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A Construção de Capacidades Estatais em Políticas de Infraestrutura: Demandas Socioambientais e Heterogeneidades Estatais* * Este artigo é fruto de um aprofundamento e atualização da pesquisa realizada entre os anos de 2010 e 2014 e que originou a tese de doutorado de Pereira (2014), que é a autora principal deste texto e foi orientada pelos coautores Rebecca Abers e Frédéric Mertens.

The Construction of State Capacities in Infrastructure Policies: Socio-Environmental Demands and State Heterogeneities

Renforcement des Capacités de l’État dans les Politiques d’Infrastructures: Exigences Socio-Environnementales et Hétérogénéités des États

La Construcción de Capacidades Estatales en las Políticas de Infraestructuras: Demandas Socioambientales y Heterogeneidades Estatales

RESUMO

No Brasil, parcela significativa dos investimentos recentes em projetos de infraestrutura tem como foco a construção de usinas hidrelétricas na região Amazônica. A execução dessas obras requer robustas capacidades estatais, existindo fragilidades estatais para atender às demandas socioambientais de grupos vulneráveis afetados por esses empreendimentos. Este artigo examina a incorporação dessas demandas no processo decisório e de implementação da usina de Belo Monte, localizada no Estado do Pará. Para tal, partimos de uma concepção de capacidade estatal que a relaciona com o processamento de diversos interesses pelas burocracias estatais. O modelo de análise define três dimensões de capacidades estatais – participativa, decisória, e de coordenação intersetorial –, cuja construção é influenciada pelos arranjos institucionais, legado histórico-institucional e padrão relacional entre burocracias e grupos sociais. Os procedimentos metodológicos incluem análise de redes sociais; pesquisa documental; e entrevistas com atores-chave. Conclui que as condições que influenciam a construção de capacidades estatais alcançam as burocracias estatais de forma heterogênea, o que dificulta a incorporação das demandas socioambientais das populações vulneráveis.

capacidades estatais; demandas socioambientais; heterogeneidade; infraestrutura; Belo Monte

ABSTRACT

Recently, in Brazil, a considerable amount of the infrastructure investment is directed towards the construction of hydroelectric plants in the Amazon region. The implementation of these projects requires strong State capacity. However, there are shortcomings related to State’s abilities and resources to meet the socio-environmental demands of vulnerable groups that these ventures affect. This article examines the incorporation of these demands in the decision-making and implementation process of the Belo Monte plant, located in the State of Pará. To this end, we mobilize a State capacity approach that considers the bureaucracy skills to process multiple demands. We use an analytical framework that incorporates three dimensions of State capacity – participatory, decision-making and intersectoral coordination –, whose construction is influenced by institutional arrangement, historical legacies and relational pattern between bureaucracies and social groups. The methodological procedures combine social networks analysis, documentary research, and interviews with key players. We conclude that the factors that influence the construction of State capacity reach bureaucracies asymmetrically, which hinders the incorporation of socio-environmental demands of vulnerable groups.

state capacity; socio-environmental demands; asymmetry; infrastructure; Belo Monte

RÉSUMÉ

Au Brésil, une partie importante des investissements récents dans des projets d’infrastructure est axée sur la construction de centrales hydroélectriques dans la région amazonienne. L’exécution de ces travaux nécessite des capacités étatiques robustes, et il existe des faiblesses étatiques pour répondre aux demandes socio-environnementales des groupes vulnérables affectés par ces projets. Cet article examine l’incorporation de ces demandes dans le processus de prise de décision et de mise en ½uvre de l’usine de Belo Monte, située dans l’état du Pará. À cette fin, nous partons d’une conception de la capacité de l’État qui la relie au traitement des divers intérêts par les bureaucraties étatiques. Le modèle d’analyse définit trois dimensions des capacités de l’État – participative, décisionnelle et de coordination intersectorielle –, dont la construction est influencée par les arrangements institutionnels, l’héritage historique-institutionnel et le modèle relationnel entre les bureaucraties et les groupes sociaux. Les procédures méthodologiques comprennent l’analyse des réseaux sociaux ; la recherche documentaire; et des entretiens avec des acteurs-clés. Il conclut que les conditions qui influencent la construction des capacités de l’État atteignent les bureaucraties étatiques de manière hétérogène, ce qui rend difficile l’intégration des demandes socio-environnementales des populations vulnérables.

capacités d’état; demandes socio-environnementales; hétérogénéité; infrastructure; Belo Monte

RESUMEN

En Brasil, una parte importante de las inversiones recientes en proyectos de infraestructura se ha centrado en la construcción de centrales hidroeléctricas en la región Amazónica. La ejecución de estos proyectos requiere sólidas capacidades estatales, y existen debilidades estatales para atender las demandas socioambientales de los grupos vulnerables afectados por estos emprendimientos. Este artículo examina la incorporación de estas demandas en el proceso de toma de decisiones y en la ejecución de la presa de Belo Monte, situada en el estado de Pará. Para ello, partimos de una concepción de la capacidad estatal que la relaciona con el procesamiento de diversos intereses por parte de las burocracias estatales. El modelo de análisis define tres dimensiones de capacidades estatales – participación, toma de decisiones y coordinación intersectorial – en cuya construcción influyen los arreglos institucionales, el legado histórico-institucional y el estándar relacional entre las burocracias y los grupos sociales. Los procedimientos metodológicos incluyen el análisis de redes sociales; la investigación documental; y las entrevistas con los actores clave. Se concluye que las condiciones que influyen en la construcción de las capacidades estatales llegan a las burocracias estatales de manera heterogénea, lo que dificulta la incorporación de las demandas socioambientales de las poblaciones vulnerables.

capacidades estatales; demandas socioambientales; heterogeneidad; infraestructura; Belo Monte

INTRODUÇÃO

A valorização de projetos de infraestrutura é uma característica marcante do século XXI, o que tem impulsionado o crescimento dos investimentos no setor nas economias emergentes (Flyvbjerg, Garbuio, Lavallo, 2009). Esse aumento é consequência do reconhecimento de que empreendimentos de infraestrutura são relevantes para o desenvolvimento econômico, além de serem coerentes com as demandas da sociedade por serviços públicos satisfatórios (Gomide e Pereira, 2018). Apesar disso, a execução desses projetos tem sido marcada por atrasos, aditivos orçamentários, impactos ambientais mal calculados, distribuição desigual dos riscos e baixos benefícios regionais (Flyvbjerg et al, 2003, 2014). No caso da Amazônia brasileira, a retomada do investimento em projetos de infraestrutura no período recente (2003-2015) foi acompanhada pela proposta de equilibrar desenvolvimento econômico, sustentabilidade ambiental e inclusão social (Gomide, Machado e Pereira, 2019). Entretanto, mesmo nesse contexto, o Estado brasileiro apresentou dificuldades para incorporar de forma satisfatória as demandas socioambientais das comunidades vulneráveis afetadas (Abers, Oliveira e Pereira, 2016; FGV e IFC, 2017).

