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Aços alternativos ao HY-80 sem a necessidade de aplicação de têmpera e revenido

Resumos

A competitividade cada vez mais acirrada entre as diversas usinas siderúrgicas e também entre diferentes tipos de materiais continuam promovendo o desenvolvimento de novos aços estruturais microligados que atendam a requisitos de resistência mecânica e tenacidade cada vez mais severos. Outros aspectos igualmente desejáveis, como a supressão de tratamentos térmicos e melhor soldabilidade do produto, tornam essa evolução ainda mais complexa. Como a melhoria da soldabilidade do produto exige a minimização do teor de carbono do material, esses novos aços precisam dispor de mecanismos de endurecimento que dispensem a presença desse elemento. As alternativas mais viáveis são os aços endurecíveis por precipitação de cobre, do tipo HSLA-80 ou ASTM A710, ou os aços bainíticos com teor extra-baixo de carbono, do tipo ULCB.

HY-80; aço microligado; propriedades mecânicas


The fierce competition between different steelworks and between different alloy design approaches keep promoting the development of new microalloyed structural steels which must satisfy increasingly severe mechanical strength and toughness requirements. Another equally desirable aspects for these new materials are the supression of heat treatments and better weldability, which makes this evolution even more complex. As weldabiliby improvement requires minimization of the carbon content of the steel, these new steels must present hardening mechanisms which does not require the presence of this element. Up to this moment, the most feasible answers to this challenge are steels hardened by copper precipitation, like HSLA-80 or ASTM A710, and the so-called Ultra Low Carbon Bainite (ULCB) steels.

HY-80; microalloyed steel; mechanical properties


METALURGIA & MATERIAIS

Aços alternativos ao HY-80 sem a necessidade de aplicação de têmpera e revenido

Antonio Augusto GorniI; Paulo Roberto MeiII

IDr., Analista do Suporte Técnico da Laminação a Quente, COSIPA, E-mail: gorni@cosipa.com.br IIProfessor-Doutor, Departamento de Engenharia Mecânica, UNICAMP, E-mail: pmei@fem.unicamp.br

RESUMO

A competitividade cada vez mais acirrada entre as diversas usinas siderúrgicas e também entre diferentes tipos de materiais continuam promovendo o desenvolvimento de novos aços estruturais microligados que atendam a requisitos de resistência mecânica e tenacidade cada vez mais severos. Outros aspectos igualmente desejáveis, como a supressão de tratamentos térmicos e melhor soldabilidade do produto, tornam essa evolução ainda mais complexa. Como a melhoria da soldabilidade do produto exige a minimização do teor de carbono do material, esses novos aços precisam dispor de mecanismos de endurecimento que dispensem a presença desse elemento. As alternativas mais viáveis são os aços endurecíveis por precipitação de cobre, do tipo HSLA-80 ou ASTM A710, ou os aços bainíticos com teor extra-baixo de carbono, do tipo ULCB.

Palavras-chave: HY-80, aço microligado, propriedades mecânicas.

ABSTRACT

The fierce competition between different steelworks and between different alloy design approaches keep promoting the development of new microalloyed structural steels which must satisfy increasingly severe mechanical strength and toughness requirements. Another equally desirable aspects for these new materials are the supression of heat treatments and better weldability, which makes this evolution even more complex. As weldabiliby improvement requires minimization of the carbon content of the steel, these new steels must present hardening mechanisms which does not require the presence of this element. Up to this moment, the most feasible answers to this challenge are steels hardened by copper precipitation, like HSLA-80 or ASTM A710, and the so-called Ultra Low Carbon Bainite (ULCB) steels.

Keywords: HY-80, microalloyed steel, mechanical properties.

