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Idosos vítimas de violência: avaliação da família por meio do modelo Calgary

RESUMO

Objetivo:

Compreender a estrutura, o desenvolvimento e a funcionalidade da família da pessoa idosa vítima de violência.

Método:

Pesquisa descritiva e de abordagem qualitativa, pautada no Modelo Calgary de Avaliação Familiar. Avaliaram-se, no próprio domicílio, quatro idosos que sofreram violência e os respectivos familiares, no período de outubro a novembro de 2019. A análise dos dados ocorreu com base no genograma e ecomapa, conforme proposto no modelo.

Resultados:

Verificou-se que os integrantes das quatro famílias apresentaram baixa escolaridade e dificuldades financeiras. Quanto à rede de suporte social, destacaram-se os vizinhos, a unidade de saúde e a Igreja. Os membros de cada núcleo familiar manifestaram sentimentos de medo, insegurança, raiva, nervosismo, tristeza e impotência, decorrentes do conflito entre o casal.

Considerações finais:

Destaca-se, nas famílias avaliadas, fragilidades e potencialidades na estrutura, no desenvolvimento e no funcionamento, que devem ser consideradas na elaboração do plano de cuidados.

Palavras-chave:
Idoso; Violência; Envelhecimento.

ABSTRACT

Objective:

To understand the structure, development, and functionality of the family of the elderly victim of violence.

Method:

Descriptive research with a qualitative approach, based on the Calgary Family Assessment Model. Four elderly people who suffered violence and their family members were assessed at home, from October to November 2019. Data analysis was based on the genogram and ecomap, as proposed in the model.

Results:

It was found that the members of the four families had low schooling and financial difficulties. As for the social support network, the neighbors, the health unit and the Church stood out. The members of each family nucleus expressed feelings of fear, insecurity, anger, nervousness, sadness and impotence, resulting from the conflict between the couple.

Final considerations:

In the assessed families, weaknesses and potentialities in the structure, development and functioning are highlighted, which must be considered in the elaboration of the care plan.

Keywords:
Aged; Violence; Aging.

RESUMEN

Objetivo:

Comprender la estructura, desarrollo y funcionalidad de la familia del anciano víctima de violencia.

Método:

Investigación descriptiva con enfoque cualitativo, basada en el Modelo de Evaluación de la Familia de Calgary. Cuatro ancianos que sufrieron violencia y sus familiares fueron evaluados en su domicilio, de octubre a noviembre de 2019. El análisis de los datos se basó en el genograma y ecomapa, como se propone en el modelo.

Resultados:

Se encontró que los miembros de las cuatro familias tenían baja escolaridad y dificultades económicas. En cuanto a la red de apoyo social, destacaron los vecinos, la unidad de salud y la Iglesia. Los miembros de cada núcleo familiar expresaron sentimientos de miedo, inseguridad, enfado, nerviosismo, tristeza e impotencia, resultado del conflicto entre la pareja.

Consideraciones finales:

En las familias evaluadas se destacan debilidades y potencialidades en la estructura, desarrollo y funcionamiento, que deben ser consideradas en la elaboración del plan de cuidados.

Palabras clave:
Anciano; Violencia; Envejecimiento.