Este artigo apresenta um estudo de caso aprofundado sobre a usina hidrelétrica de Belo Monte (UHE BM), inaugurada em abril de 2016 no rio Xingu, no Estado do Pará. A investigação exposta aqui tem como dimensão de resultado a baixa incorporação, no processo decisório e de implementação de BM, das demandas socioambientais dos grupos vulneráveis e politicamente marginais afetados pelo empreendimento. O objetivo do estudo é explorar, a partir da operacionalização do conceito de capacidades estatais, o que produziu esse resultado. O processo de BM é especialmente relevante para entender os mecanismos e obstáculos para a incorporação dessas demandas, uma vez que seu histórico é acompanhado pela abertura do Estado a partir da criação de múltiplas oportunidades de participação1 1 . A implementação da usina, iniciada em 2011, é marcada pela criação de esferas participativas, como é o caso do comitê Gestor do Plano de Desenvolvimento Regional do Xingu (PDRS-X) e da Casa de Governo (Pereira, 2014). e por uma intensa mobilização social que data da década de 1980 e que alcança o período recente. Mesmo assim, a incorporação das demandas socioambientais das comunidades vulneráveis afetadas foi modesta, sendo entendida como “conquistas parciais”.

A investigação realizada neste artigo parte do pressuposto de que o processamento dessas demandas requer robustas capacidades estatais. O modelo analítico proposto é ancorado em três dimensões de capacidades estatais: participativa, de coordenação intersetorial e decisória. Pretende-se analisar como essas capacidades são construídas, acionadas e fortalecidas em dois setores estatais centrais no processo decisório e de implementação de BM: o elétrico e o ambiental. Essa construção de capacidades é explorada a partir de três condições: o padrão de relacionamento entre burocracias estatais e grupos sociais; o arranjo institucional da política; e o legado histórico-institucional do setor da política. Essa abordagem se alinha a estudos anteriores que interpretam a influência de atores sociais nas decisões estatais não apenas a partir da mobilização dos grupos sociais, mas das capacidades estatais de atender às suas demandas (Lavalle et al, 2019; Abers e Keck, 2013Abers, Rebecca; Keck, Margareth. (2013), Practical Authority: Agency and Institutional Change in Brazilian Water Politics. Oxford/New York, Oxford University Press.; Bichir et al, 2017; Pereira, 2014Pereira, Ana Karine. (2014), A Construção de Capacidade Estatal por Redes Transversais: o Caso de Belo Monte. Tese de Doutorado em Ciência Política, Universidade de Brasília, Brasília, Brasil.).

Este artigo é organizado em quatro seções. A primeira sistematiza as abordagens de pesquisa que investigam as discrepâncias entre as demandas socioambientais de grupos vulneráveis afetados e a ação estatal, em contextos de grandes obras infraestruturais, apresentando as contribuições deste artigo para esse debate. A segunda se baseia em trabalhos sobre capacidades estatais a fim de apresentar um modelo analítico original de operacionalização do conceito para a investigação do resultado de interesse da pesquisa. A terceira parte se refere ao estudo de caso, sendo organizada a partir da apresentação dos métodos para coleta e sistematização de dados, dos recortes conceituais e analíticos e da exposição dos resultados da pesquisa. Por fim, a quarta seção apresenta as principais conclusões do artigo.

PROJETOS DESENVOLVIMENTISTAS E O PROCESSAMENTO DE DEMANDAS DE GRUPOS VULNERÁVEIS

Diversas pesquisas têm investigado o que causa as discrepâncias entre as demandas socioambientais de grupos vulneráveis e a ação estatal em contextos de grandes obras de infraestrutura, mesmo em cenários democráticos. Uma primeira abordagem elege a atuação da própria sociedade civil para entender esse fenômeno. Assim, no estudo de Hochstetler e Trajan (2016), as ações da sociedade civil em resposta a projetos do setor energético representam um determinante crítico para alterações nos planejamentos iniciais e incorporação de demandas. Entretanto, a mobilização de grupos sociais depende da combinação de alguns fatores para ocorrer – como o risco representado pelo projeto e a disponibilidade de aliados estatais. Nessa linha, estudos sobre obras de infraestrutura, aplicados no mundo inteiro, têm demonstrado que a mobilização das comunidades afetadas contra esses empreendimentos é relativamente rara (McAdam, Boudet, 2012; McAdam, Boudet, Davis, 2010). No caso de comunidades vulneráveis, a literatura sobre justiça socioambiental tem enfatizado que esses grupos enfrentam ainda maiores dificuldades para se engajar em ações coletivas para contestar esses empreendimentos (Acselrad, Mello e Bezerra, 2009).

Uma segunda vertente enfatiza a lógica de atuação do setor privado. Nesse sentido, Klein (2015)Klein, Peter. (2015), “Engaging the Brazilian State: the Belo Monte Dam and the Struggle for Political Voice”. The Journal of Peasant Studies, v. 42, n. 6, pp.1137-1156. esclarece que, apesar de o planejamento de grande parte de empreendimentos de infraestrutura ser estatal, a sua gestão envolve também o setor empresarial. Assim, a empresa responsável pela construção do empreendimento também é incumbida de implementar parcela significativa das medidas de mitigação para a comunidade vulnerável afetada – seja como exigência do leilão de concessão seja como medida estabelecida nas condicionantes ambientais. Entretanto, o setor privado tende a apresentar baixo compromisso social e insulamento em relação à sociedade e aos órgãos estatais de defesa de direitos (Pereira, 2014Pereira, Ana Karine. (2014), A Construção de Capacidade Estatal por Redes Transversais: o Caso de Belo Monte. Tese de Doutorado em Ciência Política, Universidade de Brasília, Brasília, Brasil.).

