Acessibilidade / Reportar erro

Implante de lentes intra-oculares de câmara posterior em olhos fácicos para correção de hipermetropia

Implantation of posterior chamber intraocular lens in phakic eyes for the correction of hyperopia

Resumos

OBJETIVOS: Avaliar a eficácia, a previsibilidade e a segurança do implante da lente fácica de câmara posterior para a correção da hipermetropia. MÉTODOS: Analisamos, retrospectivamente, os prontuários de 16 pacientes (31 olhos) submetidos à implantação de lente fácica de câmara posterior para correção da hipermetropia. RESULTADOS: O equivalente esférico médio pré-operatório na refração dinâmica era +5,39 D (variando de +1,25 a +10,50 D) e na refração estática era +6,44 D (variando de +3,25 a +10,75 D). O equivalente esférico médio da refração dinâmica do último exame pós-operatório era de -0,45 D (variando de -2,75 a +1,25 D). Observa-se que em três olhos (9,7%) ocorreu perda de uma linha de visão e 19 olhos (61,3%) mantiveram a mesma acuidade visual pré-operatória com correção. Em seis olhos (19,3%) houve ganho de uma linha de visão e em três olhos (9,7%) ocorreu ganho de duas linhas de visão. Quanto às complicações, em 13 (41,9%) olhos foi observada a presença de depósito de pigmentos finos sobre a lente e três pacientes (18,7%) queixaram-se de "glare". CONCLUSÃO: O implante de lente fácica de câmara posterior para correção de hipermetropia moderada e elevada se mostrou método eficaz, previsível e seguro. É necessário acompanhamento pós-operatório mais prolongado para melhor avaliação da estabilidade e do surgimento de complicações tardias.

Implante de lente intra-ocular; Afacia; Hiperopia; Refração ocular


PURPOSE: To examine the efficacy, predictability and safety of posterior chamber phakic intra-ocular lens implantation in patients with hyperopia. METHODS: The authors analyzed retrospectively 16 patients (31 eyes) submitted to the implantation of a posterior chamber phakic lens for the correction of hyperopia. RESULTS: The mean preoperative spherical equivalent manifest refraction was +5.39D (ranging from +1.25 to +10.50D) and cycloplegia refraction was +6.44D (ranging from +3.25 to +10.75D). The mean postoperative spherical equivalent at the last visit was -0.44D (ranging from -2.75 to +1.25D). On comparing the preoperative and postoperative corrected visual acuity the results showed that three eyes (9.7%) lost one line of visual acuity, 19 eyes (61.3%) kept the same preoperative corrected visual acuity. Six eyes (19.3%) gained one line of visual acuity and three eyes (9.7%) gained two lines. Regarding complications, in 13 eyes (41.9%) a mild amount of pigment deposition on the phakic IOL anterior surface was observed and three patients (18.7%) had complaints of glare. CONCLUSION: Posterior phakic lens is an effective, predictable and safe method for the correction of mild to severe hyperopia. Visual acuity improvement was significant and a longer follow-up will help to better address long-term stability of the results and the incidence of complications.

Lens implantation, intraocular; Aphakia; Hyperopia; Refraction, ocular


ARTIGOS ORIGINAIS

Implante de lentes intra-oculares de câmara posterior em olhos fácicos para correção de hipermetropia

Implantation of posterior chamber intraocular lens in phakic eyes for the correction of hyperopia

Cristina Moreira SaleraI; Edgar Emiliano Duarte ServianI; Márcia Reis GuimarãesII; Raul Damásio CastroIII; Ricardo Queiroz GuimarãesIV

IFellow em Clínica e Cirurgia do Segmento Anterior do Hospital de Olhos de Minas Gerais

IIProfessora Assistente de Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, Patologista Ocular e Oftalmologista e Diretora do Hospital de Olhos de Minas Gerais

IIICirurgião da Unidade de Cirurgia Refrativa do Hospital de Olhos de Minas Gerais

IVDoutor em Oftalmologia pela Universidade Federal de Minas Gerais, Cirurgião-chefe e Diretor do Hospital de Olhos de Minas Gerais

Endereço para correspondênciaEndereço para correspondênciaCristina Moreira Salera Rua da Paisagem, 222 Belo Horizonte (MG) CEP 30161-970 e-mail: csalera@uai.com.br

RESUMO

OBJETIVOS: Avaliar a eficácia, a previsibilidade e a segurança do implante da lente fácica de câmara posterior para a correção da hipermetropia.

