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Variabilidade do controle glicêmico de pacientes com diabetes tipo 1 e tipo 2 durante um ano de acompanhamento

Resumos

Para verificar a variabilidade do controle glicêmico em um estudo não controlado de diabéticos durante um ano de acompanhamento, nós avaliamos retrospectivamente 113 pacientes diabéticos. Com os valores das HBA1c (hemoglobina glicada) dosadas em 1998 calculamos um índice de controle que foi associado à idade, duração do diabetes, IMC e dose de insulina. A HBA1c foi maior em pacientes DM1 do que DM2, respectivamente [7,9 (4,4-13,3) vs. 7,0 (4,4-13,4)%; p= 0,007]. Nos 90 pacientes com no mínimo duas HBA1c, 68 (75,6%) mantiveram o controle: 51 (76,1%) em bom, 8 (11,1%) em regular e 9 (11,9%) em péssimo controle. Nenhum manteve todas as HBA1c na faixa da normalidade, sendo que 26 pacientes (28,9%) tiveram pelo menos uma HBA1c normal. No grupo geral, 44 pacientes (48,9%) apresentaram aumento da HBA1c, 41 (45,6%) diminuição e 5 pacientes (5,6%) mantiveram o mesmo valor, sem diferença entre DM1 e DM2 (p= 0,77). Observamos diferença na HBA1c e tempo de duração de diabetes entre os pacientes com DM2 que tratavam com dieta, hipoglicemiante oral, terapia combinada e monoterapia com insulina, respectivamente (5,4±0,5 vs. 6,3±1,3 vs. 7,6±1,4 vs. 8,4±2,0%; p= 0,001) e (8,5±9,9 vs. 5,3±4,2 vs. 14,1±9,6 vs. 16,9±8,1 anos; p= 0,003). O coeficiente de variação intraindividual da HBA1c foi de 11,6±7,4% (p= 0,0000), sendo de 12,8±7,6% (p= 0,0000) em DM1 e 10,4±7,2% em DM2 (p= 0,0000) sem diferença entre ambos. Concluímos que em nossa amostra a maioria dos pacientes manteve um bom controle apesar da variabilidade intraindividual e da dificuldade em normalizar os níveis de HBA1c.

Controle glicêmico; Variabilidade; Hemoglobina glicada; Diabetes tipo 1; Diabetes tipo 2


To evaluate the variability of glicemic control in diabetic patients followed during one year, we conducted a retrospective study in which the record data of 113 diabetic patients were analyzed. The value of HBA1c (glycated hemoglobin) measured during a year were registered and an index of glicemic control was calculated. This index was associated with duration of diabetes, BMI and dose of insulin. HBA1c were higher in type 1 diabetes than type 2, respectively, [7.9 (4.4-13.3) vs. 7.0 (4.4-13.4)%; p= 0.007]. In 90 patients with at least two HBA1c measurements, 68 (75.6%) had no change in glicemic control: 51 (76.1%) had good, 8 (11.1%) regular and 9 (11.9%) poor control. None of them sustained all the HBA1c in the normal range: 26 (28.9%) had at least one normal HBA1c value. In general group, 44 patients (48.9%) showed increase, 41 (45.6%) decreased and 5 (5.6%) remained with the same level of HBA1c, without difference between DM1 and DM2 (p= 0,77). A difference in HBA1c and diabetes duration among patients with DM2 treated with diet, oral hipoglycemic agents, combined therapy and monotherapy with insulin, was noted respectively (5.4±0.5 vs. 6.3±1.3 vs. 7.6±1.4 vs. 8.4±2.0%; p= 0.001) and (8.5±9.9 vs. 5.3±4.2 vs. 14.1±9.6 vs. 16.9±8.1 years; p= 0,003). The intraindividual coefficient of variation of HBA1c was 11.6±7.4% (p= 0.0000) being 12.8±7.6 (p= 0.0000) in type 1 and 10.4±7.2% in type 2 (p= 0.0000) without difference between both groups. In conclusion: the majority of the patients in our study maintained a good control despite the intraindividual variability of HBA1c and the difficulty to keeping it in the normal range.