Uma terceira abordagem foca no Estado e nas suas instituições. Nessa linha, um dos argumentos é que o Estado brasileiro seria “fechado” e pouco inclusivo, uma vez que o arranjo institucional de políticas de infraestrutura seria centralizado e tecnocrático. Esse tipo de afirmação é bastante persistente em pesquisas que analisam a implementação de grandes obras implementadas durante a ditadura militar2 2 . Cf. Acserald (1991) e Burrier (2016). . Esse argumento é ainda mobilizado em pesquisas que se debruçam sobre o processo decisório de obras recentes, incluindo aqui alguns estudos sobre o processo decisório da usina de Belo Monte (Pinto, 2012Pinto, Lúcio Flávio. (2012), “De Tucuruí a Belo Monte: a História Avança Mesmo?”. Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Hum., v. 7, n. 3, pp. 777-782.; Bermann, 2012Bermann, Célio (2012), “O Projeto da Usina Hidrelétrica Belo Monte: a Autocracia Energética Como Paradigma”, Novos Cadernos, v. 15, n. 1, pp. 5-23.).

Entretanto, a análise do arranjo institucional atual de políticas de infraestrutura aponta a presença de uma pluralidade de atores no processo decisório e de instrumentos de políticas para conciliar e incluir demandas de grupos vulneráveis (Pereira, 2013Pereira, Ana Karine. (2013), “Desenvolvimentismo, Conflito e Conciliação de Interesses na Política de Construção de Hidrelétricas na Amazônia Brasileira”. Texto para Discussão, IPEA, n. 1884, pp. 1-50.; Pereira e Gomide, 2019Pereira, Ana Karine; Gomide, Alexandre de Ávila. (2019), “Os Desafios da Gestão de Projetos de Infraestrutura no Brasil Contemporâneo: Ambiente Institucional e Novos Instrumentos de Políticas Públicas”, Cadernos Adenauer, ano XX, n. 2, pp. 9-28.). Para Losekann (2013)Losekan, Cristiana. (2013), “Mobilização do Direito Como Repertório de Ação Coletiva e Crítica Institucional no Campo Ambiental Brasileiro”. DADOS, v. 56, n. 2, pp. 311-349., há uma diversidade institucional na área ambiental e, no processo de planejamento e implementação de grandes hidrelétricas no Brasil contemporâneo, alguns estudos evidenciam o diálogo público (Hochstetler e Trajan, 2006; Burrier, 2016Burrier, Grant. (2016), “The Developmental State, Civil Society, and Hydroelectric Politics in Brazil”. Journal of Environment & Development, v. 25, n. 3, pp. 332-358.).

Assim, outros estudos que também elegem o Estado e suas instituições como foco de análise argumentam que não é a ausência de espaços de interação, mas a efetividade deles que constituem obstáculos para a incorporação de demandas socioambientais de grupos vulneráveis. Na área de infraestrutura no Brasil, a principal arena em que comunidades afetadas e outros atores da sociedade civil tem a oportunidade de participação são as audiências públicas realizadas no processo de licenciamento ambiental (Pires e Vaz, 2014 Abers, 2016Abers, Rebecca. (2016), “Conflitos, Mobilizações e Participação Institucionalizada: a Relação entre a Sociedade Civil e a Construção de Grandes Obras de Infraestrutura”. Texto para Discussão, Ipea, n. 2231, pp. 1-52.). Estudos apontam que, nesses casos, as comunidades locais afetadas são consultadas de forma pontual e em etapas mais avançadas do processo decisório (Abers, 2016Abers, Rebecca. (2016), “Conflitos, Mobilizações e Participação Institucionalizada: a Relação entre a Sociedade Civil e a Construção de Grandes Obras de Infraestrutura”. Texto para Discussão, Ipea, n. 2231, pp. 1-52.; Fonseca et al, 2014). No caso de comunidades vulneráveis, como comunidades indígenas, esse tipo de interação tem se mostrado como bastante excludente (Fonseca et al, 2013. Para Losekann (2013)Losekan, Cristiana. (2013), “Mobilização do Direito Como Repertório de Ação Coletiva e Crítica Institucional no Campo Ambiental Brasileiro”. DADOS, v. 56, n. 2, pp. 311-349., mesmo quando outras instituições participativas – como os conselhos gestores – são mobilizadas, elas não se tornam arenas efetivas de expressão de conflitos, havendo pouco espaço para contraposição aos interesses governamentais.

De forma similar, Zhouri (2008)Zhouri, Andréa. (2008), “Justiça Ambiental, Diversidade Cultural e Accountability: Desafios para a Governança Ambiental”, Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 23, n. 68, pp. 97-107. afirma que os arranjos institucionais da área ambiental são incongruentes com sua implementação. Ao analisar o licenciamento ambiental, a autora identifica problemas político-estruturais (em que a lógica da “adequação ambiental” faz imperar a viabilidade de projetos técnicos) e de ordem procedimental (como a baixa transparência dos projetos com impacto socioambiental). Em conjunto, esses problemas inibem a incorporação das demandas dos grupos vulneráveis afetados.

Ainda dentro dessa abordagem que analisa o Estado e suas instituições, também têm ganhado destaque estudos sobre a judicialização dos conflitos ambientais a partir da atuação do Ministério Público, que tem sido considerada como uma forma de encaminhamento de demandas socioambientais de grupos vulneráveis para o Estado (Losekann, 2013Losekan, Cristiana. (2013), “Mobilização do Direito Como Repertório de Ação Coletiva e Crítica Institucional no Campo Ambiental Brasileiro”. DADOS, v. 56, n. 2, pp. 311-349.; Vilaça, 2017Vilaça, Luiz Henrique. (2017), Costuras, Deslocamentos e Bricolagens: a Atuação de Procuradores do Ministério Público Federal no Caso de Belo Monte. Dissertação de Mestrado em Ciência Política, Universidade de Brasília, Brasília, Brasil.). No caso de grandes obras, é comum que a judicialização ocorra para retificar uma decisão tomada por órgãos ambientais, do Executivo ou do Legislativo (Losekann, 2013Losekan, Cristiana. (2013), “Mobilização do Direito Como Repertório de Ação Coletiva e Crítica Institucional no Campo Ambiental Brasileiro”. DADOS, v. 56, n. 2, pp. 311-349.). Entretanto, a morosidade para o julgamento das ações em contextos em que as obras seguem sendo implementadas e produzindo efeitos e o uso da “suspensão de segurança” acabam limitando a incorporação de demandas socioambientais por meio da judicialização (Pereira, 2014Pereira, Ana Karine. (2014), A Construção de Capacidade Estatal por Redes Transversais: o Caso de Belo Monte. Tese de Doutorado em Ciência Política, Universidade de Brasília, Brasília, Brasil.; Vilaça, 2017Vilaça, Luiz Henrique. (2017), Costuras, Deslocamentos e Bricolagens: a Atuação de Procuradores do Ministério Público Federal no Caso de Belo Monte. Dissertação de Mestrado em Ciência Política, Universidade de Brasília, Brasília, Brasil.).

