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SISTEMA RAMOS: MÉTODO PARA CAPTURA MULTIMODAL DE PROCESSOS DE ESCRITURA A DOIS NO TEMPO E NO ESPAÇO REAL DA SALA DE AULA

RESUMO:

Um grande número de estudos sobre processos de escritura em tempo real usa métodos e técnicas para coleta de dados, sob condições metodológicas experimentais. Este artigo apresenta um sistema de captura multimodal (visual, sonora e escrita), capaz de oferecer ao pesquisador informações simultâneas do processo de escritura no tempo e espaço da sala de aula (contexto ecológico e didático). O registro visual é feito através de câmeras de vídeo, capturando o contexto da sala de aula e a interação entre alunos e professor; o registro sonoro é feito através de gravadores digitais e microfones, capturando a fala espontânea dos alunos escreventes e o diálogo entre os participantes; o registro escrito é feito através de uma caneta inteligente e do programa HandSpy, capturando o traço da tinta na folha de papel. Descrevemos cada um desses instrumentos, o modo como eles são utilizados e a técnica de sincronização, gerando uma única mídia (filme-sincronizado). Para ilustrar como funciona o Sistema Ramos, sua importância e as vantagens que oferece para entendermos melhor o processo de produção textual (gênese textual) em contexto didático e ecológico, apresentamos uma análise qualitativa e microgenética de pausas espontâneas feitas por uma dupla de alunos (9 anos) enquanto escrevia uma história inventada.

PALAVRAS-CHAVE:
Produção textual; Escrita colaborativa; Diálogo; Aprendizagem; Pausa; Criatividade; Autoria

ABSTRACT:

A large number of studies on real-time writing processes apply methods and techniques for data collection, under experimental methodological conditions. This article presents a multimodal capture system (visual, audio and written), which provides the researcher with simultaneous information of the writing process across the time and space of the classroom (ecological and didactic context). Visual recording is done through video cameras, capturing the context of the classroom and the interaction between students and teacher; audio recording is done through digital recorders and microphones, capturing the spontaneous speech of the writing process of students and the dialogue between the participants; the written registration is performed through smart pens and the HandSpy program, capturing the pen strokes on the sheet of paper. We describe each of these instruments, how they are used and the synchronization technique, generating a single media (film-synchronized). To illustrate how the Ramos System works, its importance and the advantages it offers to better understand the process of textual production (textual genesis) in didactic and ecological context, we present a qualitative and microgenetic analysis of pauses made by a pair of students (9 years old) while writing an invented story.

KEYWORDS:
Text Production; Collaborative Writing; Dialogue; Learning; Pause; Creativity; Authorship

Introdução

Uma das problemáticas relacionadas à investigação científica sobre processos de escritura refere-se ao modo como o termo “processo” é tratado e aos limites de informações obtidas através de métodos e metodologias estabelecidos.1 1 Conforme Hyland (2016), o método corresponde ao modo como os dados são coletados. No campo dos estudos sobre processos de escritura, o pesquisador pode coletar entrevistas, questionários, fazer observação direta, registrar em diário de campo, usar gravador ou câmera, recorrer a programa de computador, caneta inteligente, ou ainda, recolher um conjunto de textos relacionados ao processo de escritura. A metodologia refere-se “aos princípios e os entendimentos que orientam e influenciam a escolha e o uso dos métodos, como por exemplo, a experimentação ou a etnografia. Os métodos são as técnicas usadas e desenvolvidas, enquanto as metodologias são a aplicação sistemática destas técnicas” (HYLAND, 2016, p.117). Qualquer que seja a investigação sobre a escritura, todas elas usam instrumentos, recursos técnicos e definem desenhos metodológicos para apreender o processo, combinando subprocessos ou isolando-os para apreender aspectos específicos relativos às etapas básicas da escritura: planificação, tradução e revisão (HAYES; FLOWER, 1980HAYES, J. R.; FLOWER, L. Identifying the organization of the writing processes. In: GREGG, L.W.; STEINBERG, E. R. (ed.). Cognitive processes in writing. Hillsdale, New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates, 1980. p. 3-30.). Métodos e metodologias são condições necessárias para o desenvolvimento de toda investigação científica de base empírica. Essas condições são necessariamente interdependentes, vinculadas à perspectiva teórica e aos objetivos, envolvendo aspectos contextuais e sociais em que cada estudo se insere, independentemente do recorte investigativo que se faça.

A despeito de suas relações de interdependência, as investigações neste campo de estudo entendem o processo de escritura como uma ação cognitiva e de linguagem que se estabelece no tempo, cronologicamente, cronometricamente e recursivamente, cujo horizonte é o seu produto, isto é, o texto final, publicado ou não, inscrito e linearizado na folha de papel, tela do computador ou qualquer outro tipo de suporte. Do ponto de vista do método a ser usado, a grosso modo, o acesso ao processo pode ser obtido através de duas vias: processo off-line ou a posteriori e processo on-line ou em tempo real2 2 Pelo fato de os termos “on-line” ou “off-line” usados por autores como Foulin e Fayol (1988), Favart e Olive (2005) ou ainda nos trabalhos publicados em Olive e Levy (2002) remeterem, atualmente, a uma ampla gama de sentidos, prevalentemente relacionados aos usos da internet, aqui restringimos seu uso a um sentido bem mais específico, isto é, ao “tempo real” da escritura, sem considerarmos o sentido de “conectividade” associado ao termo “on-line”. (FOULIN; FAYOL, 1988; OLIVE; LEVY, 2002OLIVE, T.; LEVY, C. M. (ed.) Contemporary tools and techniques for Studying Writing. Dordrecht (Netherlands): Springer-Science+Business Media, 2002.; FAVART; OLIVE, 2005FAVART, M.; OLIVE, T. Modèles et méthodes d’étude de la production écrite. Psychologie Française, Paris, v.50, p. 273-285, 2005.; KNORR; HEINE; ENGBERG, 2014KNORR, D.; HEINE, C.; ENGBERG, J. (ed.). Methods in writing process research: introduction and overview. Frankfurt: Peter Lang Edition, 2014.).

Na primeira via de acesso, os estudos sobre o processo de escritura se caracterizam por eleger métodos para o registro de produtos do ato de escrever: materiais relacionados ao que aconteceu antes ou depois de ter sido escrita a peça textual em análise.3 3 Entendemos por “peça escrita” todo produto textual, fruto da ação de escrever, não importando se o resultado desse produto foi publicado ou não, se é rascunho, manuscrito, esboço, notas de trabalho ou de aula, anotações esparsas… Perrin (2014)PERRIN, D. Combining methods AL- informed writing research. In: KNORR, D.; HEIN, C.; ENGBERG, J. (ed.). Methods in writing process research. Frankfurt: Peter Lang Edition, 2014. p. 40-57. destaca que estudos baseados na comparação entre produtos escritos para a recuperação do processo adotam a “análise de versões” (version analysis) como método. As investigações ligadas ao campo da Crítica Genética (GRESILLON, 1985GRÉSILLON, A. Débrouiller la langue des brouillons: Pour une linguistique de la production. In: GRÉSILLON, A.; WERNER, M. (ed.). Leçons d’écriture ce que disent les manuscrits: Hommage à Louis Hay. Paris: Minard, 1985. p. 321-332.; BIASI, 2011BIASI, P-M. de. Génétique des textes. Paris: CNRS Editions, 2011.) e da Genética Textual (FABRE, 1990FABRE, Cl. Les brouillons d’écoliers ou l'entrée dans l’écriture. Grenoble: Ceditel: L’AtelierduTexte, 1990.; BORÉ, 2010BORE, C. Modalités de la fiction dans l’écriture scolaire. Paris: L’Harmattan, 2010. (Collection Savoir et Formation).) são representativas deste método. Os estudos em Crítica Genética elegem os “dossiês genéticos” (cartas, planos, rascunhos, manuscritos, versões, anotações, notas) como objeto de estudo. As investigações em Genética Textual constituem os “dossiês genéticos escolares”, compostos por cópias, recópias, manuscritos escolares (CALIL, 2008CALIL, E. Escutar o invisível: escritura & poesia na sala de aula. São Paulo: Ed. da Unesp; Funarte, 2008.), produzidos em sala de aula, sob condições didáticas. Todos esses produtos podem mapear ou contribuir para a reconstrução do percurso genético4 4 De acordo com Biasi (2004), seguindo a proposta de Bellemin-Noel (1977), a análise do percurso genético de uma obra literária deve levar em conta: i. o conjunto de manuscritos do trabalho “definitivo” (publicado ou não); os manuscritos de trabalho (rascunhos, roteiros, planos, notas; iii o “avant-text” (prototexto), isto é, o resultado da análise dos manuscritos, apresentando a reconstituição das operações genéticas que antecedem o texto. (BIASI, 2004, p. 43). Esses objetos fazem parte do método proposto pela Crítica Genética para a análise de manuscritos literários. A Genética Textual, ao buscar traçar o percurso genético de textos escolares, tem se limitado a recuperar rascunhos, cópias, recópias (FABRE, 1990; BORÉ, 2010) de textos escritos por alunos em sala de aula. Através desses produtos, geralmente considerando a presença de rasuras, os investigadores buscam mapear o percurso genético desses textos. de um texto. Apesar de o foco na comparação entre produtos permitir traçar transformações linguísticas, enunciativas e relações intertextuais, evidenciando tanto o caráter recursivo, quanto construtivo do ato de se escrever um texto, os limites do material escrito e da análise de versões em relação à escritura em tempo real e às evidências contextuais e empíricas da atividade cognitiva do escrevente durante a escritura em curso são evidentes.