1. Introdução

O vertiginoso desenvolvimento dos aços microligados, particularmente no campo das aplicações estruturais, navais e petrolíferas, se deve basicamente às melhores características de tenacidade desses materiais para níveis relativamente altos de resistência mecânica e boa soldabilidade. Além disso, seu preço é menor que o dos materiais tratados termicamente, uma vez que suas características mecânicas finais são conseguidas diretamente do calor de laminação. Sob este aspecto, a laminação controlada se revelou um tratamento termomecânico indispensável para se conseguirem tais características a partir das ligas microligadas ao Nb, Ti e/ou V. Desse modo, tornou-se possível a produção de chapas grossas adequadas à fabricação de tubos petrolíferos segundo as normas API 5L-X60, X70 e até mesmo X80, desde que sua espessura de parede não ultrapasse 20 mm.

Por outro lado, aplicações que exijam níveis ainda maiores de resistência mecânica ou chapas de maior espessura, com boa tenacidade, requerem a utilização de aços microligados mais complexos. Pode-se citar como exemplos componentes para pernas de plataformas marítimas móveis, válvulas e conexões para oleodutos, peças para veículos militares e caminhões fora-de-estrada, equipamentos para poços de petróleo e componentes estruturais em vasos de guerra, incluindo submarinos. Além de características mecânicas balanceadas, este tipo de material deve ser de fácil processamento para o cliente, o que inclui fácil soldabilidade, mesmo que se encontre na forma de chapas grossas pesadas, ou seja, com espessuras entre 25 e 100 mm.

Dois conceitos de liga foram propostos para se responder a esse desafio: aços microligados endurecíveis por precipitação de cobre (ASTM A710 e HSLA-80) ou pela formação de estrutura bainítica tenaz com teor ultra-baixo de carbono (ULCB - Ultra Low Carbon Bainite). Eles foram originalmente desenvolvidos para atender aplicações de tubos e conexões petrolíferas.

O desenvolvimento de ligas para uso naval militar baseado nestes dois novos conceitos é bastante interessante, pois os requisitos específicos desta aplicação são muito severos, o que motivou a realização de estudos bastante detalhados.

No caso específico dos aços utilizados em navios de guerra, particularmente submarinos, verificou-se nessa última década a substituição da liga utilizada tradicionalmente (aços da série HY, temperados e revenidos) por materiais microligados, da chamada série HSLA, contando com a precipitação de cobre como principal mecanismo endurecedor. Um exemplo desta nova família é o aço HSLA-80 [Wilson, 1988].

Essas novas ligas apresentam, por si só, menor custo que os da série HY, em função de seu menor teor de elementos de liga. Contudo, a grande vantagem decorrente de sua utilização é a soldabilidade muito superior desses novos aços, que permite redução de até 50% nos custos totais de construção das embarcações [Montemarano, 1986]. Esse aumento de soldabilidade se deve ao baixo teor de carbono dessa nova família de ligas. De fato, esses aços vêm sendo cada vez mais aplicados nos Estados Unidos em navios de guerra mas, apesar de todo o sucesso observado, sua aplicação ainda é vedada em submarinos. Por outro lado, já há registros da aplicação extensiva de aços microligados em submarinos, inclusive nucleares, na França, Inglaterra, Suécia, Austrália e, possivelmente, na antiga União Soviética, ainda que na forma de chapas temperadas e revenidas.

Uma outra possibilidade de substituição da família HY está nos chamados aços ULCB, que podem apresentar resistência mecânica e tenacidade comparáveis às ligas originais, mas com nível de soldabilidade muito superior. Também, neste caso, essa melhoria do material pode ser creditada ao teor extra-baixo de carbono, enquanto que a resistência mecânica é proporcionada pela microestrutura bainítica aliada ao endurecimento por solução sólida de elementos de liga [Nakasuji, 1980, Fumimaru, 2000]. Ainda não há registros de sua utilização real em embarcações militares, provavelmente por duas razões. O advento dos aços HSLA-80 e HSLA-100 deve ter diminuído a necessidade do desenvolvimento de novas ligas similares. Além disso, o aço ULCB é um produto tipicamente japonês, uma vez que apenas as usinas siderúrgicas daquele país conseguem produzir este tipo de liga com teor extra-baixo de carbono de forma econômica e confiável.