A contribuição deste artigo se insere nessa terceira abordagem que privilegia o Estado e suas instituições como objeto de análise. Especificamente, o enfoque na construção de capacidades estatais auxilia no entendimento sobre as dificuldades de incorporação das demandas socioambientais de grupos vulneráveis afetados por grandes obras de duas formas. A primeira delas se refere às potencialidades analíticas da mobilização do conceito de capacidades estatais, que permite estudar o Estado em ação. Neste artigo, o estudo da construção de capacidades a partir de três condições (arranjo institucional; legado histórico-institucional; e padrão relacional) conduz a uma análise tanto relacional como institucional, a partir da qual é possível captar, em casos concretos: a) como os atores estatais mobilizam recursos e instrumentos disponíveis; b) se relacionam com grupos de dentro e de fora da administração pública; e c) são constrangidos por dinâmicas de poder, pelas estruturas institucionais herdadas e pelas relações amplas em que se inserem. Esse tipo de análise viabiliza o entendimento aprofundado sobre os problemas político-estruturais dos instrumentos clássicos da política ambiental de conciliação de demandas (como o licenciamento ambiental) ao esmiuçar como os atores se articulam e são influenciados por legados ao acionarem esses instrumentos. Uma segunda contribuição da abordagem proposta neste artigo é que ela concilia conclusões aparentemente contraditórias de estudos anteriores: o processo decisório e de implementação de grandes obras seria fechado e pouco permeável às demandas de grupos vulneráveis (Pinto, 2012Pinto, Lúcio Flávio. (2012), “De Tucuruí a Belo Monte: a História Avança Mesmo?”. Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Hum., v. 7, n. 3, pp. 777-782.; Bermann, 2012Bermann, Célio (2012), “O Projeto da Usina Hidrelétrica Belo Monte: a Autocracia Energética Como Paradigma”, Novos Cadernos, v. 15, n. 1, pp. 5-23.); esse processo seria aberto pela existência de instituições e canais formais de participação no setor ambiental e na área de infraestrutura (Burrier, 2016Burrier, Grant. (2016), “The Developmental State, Civil Society, and Hydroelectric Politics in Brazil”. Journal of Environment & Development, v. 25, n. 3, pp. 332-358.; Rezende, 2009). O estudo da construção de capacidades estatais a partir de uma perspectiva que a considera como um processo permeado por assimetrias implica que a capacidade participativa alcança os setores relevantes de forma diferenciada: enquanto alguns órgãos concentram a mobilização de canais de diálogo, outros apresentam um padrão relacional bastante fechado. Essa assimetria, como será explorado, explica a baixa efetividade dos canais de relação entre burocracia pública e grupos vulneráveis.

CAPACIDADES ESTATAIS PARA A INCORPORAÇÃO DE DEMANDAS SOCIOAMBIENTAIS DE GRUPOS VULNERÁVEIS: PROPOSTA DE UM MODELO ANALÍTICO

A origem dos debates sobre capacidades estatais remete ao institucionalismo histórico e às abordagens neoweberianas da ciência política que buscavam explicar a formação dos Estados e o papel de suas instituições para a promoção de desenvolvimento econômico e de mudanças estruturais, o que na década de 1980 impulsionou a criação do “movimento estatista”3 3 . Para mais detalhes sobre o “movimento estatista”, ver Scokpol (1985). (Evans e Rauch, 1999Evans, Peter; Rauch, James. (1999), “Bureaucracy and Growth: A Cross-National Analysis of the Effects of Weberian State Structures on Economic Growth”. American Sociological Review, v. 64, pp. 748-765.; Evans, Rueschmeyer e Skocpol, 1985; Tilly, 1985Tilly, Charles. (1985), “War Making and State Making as Organized Crime”, in Peter, Evans, Rueschemeyer, Dietrich; Skocpol, Theda (orgs.), Bringing the State Back In. Cambridge, Cambridge University Press, pp. 169-191.). Esse debate inicial influenciou vários estudos que valorizam um olhar interno para o Estado e que elegem como objeto de análise a burocracia pública a partir de um nível macro de abstração (Pires e Gomide, 2021Pires, Roberto; Gomide, Alexandre. (2021), “Arranjos de Implementação e Ativação de Capacidades Estatais para Políticas Públicas: o Desenvolvimento de uma Abordagem Analítica e Suas Repercussões. Boletim de Análise Político-Institucional do IPEA, n. 29, pp. 49-59.). Nessas pesquisas, os fatores observáveis que indicam altos níveis de capacidades são investigados a partir da própria estrutura estatal – tais como as características e a qualidade da burocracia; e a disponibilidade de recursos orçamentários (Sátyro, Cunha e Campos, 2016; Rauch e Evans, 1999Rauch, James; Evans, Peter. (1999), “Bureaucracy and Growth: a Cross-National Analysis of the Effects of Weberian State Structures on Economic Growth”. American Sociological Review, v. 64, n. 5, pp. 748-65.; Cingolani et al, 2015). Dessa forma, a capacidade estatal é entendida por essas abordagens como a habilidade do governo de controlar e dirigir seus recursos internos (humanos, financeiros, informacionais e físicos) com a finalidade de implementar a agenda política (Christensen e Gazley, 2008Christensen, Robert; Gazley, Beth. (2008), “Capacity for Public Administration: Analysis of Meaning and Measurement”. Public Administration and Development, v. 28, n. 3, pp. 265-279.).