INTRODUÇÃO

No Brasil, o envelhecimento demográfico, fenômeno que trata sobre o aumento de pessoas idosas (acima de 60 anos) com relação à população em geral, tem acarretado situações como a violência contra a pessoa idosa, evento universal presente em todas as classes socioeconômicas, independentemente de etnia e/ou religião11. Souza EDA. Perfil de morbimortalidade e os desafios para a atenção domiciliar do idoso brasileiro. Rev Kairós Gerontol. 2017;20(1):93-108. doi: https://doi.org/10.23925/2176-901X.2017v20i1p93-108
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As diferentes causas que geram a violência contra a pessoa idosa criam um desafio à saúde pública com relação às ações de controle e prevenção, tornando necessárias a intervenção e reflexão sobre este assunto, pois a violência pode gerar graves efeitos na saúde da pessoa idosa, levando-a a problemas psicológicos, financeiros, sociais e, até mesmo, à incapacidade ou morte22. Santos FS, Saintrain MVL, Vieira LJES, Sampaio EGM. Characterization and prevalence of elder abuse in Brazil. J Interpers Violence. 2021;36(7-8):NP3803-NP3819. doi: https://doi.org/10.1177/0886260518781806
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É importante salientar que as principais causas da violência contra o idoso podem estar relacionadas ao uso de álcool, à proximidade física entre agressor e vítima, à dependência financeira e ao relacionamento de violência ao longo da vida. Pesquisa realizada em serviços de urgência e emergência do Distrito Federal, de 24 capitais e 11 municípios, encontrou que os principais tipos de violências identificadas entre idosos são: violência física (69,3%), seguida de negligência (24,0%) e violência psicológica e moral (18,5%), sendo comumente praticada pelos filhos (22,4%)33. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. VIVA: Vigilância de Violências e Acidentes: 2013 e 2014. Brasília: Ministério da Saúde; 2017 [cited 2020 Apr 10]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/viva_vigilancia_violencia_acidentes_2013_2014.pdf
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A família é vista como a principal rede de apoio, contendo laços de sangue ou não, é, ainda, o primeiro núcleo de contato social da pessoa, considerada a base estrutural para construção do ser, o que se leva para toda a vida, mesmo que com o passar do tempo, ela tenha grande possibilidade de constituir um novo arranjo e estrutura para a própria família44. Cecilio HPM, Santos KS, Vendrameto MM, Marcon SS. Calgary Model Of Family Assessment: experience in a community service project. Cogitare Enferm. 2014;19(3):493:501. doi: https://doi.org/10.5380/ce.v19i3.32729
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Para as famílias, o cuidado à pessoa idosa implica dar continuidade ao relacionamento vivido por elas no passado, muitas vezes, por meio de relações complexas e conflituosas entre os integrantes. Assim, é comum que a agressão ao idoso ocorra dentro do contexto familiar, em que o agressor não se percebe cometendo arbitrariedade, principalmente quando se viveu em um contexto violento55. Silva CFS, Dias CMSB. Violência contra idosos na família: motivações, sentimentos e necessidades do agressor. Psicol Cienc Prof. 2016; 36(3): 637-52. doi: https://doi.org/10.1590/1982-3703001462014.
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Considera-se, portanto, a necessidade de intervenção nessa realidade e, para tanto, o Modelo Calgary de Avaliação e Intervenção na Família (MCAF) pode ser importante instrumento de assistência, pois possibilita compreender a constituição estrutural (composição dos membros), o desenvolvimento de vínculos e relações e a funcionalidade dos indivíduos (papéis familiares), bem como a identificação das fortalezas e fragilidades, com vistas à proposição de medidas de intervenção44. Cecilio HPM, Santos KS, Vendrameto MM, Marcon SS. Calgary Model Of Family Assessment: experience in a community service project. Cogitare Enferm. 2014;19(3):493:501. doi: https://doi.org/10.5380/ce.v19i3.32729
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O Modelo Calgary de Avaliação e Intervenção Familiar é destinado tanto ao estudo de famílias de pessoas com doenças agudas ou crônicas quanto de situações diversas. Por meio dele, é possível detectar fatores de risco existentes na família, mediante instrumentos, como ecomapa e genograma; e programar intervenções para melhorar a qualidade de vida, conforme as necessidades44. Cecilio HPM, Santos KS, Vendrameto MM, Marcon SS. Calgary Model Of Family Assessment: experience in a community service project. Cogitare Enferm. 2014;19(3):493:501. doi: https://doi.org/10.5380/ce.v19i3.32729
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. Desta forma, acredita-se que a utilização desse modelo em famílias de idosos vítimas de violência pode contribuir para ampliar a compreensão do contexto de vida dessas pessoas e direcionar para possíveis intervenções.

Tendo em vista as considerações apresentadas, formulou-se a indagação de pesquisa: qual a estrutura, o desenvolvimento e funcionamento familiar da pessoa idosa que sofre violência? Assim, objetivou-se compreender a estrutura, o desenvolvimento e a funcionalidade da família da pessoa idosa vítima de violência.

MÉTODOS

Esta pesquisa se caracteriza como descritiva e de abordagem qualitativa, buscando entender as relações sociais e vivência, experiências, na busca de implementar intervenções junto à família de pessoas idosas vítimas de violência66. Costa SFG, Oliveira RC, Zaccara AAL, Souza AFM, Gomes BMR, Oliveira TC. The use of Calgary model in nursing dissertations: and theses: a bibliometric study. Rev Pesqui Cuid Fundam Online. 2018;10(4):1156-63. doi: https://doi.org/10.9789/2175-5361.2018.v10i4.1156-1163
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Trata-se de recorte do projeto de pesquisa e intervenção intitulado: “Idoso vítima de violência: a interface entre a assistência à saúde, a assistência jurídica e a assistência social”, o qual vem ocorrendo em um município de médio porte do interior do estado de São Paulo, Brasil, por meio de equipe multidisciplinar. O contato com as famílias ocorreu por encaminhamento dos profissionais da delegada de polícia, os quais trabalham em articulação com a equipe de pesquisadores que conta com enfermeiros, psicólogo, fisioterapeuta e médico psiquiatra. Estabeleceu-se como recorte para o presente estudo os boletins de ocorrência de violência contra a pessoa idosa do mês de setembro de 2019. Como critérios de inclusão, elencaram-se: ter um membro acima de 60 anos que sofreu violência, residir no município do estudo. Como critérios de exclusão, algum membro familiar que apresentava comportamento agressivo ou oferecia risco às pesquisadoras, ter sofrido violência fora do contexto familiar, de acordo com orientação dos profissionais da delegacia. Frente a isso, designaram-se quatro famílias às pesquisadoras.

As avaliações das famílias ocorreram nos domicílios das vítimas, de outubro a novembro de 2019, as quais foram previamente agendadas de acordo com a disponibilidade dos participantes, incluindo o próprio idoso que sofreu violência e os membros da família com quem foi possível o contato. Os pesquisadores realizaram três visitas a cada família para conhecer a realidade de moradia, saneamento e melhor compreender as relações, os comportamentos de vida e a violência entre os membros familiares. As intervenções foram procedidas na medida em que as necessidades foram sendo detectadas.

