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Trombose de artéria carótida comum: tratamento cirúrgico com anastomose subclávio-carotidea

Occlusion of the common carotid artery treated with a subclavian-internal carotid artery bypass

Resumos

Descrevemos o caso de mulher de 62 anos, com história de vários ataques isquêmicos transitórios. Os exames complementares revelaram oclusão da artéria carótida comum e revascularização da artéria carótida interna (ACI) através de anastomose com a artéria tiroidiana inferior, bem como aneurisma na ACI supraclinoidea. A paciente foi tratada com "bypass" entre a artéria subclávia e a artéria carótida interna cervical, ocorrendo regressão completa dos sintomas de isquemia cerebral no pós-operatório.

trombose da artéria carótida comum; cirurgia de isquemia cerebral; revascularização cerebral


We describe the case of a 62 years old woman with several transient isquemic attacks. The neuroradiological study demonstrated occlusion of the common carotid artery with revascularization of the internal carotid artery by anastomosis with the inferior thyroid artery and an aneurysm of internal carotid artery at the emergency of the anterior choroidal artery. The patient was treated with a bypass between the subclavian artery and the internal carotid artery with complete regression of the symptoms.

internal carotid artery thromboses; surgical treatment; cerebral ischemia; brain revascularization


Trombose de artéria carótida comum: tratamento cirúrgico com anastomose subclávio-carotidea

Occlusion of the common carotid artery treated with a subclavian-internal carotid artery bypass

Marcos Antônio Dellaretti FilhoI; Atos Alves de SousaII; Gervásio Telles Cardoso CarvalhoIII; Marcelo F. de CastroIV

Serviço de Neurocirurgia da Santa Casa de Belo Horizonte (SCBH), Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais (FCMMG), Belo Horizonte MG, Brasil

IResidente de Neurocirurgia da SCBH

IINeurocirurgião da SCBH, Professor de Neurocirurgia da FCMMG, Doutor em Neurocirurgia pela Escola Paulista de Medicina

IIINeurocirurgião da SCBH, Professor de Neurocirurgia da FCMMG, Mestre em Neurocirurgia pela Escola Paulista de Medicina

IVCirurgião Cardiovascular da SCBH

RESUMO

Descrevemos o caso de mulher de 62 anos, com história de vários ataques isquêmicos transitórios. Os exames complementares revelaram oclusão da artéria carótida comum e revascularização da artéria carótida interna (ACI) através de anastomose com a artéria tiroidiana inferior, bem como aneurisma na ACI supraclinoidea. A paciente foi tratada com "bypass" entre a artéria subclávia e a artéria carótida interna cervical, ocorrendo regressão completa dos sintomas de isquemia cerebral no pós-operatório.

Palavras-chave: trombose da artéria carótida comum, cirurgia de isquemia cerebral, revascularização cerebral.

ABSTRACT

We describe the case of a 62 years old woman with several transient isquemic attacks. The neuroradiological study demonstrated occlusion of the common carotid artery with revascularization of the internal carotid artery by anastomosis with the inferior thyroid artery and an aneurysm of internal carotid artery at the emergency of the anterior choroidal artery. The patient was treated with a bypass between the subclavian artery and the internal carotid artery with complete regression of the symptoms.

Keywords: internal carotid artery thromboses, surgical treatment, cerebral ischemia, brain revascularization.

Apesar dos avanços na prevenção do acidente vascular cerebral isquêmico (AVCI), ocorrem nos Estados Unidos a cada ano 550.000 novos casos, constituído-se a terceira principal causa de morte e primeira de incapacidade neste país. O AVCI corresponde a 70 a 80% de todos os AVC e sua principal causa é a doença aterosclerótica1. A maioria dos pacientes com sintomas de doença cerebrovascular isquêmica extracraniana são portadores de doença oclusiva na bifurcação carotídea e artéria carótida interna. A oclusão da artéria carótida comum (ACC) é entidade relativamente rara; geralmente, está associada à lesão da artéria carótida interna e externa, sendo um pouco mais frequente à esquerda. Sua incidência varia de 0,5% a 5% nos pacientes com isquemia cerebral1-4.