Nos últimos anos, os debates sobre as dimensões que compõem a capacidade estatal têm sido aprofundados de tal maneira que levaram a uma redefinição conceitual (Gomide, Pereira e Machado, 2017). A capacidade deixou de ser entendida apenas como um conjunto de atributos a fim de atingir as metas organizacionais e passou a incorporar também uma preocupação com os fatores que facilitam a obtenção de legitimidade social, a conciliação de múltiplos interesses e o processamento de conflitos (Pires e Gomide, 2016Pires, Roberto; Gomide, Alexandre. (2016), “Governança e Capacidades Estatais: uma Análise Comparativa de Programas Federais”, Revista de Sociologia e Política, v. 24, n. 58, pp. 121-143.; Abers, Oliveira, Pereira, 2016). Essa reinterpretação do conceito originou uma perspectiva político-relacional na qual a ênfase nas características internas da administração pública é complementada pela dimensão política. A capacidade político-relacional se alinha à abordagem neoinstitucionalista sobre o caráter mutuamente constitutivo das relações entre Estado e sociedade. Assim, enquanto a capacidade acumulada modela as estratégias pelas quais os atores não-estatais acionam o Estado; os instrumentos estatais de ação são incrementados pelas interações com atores sociais (Lavalle et al, 2019). Em linha com esse segundo aspecto, estudos têm destacado os efeitos benéficos da relação entre burocracias e grupos sociais, argumentando que eles viabilizam a contínua negociação e renegociação de metas políticas, permitem que a burocracia estatal assimile informações essenciais para a escolha de objetivos coerentes (Evans, 1993Evans, Peter. (1993), “O Estado Como Problema e Solução”. Lua Nova, n. 28-29, pp. 1-29.); aperfeiçoam as políticas públicas (Pires e Gomide, 2016Pires, Roberto; Gomide, Alexandre. (2016), “Governança e Capacidades Estatais: uma Análise Comparativa de Programas Federais”, Revista de Sociologia e Política, v. 24, n. 58, pp. 121-143.); e aumentam a legitimidade das ações implementadas (Mann, 2008Mann, Michael. (2008), “Infrastructural Power Revisited”. Studies in Comparative International Development, v. 43, n. 3, pp. 355–65.).

Tendo como inspiração o debate apresentado, neste artigo, a capacidade estatal é entendia como a combinação de atributos burocráticos e de padrões relacionais que permitem que os objetivos organizacionais sejam implementados de forma percebida como legítima pelas comunidades vulneráveis atingidas ao processar e considerar suas demandas. Nas políticas de infraestrutura, a mera implementação de empreendimentos não revela altas capacidades estatais, uma vez que é exigido que as burocracias estatais estabeleçam laços relacionais com os atores sociais afetados para processar conflitos e obter legitimidade – entendida aqui como a percepção pelas comunidades vulneráveis de que suas demandas foram consideradas de maneira justa. A fim de entender como as demandas de grupos socialmente vulneráveis e politicamente marginalizados são incorporadas no processo decisório e de implementação de empreendimentos de infraestrutura, propomos uma concepção de capacidade estatal que incorpora três dimensões (Quadro 1).

Quadro 1
Condições, Dimensões, Resultados e Finalidade das Capacidades Estatais

A primeira delas é a capacidade participativa, traduzida como as habilidades das burocracias estatais de criarem canais efetivos de diálogo com os grupos sociais afetados por determinada política. Esses canais podem ser tanto formais – estabelecidos por meio de instituições participativas – como informais – a exemplo de laços com representantes eleitos ou nomeados em órgãos estatais, com atores partidários ou com especialistas que atuam em setores de políticas públicas. Tendo como inspiração a literatura sobre participação institucionalizada, a efetividade dos canais de diálogo é aqui considerada a partir da abordagem da “efetividade do momento deliberativo”, em que a participação envolve pelo menos dois momentos: um de discussão e de deliberação e um segundo de implementação de decisões pelo Estado (Avritzer, 2011Avritzer, Leonardo. (2011), “A Qualidade da Democracia e a Questão da Efetividade da Participação: Mapeando o Debate”, in Pires, Roberto (org.), Efetividade das Instituições Participativas no Brasil: Estratégias de Avaliação. Brasília, IPEA, pp. 14-370.; Almeida e Cunha, 2011Almeida, Debora; Cunha, Eleonora. (2011), “A análise da Deliberação Democrática: Princípios, Conceitos e Variáveis Relevantes”, in Pires, Roberto (org.). Efetividade das Instituições Participativas no Brasil: Estratégias de Avaliação. Brasília, IPEA, v. 7, pp. 109-124.). A noção de efetividade aqui adotada remete apenas ao primeiro momento, no qual ocorre a apresentação de propostas pelos atores sociais e o mapeamento delas pelas burocracias estatais, e não aos impactos dessas demandas no processo decisório. Assim, o resultado isolado da capacidade participativa se relaciona apenas à identificação de demandas pelos atores estatais (Quadro 1). Isolamos esta parte do processo não porque desconsideramos a importância do segundo momento, mas porque entendemos o impacto das demandas no processo decisório de políticas públicas a partir da combinação da capacidade participativa com as duas outras dimensões de capacidade propostas aqui.

A segunda dimensão é a capacidade decisória. Inspirada no conceito de autonomia, essa dimensão capta a possibilidade de burocracias estatais influenciarem o processo decisório, seja a partir do poder de persuadir os tomadores de decisão ou do poder de tomar decisões próprias (Abers e Santiago, 2017Abers, Rebecca; Santiago, Ariadne. (2017), “A Autonomia do Burocrata Técnico: o Caso do Licenciamento Ambiental do Ibama”, in de Paula, Jean Marlo; Palotti, Pedro Lucas; Cavalcante, Pedro Luiz; Alves, Pedro Assumpção (orgs.), Burocracia Federal de Infraestrutura Econômica: Reflexões Sobre Capacidades Estatais. Brasília, IPEA, pp. 179-216.). Por fim, a capacidade de cooperação intersetorial é entendida como processos de deliberações concertadas em que as decisões sobre a ação de duas ou mais agências são tomadas simultaneamente a partir de ajustes mútuos (Lindblom, 1965Lindblom, Charles. (1965), The Intelligence of Democracy: Decision Making Through Mutual Adjustment. New York, The Free Press.). A intersetorialidade envolve a coordenação entre diferentes setores governamentais com o objetivo de construir soluções compartilhadas para problemas sociais (Lotta e Favareto, 2016Lotta, Gabriela; Favareto, Arilson. (2016), “Desafios da Integração nos Novos Arranjos Institucionais de Políticas Públicas no Brasil”. Revista de Sociologia e Política, v. 24, n. 57, pp. 49-65.).