Para avaliação e intervenção junto às famílias, utilizou-se como instrumental o Modelo Calgary de Avaliação Familiar (MCAF), que se encontra organizado em três categorias: estrutural, de desenvolvimento e funcional. A categoria estrutural examina a estrutura familiar, ou seja, os membros que pertencem à família e o vínculo destes no contexto familiar e com pessoas externas, por meio da construção do genograma e ecomapa. Nessa estrutura, três aspectos são relevantes para a análise: estrutura interna (composição da família, gênero, orientação sexual, ordem de nascimento, subsistemas e limites, estrutura externa (família extensa e sistemas mais amplos) e o contexto familiar (etnia, raça, classe social, religião e ambiente)77. Wright LM, Leahey M. Enfermeiras e famílias: um guia para avaliação e intervenção na família. 5. ed. São Paulo: Roca; 2012. .

O genograma é a elaboração da árvore da família, tem a finalidade de obter, de forma rápida, grande quantidade de informações sobre uma família e visão dos problemas potenciais, tendo como principal objetivo auxiliar na avaliação, no planejamento e na intervenção no contexto familiar, reconhecendo os membros de forma clara. Na construção, encontram-se códigos e símbolos padronizados que apresentam, de forma gráfica, pelo menos três gerações da família. Os homens são representados por quadrados e as mulheres, por círculos. O ecomapa representa a família e as relações com comunidade, serviços e os próprios membros, reconhecendo os meios e apoios sociais utilizados pela família. Os membros de sangue da família são representados dentro do círculo e a população restante aparece em círculos exteriores. Existem, ainda, linhas que indicam as conexões entre os membros internos e externos77. Wright LM, Leahey M. Enfermeiras e famílias: um guia para avaliação e intervenção na família. 5. ed. São Paulo: Roca; 2012. .

Para composição do genograma e ecomapa desta pesquisa, utilizou-se do programa Corel Draw para construção gráfica das relações familiares que permite a visualização da estrutura, dinâmica e funcionalidade familiar.

A categoria desenvolvimento trata da progressão e transformação da família em foco, em que se estudam história, crescimento, nascimento e morte. Na categoria funcional, estudam-se sobre os membros da família e as interações destes com os demais membros internos. Dois aspectos são explorados nesse momento: o funcionamento instrumental relacionado ao cotidiano, funções e atividades do dia a dia; e o funcionamento expressivo, referente a elementos como comunicação, resolução de problemas e adversidades, crenças, regras, dentre outros77. Wright LM, Leahey M. Enfermeiras e famílias: um guia para avaliação e intervenção na família. 5. ed. São Paulo: Roca; 2012. .

O estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da instituição proponente, conforme Certificado de Apresentação para Apreciação Ética 73664417.1.0000.5413. O termo de consentimento livre e esclarecido foi assinado pelos membros de cada núcleo familiar. Para garantir o anonimato, os nomes foram fictícios, porém permaneceu a primeira letra inicial real.

RESULTADOS

Ao considerar a avaliação das quatro famílias, em conformidade com o MCAF, a qual inclui as categorias estrutural, de desenvolvimento e funcional, na sequência, apresenta-se a síntese das avaliações realizadas em cada um dos quatro núcleos familiares, cada uma delas seguidas do genograma e ecomapa.

A Família 1 é composta pelo casal de idoso que residia no mesmo lar. Célia, com 69 anos de idade, do lar, casada há 51 anos com Leandro, de 73 anos de idade, aposentado, ambos com ensino fundamental incompleto, cinco filhos, sendo que apenas uma filha morava próximo deles. A renda mensal do casal era de três salários mínimos, proveniente da aposentadoria do Leandro, e residiam em casa própria. Célia realizou a denúncia de violência contra o esposo devido à ameaça de morte e por usar de palavras de baixo calão para agredi-la verbalmente. Um dos maiores conflitos do casal era porque Leandro gostava de beber na hora do almoço e, de acordo com Célia, ele ficava com o comportamento alterado e agressivo. Leandro afirmou sentir muita raiva e impotência frente à situação, que não suportava que a esposa o chamasse atenção pelo fato de beber uma latinha de cerveja, que foi expulso de casa duas vezes e que, se esse fato se repetisse, iria embora definitivamente. Entretanto, preocupou-se com isso, pois a renda não era suficiente para manter o aluguel de outra casa. Célia também alegava que somente se mantinha junto a Leandro por depender da renda dele.

Célia relatou se sentir sobrecarregada com as tarefas domésticas. Para Leandro, a dedicação à casa era exaustiva, parecendo até mesmo uma doença. O relacionamento com a filha também era conflituoso, pois, segundo Célia, ela interferia no relacionamento do casal. Com os demais filhos, o casal tinha boa relação, entretanto, tinha pouco contato com os mesmos, porém eles tentavam amenizar os conflitos por telefone.