A segunda via de acesso ao processo de escritura tem sido desenvolvida mais recentemente, graças aos avanços tecnológicos atuais. Os estudos que adotam esse caminho buscam recuperar, ao menos em parte, a dimensão altamente complexa envolvendo as relações entre o escrevente e a escritura antes, durante e/ou depois do momento em que se produziu um texto. Esses avanços tecnológicos têm permitido que os processos de escritura possam ser registrados através de:

  • Aparelhos de áudio5 5 Gravações em áudio foram usadas como método para o registro de “redações conversacionais” (GAULMYN, 1994). Duas obras coletivas, Gaulmyn, Bochard e Rabatel (2001) e Bouchard e Mondada (2005), trazem diferentes análises do corpus Maïté-Paulo, dois estudantes universitários, que conversavam enquanto produzem um texto argumentativo. ou vídeo,6 6 O estudo de Foulin e Fayol (1988) é um dos primeiros a usar como método o registro em vídeo de processos de escritura em tempo real. muitas vezes usados como apoio à técnica dos protocolos verbais (think aloud ou protocolos de retrospecção7 7 O clássico estudo feito por Hayes e Flower (1980) teve como método o registro em áudio do protocolo verbal de um único escrevente experiente, enquanto escrevia um texto. Esta técnica foi amplamente utilizada nos anos 80. ).

  • Programas de computador, capturando as ações das teclas e do cursor (keylogging recording8 8 Dentre os numerosos programas dotados desta capacidade, destacamos o Inputlog, o Scriptlog e o Translog. Programas mais simples, como o Gênese du Texte (FOUCAMBERT, 1995) são usados com alunos e em contextos escolares, mas semi-experimentais. Por exemplo, Doquet (2011) usou esse programa em sua investigação sobre a escritura em tempo real de alunos de 9 anos de idade. ) ou ainda programas capazes de filmar a tela (screenshot recording) do computador.

  • Aparelhos de alta precisão, como o eyetracking, associando o movimento ocular ao movimento da caneta digital na tela de um tablete (ALAMARGOT et al., 2006ALAMARGOT, D.; CHESNET, D.; DANSAC, C.; ROS, C. Eye and pen: A new device for studying reading during writing. Behavior Research Methods Instruments & Computers, London, v.38, n.2, p.287-299, 2006. Available at: https://link.springer.com/content/pdf/10.3758/BF03192780.pdf. Access on: 29 jul. 2020.
    https://link.springer.com/content/pdf/10...
    ).

  • Canetas esferográficas inteligentes associadas a softwares, como por exemplo, o Handspy9 9 Uma versão mais atual do HandSpy encontra-se em http://docs.wixstatic.com/ugd/a36ba9_1f3fb53ae78941cb88cbf2043622bee9.pdf. Acesso em: 7 out. 2020. (MONTEIRO; LEAL, 2012MONTEIRO, C.; LEAL, J. P. HandSpy: a system to manage experiments on cognitive processes in writing, In: SYMPOSIUM ON LANGUAGES, APPLICATIONS AND TECHNOLOGIE, 1., 2012. Proceedings… Wadern: Schloss Dagstuhl, 2012. p. 123–132.), capturando todo toque e traçado da caneta na folha de papel.

Tais instrumentos têm permitido a captura de fenômenos diversos relacionados à escritura em tempo real. Pesquisadores em diferentes campos de atuação e distintos contextos (acadêmicos, profissionais, escolares), envolvendo a participação de escreventes novatos ou experientes, adotam ou combinam esses métodos10 10 Para se ter um panorama de algumas investigações que combinam diferentes métodos sugerimos a consulta a Olive e Levy (2002) e a Heine, Knorr & Engberg (2014). para obter evidências das pausas, hesitações, arranque (burst), revisões, reflexões metalinguísticas relacionadas ao texto em curso ou ainda observar como aspectos sociais, contextuais e pragmáticos interferem no processo de escritura em tempo real.

Apesar da diversidade de instrumentos e métodos desenvolvidos para a captura da escritura em tempo real, grande parte dos estudos assume uma abordagem experimental e controlada, seguindo os rigores metodológicos típicos dos estudos laboratoriais. Os ganhos deste tipo de abordagem, sobretudo relacionados à repetibilidade e ao volume de informações estatisticamente significantes, enfrentam, como contrapartida, a artificialidade imposta por estas condições de produção textual para a validação de seus achados em situações reais e cotidianas de escritura. Por outro lado, trabalhos científicos que buscam preservar as situações reais de escritura investigam os processos de escreventes experientes ou profissionais, universitários e adolescentes. Esses escreventes têm habilidades e autonomia para usar instrumentos complexos, exigindo domínio psicomotor refinado para se escrever, como por exemplo, o manuseio de teclados e o acompanhamento das modificações produzidas na tela do computador ou o controle motor para o uso adequado de canetas digitais sobre a superfície de um tablete.

Poucas investigações conseguem registrar em contexto natural e ecológico de sala de aula, de modo espontâneo, rigoroso e preciso, o que acontece durante processos de produção textual ou o que está sendo falado pelo escrevente quando decide acrescentar ou rasurar um elemento linguístico durante o texto em curso. Mais raro ainda é o registro multimodal e sincrônico das falas de alunos e professor, dos gestos e expressões faciais, do traço da caneta sobre a folha de papel, da movimentação de outros alunos e do espaço físico da sala de aula. Podemos mesmo dizer que, se considerarmos como escreventes aqueles alunos entre 6 a 9 anos de idade, recém-alfabetizados, parece não haver investigações que consigam registrar o processo de escritura em tempo e espaço real na sala de aula.11 11 Em fevereiro de 2018, durante a Conferência European Literacy Network (ELN), financiada pela COST Action IS1401, foi apresentado o trabalho Digital Writing Support: Innovations in Technology Development and their Impact on our Understanding of Literacy, de Kaliopi Benetos (Universidade de Essex), Otto Kruse (Universidade de Ciências Aplicadas de Zurique). Segundo o levantamento feito pelos autores, nenhuma das 44 inovações tecnológicas voltadas para o registro da escrita levou em conta a sala de aula como contexto e na maioria deles não são explorados os aspectos didáticos.

O objetivo deste artigo é justamente apresentar o Sistema Ramos;12 12 O nome “Ramos” foi dado por duas razões principais. A primeira delas é uma forma de homenagear um grande escritor brasileiro, autor de obras que retratam a cultura brasileira e, em particular, o Estado de Alagoas: Graciliano Ramos. O sentido simbólico deste termo remete, todavia, ao ato de “ramificar”, ou seja, algo que se divide, se multiplica a partir de um ponto inicial, propagando-se para diferentes lugares e direções, de tal modo que seu ponto de partida fique obliterado. Entendemos que o ato de escrever expressa esse sentido, pelo fato de que um texto é o produto de um processo, constituído através de seus planos, roteiros, esquemas, rascunhos, manuscritos, versões, rasuras, etc. Podemos ainda associar isso ao modo como o conhecimento científico avança, através de ramificações de ideias, técnicas, métodos, metodologias… Essas são as razões de seu nome. um novo método construído para a captura multimodal, simultânea e sincrônica de processos de escritura em tempo e espaço real da sala de aula. Primeiramente, descreveremos os instrumentos, a proposta e a técnica utilizada para a construção do Sistema Ramos. Em seguida, apresentaremos alguns achados e potencialidades desse sistema de captura multimodal, destacando as ocorrências de pausas durante o texto em curso. Por fim, algumas vantagens dessa proposta poderão ser observadas a partir de uma abordagem ecológica e linguístico-enunciativa assumida pelo campo de estudo em Genética Textual, dedicado a compreender aspectos relativos ao processo de criação, à autoria, à criatividade e às atividades metalinguísticas desses escreventes novatos.

Sistema Ramos: instrumentos, dispositivos e suportes

Para que seja possível realizar a captura multimodal de processos de escritura em tempo e espaço real, o Sistema Ramos (SR) usa instrumentos e dispositivos facilmente encontrados no mercado de produtos eletrônicos e audiovisuais. Sua base material assenta-se sobre 3 tipos de mídias (visual, sonora e escrita), compostas pelos materiais descritos abaixo:

• Mídia 1: registro visual

A mídia visual é coletada por câmeras digitais, tipo handcam, fixada em um braço articulado de 3 seções, preso a um grampo de pressão. O grampo de pressão fica preso à mesa de trabalho.

Figura 1
Câmera Digital V550K Full HD Panasonic.
Figura 2
Braço articulado 196B-3 e grampo de pressão 035RL Manfrotto

Essas câmeras são posicionadas em dois planos distintos. Suas principais funções são os registros fílmicos da sala de aula, em dois planos de enquadramento: panorâmico e focal.

  • Plano panorâmico: Câmera-geral, equipada com lente grande-angular: câmera posicionada na parte da frente da sala de aula, geralmente fixada na mesa de trabalho do professor; essa câmera registra a movimentação do professor e dos alunos, além das características físicas da sala de aula. Nomeamos o material capturado por essa câmera-geral de “vídeo-professor”.

  • Plano focal: Câmera-díade equipada com lente padrão: câmeras posicionadas em frente à mesa de trabalho de cada díade de alunos; cada câmera registra a interação face-a-face das díades (câmera díade 1, câmera díade 2…), com enquadramento delimitado entre os rostos dos alunos e sua mesa de trabalho. Cada vídeo capturado por essas câmeras é chamado de “vídeo-díade”.

Estas câmeras registram igualmente o som da sala de aula. Como possuem microfone aberto, elas capturam, indistintamente, todas as vozes, sons e ruídos do ambiente. Para evitar o uso de tripés e cabos elétricos, que podem obstruir e trazer problemas para a movimentação de alunos e professor, optamos por fixar todas as câmeras de vídeo em grampos de pressão e braços articulados presos nas mesas de trabalho dos alunos e do professor. As câmeras funcionam com baterias de longa duração, em lugar dos cabos e fios.

Posteriormente, no tratamento pós-coleta, os áudios captados por essas câmeras serão substituídos pelos áudios da mídia 2, descrita a seguir.

• Mídia 2: registro sonoro

A mídia sonora é composta por dois instrumentos conectados: gravador digital e microfone de lapela, ambos estéreos. Sua função é capturar com qualidade a fala de cada um dos participantes. Em cada aluno (áudio-aluno) e também no professor (áudio-professor) são instalados um gravador digital e um microfone de lapela, permitindo o registro audível, preciso e fiel dos diálogos estabelecidos entre eles, assim como o diálogo entre o professor e todos os alunos da sala de aula.