Glicemic control; Variability glycated hemoglobin; Diabetes type 1; Diabetes type 2


artigo original

Variabilidade do Controle Glicêmico de Pacientes com Diabetes Tipo 1 e Tipo 2 Durante Um Ano de Acompanhamento

Marília de B. Gomes

Luis Maurício M.P. Fernandes

Anna Gabriela Fuks

Cristiana R.P.A. Pontes

Simone Henriques Castro

Filipe de Souza Affonso

Tatiana Garfinkel

Nélson Eduardo Lucas

Disciplina de Diabetes e Metabologia,

Departamento de Medicina Interna,

Hospital Universitário do

Rio de Janeiro, RJ.

Recebido em 27/01/00

Revisado em 24/07/00 e em 06/11/00

Aceito em 20/11/00

RESUMO

Para verificar a variabilidade do controle glicêmico em um estudo não controlado de diabéticos durante um ano de acompanhamento, nós avaliamos retrospectivamente 113 pacientes diabéticos. Com os valores das HBA1c (hemoglobina glicada) dosadas em 1998 calculamos um índice de controle que foi associado à idade, duração do diabetes, IMC e dose de insulina. A HBA1c foi maior em pacientes DM1 do que DM2, respectivamente [7,9 (4,4-13,3) vs. 7,0 (4,4-13,4)%; p= 0,007]. Nos 90 pacientes com no mínimo duas HBA1c, 68 (75,6%) mantiveram o controle: 51 (76,1%) em bom, 8 (11,1%) em regular e 9 (11,9%) em péssimo controle. Nenhum manteve todas as HBA1c na faixa da normalidade, sendo que 26 pacientes (28,9%) tiveram pelo menos uma HBA1c normal. No grupo geral, 44 pacientes (48,9%) apresentaram aumento da HBA1c, 41 (45,6%) diminuição e 5 pacientes (5,6%) mantiveram o mesmo valor, sem diferença entre DM1 e DM2 (p= 0,77). Observamos diferença na HBA1c e tempo de duração de diabetes entre os pacientes com DM2 que tratavam com dieta, hipoglicemiante oral, terapia combinada e monoterapia com insulina, respectivamente (5,4±0,5 vs. 6,3±1,3 vs. 7,6±1,4 vs. 8,4±2,0%; p= 0,001) e (8,5±9,9 vs. 5,3±4,2 vs. 14,1±9,6 vs. 16,9±8,1 anos; p= 0,003). O coeficiente de variação intraindividual da HBA1c foi de 11,6±7,4% (p= 0,0000), sendo de 12,8±7,6% (p= 0,0000) em DM1 e 10,4±7,2% em DM2 (p= 0,0000) sem diferença entre ambos. Concluímos que em nossa amostra a maioria dos pacientes manteve um bom controle apesar da variabilidade intraindividual e da dificuldade em normalizar os níveis de HBA1c.

Unitermos: Controle glicêmico; Variabilidade; Hemoglobina glicada; Diabetes tipo 1; Diabetes tipo 2

ABSTRACT

To evaluate the variability of glicemic control in diabetic patients followed during one year, we conducted a retrospective study in which the record data of 113 diabetic patients were analyzed. The value of HBA1c (glycated hemoglobin) measured during a year were registered and an index of glicemic control was calculated. This index was associated with duration of diabetes, BMI and dose of insulin. HBA1c were higher in type 1 diabetes than type 2, respectively, [7.9 (4.4-13.3) vs. 7.0 (4.4-13.4)%; p= 0.007]. In 90 patients with at least two HBA1c measurements, 68 (75.6%) had no change in glicemic control: 51 (76.1%) had good, 8 (11.1%) regular and 9 (11.9%) poor control. None of them sustained all the HBA1c in the normal range: 26 (28.9%) had at least one normal HBA1c value. In general group, 44 patients (48.9%) showed increase, 41 (45.6%) decreased and 5 (5.6%) remained with the same level of HBA1c, without difference between DM1 and DM2 (p= 0,77). A difference in HBA1c and diabetes duration among patients with DM2 treated with diet, oral hipoglycemic agents, combined therapy and monotherapy with insulin, was noted respectively (5.4±0.5 vs. 6.3±1.3 vs. 7.6±1.4 vs. 8.4±2.0%; p= 0.001) and (8.5±9.9 vs. 5.3±4.2 vs. 14.1±9.6 vs. 16.9±8.1 years; p= 0,003). The intraindividual coefficient of variation of HBA1c was 11.6±7.4% (p= 0.0000) being 12.8±7.6 (p= 0.0000) in type 1 and 10.4±7.2% in type 2 (p= 0.0000) without difference between both groups. In conclusion: the majority of the patients in our study maintained a good control despite the intraindividual variability of HBA1c and the difficulty to keeping it in the normal range.