Figura 1 -
Genograma e ecomapa da Família 1. Marília-SP-Brasil, 2019

Ambos eram hipertensos, porém somente Célia fazia uso de anti-hipertensivo (metropolol e hidroclorotiazida), relatava tristeza profunda, comparecia a Unidade Básica de Saúde (UBS), frequentava a igreja três vezes por semana e afirmava ter bom relacionamento com vizinhos. Já o esposo, além da hipertensão, tinha gota, mas não frequentava a UBS e se recusava a cuidar da própria saúde, mesmo sentindo dor, negava-se a acompanhá-la à igreja e o vínculo com vizinhos era fraco, devido à morte dos principais amigos ao longo do tempo. A Família 1, representada na Figura 1, mostra a estrutura da Família de Célia.

Na Família 2, entrevistou-se o casal de idosos. Maria Rita, senhora de 69 anos, do lar, recebia auxílio doença, casada com Adelmo, 65 anos, desempregado. Moravam em casa própria, porém pagavam uma pequena parcela mensalmente, a fonte de renda era proveniente do auxílio doença que Maria Rita recebia. Ambos com ensino fundamental incompleto. Maria Rita referiu que era pré-diabética, depressiva e bronquite asmática, fazia uso de dois anti-hipertensivos: Nifedipina e Losartana; Clonazepam, inalação com Atrovent, quando conseguia comprar, mas normalmente usava apenas o soro e não fazia uso da “bombinha” prescrita, por falta de condições financeiras. Maria Rita se encontrava excessivamente emagrecida, alimentava-se em pequena quantidade e pouca variedade no cardápio, tinha dificuldade para deambular e dormir, devido à falta de ar.

O casal tinha apenas um filho, que era casado, e quatro netos. Segundo Adelmo, o filho não interferia nos conflitos, visitava-os de vez em quando, rapidamente, e os netos nunca. Maria Rita tinha irmãs que residiam em outra cidade, mas afirmava que não pedia ajuda para não as incomodar. O casal apresentava uma relação conflituosa e Maria Rita realizou a denúncia na delegacia da mulher, relatou sofrer violência, em maioria verbal e psicológica, no entanto, já tinha sido agredida fisicamente algumas vezes e ameaçada de morte, o que, segundo ela, deveu-se principalmente ao uso abusivo de álcool pelo marido. Adelmo, contrariamente à esposa, salientava que o motivo do conflito do casal era por conta de Maria Rita financiar todos os gastos da casa e culpá-lo por pegar escondido o restante do dinheiro que a esposa escondia pela casa. Sempre quando Adelmo saia sozinho, causava um sentimento de ansiedade e agitação em Maria Rita, pois ela sabia que os amigos irão oferecer bebidas alcoólicas para ele, com isso, chegaria em casa alterado. Já Adelmo se sentia indignado e afirmava que fazia uso de álcool raramente.

Maria Rita afirmava que frequentava a UBS regularmente, acompanhada pelo esposo, devido às doenças que apresentava. Porém, Adelmo afirmava que Maria Rita fazia uso irregular dos medicamentos e, constantemente, precisava ser levada à UPA. O casal não frequentava a igreja porque Maria Rita não aguentava caminhar e Adelmo não a deixava sozinha em casa. Maria Rita contava com o apoio de vizinhos, principalmente quando precisava ir ao hospital, devido à falta de ar.

Figura 2 -
Genograma e ecomapa da Família 2. Marília-SP-Brasil, 2019

Adelmo salientava que ele era o único cuidador e companheiro de Maria Rita. Os dois realizavam as atividades domésticas juntos, dividindo as tarefas, pois Adelmo salientou que tinha medo de deixar a mulher sozinha, pois ela esquecia o gás ligado e não prestava atenção no que estava fazendo. Tinha dificuldades para comprar a alimentação, pois gastava dinheiro em medicamentos também. Adelmo afirmou que não tinha condições de trabalhar porque precisava prestar cuidados à esposa que era doente. A Família 2, representada na Figura 2, mostra a estrutura da Família de Maria Rita.

Na Família 3, entrevistou-se somente a Aline que revelou informações sobre Eduardo. A idosa, 69 anos, aposentada, com renda um pouco mais de um salário mínimo por mês, ensino fundamental completo, casada há cinco anos com Eduardo, de 60 anos, fundamental incompleto e autônomo. Aline era hipertensa, tinha diabetes, hipotireoidismo e labirintite, fazia uso de vasopril, atensina, nifedipina, hemifumarato de bisoprolol e hidroclorotiazida para pressão, puran, predinisona, cloridrato de amitriptilina, clonazepam, ranitidina, insulina comum e regular e um medicamento para labirintite que não soube informar. Eduardo, por sua vez, fazia diálise por muitos anos, até conseguir um transplante de rim, que foi feito há quatro anos, e fazia uso apenas do imunossupressor Tacrolimo.

Na ocasião da entrevista, Aline morava sozinha, pois estava com uma medida protetiva contra o marido. A idosa relatou que tinha relação conflituosa com o marido, devido aos maus-tratos verbais, desvalorizando-a como mulher, além de desrespeitá-la falando e elogiando outras mulheres, isso causava sentimento de tristeza profunda na idosa. Ele também não colaborava com as finanças da casa, nem mesmo para aquisição de alimentos. Por esse motivo, o filho de outro casamento não aceitava o relacionamento do casal. Aline também tinha conflito com o filho, alegando que a nora fazia de tudo para mantê-lo longe.