Pouco se sabe sobre o tratamento de escolha para a oclusão da ACC3,4. As técnicas cirúrgicas propostas para o tratamento destes pacientes são a trombectomia retrógrada, "bypass" carotidocarotídeo e subcláviocarotídeo. O "bypass" subcláviocarotídeo é a técnica cirúrgica utilizada com maior frequência na literatura e, aparentemente, a mais segura5,6. Relatamos um caso que observamos.

CASO

Mulher 62 anos, tabagista, portadora de hipertensão arterial sistêmica e hipotireoidismo. Queixa de episódios repetidos de amaurose fugaz à esquerda com oito meses de evolução. Ecodoppler de carótidas revelou obstrução da artéria carótida comum esquerda. Estudo angiográfico confirmou a obstrução da ACC esquerda, porém com revascularização da bifurcação carotídea através da artéria tireoideana inferior (Fig 1) e aneurisma sacular na carótida interna direita no segmento da artéria coroidéia anterior (Fig 1).


Como a paciente apresentava sintomas de isquemia cerebral (AITs) resistentes ao tratamento conservador, foi realizada inicialmente revascularização da artéria carótida interna esquerda com "bypass" entre a artéria subclávia esquerda (enxerto de veia safena) e a artéria carótida interna. A paciente evoluiu com regressão total da sintomatologia. Controle com ecodopller e angiografia no 5o mês pós-operatório demonstrou revascularização da artéria carótida interna esquerda a partir do "bypass" com ótimo fluxo sanguíneo cerebral (Figs 2 e 3).



Posteriormente, foi submetida a craniotomia pterional direita com clipagem do aneurisma da artéria carótida direita na emergência da artéria coroidéia anterior, evoluindo, mais uma vez, sem intercorrências no pós-operatório.

DISCUSSÃO

A maioria dos pacientes que apresentam sintomas de doença cerebrovascular extracraniana são portadores de lesões obstrutivas na bifurcação carotídea e artéria carótida interna.

A maioria dos pacientes com oclusão da ACC tem lesão concomitante na ACI. Um pequeno número de pacientes tem preservação da patência da artéria carótida interna através de fluxo retrogrado da ACE. Estes pacientes apresentam alto risco de AIT e AVC isquêmico devido episódios embólicos e/ou hipoperfusão cerebral3,7.

A oclusão da ACC esquerda varia de 50% a 89% na literatura3,4,7. O Joint Study of Extracranial Arterial Oclusion2 demonstrou em estudo arteriográfico de 4748 pacientes com sinais e sintomas de doença cerebrovascular, a oclusão da ACC esquerda em 2,2% dos casos e a direita em 1,2%. Isto tem sido atribuído às diferenças de fluxo e tamanho entre a ACC esquerda e direita, e a origem em ângulo mais agudo da ACC esquerda no arco aortico2,4. No caso apresentado, a paciente apresentava oclusão da ACC esquerda.

O mecanismo de oclusão da ACC tem sido atribuído ao avanço da placa aterosclerótica a partir de sua origem no arco aortico ou a propagação retrógrada de um trombo da artéria carótida interna e/ou bifurcação carotídea1,3,4. Os fatores de risco mais prevalentes entre os pacientes portadores de oclusão ACC descritos na literatura são tabagismo e hipertensão arterial sistêmica (HAS). Levine e col.4 estudando 17 pacientes com oclusão ACC, referiram que 76% dos pacientes eram tabagistas e 71% portadores de HAS. Fry e col. relataram 20 pacientes, todos tabagistas e 10 portadores de HAS8. Sullivan7 e Podore9 encontraram tabagismo em todos os casos estudados. Os mecanismos dos sintomas são multifatoriais e os mesmos da doença localizada na ACI e bifurcação carotídea7,8. Em alguns pacientes podem prevalecer fatores hemodinâmicos como hipoperfusão cerebral ou ocular, resultando em AIT e infartos cerebrais em sítios profundos. Em outros, a oclusão pode servir como fonte de êmbolos cerebrais3,8. Os sintomas mais frequentes são AIT no hemisfério ipsilateral e amaurose fugaz3, 7,10. Uma significativa proporção de pacientes pode apresentar também sintomas do sistema vertebrobasilar3,11.