Keywords: Glicemic control; Variability glycated hemoglobin; Diabetes type 1; Diabetes type 2

A ASSOCIAÇÃO ENTRE CONTROLE GLICÊMICO e complicações crônicas microvasculares em pacientes com diabetes tipo 1 (DM1) e diabetes tipo 2 (DM2) já foi estabelecida na literatura pelo DCCT (1) e pelo UKPDS (2). Ambos trabalhos demonstraram que a terapia intensiva do diabetes reduz o risco de evolução para retinopatia, nefropatia e neuropatia. Entretanto, um aspecto importante a ser considerado é que no DCCT e no UKPDS o controle glicêmico foi avaliado em função da média ou mediana de múltiplas determinações da hemoglobina glicada (HBA1c) e/ou glicemia de jejum, não havendo dados publicados sobre a variabilidade de ambas durante o estudo. No DCCT também foi observado que, no grupo em terapia intensiva, menos que 5% dos pacientes conseguiram manter um média de HBA1c menor que o limite superior de normalidade do método (6,05%) e que apenas 44% atingiram este valor pelo menos uma vez durante o estudo. No UKPDS observou-se um aumento gradativo da HBA1c durante o seguimento, mesmo nos pacientes em terapia intensiva, sendo que apenas 47% dos pacientes deste grupo permaneceram com glicemia de jejum menor que 7,8mmol, nível superior ao do objetivo do estudo, isto é, 6mmol (2). Estes estudos ratificam a dificuldade de manutenção de um controle glicêmico adequado a longo prazo em pacientes diabéticos. Diferentes fatores associados à fisiopatologia de ambos os tipos de diabetes resultariam em flutuações glicêmicas com conseqüente grande variabilidade intraindividual da HBA1c. Este fato foi recentemente descrito em um estudo retrospectivo de pacientes com DM1 na Inglaterra (3).

O presente trabalho teve como objetivo, através de um estudo não controlado, avaliar a variabilidade do nível de controle glicêmico em função do número de determinações da HBA1c e de suas flutuações em pacientes adultos com DM1 e DM2, durante um ano de acompanhamento ambulatorial; e nos pacientes DM2, avaliar o controle glicêmico em função do tipo de tratamento utilizado.

PACIENTES E MÉTODOS

Foram estudados 64 pacientes (45F / 19M) portadores de DM1 e 49 (30F / 19M) portadores de DM2, classificados de acordo com os critérios adaptados da Associação Americana de Diabetes (4), que tiveram atendimento regular pela mesma equipe multidisciplinar durante o ano de 1998 no ambulatório de Diabetes do Hospital Universitário Pedro Ernesto, RJ. Os pacientes com DM1 eram adultos pelos critérios de Tanner, tinham idade de 27,4±9,1 anos, idade de diagnóstico de 18,2±9,2 anos, duração do DM de 9,2±7,6 anos, índice de massa corporal (IMC) de 22,5±3,2kg/m2 e utilizavam 0,88±0,42U/kg de insulina por dia no início do ano. Os pacientes com DM2 tinham idade de 57,8±12,3 anos, idade de diagnóstico de 45,8±10,4 anos, duração do DM de 12,1±9,5 anos, IMC de 28,1±4,1kg/m2. Em relação ao tratamento, 4 pacientes (8,2%) faziam somente dieta, 13 (26,5%) monoterapia com insulina, 18 (36,7%) monoterapia com hipoglicemiante oral e 14 (28,6%), terapia combinada com hipoglicemiante e insulina.