Em políticas de infraestrutura contenciosas, para que as diferentes burocracias envolvidas sejam capazes de incorporar as demandas de grupos sociais vulneráveis e marginais, é preciso que, primeiro, haja capacidade participativa para dialogar com esses grupos e, assim, tomar conhecimento de seus principais interesses e posicionamentos. Em seguida, é preciso que as agências estatais tenham capacidade decisória suficiente para inserir essas demandas no processo decisório. Por último, em políticas complexas, como é o caso de Belo Monte, geralmente a implementação de uma demanda depende da ação conjunta de uma série de burocracias, o que requer capacidade de coordenação intersetorial (Quadro 1).

A construção dessas dimensões de capacidades estatais é influenciada por três condições (Quadro 1). A primeira deles são os arranjos institucionais do setor de política pública, que se referem ao modo de governança em que se insere a produção de uma política, definindo os atores, seus papéis e formas de interação nesse processo (Gomide e Pires, 2014; Pires e Gomide, 2016Pires, Roberto; Gomide, Alexandre. (2016), “Governança e Capacidades Estatais: uma Análise Comparativa de Programas Federais”, Revista de Sociologia e Política, v. 24, n. 58, pp. 121-143.; Pires e Gomide, 2021Pires, Roberto; Gomide, Alexandre. (2021), “Arranjos de Implementação e Ativação de Capacidades Estatais para Políticas Públicas: o Desenvolvimento de uma Abordagem Analítica e Suas Repercussões. Boletim de Análise Político-Institucional do IPEA, n. 29, pp. 49-59.). Seguindo Pires e Gomide (2021)Pires, Roberto; Gomide, Alexandre. (2021), “Arranjos de Implementação e Ativação de Capacidades Estatais para Políticas Públicas: o Desenvolvimento de uma Abordagem Analítica e Suas Repercussões. Boletim de Análise Político-Institucional do IPEA, n. 29, pp. 49-59., acreditamos que a análise do arranjo de uma política oferece uma oportunidade de reflexão sobre mobilização de capacidades estatais, uma vez que, a depender da sua configuração, diferentes capacidades podem ser (des)ativadas. Neste artigo, os arranjos são mobilizados para explicar o resultado de uma política a partir de dois dos seus atributos: o escopo de competências dos atores relevantes e a temporalidade daatuação desses atores. Competências limitadas estão associadas a menor capacidade de influenciar o processo decisório. Por sua vez, a entrada tardia de atores no processo decisório provoca situações de bloqueio de inclusão de novas demandas devido à dependência da trajetória, em um contexto no qual decisões anteriores criam retornos positivos que aumentam o custo de mudanças de percurso (Pierson, 2004). Nesse sentido, por representarem estruturas de regulação, os arranjos distribuem poder entre os atores e impactam na capacidade decisória das burocracias estatais (Gomide, Machado e Pereira, 2019; Moe, 2005Moe, Terry. (2005), “Power and Political Institutions”. Perspectives on Politics, v. 3, n. 2, pp. 215-233.; Le Galès, 2015).

A segunda condição é o legado histórico-institucional da política, mobilizada por autoras que utilizaram o neoinstitucionalismo histórico para compreender como capacidades estatais viabilizaram a implementação de agendas desenvolvimentistas. O legado da política é entendido como o conjunto de estruturas institucionais – como autonomia e competência burocrática – que são construídas em um longo processo histórico (Scokpol e Finegold, 1992; Sikkink, 1993). Nessa perspectiva, a influência das instituições estatais tende a perdurar, superando os impactos particulares que impulsionaram seu surgimento (Sikkink, 1993). Assim, ao investigar porque o governo brasileiro de Kubitschek foi bem-sucedido em implementar a agenda desenvolvimentista em contraposição ao governo argentino de Frondizi, Sikkink (1993), resgata o legado das políticas varguistas de “burocracia dual”, produto do investimento na profissionalização em setores estratégicos do Estado. Geddes (1994)Geddes, Barbara. (1994), Politician’s Dilemma: Building State Capacity in Latin America. Berkeley, University of California Press., no clássico “Politician’s Dilema: Building State Capacity in Latin America” também analisa a construção de capacidade estatal a partir de uma perspectiva histórica. Para ela, essa construção é influenciada pela escolha e preferências dos líderes políticos, que se encontram em um dilema entre investir em “competência das burocracias” para a capacidade estatal de implementar reformas econômicas e construir apoio para a sobrevivência política. Esses estudos concordam que, no caso brasileiro, o legado histórico em termos de capacidades estatais produziu uma administração pública assimétrica, em um contexto no qual os líderes governamentais optaram por uma “capacitação em camadas” dos órgãos prioritários para a implementação da agenda política (Streek e Thelen, 2005Streek, Wolfgang; Thelen, Kathleen. (2005), “Institutional Change in Advanced Political Economies”, inStreek, Wolfgang; Thelen, Kathleen (eds.), Beyond Continuity: Institutional Change in Advanced Political Economies. Nova York, Oxford University Press.; Geddes, 1994Geddes, Barbara. (1994), Politician’s Dilemma: Building State Capacity in Latin America. Berkeley, University of California Press.). Esse processo originou as “ilhas de excelência”, ligadas à implementação da política prioritárias (de cunho econômico) e dotadas de forte capacidade decisória e de coordenação intersetorial (Sikkink, 1993; Geddes, 1994Geddes, Barbara. (1994), Politician’s Dilemma: Building State Capacity in Latin America. Berkeley, University of California Press.). O legado histórico também é mobilizado para explicar o padrão relacional das burocracias estatais no clássico estudo de Nunes (1997)Nunes, Edson. (1997), A Gramática Política do Brasil: Clientelismo e Insulamento Burocrático. Rio de Janeiro, Jorge Zahar. sobre as “gramáticas políticas do Brasil”, em que diferentes lógicas de interação – insulamento burocrático, clientelismo e corporativismo – atravessam o Estado brasileiro. A partir dessa literatura, o modelo analítico proposto aqui incorpora o legado da política como um fator de influência para a construção de capacidade participativa, de coordenação intersetorial e decisória.