Figura 3
Gravador Digital Tascam D5
Figura 4
Microfone de Lapela Sony ECM-CS10

• Mídia 3: registro escrito

A mídia escrita utiliza a associação entre uma caneta inteligente (smartpen) e uma folha de papel com linhas e margens. Estes materiais operam de modo integrado. A caneta inteligente, da marca Livescribe, modelo Echo 2GB,13 13 Disponível em: https://www.livescribe.com/pt/smartpen/. Acesso em: 7 out. 2020. foi escolhida, principalmente, por razões ergonômicas e técnicas. O fato dessa caneta ser esferográfica, de fácil manuseio e domínio pelo jovem aluno, e escrever sobre uma folha de papel A4, foi decisivo para sua escolha.14 14 Antes de escolhermos as canetas inteligentes que escrevem em folha de papel, chegamos a testar as canetas digitais que escrevem em telas de tabletes. Nesses testes, cujos resultados apresentamos no Writing Research Across Borders III (Paris, fevereiro 2014), sob o título Ramos System: Evaluation of two devices for capturing real time multimodal writing in the classroom, observamos que alunos de 7 anos de idade têm grandes dificuldades em usar uma caneta digital sobre a superfície de um tablete. Além de dificuldade de controle motor para traçar as letras e conter seu traçado nos limites da linha, a resposta do tablete ao toque da caneta na tela não era imediata e, por vezes, não capturava o traço do que havia sido escrito. Além destes dois aspectos, a vantagem econômica favoreceu nossa escolha por esse instrumento, uma vez que o custo de uma caneta inteligente é significativamente menor do que o valor de um tablete e uma caneta digital. Esse tipo de caneta inteligente possui uma câmera infravermelha, localizada em sua ponta inferior, capaz de fotografar em milésimos de segundo cada toque da caneta na folha de papel. Associado ao software HandSpy,15 15 Este aplicativo foi desenvolvido pelos pesquisadores da Universidade de Porto, sob a coordenação de Rui Alves, parceiro colaborador nos trabalhos de cooperação internacional com Portugal. Alves cedeu o HandSpy e ofereceu o suporte técnico para a instalação e uso nas canetas inteligentes. No site https://www.youtube.com/watch?v=OZ9LSBtgWl8, o leitor poderá encontrar maior detalhamento sobre o HandSpy e os tipos de informações fornecidas pelo aplicativo. cada toque da caneta na folha de papel fotografa o ponto tocado e o registra em um arquivo xml. Esse arquivo contém as informações das coordenadas espaciais e temporais de cada foto, fornecidas através de um sistema de micropontos (Dot Point System), impresso na folha. A impressão deste sistema pode ser feita a partir de uma impressora a laser, com qualidade de resolução igual ou maior do que 600 dpi que suporte o drive Adobe PostScript.

Figura 5
Caneta inteligente Livescribe Echo 2GB, com aplicativo HandSpy
Figura 6
Folha de papel A4, com micropontos impressos

Após o uso da caneta com o aplicativo HandSpy instalado, as informações coletadas são armazenadas em arquivo xml e podem ser extraídas com a ajuda do programa data capture tool para um computador com sistema operacional Windows. Esse arquivo fornece uma grande quantidade de medidas cronométricas sobre o traço da tinta da caneta na folha: pausas, arranque, fluxo. Além dessas informações, ainda é possível processar o arquivo xml em arquivo de vídeo (mp4 ou avi), através do programa RamosInk, desenvolvido pelo Laboratório do Manuscrito Escolar (LAME). O vídeo gerado (vídeo-escrita) reproduz o movimento contínuo e recursivo do traço da caneta no tempo real de sua inscrição na folha de papel. Este vídeo-escrita será de grande importância para o Sistema Ramos, como mostraremos adiante.

A associação entre este instrumento e suporte de papel gera dois produtos:

  1. Manuscrito físico: suporte de papel no qual ficou registrado o traço da tinta da caneta. O manuscrito físico (manuscrito escolar), considerado como “produto” do “processo”, será digitalizado em formato jpg ou pdf.

  2. Vídeo-escrita: conforme indicamos, esse vídeo é gerado em formato mp4 ou avi, a partir do processamento do arquivo xml; através desse vídeo é possível visualizar o percurso do traço da tinta feito no espaço da folha de papel; todo e qualquer traço inscrito pelo aluno fica registrado, seja a grafia de uma letra, a marca de um sinal de pontuação ou o desenho de uma flor.

Todos os componentes que formam essas três mídias são instalados e ligados na sala de aula. Com o apoio sonoro produzido pela batida de uma claquete, marcamos o início da proposta de produção textual. O som emitido pela claquete é capturado pelas mídias audiovisuais e servirá como ponto zero para sincronizar essas mídias com todas as outras mídias e cronometrar o tempo transcorrido durante a proposta de produção textual.

Para preservar as características ecológicas da sala de aula, favorecendo a interação entre o professor e seus alunos, toda a equipe técnica, formada pelo pesquisador e seus auxiliares de pesquisa devem sair da sala de aula. Esse simples procedimento evita que os alunos façam contato visual com os pesquisadores, passando a interagir com eles, fazendo perguntas sobre o que estão escrevendo ou pedindo ajuda para resolverem problemas ou dúvidas diversas. A interação entre pesquisadores e alunos descaracteriza o ambiente natural da sala de aula.

As características físicas dos instrumentos usados também contribuem para que haja menor intrusão e interferência durante a proposta de produção textual em sala de aula, tanto em relação a movimentação dos alunos e professor, quanto em relação ao registro gráfico-escritural feito através do uso de caneta e folha de papel. Nossa longa experiência com a coleta de dados através de filmagens de propostas de produção de texto no contexto escolar16 16 Podemos considerar que o registro fílmico de propostas de produção de texto em sala de aula teve seu início em 17/03/1989, quando gravamos pela primeira vez uma proposta na qual duplas de alunos de 6 anos deveriam escrever, juntas, uma lista de bichos, cujo nome de cada bicho começasse com a letra sorteada pelo professor. O material coletado aquele ano fez parte do estudo “A construção de Zonas de Desenvolvimento Proximal em um contexto pedagógico” (CALIL, 1991) e pertence ao acervo do Laboratório do Manuscrito Escolar da Universidade Federal de Alagoas. tem mostrado que há uma forte tendência dos participantes, principalmente dos alunos, em “esquecerem” que estão sendo filmados, agindo, falando e interagindo com naturalidade e espontaneidade, junto a seus parceiros, colegas e professor. Esse aspecto contribui para a preservação das condições ecológicas da sala de aula e, sobretudo, para a caracterização da fala espontânea que emerge nestas situações interativas e dialogais.

Sistema Ramos: instalação, posicionamento e função das mídias

Os instrumentos descritos acima são instalados e posicionados estrategicamente, visando o registro mais completo possível da ambiência da sala de aula.

Caracterização das mídias audiovisuais (mídia 1 e 2)

A função dessa mídia é essencialmente o registro de imagens com impressão de movimento dos alunos e professor. Esse registro acontece em dois planos: o plano geral da sala de aula (vídeo-professor) e o plano específico da dupla de alunos (vídeo-díade), materiais descritos acima.

• Plano geral, câmera panorâmica

A câmera com lente grande-angular é a primeira a ser posicionada à frente da sala de aula e ligada.

Como pode ser observado, a câmera-geral fixada na mesa de trabalho do professor registra a organização físico-espacial do ambiente da sala de aula (disposição do mobiliário, presença de cartazes fixados nas paredes, etc.), o posicionamento e movimentação dos alunos e, principalmente, o deslocamento do professor, permitindo acompanhar tanto as demandas feitas pelos alunos, quanto às aproximações e interações estabelecidas com toda a classe ou com duplas de alunos.

Na figura 7 temos as mesas de trabalho dispostas em 3 fileiras e reunidas duas a duas. Há 9 câmeras-díade instaladas, 8 díades e 1 aluno sozinho (naquele dia, sua parceira havia faltado). Ao fundo da sala há um painel e cartazes fixados na parede, um armário para guardar o material da classe. Com exceção da aluna de blusa cor de rosa, que está com o braço levantado, todas as outras duplas e o aluno que está sozinho estão escrevendo. A professora está de costas para a câmera-geral, posicionada no canto inferior direito do vídeo-professor.

Figura 7
Imagem extraída do vídeo-professor, mostrando a sala de aula de uma escola portuguesa17 17 Versões anteriores do Sistema Ramos foram utilizadas em coletas de dados de escolas brasileiras (2011, 2013), francesas (2014) e portuguesas (2015). Neste trabalho usaremos as imagens extraídas da coleta realizada entre janeiro e março de 2017, para o projeto Díades. Esse projeto de cooperação internacional, coordenado pela pesquisadora Luísa Álvares Pereira, da Universidade de Aveiro, envolve pesquisadores portugueses e brasileiros e o material coletado compõe o acervo do Laboratório do Manuscrito Escolar, onde estão também armazenados os dados coletados nos anos anteriores. Aproveitamos para agradecer imensamente pela parceria e pelo empenho de todos os professores, alunos e pesquisadores portugueses, em particular, à professora Luísa. Sem o seu conhecimento, seu intenso e constante apoio, as coletas nas escolas portuguesas não teriam sido possíveis. Os procedimentos relativos às questões éticas foram seguidos de acordo com às exigências portuguesas e as autorizações de todos os participantes foram obtidas para que essa coleta pudesse ser realizada. do 4° ano, 2017 (câmera-geral).