A denúncia foi feita por Aline, devido a uma briga entre o filho e Eduardo, sendo que, após esse fato, o filho fez ameaças de que ela nunca mais o veria e nem os netos, caso continuasse vivendo com Eduardo, o que a deixou com medo e insegura.

Após a medida protetiva contra Eduardo, o filho e a nora permaneceram mais presentes e insistiram que foi a melhor coisa que a mãe fez, com isso, ela não tinha liberdade de realizar as próprias vontades em relação ao esposo, pois relatava que ainda sentia carinho por ele e ficava preocupada de vê-lo longe. Porém, mesmo com a distância, eles continuavam se comunicando por telefone e mantinham as desavenças.

Aline relatou que tinha relação próxima com a UBS, pois necessitava de atendimentos e medicamentos, devido a diabetes e ao hipotireoidismo. Informou que frequentava a igreja evangélica toda semana e participava semanalmente da ginástica proporcionada no bairro onde morava. O relacionamento com a vizinhança foi se perdendo ao longo do tempo pela mudança dos mesmos. A Família 3, representada na Figura 3, mostra a estrutura da Família de Aline.

Figura 3 -
Genograma e ecomapa da Família 3. Marília-SP-Brasil, 2019

A Família 4 era composta por Andressa que tinha 65 anos, aposentada, ensino fundamental completo, com dois filhos do primeiro casamento que não moravam com ela. A filha Vanessa residia na mesma cidade que a mãe, com a qual não tinha bom relacionamento, e o filho Valdeir residia em outra cidade. Andressa era casada e morava há 18 anos com Norberto, de 72 anos, ensino fundamental incompleto, aposentado e três filhos de outro relacionamento, sendo uma filha adotiva que era com quem tinha maior contato e boa relação, com os outros filhos tinha relação mais distante, pois moravam longe também. A renda do casal era de dois salários mínimos vigentes, além disso, Andressa também se ocupava fazendo pães e bolachas para vender, e o esposo fazia alguns trabalhos de pedreiro. Residiam em casa própria.

A idosa apresentava diagnóstico de câncer de mama, hipertensão, ansiedade e neurocisticercose calcificada que provocava crises convulsivas. Fazia uso de fenobarbital e carbamazepina, fluoxetina, anastrozol, enalapril e clorana. Relatou, ainda, relação conflituosa com o marido, pois ele era muito agressivo, e ela, devido ao tratamento com a quimioterapia, tinha ficado muito nervosa e agitada, assim, qualquer situação já era motivo para ela se desestabilizar.

Norberto relatou ser portador de hipertensão arterial. Durante a entrevista, mostrou-se calmo e falou pouco, salientou que o sentimento dele era de tristeza por tudo que estava acontecendo, pois depois da doença da esposa, o comportamento dela mudou muito. O principal motivo de conflitos entre o caso Andressa e Norberto, a criação de cinco animais domésticos por parte da idosa, o que, segundo o idoso, era um dispêndio financeiro e de tempo. Andressa ainda cuidava de animais de rua no portão, o que também gerava conflito com vizinhos. Andressa afirmava que os animais eram importantes para sua vida e a deixavam alegre.

Andressa informou que as atividades domésticas eram realizadas por ela, sentindo-se, portanto, sobrecarregada, o que também desencadeava brigas na vida do casal, pois como ela fazia quimioterapia, havia dias em que não se encontrava disposta. O casal tocava teclado na igreja e frequentava com regularidade. Além disso, participavam efetivamente da associação de bairro e mantinham vínculo com os serviços de saúde.

Narrou ainda que possuía raiva do marido, uma vez que ele não compreendia a irritabilidade e ansiedade que vinha sofrendo, decorrentes do câncer e tratamento.

Norberto realizou a denúncia na delegacia, pois, após discussão sobre atividades domésticas não realizadas por ele, Andressa o empurrou com um rodinho, sendo que ele reagiu, indo para cima dela e a mordendo.

A condição econômica era uma das causas que mantinha o casamento, mesmo após a violência, pois compreendiam que separados teriam dificuldades para sobrevivência. A Família 4, representada na Figura 4, mostra a estrutura da Família de Andressa.

Figura 4 -
Genograma e ecomapa da Família 4. Marília-SP-Brasil, 2019

Diante do exposto, elencaram-se as fortalezas e fragilidades que emergiram das avaliações das famílias dos idosos vítimas de violência, conforme Quadro 1.

Quadro 1 -
Fortaleza e fragilidades dos núcleos familiares

No Quadro 1, constam-se as fortalezas e fragilidades dos casais de idosos. Quanto às fragilidades, encontraram-se uso abusivo de álcool nas famílias de Célia e Maria Rita; condições financeiras desfavoráveis e, como consequência, um depende do outro para sobrevivência. Destacaram-se, também, presença de doenças crônicas, uso de múltiplos medicamentos, não adesão ao tratamento e condições de saúde fragilizadas. Além disso, manifestaram diferentes sentimentos decorrentes do conflito entre o casal (medo, insegurança, raiva, nervosismo, tristeza e impotência). Ainda, os integrantes das famílias foram identificados com baixa escolaridade. Quanto à fortaleza, a maioria se mostrou religiosa e possuindo vínculos com a Unidade de Saúde.

