cardiovascular e outras complicações sistêmicas foram observadas nessa população.

Destaca-se a importância da triagem pré-operatória rigorosa que atenda, pelo menos, à maioria, porém preferencialmente todos os pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos, levando em consideração o período de incubação do vírus, o acompanhamento e o rastreamento de casos confirmados no pós-operatório, de modo a reduzir a ocorrência de complicações relacionadas à infecção por SARS-CoV-2.

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Editado por

Editora Associada: Maria Lúcia Zanetti

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  08 Nov 2021
• Data do Fascículo
  2021

Histórico

• Recebido
  22 Mar 2021
• Aceito
  20 Jul 2021