Esse mesmo registro fílmico capturado pela câmera-geral (vídeo-professor) será adicionado a cada filme-díade a ser sincronizado posteriormente (2ᵃ etapa da coleta de dados). O vídeo-professor, ao captar a ambiência da sala de aula, oferece ao pesquisador informações complementares para se entender a dinâmica interacional entre os participantes, como por exemplo, os deslocamentos, os movimentos corporais, gestos e direções dos olhares dos alunos e professor. Apesar dessas informações serem extremamente relevantes do ponto de vista ecológico, elas sozinhas não ajudam a compreender o processo de escritura, menos ainda de que forma se estabeleceu a interferência do professor nesse processo. Para dizer de modo mais específico, não é possível saber o que já estava escrito no momento em que a aluna levantou a mão para chamar a professora ou se a demanda dela tinha relação com o que ela ainda queria escrever. Através do vídeo-professor, não é audível o diálogo entre essa dupla e a professora.

• Modo focal, câmera-díade

Após a instalação da câmera-geral, inicia-se a instalação e ativação das câmeras das díades. Como vimos na figura 7, posicionamos uma câmera-díade para cada díade.

Essas câmeras são fixadas na parte superior do braço articulado. A parte inferior desse braço fica fixada ao grampo de pressão que está, por sua vez, preso na parte superior da mesa de trabalho de cada dupla. O enquadramento é ajustado de modo a focar os dois alunos, deixando um espaço no enquadramento acima de suas cabeças para que possamos, posteriormente, inserir o vídeo-professor. Com esse enquadramento, é possível registrar, de modo mais acurado do que a câmera-geral, todos os aspectos visuais próprios da interação face-a-face, como por exemplo os elementos expressivos idiossincráticos de cada um dos interlocutores (movimento corporal, gestos, olhares, expressões faciais, tomada e posição da caneta, posição da folha de papel, etc.), o engajamento de cada aluno, indicado pelo olhar e pela atenção compartilhada e outros aspectos relativos ao caráter didático e específico de toda prática didática. Alguns desses aspectos podem ser observados na figura 8.

Figura 8
Imagem extraída do vídeo-díade, mostrando a aluna C, responsável por escrever a história, chamando a professora (câmera-díade).

Essa imagem registra exatamente o mesmo momento representado na figura 7, porém do ponto de vista da câmera-díade. Nesse instante, temos a aluna C levantando a mão e olhando em direção aonde estava a professora que, ao vê-la chamando, caminha em direção à dupla. A caneta está na mão direita da aluna. Enquanto isso, o parceiro dessa aluna, o aluno I, está com as mãos cruzadas, olhando para o braço levantado de sua amiga. Na continuidade dessa imagem, mostrada pelo filme sincronizado, vemos a professora caminhando até a dupla, para atender à solicitação da aluna que levantou a mão e está responsável por escrever a história.

Em relação ao manuscrito escolar, sobre a mesa de trabalho da aluna, virado 45° graus à direita em relação a seu corpo, temos um pouco mais de informação visual. Nele se vê que, no momento em que ela levantou a mão para chamar a professora, já havia escrito em mais da metade da folha de papel. Mas essa informação é ainda muito imprecisa para a compreensão do processo de escritura. Não é possível saber o que estava sendo escrito, como estava escrito, se havia ou não rasuras ou erros gramaticais, assim como se o chamamento da professora estaria relacionado a alguma dificuldade ortográfica ou outro aspecto qualquer relativo ao texto em curso.

Também não é possível ter acesso ao áudio captado pelas câmeras-díade. O microfone aberto registra todo o som da sala de aula, tornando inaudível o diálogo entre os participantes. Esse problema técnico será resolvido somente com o auxílio de gravadores digitais e microfones de lapela.

• Mídia sonora: gravadores e microfones

Após o posicionamento e ativação das câmeras (câmera-geral e câmera-díade), instalamos em cada participante um gravador digital e um microfone de lapela. Assim, temos o registro fiel da fala de cada um (professor e alunos), durante toda a proposta de produção realizada. Esses arquivos em áudio irão substituir os áudios registrados pelas câmeras. Durante a fase de pós-coleta, quando for editado o filme-sincronizado, a câmera-geral terá seu áudio original anulado. A câmera-díade terá o áudio ajustado para 10%, 20% ou 30% em função do nível de ruído da sala de aula. Os áudios de cada aluno da dupla e do professor capturados pelos gravadores serão inseridos no vídeo-sincronizado e o volume ajustado entre 80% a 100%.

Caracterização das mídias escritas (mídia 3)

• Mídia escrita: manuscrito-físico e vídeo-escrita

Conforme caracterizado acima, a mídia escrita gera dois materiais, o manuscrito escolar em sua forma final (folha de papel com o registro do que foi grafado e a imagem digitalizada dessa folha) e o manuscrito em curso, caracterizado como o vídeo-escrita, capturado pela caneta inteligente. A figura 9 apresenta o manuscrito escolar produzido pela dupla portuguesa, que recebeu o título “Umas férias em grande”.

Figura 9
Manuscrito escolar produzido pela dupla C e I, no dia 25 01 2017 (EE_2017_D4_001)

Durante aproximadamente 60 minutos, essa dupla inventou e escreveu a história sobre um grupo de amigos que, ao final do ano letivo, foi passar férias juntos. Eles foram ao Hotel Mélia Ria,18 18 Conhecido e importante hotel cinco estrelas, localizado na parte turística da bela cidade de Aveiro, onde moram os alunos dessa escola. depois foram para o Brasil, conheceram “a praia de Búzios” e voltaram para Portugal, onde passaram o resto das férias. Além dessas informações sobre o conteúdo da narrativa ficcional, há muitas outras que o produto oferece, como a quantidade de palavras, número de linhas, as letras, palavras ou frases rasuradas, erros de ortografia ou gramaticais, problemas de pontuação, etc.

Mas não é possível saber ainda, em que ponto exato do manuscrito em curso a aluna levantou o braço para chamar a professora.

Ao analisarmos o arquivo xml coletado pela caneta inteligente associada ao HandSpy, temos a identificação de bursts, de pausas curtas e longas, que ocorreram no meio da escrita de uma palavra, após a escrita de uma palavra ou antes do início de uma frase. Por exemplo, ao extrairmos as pausas identificadas pelo programa HandSpy, temos a ocorrência de 50 pausas, cada uma com 5 segundos ou mais, durante a redação da folha 1 dessa história inventada. Se estabelecermos como pausas curtas, aquelas com duração entre 5 e 15 segundos, como pausas médias, aquelas entre 16 e 30 segundos e como pausas longas, aquelas com mais de 30 segundos, temos a seguinte distribuição: 37 pausas curtas, 8 pausas médias e 5 pausas longas.

Na figura 8 é possível observar que a pausa feita pela aluna ao levantar a mão aconteceu depois da metade da folha ter sido escrita, mais ou menos, entre as linhas 19 e 20. Nessas duas linhas temos as pausas indicadas na figura abaixo do seguinte modo: chaves marcam o tempo de pausa; setas indicam o instante em que teve início e fim uma pausa, marcando o tempo do processo de escritura cronometrado desde a batida da claquete. Destacamos com retângulos o tempo inicial das pausas e com círculos a duração das duas pausas que discutiremos adiante.

Figura 10
Linhas 19 e 20 do manuscrito escolar gerado pelo arquivo XML, com as respectivas pausas, marcadas pelo programa HandSpy.

Apesar da precisão cronométrica oferecida por esse programa, as pausas não informam sobre a relação entre o manuscrito em curso e o que estava acontecendo na sala de aula. Entre as linhas 19 e 20, é possível identificar 6 pausas: 3 pausas na linha 19 e 3 pausas na linha 20. As 5 primeiras pausas foram curtas e médias, ocorrendo no início ou no final de frases gráficas ou sintáticas. Temos ainda uma pausa longa (1′17″) na linha 20, entre o sujeito “eles” e o predicado “decidiram ir à praia de Búzios’. Podemos supor que a pausa longa estaria associada ao momento em que a aluna levantou a mão (figura 8), marcando o tempo que levou para a professora ver o gesto da aluna e se aproximar para ajudá-la. Contudo, não se sabe por que a aluna levantou a mão e, consequentemente, deu início a essa longa pausa durante o fluxo da escritura.

O HandSpy traz uma enorme contribuição ao mapear o tempo do toque da smartpen na folha de papel, mostrando, por exemplo, uma tendência de ocorrências de pausas mais longas entre as frases. Em um contexto ecológico, entretanto, ao se levar em conta as características etnográficas de cada sala de aula, as pausas e interrupções ocorridas durante um processo de escritura podem estar associadas aos mais diversos motivos, como por exemplo, à entrada de alguém na sala de aula para dar um recado, à pergunta de um aluno sobre a escrita ortográfica de determinada palavra, ao fato do escrevente parar de escrever para descansar a mão. Daí a dificuldade em se generalizar achados sobre processos de escritura registrados pelos diversos métodos de coleta usados em condições laboratoriais ou experimentais para o que acontece durante processos de escritura na vida real.

A grande precisão cronométrica das pausas, bursts e fluxos do traço da caneta na folha de papel não guarda informações do contexto real, cotidiano e ordinário do processo de produção textual na sala de aula. É justamente com a intenção de poder enriquecer o universo dos estudos sobre processos de escritura em tempo e espaço real que propomos o Sistema Ramos, coletando, reunindo e sincronizando as informações coletadas por essas 3 mídias, em um único objeto de estudo: o filme-sincronizado.

Filme-sincronizado: informações multimodais, simultâneas e sincrônicas

O Sistema Ramos vem responder a muitas das questões colocadas anteriormente. Após a coleta dos dados, inicia-se a etapa pós-coleta, quando será gerado o filme-sincronizado, a partir de todas as mídias coletadas (visual, sonora e escrita). A montagem do filme-sincronizado dá-se a partir do seguinte tratamento técnico:

1ᵃ Etapa: Extração, conversão e otimização das mídias visuais, sonoras e escritas.

  • Cada uma destas mídias é processada de acordo com os respectivos tipos de arquivo digital: mp4, mp3, png, jpg, pdf.

2ᵃ Etapa: Inserção das mídias no filme-sincronizado:

Esta etapa é bem mais trabalhosa, exigindo conhecimentos específicos sobre edição de vídeo.