A HBA1c foi determinada pela técnica de cromatografia líquida de alta precisão, no aparelho L-9100 Merck Hitachi cujo valor de referência é de 2,6 a 6,2%, sendo o coeficiente de variação intraensaio para valores baixos (4,5%) e altos (10%) <1%. O número de determinações e o intervalo entre as mesmas em meses por paciente com DM1 foram: uma dosagem (n= 19), duas (n= 20 e D= 3,8±2,2), três (n= 10 e D= 1,3±0,4), quatro (n= 10 e D= 2,0±0,2), cinco (n= 3 e D= 1,2±0,6) e seis (n= 2 e D= 1,7±0,1) e nos pacientes com DM 2 foram: uma (n= 4), duas (n= 17 e D= 4,8±2,1), três (n= 16 e D= 1,7±0,6), quatro (n= 9 e D= 1,7±0,3), cinco (n= 3 e D= 1,8±0,3) durante o ano de 1998. Quando foram determinadas duas ou mais HBA1c em cada paciente com DM1 (n= 45) e com DM2 (n= 45), consideramos a média para análise estatística e o valor isolado no grupo restante nos pacientes com DM1 (n= 19) e com DM2 (n= 4). Nos pacientes com DM1 (n= 26) e com DM2 (n= 28) que tiveram três ou mais determinações de HBA1c foi calculado o coeficiente de variação. Calculou-se o percentual de incremento ou decaimento da HbA1c. A classificação em bom controle (índice <1,33), controle regular (índice >1,33 e <1,5) e péssimo (índice >1,5) foi baseada nos critérios de Chase (divisão do valor da hemoglobina do paciente pelo valor do limite superior de normalidade do método) (5).

Nos pacientes que utilizavam insulina, a dose total foi avaliada na primeira e última consulta, sendo calculada a diferença entre ambas.

A análise estatística foi realizada através dos programas SPSS (versão 7.0) e Epi Info (versão 6.0). Para comparação entre grupos, quando as variáveis não apresentavam distribuição normal, utilizamos o teste de Kruskal-Wallis. Nas demais comparações, foram utilizados os testes T de Student e Análise de Variância. Para análise de variáveis categóricas utilizamos o teste do Qui-Quadrado com correção de Yates e o teste exato de Fisher. Os dados são apresentados como média (desvio padrão - DP) ou mediana (mínimo/ máximo). Consideramos como significante um valor de p bicaudal <0,05.

RESULTADOS

As características clínicas dos pacientes de acordo com o índice de controle glicêmico são descritas nas tabelas 1 e 2. Não observamos diferença no tempo de duração do diabetes entre os pacientes com DM1 e DM2, respectivamente [11 (1-31) vs. 8 (0,5-40) anos; p= 0,13]. A HBA1c no grupo geral foi de 7,8±,8%, não havendo diferença entre o grupo que realizou uma, duas, três, quatro, cinco ou seis determinações durante o ano, respectivamente (8,3±2,1 vs. 8,0±2,0 vs. 7,4±1,5 vs. 7,6±1,8 vs. 7,5±1,4 vs. 7,0±2,8; p= 0,53). A HBA1c foi maior nos pacientes com DM1 quando em comparação aos pacientes com DM2, respectivamente [7,9 (4,4-13,3) vs. 7,0 (4,4-13,4)%; p= 0,007], não sendo associada com sexo em ambos os grupos. Não observamos diferença na HBA1c nos pacientes com DM1 que tinham >2 anos de duração do diabetes (n= 58) em comparação aos com <2 anos (n= 6), respectivamente [8,7 (5,0-10,3) vs. 7.9 (4,4-13,3)%; p= 0,84]. O grupo com <2 anos de duração do diabetes utilizava menor dose de insulina, respectivamente [0,5 (0,11-0,9) vs. 0,85 (0,17-2,2) U/kg; p= 0,03].

Na primeira consulta apresentavam bom controle glicêmico 73 pacientes (64,6%), controle regular 18 pacientes (15,9%) e controle péssimo 22 pacientes (19,5%). Durante o acompanhamento dos 90 pacientes (45 DM1 e 45 DM2) que realizaram pelo menos duas determinações de HBA1c, com intervalo de 2,6±2,1 (0,5-8) meses, 67 pacientes (74,4%) tinham o mesmo nível de controle na última consulta, dos quais 51 (76,1%) estavam em bom controle, sendo 20 DM1 e 31 DM2 (p= 0,63), 8 (11,1%) em controle regular e 8 (11,9%) estavam em controle péssimo; 23 (25,6%) apresentaram alteração, sendo que em 12 observamos melhora e em 11 piora do controle glicêmico. O controle glicêmico que foi avaliado na última consulta anual não foi associado com sexo e número de determinações de HBA1c realizadas durante o ano (tabela 1 e tabela 2).