MÉTODOS: Analisamos, retrospectivamente, os prontuários de 16 pacientes (31 olhos) submetidos à implantação de lente fácica de câmara posterior para correção da hipermetropia.

RESULTADOS: O equivalente esférico médio pré-operatório na refração dinâmica era +5,39 D (variando de +1,25 a +10,50 D) e na refração estática era +6,44 D (variando de +3,25 a +10,75 D). O equivalente esférico médio da refração dinâmica do último exame pós-operatório era de -0,45 D (variando de -2,75 a +1,25 D). Observa-se que em três olhos (9,7%) ocorreu perda de uma linha de visão e 19 olhos (61,3%) mantiveram a mesma acuidade visual pré-operatória com correção. Em seis olhos (19,3%) houve ganho de uma linha de visão e em três olhos (9,7%) ocorreu ganho de duas linhas de visão. Quanto às complicações, em 13 (41,9%) olhos foi observada a presença de depósito de pigmentos finos sobre a lente e três pacientes (18,7%) queixaram-se de "glare".

CONCLUSÃO: O implante de lente fácica de câmara posterior para correção de hipermetropia moderada e elevada se mostrou método eficaz, previsível e seguro. É necessário acompanhamento pós-operatório mais prolongado para melhor avaliação da estabilidade e do surgimento de complicações tardias.

Descritores: Implante de lente intra-ocular/métodos; Afacia; Hiperopia; Refração ocular

ABSTRACT

PURPOSE: To examine the efficacy, predictability and safety of posterior chamber phakic intra-ocular lens implantation in patients with hyperopia.

METHODS: The authors analyzed retrospectively 16 patients (31 eyes) submitted to the implantation of a posterior chamber phakic lens for the correction of hyperopia.

RESULTS: The mean preoperative spherical equivalent manifest refraction was +5.39D (ranging from +1.25 to +10.50D) and cycloplegia refraction was +6.44D (ranging from +3.25 to +10.75D). The mean postoperative spherical equivalent at the last visit was -0.44D (ranging from -2.75 to +1.25D). On comparing the preoperative and postoperative corrected visual acuity the results showed that three eyes (9.7%) lost one line of visual acuity, 19 eyes (61.3%) kept the same preoperative corrected visual acuity. Six eyes (19.3%) gained one line of visual acuity and three eyes (9.7%) gained two lines. Regarding complications, in 13 eyes (41.9%) a mild amount of pigment deposition on the phakic IOL anterior surface was observed and three patients (18.7%) had complaints of glare.

CONCLUSION: Posterior phakic lens is an effective, predictable and safe method for the correction of mild to severe hyperopia. Visual acuity improvement was significant and a longer follow-up will help to better address long-term stability of the results and the incidence of complications.

Keywords: Lens implantation, intraocular/methods; Aphakia; Hyperopia; Refraction, ocular

INTRODUÇÃO

As soluções em cirurgia refrativa para correção da hipermetropia envolvem duas principais estruturas anatômicas: a córnea e o cristalino(1). Em função das limitações da correção corneana pelo "excimer laser" no tratamento de altas ametropias, observamos nos últimos anos, um crescente interesse no implante de lentes intra-oculares em olhos fácicos(1-4).

A lente de contato implantável (ICL) TM (Staar Surgical AG) é uma lente intra-ocular fácica de câmara posterior que deve ser posicionada entre a superfície posterior da íris e a superfície anterior do cristalino(3) (figura 1). Esta lente é fabricada com um polímero de colágeno (Collamer) que apresenta muitas características favoráveis como: alta permeabilidade ao oxigênio e nutrientes, biocompatibilidade, flexibilidade e alto índice de refração (1,45)(4-6).


As vantagens deste tipo de procedimento incluem a sua reversibilidade e a preservação da acomodação(1,3,7-8). Como complicações potenciais deste procedimento podemos esperar encontrar: glaucoma por bloqueio pupilar, glaucoma maligno, glaucoma secundário à neovascularização do ângulo, depósito de pigmentos sobre a superfície da lente, "glare", halos, hipocorreção e catarata(1,5,8). Em 1993, pela primeira vez, esta lente de "Collamer" foi implantada em olhos humanos na Europa para a correção de alta miopia(8-9). Entretanto, é importante ressaltar que os primeiros ensaios clínicos das lentes intra-oculares em olhos fácicos de outros materiais para correção de erros refrativos são datados da década de 50(4).