Por fim, a terceira condição se refere aos laços e padrões relacionais que as burocracias estabelecem com grupos localizados fora do Estado, considerado pela literatura como um elemento essencial para o fortalecimento da capacidade estatal (Evans, 1993Evans, Peter. (1993), “O Estado Como Problema e Solução”. Lua Nova, n. 28-29, pp. 1-29.; Pires e Gomide, 2016Pires, Roberto; Gomide, Alexandre. (2016), “Governança e Capacidades Estatais: uma Análise Comparativa de Programas Federais”, Revista de Sociologia e Política, v. 24, n. 58, pp. 121-143.). A partir de Marques (2012Marques, Eduardo. (2012), “Public Policies, Power and Social Networks in Brazilian Urban Policies”. Latin American Research Review, v. 47, n. 2, pp. 27-50.; 2019), consideramos que o tecido relacional do Estado estrutura influências entre atores, viabiliza a formação de alianças e de oposições políticas e permite acesso diferenciado a instrumentos de poder específicos. Neste artigo, argumentamos que esses padrões relacionais permitem acesso a dois recursos de poder: informações e contato com atores-chave no processo decisório e de implementação – como políticos do Legislativo federal e burocratas de alto escalão de órgãos da presidência da República. Assim, essas relações viabilizam capacidade decisória. Além disso, hipotetizamos que as características dos grupos sociais referentes à quantidade de membros, à heterogeneidade das demandas e ao alinhamento à agenda governamental estimulam a criação de níveis específicos de capacidade participativa e de coordenação intersetorial. Quanto mais acionada por grupos extensos e com demandas diversas, maior a necessidade da burocracia de construir canais de diálogo e de negociação para mapear essas demandas; e quando as demandas desses grupos são divergentes da agenda governamental prioritária, o setor estatal mobilizado por eles precisa investir em canais de diálogo e de convencimento também dentro do Estado.

O quadro a seguir sintetiza a proposta teórica desenvolvida aqui, relacionando condições de construção de capacidades, dimensões de capacidades, resultados no processo de produção de políticas públicas e finalidade da capacidade estatal.

Quando aplicado em um mesmo órgão, altos níveis das três dimensões de capacidades estatais propostas no modelo teórico se influenciam em um processo de reforço mútuo (Figura 1). Em relação a capacidade participativa, as inovações e decisões provenientes dessa dimensão são potencializadas por altos níveis de capacidade decisória e de coordenação intersetorial, já que essas dimensões permitem que haja incorporação no processo decisório e que os órgãos relevantes sejam mobilizados para implementar certa demanda. Por sua vez, a capacidade decisória é fortalecida pela capacidade participativa ao conferir legitimidade às decisões. Órgãos com alta capacidade decisória tendem a possuir maiores recursos para mobilizar a capacidade de coordenação em defesa de certo projeto/demanda. Por fim, burocracias com laços fortes com a sociedade são estimuladas a criar mecanismos criativos de coordenação interna para serem capazes de encaminhar as demandas de grupos sociais.

Figura 1
Fortalecimento Mútuo das Dimensões de Capacidades Estatais

Seguimos os estudos que consideram que o Estado e suas burocracias são extremamente heterogêneos em termos de capacidades estatais (McDonnell, 2017McDonnell, Erin. (2017), “Patchwork Leviathan: How Pockets of Bureaucratic Governance Flourish Within Institutionally Diverse Developing States”. American Sociological Review, v. 82, n. 3, pp. 476-510.; Scokpol e Finegold, 1992). No caso do modelo teórico proposto aqui, essa heterogeneidade é explicada pelos efeitos assimétricos que as três condições de capacidades estatais produzem em burocracias diferentes. Assim, como cada burocracia herda legados específicos, apresenta padrões relacionais mais ou menos abertos e se inserem em arranjos institucionais próprios, as capacidades são construídas de forma não homogênea na administração pública. Dessa forma, quando o modelo teórico proposto aqui é aplicado em mais de um setor de política pública, as dimensões de capacidades tendem a ser distribuídas de forma desigual entre eles. Nossa hipótese é que isso pode produzir um cenário de enfraquecimento mútuo de capacidades, já que baixos níveis de alguma das dimensões de capacidades interrompe o processo de reforço mútuo apresentado na Figura 1. Por exemplo, os efeitos positivos da capacidade participativa previstos na literatura – como a inovação (Pires e Gomide, 2016Pires, Roberto; Gomide, Alexandre. (2016), “Governança e Capacidades Estatais: uma Análise Comparativa de Programas Federais”, Revista de Sociologia e Política, v. 24, n. 58, pp. 121-143.) – são bloqueados caso esse órgão não tenha capacidade decisória e de coordenação para incorporá-los e implementá-los.

CAPACIDADES ESTATAIS NO CASO DA UHE BELO MONTE

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS E RECORTES CONCEITUAIS

Os dados apresentados aqui são provenientes de pesquisa realizada entre 2010 e 2014 a partir da combinação de análise documental, análise de redes e entrevistas semiestruturadas com 49 atores-chave (sendo 17 estatais e 32 da sociedade civil). As entrevistas semiestruturadas ocorreram nas cidades de Belém, Altamira e Brasília, entre 2012 e 2014. Também foram realizadas três pesquisas de campo, entre 2012 e 2013, nas cidades de Belém e Altamira.