O grupo que estava em bom controle na primeira e última avaliação anual apresentou uma HBA1c de 6,8 (4,4-8,8)%, sendo de 7,2 (4,4-8,2)% nos pacientes com DM1 e de 6,6 (4,4-8,8)% nos pacientes com DM2, não havendo diferença entre os grupos (p= 0,23).

No grupo geral de diabéticos que realizou no mínimo duas determinações de HBA1c, nenhum paciente manteve todas as HBA1c na faixa de normalidade durante o período, sendo que 26 pacientes (28,9%) apresentaram pelo menos uma HBA1c normal e 64 (71,1%) apresentaram todas acima do limite de normalidade. Observamos que um número maior de pacientes com DM2 apresentou pelo menos uma HBA1c normal em relação ao grupo de pacientes com DM1, respectivamente [19 (21,1)% vs. 7 (7,7%); p = 0,01].

Na análise separada do grupo de pacientes DM1 observamos que os 7 pacientes (15,5%) que tiveram pelo menos uma HBA1c normal tinham menor tempo de duração de diabetes do que o grupo que teve todas HBA1c acima do limite superior de normalidade [2 (1-19) vs. 8,5 (0,5-40); p= 0,02] e tendência a utilizarem menor dose de insulina [0,57 [(0,17-1,09) vs. 0,88 (0,11-2,21); p = 0,058]. As demais variáveis não foram significantes, incluindo a diferença da dose de insulina entre a consulta inicial e final.

No grupo de DM1 que estava em bom controle na primeira e última avaliação anual, 6 pacientes (30%) tiveram pelo menos uma HBA1c na faixa de normalidade e 14 (70%) tiveram todas acima do limite superior de normalidade, sendo que o primeiro grupo tinha menor duração do diabetes, respectivamente [2 (1-19) vs. 9 (3-40); p= 0,02] e utilizava menor dose de insulina, respectivamente [0,5 (0,17-0,89) vs. 0,85 (0,45-1,54); p= 0,03].

Na análise separada do grupo de pacientes DM2 observamos diferença na HBA1c entre pacientes que tratavam com dieta, hipoglicemiante oral, insulina e terapia combinada, respectivamente (5,4±0, 5 vs. 6,3±,3 vs. 7,6±1,4 vs. 8,4%±2,0; p= 0,001). Observamos diferença no tempo de duração do diabetes entre pacientes que tratavam com dieta, hipoglicemiante oral, insulina e terapia combinada respectivamente (8,5±9,9 vs. 5,3±4,2 vs. 14,1±9,6 vs. 16,9±8,1 anos; p= 0,003). Os 19 pacientes (42,2%) que tiveram pelo menos uma HBA1c na faixa da normalidade tinham um menor tempo de duração de diabetes do que aqueles que tiveram todas as HBA1c acima da normalidade, respectivamente [7 (1-26) vs. 15 (2-31); p= 0,02]. Não houve diferença entre os dois grupos em relação à idade, IMC, sexo ou idade do diagnóstico do DM. No grupo com DM2, observamos que os pacientes que apresentavam bom controle na primeira e na última avaliação anual (n= 31) referiam maior idade de diagnóstico do que os pacientes que estavam em controle regular e/ou péssimo na primeira e na última avaliação anual (n= 9), respectivamente [49 (25-66) vs. 37 (20-49) anos; p= 0,008]. Não houve diferença entre os dois grupos em relação à duração da doença, idade atual ou IMC.

No grupo geral, tiveram aumento de HBA1c 44 pacientes (48,9%), diminuição 41 (45,6%) e mantiveram o mesmo valor 5 (5,6%), sem haver diferença entre DM1 e DM2 (p= 0,77). No grupo em que houve aumento de HBA1c o mesmo foi de 9,4% (1,1-100) e no grupo em que houve diminuição de HbA1c a mesma foi de 9,2% (-44/-0,8) e ambos não foram associados ao número de determinações de HbA1c (p= 0,9) e ao tipo de DM (p= 0,44).

O coeficiente de variação intraindividual (CVi) da HBA1c no grupo geral que realizou pelo menos três determinações de HBA1c (n= 53) foi de 11,6±7,4% (p= 0.0000), sendo de 12,8±7,6% (p= 0.0000) no grupo com DM1 (n= 25) e de 10,4±7,2% (p= 0.0000) no grupo com DM2 (n= 28), não havendo diferença entre os dois grupos (p= 0,17) e entre os sexos. O CVi da HBA1c foi maior no grupo que mudou o nível de controle do que no grupo que permaneceu no mesmo nível na primeira e última avaliação anual, respectivamente [15,5 (2,3-30,1) vs. 9,25 (1,3-31,1)%; p=0,001]. O CVi da HBA1c dos pacientes que alteraram o controle está descrito na tabela 3.