  • Cada uma das díades participantes terá o registro multimodal de seu processo de escritura editado em um único filme.

A edição do filme-sincronizado de cada díade considera:

  1. Vídeo-díade coletado pela câmera-díade, ocupando toda a tela.

  2. Vídeo-professor coletado pela câmera-geral, ocupando o canto superior esquerdo.

  3. Manuscrito-físico, ocupando o canto inferior direito, posicionado acima do vídeo-escrita.

  4. Vídeo-escrita coletado pela smartpen e HandSpy, ocupando o canto inferior direito.

  5. Cronômetro, posicionado no canto superior direito.

  6. Áudio-aluno 1, o áudio-aluno 2 e o áudio-professor.

3ᵃ Etapa: Sincronização e montagem do filme-sincronizado:

  • Sincronizar, a partir da localização do som produzido pela claquete, todas as mídias de áudio e audiovisuais (vídeo-díade e vídeo-professor).

  • Ajustar o volume dos áudios dos alunos da díade filmada e do áudio do professor e reduzir o som de áudio da mídia da câmera geral, de modo a tornar claro e audível os áudios dos dois alunos da díade e do professor. Anular o áudio captado pela câmera da díade.

  • Identificar visualmente, no vídeo-escrita, o primeiro toque da caneta na folha de papel e sincronizá-lo como o vídeo-díade e vídeo-professor.

  • Inserir a manuscrito-físico junto com o vídeo-escrita, quando os alunos começam a inscrever o manuscrito.

  • Vídeo-escrita deve ser recortado e mostrar a linha que está sendo escrita.

  • Manuscrito-físico deve ser recortado e mostrar as duas linhas: a linha anterior e a linha que está sendo escrita. Desta forma, o pesquisador poderá saber o que foi escrito imediatamente antes e imediatamente depois do que está mostrando o vídeo-escrita.

  • Ativar o cronômetro a partir da identificação do som da claquete.

Esquematicamente, teremos a seguinte disposição das mídias audiovisuais, visuais e do cronômetro.

Figura 11
Disposição das mídias no filme-sincronizado pelo Sistema Ramos.

No momento em que a aluna C levanta a mão, temos a imagem abaixo:

Figura 12
Imagem correspondente ao 00:34:02:12 do filme-sincronizado pelo Sistema Ramos.

Essa figura ilustra as informações das três mídias sincronizadas, no momento em que a aluna C levantou a mão para chamar a professora. Sabemos agora que a pausa ocorreu aos 34 minutos e 02 segundos, contados a partir do momento em que a claquete foi batida. Também fica evidente que essa pausa ocorreu enquanto a aluna C escrevia a linha 20. Para ser mais preciso, ela ocorreu logo após a palavra “eles” e antes da escrita da palavra “decidiram”. Agora, a suposição feita acima tornou-se uma evidência: a pausa de 1′17″ está associada ao momento em que a aluna levantou a mão para chamar a professora. Caberia perguntar então o que se passou entre a aluna C, o aluno I e a professora durante o tempo dessa pausa longa.

Pausas e evidências da gênese textual em condições ecológicas da sala de aula

O filme-sincronizado oferece um riquíssimo material a partir do qual se pode analisar diferentes aspectos do processo de escritura em tempo e espaço real da sala de aula. Ele oferece a captura com fidelidade e precisão, de um modo novo e original, de um grande número de informações multimodais da qualidade sonora, visual e escritural do ato de se escrever a dois um único texto, em contexto escolar. O conjunto destas informações é extremamente importante para se entender a dimensão multimodal da escritura em funcionamento em situações reais de uso.

Como mostraremos adiante, o Sistema Ramos oferece um amplo conjunto de informações (pragmáticas, linguísticas, cognitivas, interacionais, didático-curriculares) interconectadas, favorecendo a compreensão do percurso genético e da construção textual e suas relações com os conteúdos de ensino e a aprendizagem dos alunos recém-alfabetizados, como já analisado em Calil (2013CALIL, E. Dialogisme, hasard et rature orale: Analyse génétique de la création d'un texte par des élèves de 6 ans. In: BORÉ, C.; CALIL, E. (ed.). L’école, l’écriture et lacréation: Études franco-brésiliennes. Louvain-la-Neuve: L’Harmattan-Academia, 2013. p. 157-188., 2016bCALIL. E. Writing, memory and association: newly literate students and their poetry creation processes. Recherches Textuelles, Lorraine, v.13, p. 105-121, 2016b., 2017CALIL, E.Rasura oral comentada: definição, funcionamento e tipos em processos de escritura a dois. In: SILVA, C. L. C.; DEL RÉ, A.; CAVALCANTE, M. (ed.) A criança na/com a linguagem: saberes em contraponto. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2017. p. 161-192.).

Além daquelas informações apresentadas acima, podemos ter acesso através do filme-sincronizado ao diálogo transcrito verbatim19 19 Apresentaremos esse diálogo a partir do que temos definido como texto-dialogal (CALIL, 2014, 2016a) , enriquecido com descrições contextuais e visuais, permitindo recuperar, ao menos em parte, a riqueza das informações audiovisuais relacionadas ao manuscrito em curso. Conforme mostra o texto-dialogal extraído do filme-sincronizado, o gesto da aluna para chamar a professora marca o início de uma longa pausa, antes de ser escrito o resto da frase sintática20 20 Na linha 20 do manuscrito escolar temos uma frase gráfica, identificada pela letra maiúscula e ponto final, e duas frases sintáticas, identificadas pela função sintática exercida: “Passaram os três dias e eles decidiram ir à praia de Búzios.”. ‘eles decidiram ir à praia de Búzios’. Uma breve análise desse texto-dialogal (TD) pode ajudar a apresentar as potencialidades do Sistema Ramos.

Figura 13
Fragmento do manuscrito “Umas férias em grande”, linhas 19 e 20.21 21 Nas linhas 19 e 20 desse manuscrito escolar está escrito: 19. - Uma praia era bem giro! – disse rapidamente Luana. 20. Passaram os três dias e eles decidiram ir à praia de búzios.

O extrato do texto-dialogal desse processo de escritura em tempo e espaço real, transcrito a partir das informações sincronizadas oferecidas pelo vídeo-professor, vídeo-aluno, áudios-aluno, áudio-professor, vídeo-escrita e manuscrito-físico é representativo da dinâmica interacional de uma sala de aula, assim como permite a análise microgenética do percurso da criação textual.28 28 De acordo com o que temos discutido em muitos de nossos trabalhos (CALIL, 2012; CALIL; AMORIM; LIRA, 2015; CALIL; PEREIRA, 2018, entre outros), a análise microgenética tem um caráter qualitativo e co-enunciativo. A partir da perspectiva oferecida pela Genética Textual, dentro de uma abordagem linguístico-enunciativa, esse tipo de análise traça os caminhos percorridos pelos escreventes, durante o texto em curso. Isso significa que ao longo do processo escritura, os alunos identificam e reconhecem determinados objetos textuais, a partir dos quais interrompem e retornam sobre o que foi ou será escrito no texto em curso. No TD em discussão, mapeamos o que aconteceu e o que levou os alunos a escreverem “decidiram ir à praia de Búzios~, destacando, sobretudo, o surgimento e a escolha do nome da praia brasileira.

A professora propõe uma atividade de produção de texto, os alunos se concentram, escrevem, falam entre si, comentam, perguntam, questionam, solicitam ajuda, estando ou não em dupla. Provavelmente, não exista sala de aula em que os alunos não façam, de uma forma ou de outra, isso. Se a interação e o diálogo são condições intrínsecas à realização de propostas de produção de texto em sala de aula, lugar social de ensino e de aprendizagem, parece não ser razoável apenas buscar padrões ou regularizações relacionadas aos processos de escritura, excluindo essas condições. Assim como não podemos ignorar no processo de escritura em tempo real as pausas, hesitações, interrupções, retomadas, rasuras.

No caso em discussão, destacaremos o que ocorreu entre os 33′42″ até os 35′38″, tempo durante o qual houve a pausa mencionada acima e a dupla de alunos escreveu “e eles decidiram ir à praia de Búzios.”. Como vimos, houve duas pausas com mais de 5 segundos. A primeira foi uma pausa curta, de 12 segundos, entre “dias” e “e”. A segunda, uma pausa longa, de 1 minuto e 17 segundos, entre “eles” e “decidiram”. O manuscrito escolar, evidentemente, não mostra nenhuma pausa ou rasura nesses dois pontos, que poderia levar o leitor do manuscrito a supor uma interrupção do fluxo da escrita. Por outro lado, quaisquer interpretações feitas a partir do tempo cronométrico registrado pela caneta inteligente sobre o porquê dessas pausas, ocorrida durante a inscrição da linha 20, dificilmente se aproximariam do que realmente houve, quando essa frase sintática foi linearizada. Interpretar, por exemplo, que a primeira pausa após “dias” estaria relacionada a alguma dificuldade sobre o término da frase, momento em que a aluna estaria hesitando entre o uso de um ponto final ou do conectivo “e” parece-nos mera especulação.

No texto-dialogal deste filme-sincronizado temos evidências incontestáveis de que as duas pausas estão interconectadas e se devem a um mesmo problema léxico/semântico, reconhecido por eles como o objeto textual a ser escrito: o nome de uma praia do Brasil. A primeira pausa de 12’ deve-se ao reconhecimento deste problema, logo no início deste texto-dialogal, quando a escrevente C, ao terminar de escrever “dias”, aos 00:33:42, interrompe sua escrita e diz para I que não conhece nenhuma praia no Brasil. Mesmo com a sugestão do colega (“a do Rio de Janeiro”), C não parece achar uma boa sugestão, interrompendo a pausa, aos 00:33:54, e continuando a escrever o início da próxima frase sintática: “e eles”, cujo inscrição e linearização durou 3 segundos. Ou seja, essa pausa curta de 12’ não indica qualquer relação com o término da frase, ‘passaram os três dias’.