Seguindo o Modelo Calgary, a fase de intervenções foi composta por perguntas circulares, as quais possuíam o objetivo de desencadear mudanças em três domínios: cognitivo, afetivo e comportamental. No primeiro, a intenção era oferecer novas ideias, opiniões, crenças, informações ou educação sobre um problema ou risco de saúde em particular. Quanto ao segundo domínio, procurou-se reduzir ou intensificar emoções intensas que poderiam prejudicar a solução dos problemas das famílias. No terceiro domínio, buscou-se ajudar o casal a interagir e se comportar de modo diferente em relação ao outro. Desta forma, as intervenções foram pautadas, essencialmente, na mediação de conflitos. No caso da Dona Maria Rita, um caso grave de bronquite asmática, os pesquisadores foram à Unidade de Saúde, com a finalidade de solicitar acompanhamento com maior frequência. Além disso, Célia foi encaminhada para o Centro de Atenção Psicossocial, devido à tristeza profunda.

DISCUSSÃO

O estudo contribui para reflexões acerca da realidade de casais de idosos que, após os filhos saírem de casa, passam a conviver cotidianamente com o companheiro e a depender financeiramente um do outro, passando a viver sob conflitos familiares que prejudicam a sobrevivência saudável.

Ao analisar a estrutura das quatro famílias, observaram-se aspectos semelhantes entre elas e algumas especificidades, inerente ao contexto de vida.

Quanto à escolaridade, observaram-se casais com poucos anos de estudo, característica que reflete a realidade nacional, pois passaram a infância em um período em que a maioria vivia em área rural e o acesso à escola era difícil. Especificamente, entre os idosos, a baixa escolaridade predispõe às condições econômicas desfavoráveis, pois, ao longo da vida, estiveram no mercado informal, sem possibilidades de investimento para garantir a aposentadoria88. International Longevity Centre Brazil. Active aging: a policy framework in response to the longevity revolution [Internet]. Rio de Janeiro: ILC-Brazil; 2015..

Constatou-se que os idosos do presente estudo tinham como renda as aposentadorias e o auxílio-doença, corroborando, assim, estudo que enfatiza que aposentadorias, pensões e benefícios do governo são as principais fontes de renda e sustento dos idosos na população brasileira99. Wendt CJ, Aires M, Paz AA, Fengler FL, Paskulin LM. Elderly families in South of Brazil in Health Strategy. Rev Bras Enferm. 2015;68(3):350-7. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167.2015680305i
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Outras características entre a maioria dos idosos deste estudo foram a presença de doenças crônicas e o uso de múltiplos medicamentos, o que demanda ações de promoção e prevenção de agravos realizadas por equipe multiprofissional, com a inclusão da família, visto que a condução adequada dessa condição é revestida de complexidade, cujo sucesso é multifatorial. Nesta perspectiva, destaca-se que viver em casa com a família está fortemente relacionado com a saúde psicossocial1010. Zulfitri R, Sabrian F, Herlina -. Sociodemographic characteristics and psychosocial wellbeing of elderly with chronic illnesses who live with family at home. Enferm Clín. 2019;29 Suppl 1:34-7. doi: https://doi.org/10.1016/j.enfcli.2018.11.014
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. As idosas do presente estudo, embora vivendo com o companheiro e sendo este quem prestava cuidado, em caso de necessidade, as dificuldades de relacionamento impediam uma boa condição de vida, especialmente no aspecto psicológico, o que interferia no tratamento das doenças e uso de medicamentos.

Em três casos, residia na mesma casa apenas o casal de idosos e, em um caso, a idosa vivia sozinha, em virtude da solicitação de medida protetiva. Observou-se que as causas dos conflitos era, essencialmente, as alterações de comportamento, em virtude do uso de bebida alcoólica, das questões financeiras e da divisão dos afazeres domésticos.

No tocante à sensação de sobrecarga em relação às atividades domésticas, percebeu-se que o exercício desse papel afetava a percepção de afetividade nas relações familiares, principalmente em relação ao cônjuge. A expectativa de ser cuidado também esteve ligada às experiências vividas ao longo do relacionamento, assim, idosos que não exerciam a afetividade ao longo desse percurso, mostraram menor expectativa em relação a ser cuidado pelo cônjuge1111. Silva LLNB, Rabelo DF. Afetividade e conflito nas díades familiares, capacidade funcional e expectativa de cuidado de idosos. Pensando Fam. 2017 [cited 2020 Feb 10];21(1):80-91. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-494X2017000100007&lng=pt&nrm=iso
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Enfatiza-se que as atividades domésticas e a função de cuidadora familiar historicamente foram atribuídas às mulheres e estão fundamentadas nos valores culturais e sociais da primeira metade do século passado, em que as mulheres assumiam o papel domiciliar, portanto, não precisariam estudar1212. Carvalho EB, Neri AL. fTime use by family caregivers of elderly with dementia: na integrative review. Rev Bras Enferm. 2018;71 Suppl 2:893-904. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0268
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. Assim, no imaginário dos companheiros, essa função continua sendo atribuição delas, sendo que, nessa fase da vida, como se observaram nas famílias analisadas, elas já não possuíam mais condição física e emocional necessárias para essa função.