A situação estratégica brasileira quanto a esse tipo de material é crítica. De fato, limitações técnicas impediram a produção, no Brasil, das chapas de aço HY-80 que foram utilizadas nos submarinos construídos pela Marinha no final da década de 1980. Tal material teve de ser importado da Alemanha. Surge aí um problema potencialmente grave: há restrições políticas bastante severas que dificultam enormemente a importação de aços que possam ter propósitos militares. A maior potência siderúrgica mundial, o Japão, de fato restringe severamente a exportação de aços que comprovadamente venham a ser utilizados nesse sentido. Desse modo, um boicote conjunto de fornecedores internacionais de aços especiais poderia eventualmente estrangular qualquer programa brasileiro na área militar, inclusive naval, que dependa desse material.

2. Motivação para o desenvolvimento de ligas microligadas alternativas ao HY-80

Tradicionalmente chapas grossas temperadas e revenidas de aços HY-80 e HY-100 - especificadas de acordo com a norma MIL-S-16216 - são utilizadas em aplicações navais militares críticas, como áreas de conveses altamente solicitadas do ponto de vista mecânico, superfícies que determinam o curso de belonaves, cascos submetidos à pressão e paredes de tanques em submarinos convencionais. Após o tratamento térmico de têmpera e revenimento, esses materiais atingem limites de escoamento da ordem de 550 ou 690 MPa, respectivamente.

Embora estes materiais apresentem ótimo desempenho em serviço, o custo de fabricação dos componentes feitos com eles é muito alto. A principal razão deste fato está associada à sua soldagem, particularmente quanto aos severos pré-requisitos para se garantir a boa execução desse processo. Caso essas recomendações não forem seguidas o risco de vultosos prejuízos é muito alto, seja devido ao sucateamento da peça ou à sua falha prematura em serviço.

De fato, sob este aspecto as características dos aços HY são péssimas, basicamente em virtude de sua obsoleta filosofia de projeto de liga: afinal, eles derivam de um aço para blindagem desenvolvido pela Krupp alemã por volta de 1890. Naquela época, a soldagem era pouco mais que uma curiosidade científica e, de fato, esse processo só atingiu sua maturidade mais de meio século depois. Logo, não houve a menor preocupação por parte dos metalurgistas daquela época em adequar esta liga aos requisitos típicos do processo de soldagem [Garcia, 1991].

Um dos fatores principais que determinam a soldabilidade dos aços é o grau de imunidade que a zona termicamente afetada - ZTA (ou seja, Heat Affected Zone - H.A.Z.) apresenta contra o trincamento a frio, tanto na forma retardada como no que ocorre abaixo do cordão de solda. De forma geral, a suscetibilidade da ZTA de um dado aço ao trincamento depende tanto de sua composição química como da maneira como ele foi soldado. Este relacionamento pode ser visto esquematicamente na Figura 1. Observa-se neste gráfico que o aço HY-80 pode sofrer trincamento sob quaisquer condições de soldagem. Esse diagrama ainda mostra o caminho a ser seguido para se minimizar este problema: reduzir ao máximo o teor de carbono do material.


Aqui surge um problema: praticamente todos os mecanismos de endurecimento envolvidos nos aços temperados/revenidos ou normalizados são função de seu teor de carbono. Logo, a questão crucial passa a ser como conseguir suficiente resistência mecânica numa liga que apresente teor de carbono baixo o suficiente para assegurar fácil usinabilidade e boas propriedades no cordão de solda [Wilson, 1988].

A busca de soluções para este problema levou ao desenvolvimento de ligas alternativas que apresentassem melhor soldabilidade que os aços da família HY, mas sem sacrifício da resistência mecânica ou tenacidade.

Até 1980 apenas aços martensíticos apresentavam alta resistência mecânica aliada à boa tenacidade sob baixas temperaturas na forma de chapas grossas médias e pesadas, ou seja, com espessuras acima de 20 mm. A partir de então, foram adotadas duas abordagens para o desenvolvimento de ligas alternativas às martensíticas:

  • Aços endurecíveis através da precipitação de cobre, especificados nas normas ASTM A710 e HSLA-80 [Wilson, 1988].