Este trabalho tem o objetivo de avaliar a eficácia, a previsibilidade e a segurança do implante de lente fácica de câmara posterior em pacientes com hipermetropia moderada e elevada.

MÉTODOS

Foram avaliados, retrospectivamente, os dados de 31 olhos (16 pacientes) submetidos ao implante de ICL no período de dezembro de 1996 a agosto de 2000, pelo mesmo cirurgião (Dr. Ricardo Guimarães), para correção refrativa em pacientes com hipermetropia. Os dados analisados foram os seguintes:

- sexo;

- idade;

- acuidade visual sem correção pré-operatória;

- acuidade visual com correção pré-operatória;

- refração dinâmica pré-operatória;

- refração estática pré-operatória;

- acuidade visual sem correção pós-operatória (um dia, 30 dias e 90 dias);

- refração dinâmica pós-operatória (um dia, 30 dias e 90 dias);

- complicações;

- outros procedimentos.

Este trabalho faz parte de um protocolo institucional de pesquisa do Hospital de Olhos de Minas Gerais, de caráter experimental e aprovado por uma comissão de ética médica interna.

Os pacientes foram informados sobre o caráter experimental do procedimento, riscos e benefícios, e concordaram em assinar um termo de consentimento.

A avaliação pré-operatória, de acordo com o que foi instituído pelo fabricante no protocolo, incluiu os seguintes exames:

- refração dinâmica e estática;

- medida da pressão intra-ocular;

- medida da profundidade da câmara anterior (ecógrafo A com sonda de contato);

- medida da espessura da córnea (paquímetro ultra-sônico);

- medida do diâmetro corneano (compasso);

- topografia corneana computadorizada de elevação – Orbscan (sistema de topografia corneana baseada na luz de fenda e disco de Plácido que mede as elevações e as curvaturas das superfícies anterior e posterior da córnea);

- biomicroscopia;

- fundoscopia;

- microscopia especular (microscópio especular computadorizado sem contato).

O objetivo refracional da cirurgia era a emetropia, levando-se em conta que esta lente corrige somente o componente esférico da ametropia.

As especificações da ICL para cada paciente foram determinadas em protocolo definido pelo fabricante, levando-se em conta os dados obtidos no exame pré-operatório.

A ICL é uma lente dobrável, em plataforma e com concavidade posterior para ser implantada na câmara posterior, entre a íris e o cristalino, com injetor próprio.

O diâmetro da lente para hipermetropia varia de 11,00 a 12,00 mm, com zona óptica de 4,8 a 5,8 mm e espessura central de aproximadamente 60 micra, dependendo do poder dióptrico da lente que pode variar de +3,00 a +17,00 dioptrias. Neste estudo foram utilizados dois modelos de lente: V2 e V3. O modelo V2 da ICL apresentava uma concavidade posterior muito acentuada o que provavelmente dificultava o aporte de nutrientes e a remoção de catabólitos do epitélio lenticular, assim sendo, foi substituída pelo modelo V3.

Com o objetivo de evitar o bloqueio pupilar pós-operatório, foram realizadas duas iridotomias com uma distância de 90° uma da outra através dos lasers de argônio e YAG, pelo menos uma semana antes da cirurgia, o que previne o depósito de pigmentos sobre a ICL.

Em apenas dois olhos (um paciente) foi realizada a anestesia tópica, nos demais, a anestesia utilizada foi o bloqueio peribulbar. A rotina para a preparação do paciente consistiu em sedação com midazolan (Dormonid®) 3ml intravenoso e cloridrato de fentanil 0,5 mg (Fentanil®) 1ml intravenoso. Para a dilatação da pupila utilizou-se uma gota dos seguintes colírios: cloridrato de proximetacaína (Anestalcon®), tropicamida (Mydriacyl®), cloridrato de fenilefrina (Fenilefrina®) e suprofeno (Procofen®). A anestesia peribulbar de 29 olhos foi realizada utilizando-se 6ml de cloridrato de lidocaína 2% com vasoconstritor (1:400.000). Na anestesia tópica utilizou-se cloridrato de bupivacaína 0,75% sem vasoconstritor, 20 gotas em 15 minutos. A redução da pressão intra-ocular foi obtida através a utilização do balão de Honan por 20 minutos.