Se os mecanismos que causam os sintomas são os mesmos da doença na ACI, a restauração do fluxo sanguíneo na ACC deve melhorar os sintomas. Os procedimentos propostos incluem endarterectomia, trombectomia retrograda, "bypass" carotidocarotídeo, "bypass" subcláviocarotideo8,10,12,13 e "bypass" axilocarotídeo14. Fry e col.8 mostraram, em revisão de literatura, que o "bypass" subcláviocarotídeo com veia safena ou prótese é uma excelente opção cirúrgica no tratamento de pacientes com oclusão da ACC, e que o procedimento é associado a baixa morbidade, mortalidade e redução significativa dos sintomas. Levine e col.4,12 documentaram a utilidade, segurança e durabilidade do "bypass" subcláviocarotideo. Sullivan e Podore7,9, documentaram resultados excelentes com a revascularização; em suas séries não houve nenhuma morte e/ou morbidade significativa, e todos os pacientes com AIT tornaram-se assintomáticos.

Quanto ao enxerto utilizado para realização do "bypass", Ziomek e col.6,15 em 1986 obtiveram melhores resultados com o uso de enxertos sintéticos. Em acompanhamento de 5 anos, descreveu 91% de patência nos casos em que foram utilizadas próteses e apenas 57% nos casos em que foram utilizadas veias safenas. Fry e col.8, em revisão de 81 casos de "bypass" subcláviocarotídeo, identificaram dificuldades no estudo da durabilidade do "bypass", porque muitos pacientes incluídos nos trabalhos, foram submetidos a "bypass" carotídeosubclávio para tratamento de oclusão da artéria subclávia. Eles demonstraram que o "bypass" carotídeosubclávio e o subcláviocarotídeo são procedimentos diferentes em relação aos sintomas, complicações, orientação do enxerto e escolha do enxerto, e que quando o "bypass" subcláviocarotídeo é analisado isoladamente, a superioridade enxertos sintéticos não é comprovada em relação aos de veia safena. Adovasio também não encontrou vantagens no uso de prótese no "bypass" subcláviocarotídeo5. Esta diferença entre os dois procedimentos ocorre porque, no "bypass" subcláviocarotídeo, o enxerto em seu curso pela base do pescoço não faz um ângulo agudo como ocorre no "bypass" carotídeo-subclávio. E, além disso, a posição mais vertical da artéria no "bypass" subcláviocarotídeo faz com que o enxerto fique em posição perpendicular às forças exercidas pelo pescoço quando ocorre sua rotação; assim sendo, o aumento da resistência do enxerto não é necessário para prevenir o "Kink" e a oclusão do enxerto. No "bypass" carotídeo-subclávio, o enxerto corre quase paralelo às forças aplicadas pela rotação do pescoço; essas forças tendem então a causar "Kink" ou obstruir o enxerto; nestes casos, o uso do enxerto sintético é mais seguro devido a sua maior resistência8.

Concluímos que o "bypass" subcláviocarotídeo é opção válida no tratamento das lesões obstrutivas da artéria carótida comum, e que não existem vantagens entre o uso de prótese ou enxerto de veia safena nestes pacientes.

Recebido 15 Outubro 2002

Aceito 7 Janeiro 2003

Dr. Marcos Antônio Dellaretti Filho - Rua Fernandes Tourinho 747/302 - 30112-000 Belo Horizonte MG - Brasil. FAX: 31 3282 2656

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jul 2003
  • Data do Fascículo
    Jun 2003

Histórico

  • Aceito
    07 Jan 2003
  • Recebido
    15 Out 2002
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