  • Aços com teor extra-baixo de carbono, endurecíveis pela formação de microestrutura bainítica, que forma uma subestrutura de discordâncias, e pela solução sólida de elementos de liga. São comumente designados pela sigla ULCB (Ultra Low Carbon Bainite), ainda que seu teor de carbono não seja tão baixo assim [Nakasuji, 1980].

Note-se que os mecanismos de endurecimento atuantes nestas duas ligas são relativamente independentes de seu teor de carbono, ao contrário do que ocorre na família HY.

As ligas da família A710 podem ser produzidas conforme três rotas de fabricação diferentes: laminado e envelhecido (Classe 1), normalizado e envelhecido (Classe 2) e temperado e envelhecido (Classe 3). A Marinha de Guerra americana já vem aplicando este material sob condições reais, ainda que em casos não críticos. Ou seja, ele não é utilizado em estruturas que devam capturar trincas ou em blindagens. Além disso, seu uso se limita a chapas grossas relativamente leves, ou seja, com espessura entre 6 e 19 mm. O material mais leve, ou seja, com espessura inferior a 8 mm, é produzido conforme as classes 1 e 2, de acordo com as especificações impostas pela Marinha americana. Já o material pesado é produzido de acordo com a classe 3 que, aliás, é a mais utilizada tanto nas aplicações civis como militares. Tais limitações restringem a aplicação dos aços da família A710 em pequenos vasos de guerra e em alguns locais específicos de porta-aviões e submarinos [Phillips, 1988]. Nestes casos, o material deve atender à norma MIL-S-24645, recebendo as designações HSLA-80 ou HSLA-100 conforme seu nível de resistência mecânica.

Não foram encontradas referências na literatura sobre o uso de aços ULCB em aplicações navais militares, típicas da família HY, mas apenas desenvolvimentos em escala laboratorial e aplicações em tubos de grande diâmetro para a indústria petrolífera [Garcia, 1991].

Esses novos aços possuem melhor soldabilidade, prescindindo do pré-aquecimento que se faz necessário nas ligas da família HY. Isto pode levar a reduções no custo das estruturas soldadas da ordem de 800 a 1.800 dólares por tonelada de peso do componente [Montemarano, 15].

3. Projeto metalúrgico dos aços HY-80, HSLA-80 e ULCB

As composições químicas e propriedades mecânicas típicas dos aços HY-80, HSLA-80 e ULCB podem ser vistas respectivamente nas Tabelas 1 e 2.

As ligas da família HY são baseadas no sistema Mn-Ni-Cr-Mo. O níquel está presente, a princípio, para conferir tenacidade sob baixa temperatura ao material. Já o cromo e molibdênio são adicionados com o intuito de se assegurar alta temperabilidade. A norma que rege este material não permite adições de microligantes tais como nióbio, vanádio, titânio ou boro. Os teores de carbono, níquel, cromo e molibdênio especificados na norma MIL-S-16216 são determinados em função da espessura do material. Apesar da atual restrição ao uso de elementos de microliga nos aços da família HY, estão sendo desenvolvidos estudos sobre a adição de titânio a esses materiais. Esse elemento de liga forma uma dispersão fina de precipitados de TiN que reduz a temperabilidade da zona termicamente afetada e, conseqüentemente, a magnitude dos picos de dureza nela observados. Desse modo, objetiva-se reduzir o grau de pré-aquecimento que é requerido antes da soldagem do material, a exemplo do que ocorre com os aços ao C-Mn e de baixa liga e alta resistência (BLAR), que contêm titânio [Phillips, 1988].