Quanto à técnica cirúrgica, inicialmente duas incisões auxiliares eram realizadas afastadas 180° uma da outra e a 90° da incisão principal que era realizada no lado temporal ou no meridiano mais curvo com o objetivo de reduzir o astigmatismo, com 3,2 mm de extensão. A seguir, foi injetada substância viscoelástica de alto peso molecular (Healon®) generosamente dentro da câmara anterior. A ICL era removida do frasco e colocada no injetor fornecido pelo fabricante. Uma vez implantada na câmara anterior, a extremidade distal (footplates) da ICL e, posteriormente a proximal, eram cuidadosamente posicionadas atrás da íris. Uma espátula (ICL Manipulator, Katena Inc.) foi usada para a colocação da lente sob a íris. Um mantenedor de câmara anterior era posicionado em uma das incisões auxiliares e a substância viscoelástica era removida da câmara anterior e do espaço entre a lente e o cristalino com o sistema de irrigação/aspiração. Ao final do procedimento provocava-se a miose com carbachol (Miostat®) 0,01%, 1 ml diluído 1:1. Foi utilizada sutura para fechamento da incisão apenas naqueles casos cuja incisão era ampliada além de 3,2 mm com o objetivo de se corrigir o astigmatismo. O paciente era examinado na lâmpada de fenda algumas horas após a cirurgia para assegurar que a câmara anterior estivesse com a profundidade adequada, a lente bem posicionada e não houvesse resíduos de viscoelástico. Foi prescrito para uso tópico a associação antibiótico/corticóide (sulfato de neomicina, sulfato de polimixina B e dexametasona) inicialmente na freqüência de quatro vezes ao dia com redução de uma gota a cada semana. O exame completo pós-operatório era realizado no dia seguinte e com 1, 3, 6, 12, 24 e 36 meses após a cirurgia.

RESULTADOS

O método de análise estatística utilizado foi o T de Student para amostras pareadas. O grupo estudado era composto por 31 olhos de 16 pacientes, sendo que seis (37,5%) eram do sexo feminino e dez (62,5%) do sexo masculino. Destes pacientes, 15 tiveram a ICL implantada em ambos os olhos e um somente no olho direito. A idade variou de 25 a 44 anos com média igual a 34,2 anos.

O gráfico 1 mostra a distribuição da acuidade visual com e sem correção antes da cirurgia. Pode-se observar que cerca de 68% dos olhos avaliados possuíam acuidade visual sem correção de 20/100 ou menos. Com o uso da correção mais de 45% atingiram visão 20/20 e outros 41,9% ficaram no intervalo entre 20/25 e 20/40, o que totaliza 87,1% dos casos.


O equivalente esférico médio na refração dinâmica pré-operatória foi de +5,39 dioptrias variando de +1,25 a +10,50 dioptrias (desvio padrão 2,27). Na refração estática pré-operatória o equivalente esférico médio foi de +5,44 dioptrias variando de +3,25 a +10,75 dioptrias (desvio padrão 1,89). No último exame pós-operatório o equivalente esférico médio na refração dinâmica foi de –0,44 dioptrias variando de -2,75 a +1,25 dioptrias (desvio padrão 0,89). A ametropia cilíndrica média pré-operatória era -1,14 dioptrias variando de 0 a -3,50 dioptrias (desvio padrão 0,97) e no pós-operatório, a média foi de –1,28 dioptrias, variando de 0 a -4,00 dioptrias (desvio padrão 1,03).

O gráfico 2 mostra a distribuição da acuidade visual com e sem correção após a cirurgia. Após a cirurgia, mais de 60% dos casos apresentaram visão 20/40 ou melhor sem correção. Com a correção, no pós-operatório, a proporção de olhos nesta faixa manteve-se 87,1%, como no pré-operatório, porém com 54,8% com visão 20/20.


No gráfico 3 observa-se a comparação entre os grupos de acuidade visual sem correção antes e após a cirurgia. Registrou-se cerca de 68% dos casos com visão 20/100 ou pior no pré-operatório e mais de 61% com visão 20/40 ou melhor no pós-operatório.