É importante destacar que a ocorrência de conflitos, ao longo do tempo, pode se potencializar na velhice, em detrimento do alto nível de exigência, impaciência e, até mesmo, do possível processo de demência ou doença mental que não é compreendido pelos familiares1313. Silva CFS, Dias CMSB. Violência contra idosos na família: motivações, sentimentos e necessidades do agressor. Psicol Cienc Prof. 2016;36(3):637-52. doi:https://doi.org/10.1590/1982-3703001462014
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Duas famílias dos estudos apresentaram problemas com abuso de álcool pelo parceiro. O uso abusivo de álcool e outras drogas na terceira idade pode ser identificado como reflexo da aposentadoria, perda de parentes e amigos próximos, internações hospitalares ou situações de estresse. Entende-se que o álcool é utilizado para bloquear a solidão, relaxar, estimular ou até mesmo aliviar dores. E, como consequência do uso excessivo de álcool na terceira idade, observam-se conflitos entre os cônjuges, resultando em agressões física e verbal, além de desencadear agressividade1414. Azevedo LN, Souza LMP, Silva Junior RF, Durães LE, Oliveira CS, Arcanjo IN. Alcoolismo na terceira idade: revisão literária [Internet]. Rev EFDeportes.com. 2016 [cited 2020 Feb. 11];20(214). Available from: https://www.efdeportes.com/efd214/alcoolismo-na-terceira-idade.htm
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Compreende-se que a percepção sobre a qualidade do relacionamento conjugal é percebida de forma diferente entre os sexos, haja vista que as mulheres apresentam menor percepção de benefícios na vida conjunta e sobrecarga de tarefas, diferentemente dos homens.

O relacionamento entre o núcleo familiar e os filhos adultos se modifica com o tempo, assim como se percebeu neste estudo, uma vez em que estes constituem as próprias famílias e mudam-se para longe dos pais. Sabe-se ainda que muitos idosos recusam, apesar de muitas vezes precisarem, a ajuda dos filhos ou mesmo a interpretam como desnecessária, resultando em problemas futuros na vida familiar e criando outros tipos de conflitos1515. Rabelo DF. Os idosos e as relações familiares. In: Freitas EV, Py L. Tratado de geriatria e gerontologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2016. p. 1515-25..

Nas quatro famílias estudadas, compreendeu-se que a instituição familiar se transformou por diversas vezes, sendo o crescimento dos filhos, os quais, em consequência, criaram outros núcleos familiares, o efeito mais significativo de mudança. A ideia de família nuclear, composta por pai, mãe e filhos, já não se constitui como modelo. Entretanto, a família continua desempenhando papel essencial na vida dos indivíduos, sendo geradora de identidade, linguagem, cultura e cuidado66. Costa SFG, Oliveira RC, Zaccara AAL, Souza AFM, Gomes BMR, Oliveira TC. The use of Calgary model in nursing dissertations: and theses: a bibliometric study. Rev Pesqui Cuid Fundam Online. 2018;10(4):1156-63. doi: https://doi.org/10.9789/2175-5361.2018.v10i4.1156-1163
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No momento da entrevista, com exceção de Aline, as tipologias familiares eram iguais, ou seja, o núcleo se constituía apenas pelo casal de idosos. As quatro mulheres sofreram algum tipo de violência por parte do marido, porém, em um dos casos, um dos maridos optou por fazer a denúncia na delegacia.