Já o projeto metalúrgico do aço HSLA-80 é praticamente idêntico ao da liga ASTM A710 a qual, por sua vez, foi derivada dos chamados aços IN787 ou NiCuAge, desenvolvidos pela International Nickel Corporation [Wilson, 1988]. Esse material foi especificamente desenvolvido para uso em oleodutos e gasodutos a serem construídos nas regiões árticas. Sua principal característica é a capacidade de endurecimento pela precipitação de e-Cu que ocorre a partir da ferrita supersaturada, entre 480 e 705ºC. O níquel é adicionado em teores acima de 0,7% com o objetivo de se evitar os problemas de fragilidade a quente normalmente associados à presença do cobre nos aços. Além disso, aumenta dramaticamente a temperabilidade da liga, promovendo ainda maior tenacidade. O cromo e molibdênio são incorporados à liga para se retardar a precipitação dos compostos a base de cobre durante o resfriamento a partir do campo austenítico, permitindo sua produção industrial de forma consistente. Esses elementos também são fundamentais na definição da cinética de transformação desses aços. O nióbio é utilizado para se refinar o grão durante a laminação a quente e nas fases de austenitização dos tratamentos térmicos subseqüentes (caso das Classes 2 e 3). Proporciona ainda algum endurecimento por precipitação no envelhecimento.

O aço HSLA-80 na condição como laminado, temperado ou normalizado apresenta dureza relativamente baixa, boa ductilidade e tenacidade moderada. Às vezes, a conformação a frio nestes estágios pode apresentar algumas vantagens, pois são requeridos menores valores de carga para se efetuar a conformação das peças em prensas. Além disso, o tratamento de envelhecimento contribui para a redução dos efeitos deletérios que a seqüência deformação a frio mais envelhecimento sob temperatura ambiente poderia ter sobre a tenacidade do material. Sua execução após a soldagem pode servir como um tratamento térmico para alívio de tensões, o que pode eventualmente contribuir para a redução do custo total da fabricação do componente.

Analogamente ao que ocorreu com os aços da família HSLA-80, o que se objetivou no desenvolvimento das ligas ULCB foi conseguir resistência mecânica através de mecanismos de endurecimento os mais independentes possíveis do teor de carbono do material. É amplamente conhecida a excelente combinação de tenacidade e resistência mecânica apresentada pelos aços bainíticos com baixo teor de C. A principal razão para este fato está no fato de que uma concentração extremamente baixa de carbono, entre 0,01 e 0,03%, pode reduzir ou eliminar a formação de cementita entre placas na matriz de ferrita bainítica [Niikura, 1984]. O boro é uma adição indispensável quando se deseja obter estrutura plenamente bainítica em ligas com teor extra-baixo de carbono. Por outro lado, esse elemento apresenta afinidade muito grande com o nitrogênio. Logo, o efeito proporcionado pelo boro somente ficará garantido se o nitrogênio estiver previamente fixado através de sua combinação com um outro elemento de liga com o qual apresenta maior afinidade. Normalmente se utiliza titânio com esse objetivo. O nióbio é um elemento importante nos aços ULCB, pois aumenta simultaneamente a resistência mecânica e a tenacidade através do refino de grão. Nessas ligas com teor extra-baixo de carbono, há um significativo teor de nióbio em solução sólida, mesmo quando o reaquecimento for efetuado sob temperaturas relativamente baixas como, por exemplo, 1000ºC. Além disso, ele aumenta significativamente a temperabilidade do aço quando solubilizado, quer isoladamente, quer em combinação com o boro. Garante-se, desse modo, o desenvolvimento da estrutura bainítica, através de um forte efeito sinérgico [Nakasuji, 1980].

4. Papel do tratamento termomecânico nos novos aços

O uso de laminação controlada é fundamental para que os aços HSLA-80 e ULCB venham a apresentar as características desejadas de resistência mecânica e tenacidade. Como se sabe, esse processo termomecânico é iniciado pelo reaquecimento das placas sob alta temperatura, geralmente acima de 1150ºC, de forma a permitir plena solubilização dos carbonitretos de nióbio. Essa etapa é seguida de uma etapa de deformação a alta temperatura, onde ocorre recristalização plena da austenita. Após o esboço ter atingido uma determinada espessura a laminação se interrompe, seguindo-se um período de espera até que o material atinja a temperatura onde a austenita não mais se recristalizará entre passes. Dá-se, então, a etapa final de deformação, onde a ausência de recristalização na austenita provocará o "panquecamento" de seus grãos e, dessa forma, um intensificado refino de grão, o qual eleva simultaneamente a resistência mecânica e tenacidade do material. A Figura 2 mostra um esquema gráfico desse processo.