Quanto à acuidade visual com correção antes e após a cirurgia, também encontramos uma distribuição semelhante como podemos observar no gráfico 4.


A tabela 1 mostra a comparação entre as acuidades visuais com correção pré-operatórias e sem correção pós-operatórias (p=0,011).

A análise da acuidade visual através da perda e do ganho de linhas de visão é um bom parâmetro para verificação da segurança do procedimento. Quando comparamos a acuidade visual sem correção pré e pós-operatórias, observa-se que não ocorreu perda de linhas de visão em nenhum dos casos e 20 (64,5%) olhos ganharam mais de três linhas de visão. Já, quando comparamos a acuidade visual com correção pré e pós-operatórias nota-se que três (9,7%) olhos perderam uma linha de visão, 19 (61,3%) olhos mantiveram a mesma acuidade visual, seis (19,3%) olhos ganharam uma linha de visão e em três (9,7%) olhos houve ganho de duas linhas de visão (gráfico 5). A tabela 2 mostra os dados clínicos dos pacientes.


COMPLICAÇÕES

Em nosso estudo, a complicação mais comum foi a presença de um leve depósito de pigmentos finos sobre a superfície anterior da lente, encontrado em 13 olhos (41,9%). Este achado não estava associado a qualquer queixa subjetiva de piora da visão e não houve alteração da pressão intra-ocular e constatação de depósitos no ângulo da câmara anterior.

A segunda complicação mais comum foi a queixa de "glare" no pós-operatório que foi relatada por três pacientes (18,7%) sem que houvesse qualquer alteração biomicroscópica que justificasse tal queixa.

Em um (3,2%) olho, durante o exame realizado no pós-operatório imediato, foi observado que a lente estava parcialmente capturada pela íris sendo indicado o reposicionamento da mesma e evoluindo com leve depósito de pigmentos finos sobre a superfície anterior da lente sem perda de linhas de visão.

Também em um (3,2%) olho foi detectada a presença de Seidel espontâneo no pós-operatório imediato que persistiu por 24 horas sendo, então, indicada a realização de sutura.

Mesmo com uma média de acompanhamento destes pacientes de 12,1 meses (variando de um mês a 41 meses), não constatamos a formação de opacificação do cristalino.

DISCUSSÃO

Os olhos hipermétropes, em geral, possuem segmentos anteriores relativamente pequenos, tornando assim, a cirurgia para implante de lente fácica de câmara posterior, um procedimento mais difícil(1,8,10).

Recentes estudos demonstraram um aumento na segurança do procedimento após a realização de duas iridotomias pré-operatórias(8,10) colocando, portanto, a cirurgia de implante da lente fácica de câmara posterior como mais uma opção para o arsenal dos cirurgiões refrativos para o tratamento da hipermetropia. Esta técnica cirúrgica apresenta algumas vantagens quando comparada a outros procedimentos como, por exemplo, sua reversibilidade (a lente pode ser removida ou substituída)(1-4), sua estabilidade (não depende do processo cicatricial para o resultado refrativo final)(3-4), boa qualidade de visão (não ocorre alteração na estrutura e no relevo corneano)(1,4) requer um investimento de custo reduzido (apesar do elevado custo da lente, não requer nenhum equipamento sofisticado)(3-4), além de preservar a acomodação do paciente(1-3,8).

Em contrapartida, por se tratar de um procedimento intra-ocular, tem maior risco para complicações como catarata, glaucoma e endoftalmite(1,4,7,10).

A lente fácica de câmara posterior corrigiu a hipermetropia em nosso grupo estudado. A análise mostrou uma melhora significativa no equivalente esférico dinâmico (p<0,01). Apesar de alguns olhos terem aceitado no pós-operatório lentes negativas, a média que era +5,39 ±2,25 dioptrias, ficou próxima de zero após a cirurgia (-0,44±0,89 dioptrias). Rosen et al. obtiveram resultado parecido em seu grupo de hipermétropes, oito dos seus nove pacientes ficaram entre -0,50 e +0,50 de equivalente esférico(1). Davidorf et al. também encontraram resultados semelhantes e ainda relataram que uma das limitações que interferem na previsibilidade do implante de lente fácica de câmara posterior para hipermetropia é o cálculo do valor dióptrico da lente cujas fórmulas ainda devem ser aperfeiçoadas(8). Este mesmo autor encontrou uma boa estabilidade da refração em 12 meses de acompanhamento pós-operatório(8).