No instante seguinte ao término da inscrição desse sintagma “e eles”, ela interrompe novamente o fluxo da escrita, entre os 33′57″ e 35′13″, caracterizando a pausa de 1′17″. Nesse ínterim, ela chama a professora para perguntar se ela sabe um nome de praia do Brasil. Informação importante para ser incorporada ao conteúdo da história inventada. Entre a pergunta feita à professora e a inscrição da continuidade da frase, há uma rápida confusão entre o nome de uma praia e a cidade em que fica a praia, breves comentários sobre o conteúdo da história, menções a personagens históricos (Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral) e, particularmente, comentário sobre o fato de um dos personagens (monstro) ser a própria professora. Os alunos, como é dito no “comentário metatextual” (CALIL, 2017CALIL, E.Rasura oral comentada: definição, funcionamento e tipos em processos de escritura a dois. In: SILVA, C. L. C.; DEL RÉ, A.; CAVALCANTE, M. (ed.) A criança na/com a linguagem: saberes em contraponto. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2017. p. 161-192.) de C, turnos 16, 18 e 21, tentam misturar na narrativa ficcional, a professora e os alunos da turma em férias e os professores do Brasil. Dentre os nomes mencionados (praia de Fortaleza, de Porto de Galinhas, do Rio de Janeiro, de Búzios), foi destacado pela professora a “praia de Búzios” (turno 15, aos 00:34:26). Depois a professora detalha algumas características das praias da cidade de Búzios (turno 24, aos 00:34:50), acabando por ser esse o nome escolhido e inscrito pela escrevente.

Essa breve análise microgenética do texto-dialogal explica não apenas as duas pausas registradas no contexto ecológico e didático da sala de aula, como também a gênese do termo “Búzios” e o porquê de ter sido esse o nome de praia escolhido pelos escreventes, revelando que a praia de Búzios não era de conhecimento de nenhum dos dois. Sua entrada no manuscrito escolar e, portanto, na gênese da criação textual, está diretamente associada ao que a professora sugeriu, a partir da demanda da aluna C. Do ponto de vista genético, qualquer um dos nomes mencionados e sugeridos anteriormente ao termo “Búzios” poderia ter entrado no manuscrito escolar. Por essa razão, identificamos essas ocorrências como termos que concorrem a partir da identificação de um “ponto de tensão” (CALIL, 2017CALIL, E.Rasura oral comentada: definição, funcionamento e tipos em processos de escritura a dois. In: SILVA, C. L. C.; DEL RÉ, A.; CAVALCANTE, M. (ed.) A criança na/com a linguagem: saberes em contraponto. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2017. p. 161-192.) durante o fluxo textual. Neste ponto do fluxo textual a aluna reconheceu o nome de uma praia no Brasil como um “objeto textual”. A partir deste ponto, houve a incidência de uma série de “relações associativas29 29 Vale destacar que esse conceito tem sido interpretado a partir da proposta feita por Suenaga (2005) sobre a noção saussuriana de “relação associativa”. (SAUSSURE, 2001). ” (CALIL, 2014CALIL, E. Séries associatives à l’œuvre dans l’écriture d'um poème em salle de classe: de « jaune » à « avec la foi ». In: JACQUES, M.; RAULET-MARCEL, C. (éd.). Inventions de l’écriture. Dijon: Éditions Universitaires de Dijon, 2014. p. 289-303.) e “comentários” (CALIL, 2016aCALIL, E. O sentido das palavras e como eles se relacionam com o texto em curso: estudo sobre comentáriossemânticos feitos por uma díade de alunas de 7 anos de idade. Alfa, São José do Rio Preto, v.60, n.3, p. 531-555, 2016a. Available at: http://www.scielo.br/pdf/alfa/v60n3/1981-5794-alfa-60-3-0531.pdf. Access on: 8 dez. 2018.
http://www.scielo.br/pdf/alfa/v60n3/1981...
), interconectadas entre as réplicas do texto-dialogal. Esse fenômeno está relacionado ao processo de escritura a dois em contexto escolar e o nomeamos como “rasura oral”.30 30 Uma descrição detalhada de seu funcionamento pode ser conferida em Calil (2016a, 2017).

Conclusão

O fato de se estar em uma escola, dentro da sala de aula, registrando o trabalho didático no terreno das práticas discursivas e sociais em que estão envolvidos os principais atores (alunos e professores) do processo de ensino e aprendizagem, em condições de interação, cotidianas e espontâneas, aproxima nossa investigação das características metodológicas etnográficas descritas por Coulon (1995)COULON, A. Etnometodologia e Educação. Petrópolis: Vozes, 1995..

Apesar da análise de processos de escritura colaborativa em contexto escolar ser um objeto científico privilegiado há, pelo menos, três décadas (DAIUTE; DALTON, 1988DAIUTE, C.; DALTON, B. Let's brighten it up a bit: collaboration and cognition in writing. In: RAFOTH B. A.; RUBIN, D. L (ed.). The social construction of written communication Norwood, NJ: Ablex, 1988. p. 249-269.; SWAIN; LAPKIN, 1998SWAIN, M.; LAPKIN, S. Interaction and Second Language Learning: two adolescent french immersion students working together. The Modern Language Journal, Quebec, v. 82, n.3, p. 320-337, 1998.), não há registro do uso de recursos tecnológicos com desenhos metodológicos semelhantes a esse. Não foi identificado na literatura especializada nenhum estudo que tenha desenvolvido um sistema de captura multimodal semelhante ao que desenvolvemos.

A captura multimodal proposta pelo Sistema Ramos oferece de modo sincrônico e simultâneo um grande volume de informações quanti-qualitativas relacionadas ao processo de escritura da vida real da sala de aula. A articulação das informações multimodais (visuais, sonoras, expressões faciais, gestuais, movimentações corporais, posicionamento da professora e dos colegas, etc.) é de grande importância para se entender o que se passa durante o processo de escritura na sala de aula.

Através desse Sistema, o material coletado e editado pode contribuir para estudos em diferentes campos de conhecimento, fortalecendo o caráter interdisciplinar dos atuais estudos em processos de escritura. Vejamos algumas questões, de certa forma interconectadas, de interesse para os campos de estudo da Psicologia Cognitiva, da Genética Textual, da Linguística da Enunciação e da Didática da escrita, cujos filme-sincronizados permitem a exploração:

  • Como os alunos planejam e combinam uma história inventada? Que relações há entre o que oralmente planejaram e o que de fato foi escrito? Como se dá o processo de inscrição e linearização e qual sua relação com a revisão textual on line (que acontece durante o manuscrito em curso)? Como são geradas as ideias, qual o papel dos coautores, das relações associativas, da memória de trabalho e semântica? Como se caracterizam o arranque (Burst) e as pausas durante as situações reais de escritura? Durante o texto em curso, qual o papel da releitura e sua relação com a qualidade textual?

  • Como se diferenciam e se assemelham a gênese textual de textos em curso submetidos a mesma consigna do professor? Qual a relação, por exemplo, entre o título criado e a história narrada? Como os personagens são criados? Como são construídos oralmente os discursos reportados e o que se modifica quando são escritos? O que dizem no momento em que fazem uma rasura? Como rasuram? Que tipo de atividade metalinguística estaria associada às rasuras? Como se caracterizam e se diferenciam os modos de rasurar em díades de alunos submetidos às mesmas propostas de produção, realizadas com alunos de diferentes salas de aula, escolas e países?

  • De que modo a fala do professor (modo de apresentação da proposta, formas de intervenção durante e após a produção) interfere na gênese textual? Como ele interage com as duplas, que aspectos valoriza, que comentários faz sobre a história inventada pelos alunos? Em quais pontos os alunos solicitam a ajuda do professor? De que modo eles retomam e como usam, durante o manuscrito em curso, os termos e conteúdos linguísticos ensinados?

O registro de situações didáticas reais de produção de texto na sala de aula favorece o enriquecimento de nossa interpretação sobre a criação e construção textual, assim como sobre as atividades metalinguísticas feitas pelos escreventes durante o texto em curso. Oferece ainda precisas e preciosas indicações do que está sendo escrito em determinada posição na folha de papel, assim como do que está acontecendo quando nada está sendo escrito.

A riqueza deste Sistema, apesar da complexidade dos trabalhos de coleta, de sincronização, de transcrição e das análises quanti-qualitativas que engendram, pode ampliar significativamente nosso conhecimento sobre o modo como pensam nossos alunos durante seus processos de escritura e de que forma a prática didática pode interferir e potencializar a aprendizagem da escritura. Com o Sistema Ramos podemos explorar o que falam espontaneamente, um para o outro ou para o professor, articulando isso com o contexto sociocultural, didático e interacional. Podemos, sobretudo, estabelecer correlações entre as falas espontâneas, os conteúdos de ensino e os diferentes tipos de problemas identificados e comentados pelos alunos durante o manuscrito em curso, avaliando o desenvolvimento de suas atividades metalinguísticas e metatextuais.

Diferentemente das investigações sobre processo de escritura que assumem como objeto de estudo o produto (manuscrito acabado) ou o registro em áudio ou o registro em vídeo ou o registro cronométrico dos diferentes programas de computador, o que o método oferecido pelo Sistema Ramos propõe é inovador e original, não apenas porque oferece um registro multimodal (visual, sonoro e escrito), a partir da sincronização de diferentes materiais coletados simultaneamente, mas principalmente porque cria um novo objeto de estudo: o manuscrito em curso em situações de ensino-aprendizagem.

Em resumo, ao reunir esse conjunto de informações multimodais relacionadas ao processo de escritura colaborativa a dois, no contexto didático e ecológico da classe, destacamos as seguintes vantagens:

  • Preservação da dinâmica interacional da sala de aula.

  • Registro do diálogo entre alunos e professor, associado ao manuscrito em curso.

  • Registro da fala espontânea como meio de acesso ao que o aluno está pensando sobre os diversos elementos linguísticos e textuais.

  • Registro simultâneo das expressões faciais e gestos, movimentos corporais, do que está sendo linearizado ou rasurado, das reflexões (meta)linguísticas e do que o professor está dizendo para os alunos.