No caso dos aços ULCB - e, até em certo grau, da família HSLA-80 - deve-se considerar que o atual conhecimento sobre os princípios e práticas da laminação controlada não é inteiramente adequado. De fato, esta tecnologia foi exaustivamente estudada no caso de aços de Baixa Liga e Alta Resistência (BLAR) para tubos petrolíferos (oleodutos e gasodutos), cujo projeto de liga é ligeiramente diferente do utilizado nas famílias HSLA-80 e ULCB. Em primeiro lugar, as composições químicas dos aços BLAR convencionais são mais simples. Além disso, a espessura do produto final é relativamente fina, entre 12 a 18 mm, enquanto que chapas para uso em vasos de guerra apresentam espessura típica de 25 mm.

O principal fator que diferencia os aços BLAR convencionais dos ULCB é o maior teor de elementos de liga substitucionais deste último, o que leva a duas alterações metalúrgicas básicas: modificações nas relações que governam a solubilidade do Nb(C,N) na austenita e níveis anormais de arraste por soluto, o que restringe a movimentação dos defeitos cristalinos [Garcia, 1991].

A maior espessura dos produtos feitos em aço ULCB para uso em belonaves dificulta sua laminação controlada. Sob tais condições, os elevados gradientes de temperatura e grau de deformação que se desenvolvem ao longo de sua espessura durante a laminação tornam difícil a obtenção de microestruturas homogêneas no esboço. Isto se reflete de forma negativa na tenacidade do material.

Outro aspecto a ser considerado é a resposta da austenita microligada ao nióbio, vanádio e titânio ao tratamento termomecânico. Ela é função dos seguintes fatores [Garcia, 1991]:

  • Relação entre a temperatura de reaquecimento de placas efetivamente utilizada e a temperatura a partir da qual começam a aparecer grãos grosseiros (Tcga) no material.

  • Relação entre as temperaturas de laminação e Tnr.

  • Relação entre a taxa de resfriamento após a laminação e o diagrama TRC do material.

Todas as temperaturas críticas da austenita microligada (Tcga, Tnr, Ar3, Bs) são fortemente influenciadas pelo tipo e estado dos elementos de microliga presentes. O alto teor de elementos substitucionais presentes nos aços HSLA-80 e ULCB certamente altera de forma significativa tais temperaturas. Por exemplo, elementos como manganês e molibdênio elevam a solubilidade do Nb(C,N) na austenita, o que tenderia a abaixar essas temperaturas críticas. Esse fato deve ser levado em conta ao se dimensionar os parâmetros de processo da laminação controlada [Garcia, 1991].

Outro aspecto a ser considerado no caso específico dos aços ULCB é o efeito da deformação a quente sobre a transformação da austenita. A princípio esse efeito consiste na aceleração da transformação bainítica durante o resfriamento posterior, com aumento na temperatura de início de formação da bainita (Bs). Esse efeito redutor na temperabilidade é aumentado pela precipitação de Nb(CN) na austenita durante a laminação a quente, reduzindo o teor de nióbio solúvel por ocasião de sua transformação. Outro aspecto a ser considerado é o refino no tamanho dos pacotes bainíticos, ou seja, dos agregados de ripas de ferrita bainítica paralelas com a mesma orientação cristalográfica. A deformação na região de não-recristalização da austenita permite reduzir o tamanho desses pacotes, elevando a tenacidade das chapas grossas. Contudo, foi constatado que a deformação a quente não acarretou alteração significativa na temperatura de início da transformação bainítica (Bs) [Garcia ,1991, Yamamoto, 1995, Banerjee, 2001, Cizek, 2002].