A eficácia do procedimento pode ser verificada pela observação de que 61,3% dos olhos apresentaram acuidade visual sem correção pós-operatória de 20/40 ou melhor enquanto que, antes da cirurgia, 87,1% apresentavam esta mesma acuidade visual, porém com correção. De fato, houve uma diferença estatisticamente significativa na acuidade visual sem correção (p<0,01) antes e após a cirurgia. Quando comparamos as médias entre a acuidade visual com correção pré-operatória e a acuidade visual sem correção pós-operatória, encontramos uma diferença significativa, sendo que a visão corrigida antes da cirurgia era melhor, em média, que a acuidade visual sem correção após a cirurgia (p=0,011). Resultado semelhante também foi encontrado(8).

Quando analisamos a proporção de linhas ganhas ou perdidas, pode-se observar que o ganho de linhas da acuidade visual não corrigida foi muito significativo, sendo que em quase 65% dos olhos observou-se um ganho de mais de três linhas de visão e somente 3,2% mantiveram a mesma acuidade visual. Para a visão corrigida, a maioria (61,3%) manteve-se da mesma forma e houve perda de uma linha em aproximadamente 10% dos olhos sem nenhuma causa específica para esta perda. Outros autores(1,8) também encontraram um olho em que ocorreu perda de uma ou mais linhas de visão na acuidade visual pós-operatória com correção, sendo que, neste último a perda de linhas deveu-se à ocorrência de um glaucoma de ângulo fechado secundário.

Quanto à tentativa de redução do astigmatismo através da confecção da incisão principal no meridiano mais curvo, não foi observada uma diferença estatisticamente significativa comparando-se os valores antes e após a cirurgia (p=0,09).

No que diz respeito às complicações, a mais comum, de acordo com a literatura, era o bloqueio pupilar pós-operatório, que teve a sua incidência reduzida após a realização das iridotomias profiláticas(2,4,8,10). Em nosso estudo não ocorreram casos de bloqueio pupilar pós-operatório. Davidorf et al encontraram uma incidência de 12,5% deste tipo de complicação em olhos hipermétropes(8). Este mesmo autor, em seu estudo sobre lentes fácicas em olhos míopes, encontrou uma incidência de 4,8%. Esta diferença se deve, provavelmente, ao menor comprimento axial dos olhos hipermétropes(8). A propósito, olhos com câmara anterior menor que 2,8 mm apresentam uma contra-indicação absoluta ao implante de lente fácica(10).

Nossa complicação mais comum foi o depósito de pigmentos finos sobre a lente, encontrado em 41,9% dos olhos (13 olhos). Este depósito de pigmento está provavelmente relacionado com o procedimento cirúrgico uma vez que este depósito não é progressivo(8). Apesar da presença deste depósito, nenhum caso de glaucoma foi detectado, assim como em outros relatos da literatura(1,7-8,10). Entretanto, poderíamos encontrar casos de glaucoma pigmentar com o aumento do segmento pós-operatório. Um dos métodos para evitar estes depósitos seria adotar um prazo maior entre a realização das iridotomias e a cirurgia além da implementação da técnica não rotacional do implante da lente(8).

A nossa segunda complicação mais comum, a queixa de "glare", encontrada em seis olhos (19,3%) também foi relatada em outros estudos(1-2,8) sendo que um destes associou esta queixa com a presença de descentração da lente(8).

Em nosso estudo não encontramos casos de catarata após o implante da lente fácica. Fink et al encontraram três casos de catarata em uma série de 63 olhos(2). O principal fator de risco para a formação da catarata parece ser a proximidade entre a lente e o cristalino(2,4-5). Entretanto, outros mecanismos podem ser relacionados como o trauma do cristalino durante a implantação da lente, alterações do metabolismo lenticular causados pela presença da lente ou pelos restos de substância viscoelástica(1,4,10). Este tipo de complicação compromete o resultado da cirurgia mas pode ser corrigida através da remoção da ICL e a substituição do cristalino opacificado por uma lente de câmara posterior para afacia(4,10). A medida do diâmetro branco a branco do olho nos indica uma medida indireta da distância sulco a sulco(2), sendo, portanto, um importante exame pré-operatório cuja finalidade é auxiliar na determinação do diâmetro da lente que, caso não esteja adequado, a lente pode apoiar sobre o cristalino predispondo ocorrência de opacificação do cristalino(4).

