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In Memoriam

In Memoriam

Elyseu Paglioli nasceu na cidade de Caxias do Sul, em 26 de dezembro de 1898, transferindo-se mais tarde para São Francisco de Paula, onde iniciou seus primeiros estudos. São Francisco foi uma cidade com a qual manteve um grande vínculo afetivo até os seus últimos dias. Em 1914 foi para Porto Alegre onde, trabalhando em uma farmácia, preparou-se para os exames de seleção da Faculdade de Medicina, na qual ingressou em 1919. Durante o curso passou a demonstrar um grande interesse pelo ensino, tendo sido convidado para monitor da então Cátedra de Anatomia. No final do ano de 1923 graduou-se em Medicina, defendendo tese de doutoramento com o titulo <<Relações do Ouvido Médio com o Ápice do Rochedo>>. As estreitas relações que manteve com o Professor Sarmento Leite, patrono da Faculdade de Medicina, professor de Anatomia e então Diretor da Faculdade, propiciaram o inicio de uma longa e profícua carreira universitária.

Seu desejo de adquirir novos conhecimentos levou-o a dedicar-se a mais uma especialidade médica: a obstetrícia. Em 1925 realizou, nessa área de conhecimento, sua primeira Docência Livre, defendendo tese sobre <<Estudo do Liquor Folicular e sua Ação sobre o Aparelho Genital Feminino>>. Sem abandonar sua atividade docente em obstetrícia, continuou trabalhando no Laboratório de Anatomia, do qual se tornou chefe. Sua vocação pelos estudos anatômicos fez com que realizasse um segundo concurso universitário, na Cátedra de Anatomia. Em 1928 conquistou o título de Livre Docente em Anatomia, tendo apresentado a tese <<Estudo sobre a Circulação Venosa dos Núcleos Pardos Centrais do Cérebro>>. Sua incessante busca por novos conteúdos persistia. Em 1937 obteve seu terceiro título universitário mediante Concurso para

Livre Docente em Clinica Propedêutica Cirúrgica. Em 1938 alcançou a titularidade, em concurso de cátedra, nesse mesmo setor de conhecimento. Sua tese, nessa ocasião, foi a clássica monografia <<Ventriculografia>>.

O momento médico permitia que um grande conhecedor de anatomia empregasse o termo <<alta cirurgia>> para designar uma especialidade que caracterizava uma grande sofisticação técnica. Dr. Elyseu o usava em seu receituário, indicando a sua diferenciação.

Em 1931 passou cerca de um ano na Europa, onde fez estágios em centros de cirurgia geral, dedicando a maior parte do tempo à sistematização de seus conhecimentos em patologia neurocirúrgica. Na França, manteve contato com o Professor Thierry De Martel, em cujo serviço estagiou. Desde então apaixonou-se definitivamente pela neurocirurgia e, progressivamente, foi se afastando da cirurgia geral, centrando euas atividades na patologia cirúrgica do sistema nervoso. Conseguiu, com o seu prestígio, sensibilizar as autoridades a auxiliarem a Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre e logrou construir o Instituto de Neurocirurgia, inaugurado em 1946. Foi aí que, auxiliado por dois eminentes médicos, o professor de oftalmologia Ivo Correa Meyer e o neurologista Frederico Ritter, definiu a especialidade em nosso meio e iniciou a formação de novos neurocirurgiões. Tendo sido um dos primeiros a exercer a especialidade como rotina, foi homenageado Dela Sociedade Brasileira de Neurocirurgia com o título de Pioneiro da Neurocirurgia no Brasil.

Seu temperamento inquieto e criativo projetou-o além dos limites geográficos do país, aproximando-o de neurocirurgiões do Uruguai e da Argentina, através de encontros repetidos que constituíram o embrião dos Congressos Latino-Americanos de Neurocirurgia, os quais se iniciaram em 1945 sob a presidência de Alejandro Schroeder, de Montevidéu. Em 1951 realizou, em Porto Alegre, sob sua presidência, o IV Congresso L<atino-Americano de Neurocirurgia. Sua atividade criadora levou-o a participar dos encontros preliminares que geraram a atual Federação Mundial de Sociedades de Neurocirurgia (World Federation of Neurosurgical Societies) da qual participou como membro de comissões organizadoras. O intenso intercâmbio permitiu que granjeasse estima em diversos países latino-americanos, tornando-se membro honorário das universidades nacionais da Argentina e do Chile, e da Academia Nacional de Medicina de Medelin, na Colômbia. Em 1969 tornou-se membro da Harvey Cushing Society.

No Brasil, participou da fundação da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia, da Academia Brasileira de Neurologia e da Academia Brasileira de Neurocirurgia. Da primeira, por duas vezes, presidiu seus congressos bianuais.

Sua intensa atividade cirúrgica, sua hábil capacidade aglutinadora e seu temperamento afetivo fizeram com que congregasse, por vários anos, um numeroso grupo de neurocirurgiões sobre os quais mantinha uma liderança inconteste.

Talvez a neurocirurgia e a medicina fossem insuficientes para preencher a sua exuberante capacidade de trabalho. Em 1951 tornou-se Prefeito de Porto Alegre. No ano seguinte foi chamado para atender os problemas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde atingiu o cargo de Reitor. Nos seus doze anos de reitorado, construiu a maioria dos prédios onde ainda hoje se aloja a Universidade, dando-lhe uma forma física. Sua obra está documentada no livro «Universidade do Rio Grande do Sul - Uma Fase em sua História». Nesse período, sua atividade acadêmica só foi interrompida durante o tempo em que ocupou o Ministério da Saúde do governo parlamentarista.

Difícil é caracterizar um homem com tantas facetas. Seria necessário contar muitas histórias dos seus múltiplos amores: a neurocirurgia, a medicina, a política, a família, os amigos, as caçadas. Mas fica a lembrança do seu talvez maior amor: o amor pelo viver.

Nelson Pires Ferreira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Jun 2011
  • Data do Fascículo
    Dez 1986
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