A violência de gênero é a expressão do patriarcado e machismo, visto que os valores culturais estão associados às desigualdades, e a violência instaura a ‘naturalidade’ das diferenças, com estereótipos e códigos de conduta entre homens e mulheres. Evidenciou-se, portanto, que é no ambiente familiar que a violência de gênero se apresenta da forma mais persistente, atingindo a subjetividade feminina. Apresenta-se como expressão para fazer referência aos diversos atos praticados contra as mulheres, como forma de submetê-las aos sofrimentos físico, sexual e psicológico, incluídas nestes as diversas formas de ameaças. É caracterizada, especialmente, pela imposição ou pretensão de subordinação e pelo controle do gênero masculino sobre o feminino1616. Balbinotti I. A violência contra a mulher como expressão do patriarcado e do machismo. Rev ESMESC. 2018;25(31):239-64. doi: https://doi.org/10.14295/revistadaesmesc.v25i31.p239
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Na velhice, o modelo de masculinidade que valoriza o controle das emoções, o machismo e a competitividade tendem a se exacerbar, visto que o idoso vai perdendo as funções de comando e, assim, vai sendo relegado a um posto secundário. Essa sensação costuma fazê-lo se sentir inútil, incapaz e humilhado, devido a isso, o machismo se mostra mais evidente no cotidiano desse idoso, para que assim possa mostrar que ainda tem controle de toda a situação1717. Medeiros PA, Streit IA, Sandreschi PF, Fortunato AR, Mazo GZ. Participação masculina em modalidades de atividades físicas de um programa para idosos: um estudo longitudinal. Ciênc Saúde Coletiva. 2014; 9(8):3479-88. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232014198.16252013
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Outro fator observado e não estudado foi a religiosidade, que se mostrou como fortaleza nos contextos familiares, pois colabora com o fortalecimento psicológico. A religiosidade está associada à capacidade funcional, ao enfrentamento da incapacidade e ao retardo do declínio funcional em idosos. Diferentes aspectos da religiosidade apresentaram associação com a capacidade funcional, como participação em atividades religiosas, desempenho de cargo de liderança religiosa, crenças e tradições religiosas1818. Amorim DNP, Silveira CML, Alves VP, Faleiros VP, Vilaça KHC. Association between religiosity and functional capacity in older adults: a systematic review. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2017;20(5):722-30. doi: https://doi.org/10.1590/1981-22562017020.170088
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As redes sociais constituídas por amigos também contribuem para qualidade de vida da pessoa idosa, mais do que as redes familiares, porém, também é demonstrado que mais de um tipo de relação, familiar e de amizade, favorece esta mesma qualidade a este mesmo público1919. Gouveia OMR, Matos AD, Schouten MJ. Social networks and quality of life of elderly persons: a review and critical analysis of literature. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2016;19(6):1030-40. doi: https://doi.org/10.1590/1981-22562016019.160017
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Para que haja resolução de conflitos no contexto conjugal, estratégias devem ser utilizadas pelos casais, como conversar pacificamente, avaliar consequências do que se pode ser dito ou feito e manter a calma, independentemente da situação. Outros procedimentos que podem ser usados, como escrever os pensamentos antes de dizê-los, a fim de filtrar os sentimentos e repensar o que pode ser dito, perceber a hora de recuar em uma discussão, ter postura diante dos conflitos e, acima de tudo, respeitar o parceiro. Além destas, outras dinâmicas podem ser utilizadas após tempos de matrimônio, uma vez que se conhecem as características subjetivas do parceiro, evitando motivos para outros conflitos e demais situações conflituosas2020. Costa CB, Mosmann CP. Estratégias de resolução dos conflitos conjugais: percepções de um grupo focal. Psico. 2015;46(4):472-82. doi: https://doi.org/10.15448/1980-8623.2015.4.20606
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio do Modelo Calgary foram avaliadas quatro famílias de pessoas idosas vítimas de violência, destacando-se, na sua estrutura, desenvolvimento e funcionamento, fragilidades e potencialidades que devem ser consideradas na elaboração do plano de cuidados. Quanto às fragilidades, encontraram-se uso abusivo de álcool; condições financeiras desfavoráveis e, como consequência, um depende do outro para sobrevivência; presença de doenças crônicas; uso de múltiplos medicamentos; não adesão ao tratamento; e condições de saúde fragilizadas. Além disso, manifestaram sentimentos de medo, insegurança, raiva, nervosismo, tristeza e impotência, decorrentes do conflito entre o casal. Ainda, os integrantes das famílias foram identificados com baixa escolaridade. No tocante às potencialidades, a maioria se mostrou religiosa e possuindo vínculos com a Unidade de Saúde.

Constatou-se que convivia no mesmo domicílio apenas o casal de idosos, que apesar de apresentar dependência mútua para os cuidados de saúde e questões econômicas, não conseguia manter relação harmônica, o que interferia na qualidade de vida, em virtude da vulnerabilidade quanto às condições de saúde.

As intervenções com os integrantes das famílias foram sendo realizadas de acordo com as necessidades de cada um deles e envolveu, essencialmente, estratégias de resolução de conflito. Revela-se, assim, a importância de ações que visem a melhoria do funcionamento das famílias de idosos vítimas de violência, visto que se encontram em uma fase da vida cujas necessidades se tornam mais frequentes e intensas, a manutenção dos vínculos afetivos e do apoio mútuo pode contribuir para melhoria da qualidade de vida e sensação de bem-estar.

O estudo teve como limitação o fato de ter sido realizado apenas com idosos vítimas de violência que prestaram queixa na delegacia de polícia e que frequentar o domicílio não representava risco aos pesquisadores. Logo, é possível que idosos com maiores vulnerabilidades não tenham sido avaliados. A despeito desse fato, o estudo proporcionou reflexão sobre a temática e as possibilidades de desenvolvimento de investigações futuras que intentem efetivar a assistência integral às famílias.

Espera-se contribuir para sensibilização dos profissionais de enfermagem para a importância da utilização do Modelo Calgary de Avaliação Familiar, para melhor atuação frente às necessidades das famílias de idosos vítimas de violência, visto que o modelo proporciona direcionamento para o desenvolvimento de ações consonante à complexidade que essa condição representa.

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  • Fomento/Agradecimento:

    Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior (CAPES); Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) processo nº 2017/17562-2.

Editado por

Editor associado:

Jéssica Machado Teles

Editor-chefe:

Maria da Graça Oliveira Crossetti

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    09 Jun 2020
  • Aceito
    06 Abr 2021
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