Sanders et al. compararam os resultados do PRK e do implante de ICL para correção da hipermetropia baixa e concluíram que a previsibilidade entre os dois métodos é semelhante(10). Quanto maior o grau de hipermetropia a ser corrigido, piores eram a previsibilidade e a acuidade visual sem correção com o PRK. Assim como o PRK, quando se compara o LASIK e a ICL, a previsibilidade entre os dois procedimentos também é semelhante quando se trata de graus menores de hipermetropia. Na hipermetropia moderada a alta o implante de ICL mostrou melhor previsibilidade. Ao comparar a extração do cristalino transparente com o implante de ICL, o primeiro procedimento mostrou relevante segurança e eficácia. As limitações para este procedimento incluíam a dificuldade no cálculo do poder da lente e a perda da acomodação. A preservação da acomodação é a maior vantagem do implante de ICL sobre a extração do cristalino transparente(10).

Portanto, assim como nas publicações mundiais, nossos resultados foram satisfatórios quanto à eficácia, previsibilidade e segurança do procedimento para correção da hipermetropia. Entretanto, apesar dos bons resultados, um maior seguimento pós-operatório é necessário para melhor avaliação do procedimento quanto à sua estabilidade e as suas complicações tardias.

Recebido para análise em 10.07.2002

Versão revisada recebida em 06.05.2003

Aprovação em 09.05.2003

Este trabalho foi realizado no Hospital de Olhos de Minas Gerais - Clínica Dr. Ricardo Guimarães.

  • 1. Rosen E, Gore C. Staar Collamer posterior chamber phakic intraocular lens to correct myopia and hyperopia. J Cataract Refract Surg 1998;24:596-606.
  • 2. Fink AM, Gore C, Rosen E. Cataract development after implantation of the Staar Collamer posterior chamber phakic lens. J Cataract Refract Surg 1999; 25:278-82.
  • 3. Visessook N, Peng Q, Apple DJ, Gerl R, Schmickler S, Schoderbek RJ, Guindi A. Pathological examination of an explanted phakic posterior chamber intraocular lens. J Cataract Refract Surg 1999;25:216-22.
  • 4. Guimarães RQ, Castro R, Navarro MP, Guimarães MR. Lente fácica de câmara posterior para correção da miopia. Arq Bras Oftalmol 2001;64:21-6.
  • 5. Trindade F, Pereira F. Cataract formation after posterior chamber phakic intraocular lens implantation. J Cataract Refract Surg 1998;24:1661-3.
  • 6. Brown DC, Grabow HB, Martin RG, Rowen SL, Shepherd JR, Williamson CH, Ziémba SL. Staar Collamer intraocular lens: clinical results from the phase I FDA core study.
  • 7. Pershin KB, Pashinova NF. Refractive surgery for hyperopia. J Refract Surg 2000;16:S242-6.
  • 8. Davidorf JM, Zaldivar R, Oscherow S. Posterior chamber phakic intraocular lens for hyperopia of +4 to +11 diopters. J Refract Surg 1998;14:306-11.
  • 9. Zaldivar R, Davidorf JM, Oscherow S. Posterior chamber phakic intraocular lens for myopia of 8 to 19 diopters. J Refract Surg 1998;14:294-305.
  • 10. Sanders DR, Martin RG, Brown DC, Shepherd J, Deitz MR, DeLuca M. Posterior chamber phakic intraocular lens for hyperopia. J Refract Surg 1999; 15:309-15.
  • Endereço para correspondência

    Cristina Moreira Salera
    Rua da Paisagem, 222
    Belo Horizonte (MG) CEP 30161-970
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Mar 2004
    • Data do Fascículo
      Dez 2003

    Histórico

    • Aceito
      09 Maio 2003
    • Revisado
      06 Maio 2003
    • Recebido
      10 Jul 2002
    Conselho Brasileiro de Oftalmologia Rua Casa do Ator, 1117 - cj.21, 04546-004 São Paulo SP Brazil, Tel: 55 11 - 3266-4000, Fax: 55 11- 3171-0953 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: abo@cbo.com.br