Um estudo efetuado sobre o efeito da laminação controlada sobre as propriedades mecânicas de um aço HSLA-80 e ULCB revelou que o grau total de deformação a quente aplicado ao material influenciou decisivamente todas as suas propriedades mecânicas, com exceção de sua ductilidade e, no caso do aço ULCB, da razão elástica. A temperatura de reaquecimento influenciou apenas o limite de resistência de ambos os materiais. Já a temperatura de acabamento afetou significativamente apenas sua tenacidade [Gorni, 2001].

5. Vantagens decorrentes do uso das ligas alternativas

A substituição do aço HY-80 pelo HSLA-80 já é uma realidade nos estaleiros militares norte-americanos, onde esse novo material já foi utilizado na construção de vasos de guerra, com exceção de submarinos [Montemarano, 1986].

A própria produção do aço HSLA-80 é mais econômica do que a do HY-80, em função do menor teor de elementos de liga e tratamento térmico mais simples. Contudo, o potencial de economia que pode ser conseguido é ainda maior quando se considera a redução de custos que ocorre na fabricação do componente a partir da chapa grossa. Eis abaixo algumas das vantagens mais importantes:

  • Não há necessidade de se pré-aquecer as chapas antes de sua soldagem.

  • Requer-se menos habilidade por parte do soldador, o que permite o emprego de mão-de-obra menos qualificada, reduzindo-se os custos ligados a pessoal.

  • Grande redução nos custos de inspeção e reparo.

  • Supressão da necessidade de se perder tempo com a fixação e retirada de dispositivos auxiliares para soldagem.

  • Pode-se dispensar a limpeza da superfície dos cordões de solda antes de se depositar passes subseqüentes.

  • Redução da qualidade requerida para a preparação da superfície.

Além disso, o material HSLA-80 apresenta maior número de aplicações economicamente viáveis que o HY-80. Outra vantagem é a possibilidade de conformação e endireitamento com chama, operações inviáveis quando se utiliza o HY-80. Finalmente, processos de soldagem com alta produtividade - como, por exemplo, o que utiliza alta freqüência - podem ser utilizados na fabricação de peças simples em aço HSLA-80.

Até o momento não há informações sobre aplicações reais onde ocorreu a substituição do aço HY-80 pelo ULCB. Contudo, uma vez que a composição química desse último tipo de liga é até mais simples que a do HSLA-80, pode-se supor que as mesmas vantagens aqui descritas também se apliquem à substituição do aço HY-80 pelo ULCB.

7. Conclusões

As novas ligas com resistência mecânica e tenacidade equivalentes às do aço HY-80 já se encontram comercialmente disponíveis, mas sua aplicação ainda é bastante restrita. Uma das razões para essa timidez certamente é a falta de conhecimento extensivo sobre suas características de tenacidade em condições reais de uso. O desenvolvimento do HY-80 beneficiou-se largamente do clima de paranóia decorrente da Guerra Fria na década de 1950, o que facilitou a execução de projetos de pesquisa sobre esse material e agilizou sua aplicação real. Já os aços HSLA-80 e ULCB foram concebidos entre o final da década de 1980 e o início da década de 1990, quando o surpreendente colapso do Império Soviético chegou a se fazer acreditar que a História havia acabado. A motivação militar para o uso desses materiais praticamente acabou. Contudo, à medida que a resistência mecânica dos aços usados em tubos de grande diâmetro, estruturas para pontes e plataformas marítimas aumenta cada vez mais, sem dúvida surgirão oportunidades em número crescente para a aplicação desses modernos materiais. O emprego de resfriamento acelerado após a laminação também poderá contribuir para um maior uso dessas ligas, uma vez que permite a redução em seu teor de elementos de liga e maximiza o endurecimento por precipitação na ferrita/bainita proporcionado pelo cobre e elementos microligantes.

Artigo recebido em 27/12/2002 e aprovado em 17/12/2003

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Abr 2004
  • Data do Fascículo
    Dez 2003

Histórico

  • Aceito
    17 Dez 2003
  • Recebido
    27 Dez 2002
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