Resumos
Granuloma anular (GA) é uma dermatose benigna, caracterizada em geral por lesões papulosas em disposição anular. As formas clínicas englobam GA localizado, GA generalizado, GA perfurante e GA profundo. É de etiologia desconhecida, apesar de diversos fatores serem incriminados, inclusive doenças auto-imunes. Apresentamos o caso de paciente masculino de 45 anos, com lesões dermatológicas características de GA localizado, associadas a alterações sistêmicas, cuja investigação diagnóstica demonstrou tratar-se de hipertireoidismo por Doença de Graves. O paciente foi submetido a tratamento endócrino e dermatológico com controle do quadro clínico. A inusitada associação do GA localizado com hipertireoidismo, não encontrada na literatura médica, nos estimulou a publicar este caso.
Granuloma anular; Hipertireoidismo; Propiltiouracil; Sulfona
Granuloma annulare (GA) is a begin dermatosis characterized, in general, for papular lesions with annular configuration. Its clinical forms comprehend localized GA, generalized GA, perforating GA and subcutaneous GA. With unknown etiology many factors have been responsible, including autoimmune diseases. We describe a case of a 45-year-old man, with characteristic dermatological injuries of localized GA, associated to systemic alterations, compatible with hyperthyroidism (Graves’ disease). The patient was submitted to an endocrine and dermatological treatment with control of the clinical state. The unusual association of localized GA with hyperthyroidism, not found in the medical literature, stimulated us to publish the case.
Granuloma annulare; Hyperthyroidism; Propylthiouracil; Sulphone
APRESENTAÇÃO DE CASO
Granuloma anular localizado em paciente com hipertireoidismo por doença de graves relato de caso
Localized granuloma annulare in patient with graves hyperthyroidism case report
Sandra L. Mattos e Dinato; Mauro César Dinato; Maria Fernanda G. Lopes; Érika Packer; Ney Romiti
Departamento de Clínica Médica do Centro Universitário Lusíada UNILUS, Santos, SP
Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Sandra Lopes Mattos e Dinato Rua Bento de Abreu 65 11045-140 Santos, SP E-mail: sandradinato@yahoo.com.br
RESUMO
Granuloma anular (GA) é uma dermatose benigna, caracterizada em geral por lesões papulosas em disposição anular. As formas clínicas englobam GA localizado, GA generalizado, GA perfurante e GA profundo. É de etiologia desconhecida, apesar de diversos fatores serem incriminados, inclusive doenças auto-imunes. Apresentamos o caso de paciente masculino de 45 anos, com lesões dermatológicas características de GA localizado, associadas a alterações sistêmicas, cuja investigação diagnóstica demonstrou tratar-se de hipertireoidismo por Doença de Graves. O paciente foi submetido a tratamento endócrino e dermatológico com controle do quadro clínico. A inusitada associação do GA localizado com hipertireoidismo, não encontrada na literatura médica, nos estimulou a publicar este caso.
Descritores: Granuloma anular; Hipertireoidismo; Propiltiouracil; Sulfona
ABSTRACT
Granuloma annulare (GA) is a begin dermatosis characterized, in general, for papular lesions with annular configuration. Its clinical forms comprehend localized GA, generalized GA, perforating GA and subcutaneous GA. With unknown etiology many factors have been responsible, including autoimmune diseases. We describe a case of a 45-year-old man, with characteristic dermatological injuries of localized GA, associated to systemic alterations, compatible with hyperthyroidism (Graves disease). The patient was submitted to an endocrine and dermatological treatment with control of the clinical state. The unusual association of localized GA with hyperthyroidism, not found in the medical literature, stimulated us to publish the case.
Keywords: Granuloma annulare; Hyperthyroidism; Propylthiouracil; Sulphone
O GRANULOMA ANULAR (GA) foi descrito por Colcott Fox em 1895, mas somente individualizado nosológicamente por Radcliffe Crocker em 1902 (1).
É uma dermatose de evolução benigna, porém imprevisível, relativamente rara, de etiologia desconhecida, caracterizada em geral por lesões papulosas, com disposição anular, de coloração da pele ou discretamente eritematosas, cujas placas podem atingir até alguns centímetros de diâmetro, assintomáticas. É doença de ocorrência universal, sendo duas vezes mais comum em mulheres, acometendo todos os grupos etários, porém mais freqüente abaixo dos 30 anos de idade, sem distinção de cor (1-3). Histopatologicamente, nos casos típicos, encontra-se processo inflamatório caracterizado por histiócitos e linfócitos, envolvendo focos de alteração necrobiótica do colágeno (1-4).
A doença de Graves, ou bócio difuso tóxico, é a causa mais comum do hipertireoidismo. Considerada doença auto-imune, de etiologia desconhecida, tem importante predisposição genética cerca de 15% dos pacientes têm um familiar também acometido e 50% dos familiares aparentemente sãos têm autoanticorpos circulantes contra a tireóide. Alguns fatores podem desencadear o processo imunológico, como a gravidez (particularmente no período pós-parto), a ingestão de iodeto em áreas geográficas deficientes desta substância (a sua ausência pode manter a doença de Graves latente), tratamento com lítio, infecções virais ou bacterianas e suspensão de glicocorticóides. É discutível se o estresse pode deflagar a doença (5).