Essas vantagens sustentam a profunda distância entre o processo de escritura e o que o texto acabado mostra em sua superfície. Com o que o Sistema Ramos permite analisar, podemos afirmar que o produto é um pálido reflexo do processo de escritura em tempo real, estabelecido sob condições didáticas. A invenção desta nova técnica de investigação científica poderá favorecer avanços significativos aos estudos sobre processos de escritura em sala de aula, contribuindo para uma melhor compreensão das relações entre ensino e aprendizagem da língua escrita. E, consequentemente, para a melhoria da qualidade das práticas didáticas relativas à produção textual na sala de aula.

  • 1
    Conforme Hyland (2016)HYLAND, K. Methods and methodologies in second language writing research. System, London, v.59, p. 116-125, 2016., o método corresponde ao modo como os dados são coletados. No campo dos estudos sobre processos de escritura, o pesquisador pode coletar entrevistas, questionários, fazer observação direta, registrar em diário de campo, usar gravador ou câmera, recorrer a programa de computador, caneta inteligente, ou ainda, recolher um conjunto de textos relacionados ao processo de escritura. A metodologia refere-se “aos princípios e os entendimentos que orientam e influenciam a escolha e o uso dos métodos, como por exemplo, a experimentação ou a etnografia. Os métodos são as técnicas usadas e desenvolvidas, enquanto as metodologias são a aplicação sistemática destas técnicas” (HYLAND, 2016HYLAND, K. Methods and methodologies in second language writing research. System, London, v.59, p. 116-125, 2016., p.117).
  • 2
    Pelo fato de os termos “on-line” ou “off-line” usados por autores como Foulin e Fayol (1988), Favart e Olive (2005)FAVART, M.; OLIVE, T. Modèles et méthodes d’étude de la production écrite. Psychologie Française, Paris, v.50, p. 273-285, 2005. ou ainda nos trabalhos publicados em Olive e Levy (2002)OLIVE, T.; LEVY, C. M. (ed.) Contemporary tools and techniques for Studying Writing. Dordrecht (Netherlands): Springer-Science+Business Media, 2002. remeterem, atualmente, a uma ampla gama de sentidos, prevalentemente relacionados aos usos da internet, aqui restringimos seu uso a um sentido bem mais específico, isto é, ao “tempo real” da escritura, sem considerarmos o sentido de “conectividade” associado ao termo “on-line”.
  • 3
    Entendemos por “peça escrita” todo produto textual, fruto da ação de escrever, não importando se o resultado desse produto foi publicado ou não, se é rascunho, manuscrito, esboço, notas de trabalho ou de aula, anotações esparsas…
  • 4
    De acordo com Biasi (2004)BIASI, P-M. de. Toward a Science of Literature: Manuscript Analysis and the Genesis of the Work. In: DEPPMAN, J.; FERRER, D.; GRODEN, M. (ed.). Genetic Criticism. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2004. p. 36-68., seguindo a proposta de Bellemin-Noel (1977)BELLEMIN-NOËL, J. Reproduire le manuscrit, présenter les brouillons, établir un avant-texte. [Reproduce the manuscript, present the drafts, establish a foreword]. Littérature, Paris, v.28, p.3-18, 1977., a análise do percurso genético de uma obra literária deve levar em conta: i. o conjunto de manuscritos do trabalho “definitivo” (publicado ou não); os manuscritos de trabalho (rascunhos, roteiros, planos, notas; iii o “avant-text” (prototexto), isto é, o resultado da análise dos manuscritos, apresentando a reconstituição das operações genéticas que antecedem o texto. (BIASI, 2004BIASI, P-M. de. Toward a Science of Literature: Manuscript Analysis and the Genesis of the Work. In: DEPPMAN, J.; FERRER, D.; GRODEN, M. (ed.). Genetic Criticism. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2004. p. 36-68., p. 43). Esses objetos fazem parte do método proposto pela Crítica Genética para a análise de manuscritos literários. A Genética Textual, ao buscar traçar o percurso genético de textos escolares, tem se limitado a recuperar rascunhos, cópias, recópias (FABRE, 1990FABRE, Cl. Les brouillons d’écoliers ou l'entrée dans l’écriture. Grenoble: Ceditel: L’AtelierduTexte, 1990.; BORÉ, 2010BORE, C. Modalités de la fiction dans l’écriture scolaire. Paris: L’Harmattan, 2010. (Collection Savoir et Formation).) de textos escritos por alunos em sala de aula. Através desses produtos, geralmente considerando a presença de rasuras, os investigadores buscam mapear o percurso genético desses textos.
  • 5
    Gravações em áudio foram usadas como método para o registro de “redações conversacionais” (GAULMYN, 1994GAULMYN, M.-M. La redaction conversationnelle: parler pour écrire. Le Français Aujourd'hui, Paris, v.108, p. 73–81, 1994.). Duas obras coletivas, Gaulmyn, Bochard e Rabatel (2001)GAULMYN, M.-M.; BOUCHARD, R.; RABATEL, A. (éd.), Le processos rédactionnel: écrire à plusieurs voix. Paris: L’Harmattan, 2001. e Bouchard e Mondada (2005)BOUCHARD, R.; MONDADA, L. Les processus de la rédaction collaborative. Paris: L’Harmattan, 2005., trazem diferentes análises do corpus Maïté-Paulo, dois estudantes universitários, que conversavam enquanto produzem um texto argumentativo.
  • 6
    O estudo de Foulin e Fayol (1988) é um dos primeiros a usar como método o registro em vídeo de processos de escritura em tempo real.
  • 7
    O clássico estudo feito por Hayes e Flower (1980)HAYES, J. R.; FLOWER, L. Identifying the organization of the writing processes. In: GREGG, L.W.; STEINBERG, E. R. (ed.). Cognitive processes in writing. Hillsdale, New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates, 1980. p. 3-30. teve como método o registro em áudio do protocolo verbal de um único escrevente experiente, enquanto escrevia um texto. Esta técnica foi amplamente utilizada nos anos 80.
  • 8
    Dentre os numerosos programas dotados desta capacidade, destacamos o Inputlog, o Scriptlog e o Translog. Programas mais simples, como o Gênese du Texte (FOUCAMBERT, 1995FOUCAMBERT, J. La recherche Genèse du texte. Repères, recherches en didactique du français langue maternelle, Paris, v.11, p. 47-57, 1995.) são usados com alunos e em contextos escolares, mas semi-experimentais. Por exemplo, Doquet (2011)DOQUET, Cl. L’écriture débutant: pratiques scripturales à l’école élémentaire. Rennes: Presses Universitaires de Rennes, 2011. usou esse programa em sua investigação sobre a escritura em tempo real de alunos de 9 anos de idade.
  • 9
    Uma versão mais atual do HandSpy encontra-se em http://docs.wixstatic.com/ugd/a36ba9_1f3fb53ae78941cb88cbf2043622bee9.pdf. Acesso em: 7 out. 2020.
  • 10
    Para se ter um panorama de algumas investigações que combinam diferentes métodos sugerimos a consulta a Olive e Levy (2002)OLIVE, T.; LEVY, C. M. (ed.) Contemporary tools and techniques for Studying Writing. Dordrecht (Netherlands): Springer-Science+Business Media, 2002. e a Heine, Knorr & Engberg (2014)HEINE, C.; KNORR, D.; ENGBERG, J. Methods in writing process. In: KNORR, D.; HEINE C.; ENGBERG, J. (ed.). Methods in writing process research: introduction and overview. Frankfurt: Peter Lang Edition, 2014. p. 6-12..
  • 11
    Em fevereiro de 2018, durante a Conferência European Literacy Network (ELN), financiada pela COST Action IS1401, foi apresentado o trabalho Digital Writing Support: Innovations in Technology Development and their Impact on our Understanding of Literacy, de Kaliopi Benetos (Universidade de Essex), Otto Kruse (Universidade de Ciências Aplicadas de Zurique). Segundo o levantamento feito pelos autores, nenhuma das 44 inovações tecnológicas voltadas para o registro da escrita levou em conta a sala de aula como contexto e na maioria deles não são explorados os aspectos didáticos.
  • 12
    O nome “Ramos” foi dado por duas razões principais. A primeira delas é uma forma de homenagear um grande escritor brasileiro, autor de obras que retratam a cultura brasileira e, em particular, o Estado de Alagoas: Graciliano Ramos. O sentido simbólico deste termo remete, todavia, ao ato de “ramificar”, ou seja, algo que se divide, se multiplica a partir de um ponto inicial, propagando-se para diferentes lugares e direções, de tal modo que seu ponto de partida fique obliterado. Entendemos que o ato de escrever expressa esse sentido, pelo fato de que um texto é o produto de um processo, constituído através de seus planos, roteiros, esquemas, rascunhos, manuscritos, versões, rasuras, etc. Podemos ainda associar isso ao modo como o conhecimento científico avança, através de ramificações de ideias, técnicas, métodos, metodologias… Essas são as razões de seu nome.
  • 13
    Disponível em: https://www.livescribe.com/pt/smartpen/. Acesso em: 7 out. 2020.
  • 14
    Antes de escolhermos as canetas inteligentes que escrevem em folha de papel, chegamos a testar as canetas digitais que escrevem em telas de tabletes. Nesses testes, cujos resultados apresentamos no Writing Research Across Borders III (Paris, fevereiro 2014), sob o título Ramos System: Evaluation of two devices for capturing real time multimodal writing in the classroom, observamos que alunos de 7 anos de idade têm grandes dificuldades em usar uma caneta digital sobre a superfície de um tablete. Além de dificuldade de controle motor para traçar as letras e conter seu traçado nos limites da linha, a resposta do tablete ao toque da caneta na tela não era imediata e, por vezes, não capturava o traço do que havia sido escrito. Além destes dois aspectos, a vantagem econômica favoreceu nossa escolha por esse instrumento, uma vez que o custo de uma caneta inteligente é significativamente menor do que o valor de um tablete e uma caneta digital.
  • 15
    Este aplicativo foi desenvolvido pelos pesquisadores da Universidade de Porto, sob a coordenação de Rui Alves, parceiro colaborador nos trabalhos de cooperação internacional com Portugal. Alves cedeu o HandSpy e ofereceu o suporte técnico para a instalação e uso nas canetas inteligentes. No site https://www.youtube.com/watch?v=OZ9LSBtgWl8, o leitor poderá encontrar maior detalhamento sobre o HandSpy e os tipos de informações fornecidas pelo aplicativo.
  • 16
    Podemos considerar que o registro fílmico de propostas de produção de texto em sala de aula teve seu início em 17/03/1989, quando gravamos pela primeira vez uma proposta na qual duplas de alunos de 6 anos deveriam escrever, juntas, uma lista de bichos, cujo nome de cada bicho começasse com a letra sorteada pelo professor. O material coletado aquele ano fez parte do estudo “A construção de Zonas de Desenvolvimento Proximal em um contexto pedagógico” (CALIL, 1991CALIL, E. A construção de Zonas de Desenvolvimento Potencial em um contexto pedagógico. 1991. 192 f. Dissertation (Masters in Education) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1991.) e pertence ao acervo do Laboratório do Manuscrito Escolar da Universidade Federal de Alagoas.
  • 17
    Versões anteriores do Sistema Ramos foram utilizadas em coletas de dados de escolas brasileiras (2011, 2013), francesas (2014) e portuguesas (2015). Neste trabalho usaremos as imagens extraídas da coleta realizada entre janeiro e março de 2017, para o projeto Díades. Esse projeto de cooperação internacional, coordenado pela pesquisadora Luísa Álvares Pereira, da Universidade de Aveiro, envolve pesquisadores portugueses e brasileiros e o material coletado compõe o acervo do Laboratório do Manuscrito Escolar, onde estão também armazenados os dados coletados nos anos anteriores. Aproveitamos para agradecer imensamente pela parceria e pelo empenho de todos os professores, alunos e pesquisadores portugueses, em particular, à professora Luísa. Sem o seu conhecimento, seu intenso e constante apoio, as coletas nas escolas portuguesas não teriam sido possíveis. Os procedimentos relativos às questões éticas foram seguidos de acordo com às exigências portuguesas e as autorizações de todos os participantes foram obtidas para que essa coleta pudesse ser realizada.
  • 18
    Conhecido e importante hotel cinco estrelas, localizado na parte turística da bela cidade de Aveiro, onde moram os alunos dessa escola.
  • 19
    Apresentaremos esse diálogo a partir do que temos definido como texto-dialogal (CALIL, 2014CALIL, E. Séries associatives à l’œuvre dans l’écriture d'um poème em salle de classe: de « jaune » à « avec la foi ». In: JACQUES, M.; RAULET-MARCEL, C. (éd.). Inventions de l’écriture. Dijon: Éditions Universitaires de Dijon, 2014. p. 289-303., 2016aCALIL, E. O sentido das palavras e como eles se relacionam com o texto em curso: estudo sobre comentáriossemânticos feitos por uma díade de alunas de 7 anos de idade. Alfa, São José do Rio Preto, v.60, n.3, p. 531-555, 2016a. Available at: http://www.scielo.br/pdf/alfa/v60n3/1981-5794-alfa-60-3-0531.pdf. Access on: 8 dez. 2018.
    http://www.scielo.br/pdf/alfa/v60n3/1981...
    )
  • 20
    Na linha 20 do manuscrito escolar temos uma frase gráfica, identificada pela letra maiúscula e ponto final, e duas frases sintáticas, identificadas pela função sintática exercida: “Passaram os três dias e eles decidiram ir à praia de Búzios.”.
  • 21
    Nas linhas 19 e 20 desse manuscrito escolar está escrito:
    • 19.