DISCUSSÃO

O presente trabalho refere-se a um estudo não controlado realizado em um Centro de Referência para a doença, no município do Rio de Janeiro, com pacientes diabéticos regularmente atendidos durante o ano de 1998 pela mesma equipe multidisciplinar. Desta maneira, nossos dados possivelmente não refletem as características gerais, como também as condições de acompanhamento ambulatorial de pacientes com diabetes em nosso município.

Um outro aspecto a ser considerado na interpretação dos resultados é a heterogeneidade do número de determinações de HBA1c realizadas por paciente. Considerando o grupo geral, 23 pacientes (20,4%) realizaram apenas uma HBA1c dos quais 19 (82,6%) eram diabéticos tipo 1 e 4 (17,4%) eram diabéticos tipo 2. Isto possivelmente demonstra a dificuldade de aderência ao tratamento ambulatorial.

A classificação do controle glicêmico adotada no presente estudo foi baseada no descrito por Chase (5) em um trabalho prospectivo de 6,8 anos com DM1 que avaliou a influência do controle glicêmico na evolução para retinopatia e nefropatia. Neste trabalho, os parâmetros de bom controle (índice <1,33) são superiores ao proposto pela ADA, Associação Americana de Diabetes (4), isto é, valores de HBA1c <7%, (índice de 1,16), como objetivo terapêutico que também propõe que a partir de uma HBA1c de 8% (índice de 1,33) medidas terapêuticas adicionais devam ser consideradas. Entretanto, no estudo de Chase, 9% e 10% dos pacientes respectivamente com controle glicêmico bom e regular evoluíram para estas complicações, o que não foi observado no grupo com HBA1c de 9% (índice de 1,10). Utilizamos também estes critérios porque a adoção de um índice facilita à comparação com os trabalhos que utilizam diferentes metodologias de determinação de HBA1c. Enfatizamos que, apesar de termos utilizados esses critérios nos pacientes com DM2, os mesmos não foram validados para estes pacientes. Neste grupo de pacientes observamos um mediana de HBA1c semelhante ao descrito no UKPDS (2). Três pacientes deste grupo, dos quais dois tratavam apenas com dieta, referiam idade de diagnóstico inferior a 30 anos. Apesar destes pacientes não apresentarem história clínica de DM1, como não realizamos nenhuma pesquisa de autoimunidade não podemos excluir a possibilidade dos mesmos apresentarem o diabetes autoimune latente do adulto (4). A HbA1c e o tempo de duração do diabetes mostraram-se associados ao tipo de terapêutica com menores níveis de HbA1c e tempo de duração do DM nos pacientes em tratamento com dieta e hipoglicemiante oral. Este fato foi relatado no UKPDS (2) e em recente trabalho multicêntrico realizado na Finlândia (6) e possivelmente demonstra a deteriorização do controle glicêmico em função da progressão da doença.

Possivelmente, nenhum paciente com DM1 estava em fase de lua de mel, porque o grupo que tinha menos de dois anos de duração do diabetes, apesar de utilizar menor dose de insulina, não apresentou diferença na HBA1C quando em comparação aos demais.

Nestes pacientes com DM1 a média de HBA1c foi de 8,2% (índice de 1,32), inferior à de 8,1% (índice de 1,33) descrita no EDIC após dois anos de acompanhamento de pacientes em terapia intensiva que participaram do DCCT (7) e à de 10,1% (índice de 1,36) descrita como limite de aumento significativo do risco de evolução para microalbuminúria, em estudo retrospectivo da clínica Joslin (8). Entretanto, neste trabalho, os pacientes que apresentaram HBA1c até 8,8% (índice de 1,18) foram os que tiveram menor risco de evolução para microalbuminúria. Dados recentes deste mesmo grupo demostraram que a evolução de micro para macroalbuminúria foi significativamente menor nos pacientes com HBA1c inicial < 8% (índice 1,33 independente dos níveis basais de taxa de excreção de albumina, pressão arterial e tratamento anti-hipertensivo (9). Estes valores são semelhantes aos observados no DCCT nos pacientes em terapia intensiva, isto é, HBA1c de 7,1% (índice de 1,17) e aos descritos por Chase, HBA1c de 9,02% (índice de 1,10) nos pacientes que não evoluíram para complicações microvasculares do diabetes. Na amostra geral de diabéticos, este índice de controle foi observado em 26 pacientes, sendo mais freqüente no grupo com DM2 do que no grupo com DM1, respectivamente [18 (36,7%) vs. 8 (12,5%); p= 0,004]. Recentemente, um estudo multicêntrico realizado nos Estados Unidos com objetivo de melhorar a qualidade de atendimento ao paciente diabético observou que pouco mais que 50% dos pacientes de apenas 8 dos 29 centros participantes apresentava HBA1c <8% (índice de 1,33) (10).