O objetivo deste estudo é o relato inusitado da associação de granuloma anular localizado e hipertireoidismo por doença de Graves.
RELATO DO CASO
Paciente masculino, 45 anos, branco, solteiro, operador, natural de Humberto de Campos, Portugal, e procedente de Santos, SP.
Há 2 anos houve início do processo mórbido, com manifestações gerais como tremores, nervosismo e perda de peso (12 kg em 3 meses). Há 1 ano e meio, lesões anulares de bordas papulosas e centro deprimido, levemente eritematosas, de crescimento centrífugo, localizadas na região posterior do tórax, membros superiores e dorso das mãos (figuras 1 e 2).
Há 7 meses procurou o ambulatório de endocrinologia, sendo notada ao exame físico uma tireóide aumentada em 50% de seu tamanho normal. À inspeção estática, aumento difuso sem observação de nódulos. À inspeção dinâmica, móvel à deglutição. À palpação, consistência fibroelástica e aumento difuso. Nesta ocasião, foram solicitados exames complementares (vide abaixo) que permitiram a elucidação diagnóstica, sendo instituído tratamento com propiltiouracil (600 mg/dia), constatando-se gradativa melhora clínica e laboratorial do hipertireoidismo; no entanto, a dermatose permaneceu inalterada. Foi, então, introduzida dapsona (100 mg/dia), com parcial involução do quadro cutâneo. Atualmente, mantém-se em eutireoidismo com 200 mg/dia, permanecendo com discretas lesões na pele.
Nega qualquer outra doença ou sintomas dermatológicos ou sistêmicos.
EXAMES COMPLEMENTARES
Exame histopatológico (pele)
Epiderme preservada. Derme com degeneração do colágeno e infiltrado linfo-histiocitário entre as fibras colágenas e circundando o músculo eretor do pêlo (figuras 3 e 4).
Exames laboratoriais
Hemograma, glicemia de jejum, funções hepática e renal, urina I, protoparasitológico de fezes: normais. Anti-HIV: negativo. TSH: < 0,01 mUI/L (normal: 0,55,5 mUI/L); T3 livre: 3,1 ng/dL (normal: 0,250,45 ng/dL); T4 livre: 3,0 ng/dL (normal: 0,891,76 ng/dL); Anticorpo anti-tireoperoxidase: 89,8 UI/ml (normal: até 35 UI/ml); Anticorpo anti-tireoglobulina: 29,8 UI/ml (normal: até 40 UI/ml); TRAB-Anticorpo inibidor do TSH: 25% (positivo: >10%); Ultrassonografia de tireóide: Lobos tireoideanos de dimensões aumentadas, morfologia globosa e contornos levemente lobulados. Ecotextura parenquimatosa finamente heterogênea, não delimitando-se lesões focais. LTD: 8,1 x 2,0 x 1,8 cm (V: 12 cm3). LTE: 5,1 x 1,7 x 1,7 cm (V: 8,1 cm3). Istmo: 0,64 cm3. Volume total: 20,7 cm3.
DISCUSSÃO
Em geral, o GA é caracterizado por lesões papulosas agrupadas em disposição anular, no dorso das mãos, antebraços e pés (1-4). As suas formas clínicas englobam GA localizado, GA generalizado, GA perfurante e GA profundo (1-4). O paciente em estudo é portador da forma localizada da doença.
Embora a patologia tenha etiologia desconhecida, diversos fatores têm sido a ela relacionados, acreditando-se que possa representar reação imune a vários antígenos, como os vírus varicela-zoster, Epstein-Barr, HIV e HPV, picadas de insetos, exposição solar, ingestão de drogas e testes intradérmicos com tuberculina. Não se pode observar nenhum destes agentes causais no caso aqui relatado. Admite-se, também, a predisposição genética, pelo encontro de casos familiares e ocorrência em gêmeos idênticos, além da maior freqüência do HLA-A29 e HLA-BW35 em portadores de GA (1-3,6,7). Ainda dentro das possíveis causas encontram-se as de ordem auto-imune (2,6,7). Doenças como tiroidite auto-imune, hipotireoidismo, doença de Plummer, síndrome poliglandular, diabetes, necrobiose lipoídica e artrite reumatóide são raramente relatadas em associação ao GA (1-3,6-9). Em revisão de 100 pacientes com GA generalizado foram detectados 6 casos de hipotireoidismo, 3 casos de tiroidite, 3 casos de doença de Graves e 1 caso de adenoma de tireóide (10). Importante ressaltar, na literatura, a ausência da associação de hipertireoidismo com GA localizado. Assim, interroga-se se o hipertireoidismo poderia ser considerado o fator desencadeante do GA desenvolvido pelo paciente deste estudo ou um encontro casual.
Necessário se faz destacar que habitualmente o quadro histopatológico do GA é sugestivo, mostrando áreas de necrobiose do colágeno na derme superior e média, com infiltrado em paliçada constituído por histiócitos, linfócitos e fibroblastos (1,4), aspecto concordante com aquele encontrado no paciente em questão.