      - Uma praia era bem giro! – disse rapidamente Luana.

    • 20.

      Passaram os três dias e eles decidiram ir à praia de búzios.

  • 22
    Para facilitar a leitura, não consideramos os centésimos de segundos. Optamos por arredondar esses valores para cima, uma vez que eles não comprometem o rigor temporal, nem a interpretação relacionada a esse aspecto do processo de escrita.
  • 23
    O nome de uma praia do Rio de Janeiro (Búzios) é o objeto textual reconhecido pelos alunos com um problema a ser resolvido durante a produção da história inventada. Esse problema é de ordem lexical, conforme definido em Calil (2017)CALIL, E.Rasura oral comentada: definição, funcionamento e tipos em processos de escritura a dois. In: SILVA, C. L. C.; DEL RÉ, A.; CAVALCANTE, M. (ed.) A criança na/com a linguagem: saberes em contraponto. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2017. p. 161-192.. É a busca deste termo que provoca a interrupção do fluxo da linearização, as pausas e os comentários a ele relacionados. Destacamos os comentários em vermelho, ao longo desse texto-dialogal. A análise microgenética visa a descrever e explicar sua gênese, do ponto de vista interacional e co-enunciativo.
  • 24
    O asterisco indica que C é a escrevente.
  • 25
    Os colchetes em amarelo indicam o que foi inscrito (letra, palavra, marca de pontuação, sinal de acentuação, rasura, etc.) tal como foi grafado pelo aluno. O bloco amarelo tem por função ressaltar o momento em que esse elemento foi grafado na folha de papel. É por essa razão que os colchetes podem acompanhar o que está sendo proferido, significando o que o aluno inscrevia enquanto estava falando. Nesse caso, a aluna C terminou de escrever “dias” aos 00:33:42 e escreveu “e eles”, aos 00:33:54, iniciando a pausa longa tão logo terminou a inscrição de “e eles”, aos 00:33:57. Esse tempo também está indicado pela seta e retângulo vermelho abaixo da palavra “eles”, na figura 13.
  • 26
    O bloco verde no tempo cronométrico está indicando o momento e o turno em que teve início a pausa. O bloco vermelho, marcado no turno 28 e 29, indica o término da pausa, quando a aluna voltou a escrever a história inventada, linearizando “decidiram ir à praia de Búzios”.
  • 27
    Quando o tempo cronométrico corresponder a dois ou três turnos significa que as falas dos participantes se sobrepuseram ou foram faladas simultaneamente.
  • 28
    De acordo com o que temos discutido em muitos de nossos trabalhos (CALIL, 2012CALIL, E. The Gluttonous Queen: dialogism and memory in elementary school writing. Bakhtiniana, São Paulo, v.7, n.1, p. 24-45, jan-jun. 2012. Available at: http://revistas.pucsp.br/index.php/bakhtiniana/article/view/8749/7543. Access on: 18 mai. 2014.
    http://revistas.pucsp.br/index.php/bakht...
    ; CALIL; AMORIM; LIRA, 2015CALIL, E.; AMORIM, K-A.; LIRA, L. E. A criação de títulos para contos de origem inventados por escreventes novatos. In: CALIL, E.; BORE, C. (org.) Criação textual na sala de aula. Maceió: Ed. da UFAL, 2015. p.15-42.; CALIL; PEREIRA, 2018CALIL, E.; PEREIRA, L. A. Reconhecimento antecipado de problemas ortográficos em escreventes novatos: Quando, como e por que acontece. Alfa, São José do Rio Preto, v.62, n.1, p. 91-123, 2018. Available at: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1981-57942018000100091&lng=en&nrm=iso. Access on: 13 nov. 2018.
    http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
    , entre outros), a análise microgenética tem um caráter qualitativo e co-enunciativo. A partir da perspectiva oferecida pela Genética Textual, dentro de uma abordagem linguístico-enunciativa, esse tipo de análise traça os caminhos percorridos pelos escreventes, durante o texto em curso. Isso significa que ao longo do processo escritura, os alunos identificam e reconhecem determinados objetos textuais, a partir dos quais interrompem e retornam sobre o que foi ou será escrito no texto em curso. No TD em discussão, mapeamos o que aconteceu e o que levou os alunos a escreverem “decidiram ir à praia de Búzios~, destacando, sobretudo, o surgimento e a escolha do nome da praia brasileira.
  • 29
    Vale destacar que esse conceito tem sido interpretado a partir da proposta feita por Suenaga (2005)SUENAGA, A. Saussure, un système de paradoxes: langue, parole, arbitraire et inconscient. Limoges: Lambert-Lucas, 2005. sobre a noção saussuriana de “relação associativa”. (SAUSSURE, 2001SAUSSURE, F. de. Écrits de linguistique Générale. Paris: Gallimard, 2001. Édités par S. Bouquet et R. Engler.).
  • 30
    Uma descrição detalhada de seu funcionamento pode ser conferida em Calil (2016aCALIL, E. O sentido das palavras e como eles se relacionam com o texto em curso: estudo sobre comentáriossemânticos feitos por uma díade de alunas de 7 anos de idade. Alfa, São José do Rio Preto, v.60, n.3, p. 531-555, 2016a. Available at: http://www.scielo.br/pdf/alfa/v60n3/1981-5794-alfa-60-3-0531.pdf. Access on: 8 dez. 2018.
    http://www.scielo.br/pdf/alfa/v60n3/1981...
    , 2017CALIL, E.Rasura oral comentada: definição, funcionamento e tipos em processos de escritura a dois. In: SILVA, C. L. C.; DEL RÉ, A.; CAVALCANTE, M. (ed.) A criança na/com a linguagem: saberes em contraponto. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2017. p. 161-192.).

Agradecimentos

Este estudo faz parte do projeto internacional cooperativo InterWriting, envolvendo pesquisadores do Laboratório do Manuscrito Escolar (LAME) da Universidade Federal de Alagoas (Brasil) e o Grupo de Pesquisa PROTEXTOS, da Universidade de Aveiro (Portugal). Sua realização contou com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq, processo 304050 / 2015-6, e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (FAPEAL, processo 60030479/216). Estamos também profundamente gratos à direção da escola portuguesa, ao professor, aos pais e aos alunos, cuja cooperação e apoio foram essenciais para o estudo proposto.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    16 Ago 2018
  • Aceito
    25 Abr 2019
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