Em nossa amostra, os pacientes com DM2 apresentavam menor HBA1c que os pacientes com DM1 apesar de terem o mesmo tempo de duração do diabetes. Observamos também que um maior número de pacientes com DM2, 19 (21,1%), em relação a pacientes com DM1, 7 (7,7%), teve pelo menos uma HBA1c na faixa de normalidade, que foi associada a um menor tempo de duração do diabetes em ambos os grupos. Isto poderia ser devido à manutenção da secreção residual de insulina no início do diabetes, cujo declínio seria mais rápido nos pacientes com DM1 (11-13), como também a outros fatores não analisados no presente estudo. Estes dados são semelhantes aos descritos na Inglaterra em estudo retrospectivo de 9 anos em adultos com DM1 (3) e em recente relato da Finlândia (6). No primeiro trabalho, apenas 3,3% dos pacientes mantiveram HBA1c sempre compatível com bom controle (índice de 1,14), 21,3%, e de 22 até 43% mantiveram respectivamente a média de HBA1c e pelo menos uma HBA1c nestes parâmetros. No segundo trabalho (6), menos que 10% dos pacientes tiveram HBA1c no limite de normalidade. No DCCT, no grupo em terapia intensiva, menos que 5% dos pacientes conseguiram manter um média de HBA1c menor que o limite superior de normalidade do método e 44% atingiram este valor pelo menos uma vez durante o estudo. Observações semelhantes, descritas em relação à glicemia, também foram relatadas no UKPDS (2). Estes dados ratificam a dificuldade que temos em manter nestes pacientes a glicemia próxima ao normal, no nível ambulatorial, como também que há uma importante flutuação da HBA1c mesmo em pacientes em bom controle glicêmico. No presente estudo, isto é demonstrado pelo significante CVi da HBA1c, superior ao coeficiente de variação intra-ensaio do método que observamos nos pacientes em geral sem haver diferença entre DM1 e DM2. Os pacientes que persistiram em bom controle apresentaram menor CVi da HBA1c do que os que modificaram o nível de controle glicêmico. Entretanto, ambos os grupos apresentaram uma variação máxima do CVi de 30%, ratificando que a variabilidade da HBA1c também ocorreu nos pacientes que persistiram em bom controle glicêmico. A variabilidade da HBA1c e, portanto, da glicemia mesmo em pacientes em bom controle, poderia resultar em risco de evolução para complicações microvasculares do diabetes, o que foi demonstrado pelos resultados do DCCT e UKPDS no grupo em intervenção terapêutica intensiva (2).

Considerando que a maioria de nossos pacientes persistiu em bom controle glicêmico, o presente trabalho nos permite inferir que o atendimento em nosso centro, apesar de toda a dificuldade inerente aos pacientes de hospital público e à própria instituição, alcançou resultados favoráveis no que se refere ao controle glicêmico em um ano de acompanhamento de adultos com DM1 e DM2. Entretanto, observamos dificuldade na obtenção de HBA1c na faixa de normalidade que, quando presente, foi associada a um menor tempo de duração do diabetes. Achamos importante que estudos prospectivos analisem a incidência de complicações microvasculares do diabetes considerando não só o nível mas também a variabilidade do controle glicêmico nestes pacientes.

Endereço para correspondência:

Marília de B. Gomes

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jun 2001
  • Data do Fascículo
    Abr 2001

Histórico

  • Aceito
    20 Nov 2000
  • Revisado
    06 Nov 2000
  • Recebido
    27 Jan 2000
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