Dentre os diagnósticos diferenciais estão incluídos tinea corporis, líquen plano anular, eritema anular centrífugo, eritema multiforme, eritema migrans da doença de Lyme e sífilis terciária (1,8). Neste caso, não houve dificuldade diagnóstica.
Em relação à terapêutica, são indicadas corticoterapia intralesional e tópica, como também crioterapia, e até mesmo pode-se adotar conduta expectante. Podem ser usados corticóides sistêmicos, dapsona, isotretinoína, etretinato, hidroxicloroquina e niacinamida, além de medidas de fotoproteção (1,2,7). Eventualmente a biópsia da lesão pode levar à regressão do quadro (1-3,11), como também é conhecida a tendência à involução espontânea, o que ocorre em geral no período de dois anos (1-3,8). Estudos demonstram que o prognóstico de pacientes com GA generalizado não é pior do que naqueles com doença localizada, mas acredita-se que a resolução espontânea é menos comum nos indivíduos de meia-idade com afecção generalizada (8). O paciente deste estudo foi tratado com dapsona, apresentando resposta terapêutica satisfatória.
É oportuno tecer alguns comentários sobre o distúrbio endocrinológico apresentado pelo paciente.
O termo tireotoxicose refere-se às manifestações bioquímicas e fisiológicas da excessiva quantidade de hormônio tireoideano, não necessariamente originada na glândula tireóide. Já o termo hipertireoidismo é reservado para desordens que resultam da superprodução de hormônio pela glândula tireóide, sendo a doença de Graves sua causa mais comum (5,12).
Dentre as causas não associadas ao hipertireoidismo estão a tireotoxicose factícia, tireoidite aguda, tecido ectópico da tireóide e tireotoxicose transitória (tireoidite silenciosa, indolor e pós-parto), enquanto naquelas a ele associadas estão a doença de Graves, bócio multinodular tóxico, iodo induzida (Jod-Basedow), tumor trofoblástico e aumento da secreção de TSH (5,12).
A tireotoxicose ocorre com mais freqüência nas mulheres (cinco vezes mais que nos homens), na terceira e quarta décadas da vida, podendo ocorrer, porém, em qualquer idade, sendo que em algumas famílias há uma incidência maior de doença de Graves e tireoidite de Hashimoto (5,12,13).
As manifestações clínicas dependem da severidade da doença, idade do paciente e do distúrbio que produziu a tireotoxicose (12). Os sinais e sintomas mais comuns são nervosismo, intolerância ao calor, fadiga, tremores em mãos, perda de peso, palpitações, fraqueza muscular, sudorese excessiva, prurido, falta de ar, aumento na quantidade de evacuações diárias, e até mesmo presença de diarréia. Pode haver alterações mentais graves, como inquietação, insônia e labilidade emocional. Também freqüente é a presença de atraso menstrual, oligomenorréia, pele úmida e quente, eritema palmar, cabelos finos e sedosos (5,12,13). Os sintomas relatados no paciente em questão foram perda de peso, tremores de extremidades e nervosismo.
Importante referir a obrigatoriedade da realização dos exames laboratoriais mesmo com quadro clínico típico. Devem ser solicitadas as dosagens de T3 livre, T4 livre, TSH, TRAB, anticorpos anti-tireóide e ultrassonografia de tireóide (12). A análise dos exames realizados pelo paciente em estudo permitiu esclarecer a causa da sua tireotoxicose Doença de Graves.
Interessante relembrar que no tratamento desta endocrinopatia são indicadas as tiouréias, (propiltiouracil e metimazol) que inibem a síntese do hormônio tireoidiano, e também os beta-bloqueadores, que eliminam ou atenuam as manifestações periféricas do hipertireoidismo, porém agem apenas sintomaticamente (12,13). Os efeitos colaterais das tiuréias incluem agranulocitose, rash, artralgias, mialgia, neurite, hepatites (com PTU) ou colestase (com metimazol), trombocitopenia, aumento de linfonodos e glândulas salivares, síndrome lupus-like, psicoses e, menos freqüentemente, necrose hepática grave (5,12).
Optou-se, no doente aqui apresentado, pelo uso isolado do propiltiouracil. Em relação à patologia endócrina, houve boa resposta terapêutica, sem evidências de qualquer efeito colateral, mantendo-se o paciente em eutireoidismo. Por outro lado, não houve alteração no quadro cutâneo, tendo sido posteriormente indicada dapsona, com involução parcial das lesões de pele.
CONCLUSÃO
Ressalta-se, na literatura, a associação entre GA e doenças auto-imunes. A correlação entre GA e hipertireoidismo é inusitada na bibliografia consultada. Embora seu significado permaneça inconclusivo, destaca-se a importância da necessidade de investigação de doenças sistêmicas em pacientes com granuloma anular.
Recebido em 16/11/05
Revisado em 09/05/06
Aceito em 07/07/06
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
08 Jan 2007 -
Data do Fascículo
Dez 2006
Histórico
-
Aceito
07 Jul 2006 -
Revisado
09 Maio 2006 -
Recebido
16 Nov 2005