A análise empírica tem dois objetivos. Em primeiro lugar, buscamos mapear as demandas apresentadas pela comunidade vulnerável afetada pela obra, avaliando em que medida foram incorporadas no processo decisório e de implementação. Utilizamos aqui um conceito ampliado de “comunidade afetada”, entendida como os impactados direta e indiretamente por hidrelétricas, além dos atingidos por mudanças sociais implícitas que provocam violações de direitos (Santos, 2014Santos, Mariana Correa. (2014), “O Conceito de Atingido por Barragens: Direitos Humanos e Cidadania”. Direito e Práxis, v. 6, n. 11, pp. 113-140.). Por comunidades vulnerável, entendemos como populações pobres, discriminadas e com alta privação à serviços sociais, que vivem ou circulam em áreas de risco ou de degradação ambiental (Cartier et al, 2009). No caso de Belo Monte, essas comunidades vulneráveis afetadas englobam ribeirinhos, pescadores, pequenos agricultores, indígenas e mulheres de baixa renda. A análise da incorporação dessas demandas considera tanto as demandas dos atores dessas comunidades vulneráveis afetadas como os movimentos e organizações sociais que engajam em repertórios de ativismo para reivindicar o atendimento dessas demandas pelo Estado. É importante esclarecer que, neste artigo, enfatizamos especialmente a incorporação das demandas relacionadas a medidas de mitigação e de compensação elaboradas na fase recente da usina, após a aprovação do projeto pelo Legislativo (2005), e a retomada do processo de licenciamento ambiental (2006). A análise se estende até maio de 2014, compreendendo assim o processo decisório recente e os primeiros anos do processo de implementação da usina (que se iniciou com a emissão da licença de instalação, em 2011, e foi finalizando em 2015, com a emissão da licença de operação).

Cabe explicar que, como a construção de capacidades estatais para a incorporação dessas demandas é, em parte, estimulada pelas relações amplas que as burocracias estatais possuem com grupos sociais – atores vulneráveis e elite local –, também foi necessário mapear as demandas dos grupos favoráveis à usina e suas relações com os atores estatais.

Previamente à identificação de demandas, foram mapeados os atores envolvidos no processo decisório e de implementação da usina. Esse mapeamento foi realizado a partir do estudo do processo de licenciamento ambiental, de revisão de literatura e da primeira pesquisa de campo, realizada em 2012, na cidade de Altamira. O mapeamento chegou ao número de 243 organizações.

Para o mapeamento de demandas e de suas incorporações no processo decisório e de implementação, foram utilizados variados procedimentos metodológicos. Foi realizada uma análise documental dos 34 primeiros volumes do processo de licenciamento ambiental, abrangendo o período entre 2006 e 2012, assim como do Plano Básico Ambiental (PBA) e do Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável do Xingu (PDRSX). Além disso, foram estudadas atas de reuniões com grupos da sociedade civil – como as atas das audiências públicas e das reuniões coordenadas pela Fundação Nacional do Índio (Funai) em Terras Indígenas (ambas ocorridas em 2009) – e os vídeos das audiências públicas. As entrevistas semiestruturadas também foram úteis para entender as principais demandas das organizações em relação a Belo Monte, suas estratégias de ação, seus parceiros e suas conquistas. Por fim, essas informações foram complementadas com a revisão de literatura sobre o tema.

O segundo objetivo empírico é examinar a construção de capacidades estatais necessárias para a incorporação das demandas dos grupos marginais e vulneráveis afetados pela usina. A análise foi aplicada em dois setores estatais centrais no processo decisório e de implementação: o elétrico e o ambiental. O setor elétrico é considerado como o conjunto de organizações responsáveis pelo planejamento, investimento, distribuição e regulação da produção de energia elétrica no país. O setor engloba os seguintes atores: o Ministério de Minas e Energia (MME), a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e a Eletrobrás e suas subsidiárias. O setor ambiental é representado pela atuação do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), com ênfase na análise da atuação da Coordenação de Energia Hidrelétrica e Transposição (COHID), órgão responsável pela análise da licença ambiental de empreendimentos de hidrelétrica.

A análise da construção de capacidades também envolveu procedimentos metodológicos diversificados. O estudo dos fatores “arranjos institucionais” e “legado histórico-institucional da política” e suas consequências na construção de capacidades estatais foi pautada por revisão bibliográfica e por entrevistas semiestruturadas realizadas com 17 atores estatais. Para essa finalidade, também foi realizada uma extensa análise documental, envolvendo planos energéticos – planos nacionais de energia elétrica, planos decenais de energia, matriz energética nacional, balanço energético nacional – e um conjunto de legislações que organiza a atuação dos setores elétrico e do meio ambiente.

O estudo do fator “padrão relacional” e suas consequências na construção de capacidades foi realizado a partir da análise de redes sociais, entendida como uma metodologia de investigação sobre os padrões dinâmicos de conectividade entre múltiplas entidades por diferentes tipos de relações (Marques, 2019Marques, Eduardo. (2019), “Notas Sobre Redes, Estado e Políticas Públicas”. Cadernos de Saúde Pública, v. 35, n. 2, pp. 1-11.). Essa análise teve como base dados relacionais – referentes a laços de colaboração a fim de influenciar o processo decisório e de implementação da usina – e de dados de atributos – entendidos como atitudes, opiniões e comportamento que caracterizam um indivíduo ou um grupo (Scott, 2000Scott, John. (2000), Social Network Analysis: a handbook. Londres, Sage Publications.). A análise de redes englobou as 243 instituições mapeadas, que foram categorizados em três atributos relevantes para este estudo: a) área de atuação, que aponta a atividade preponderante da instituição, relacionada a sua missão, sendo dividida em oito categorias (associação de moradores, classe, defesa de direitos, energia e desenvolvimento, pesquisa, educação e informação, político-partidário, socioambiental e outros); b) situação jurídica, que identifica se a instituição pertence ao Estado, à sociedade civil, a órgão colegiado, a partido político, ao mercado, a organismo internacional ou a uma organização híbrida do Estado e do mercado; e c) posição política em relação à usina (contrária ou favorável). A categorização das 243 organizações nesses atributos foi realizada pelas entrevistas semiestruturadas e, no caso das organizações não entrevistadas, pela análise documental de cada organização.

Por sua vez, os dados relacionais foram provenientes de três fontes. A primeira se refere a 13 documentos, datados de 2006 a 2011, e inseridos no processo de licenciamento ambiental. Esses documentos dizem respeito a manifestações variadas com o objetivo de influenciar o processo decisório e de implementação. As assinaturas dos atores nos documentos indicam o compartilhamento e mobilização conjunta em relação a determinada demanda, sendo utilizadas como fonte de dados relacionais. Esses dados originaram a rede de “coautoria de documentos”. A segunda fonte de dados relacionais é proveniente da aplicação de 10 questionários para atores-chave do processo decisório e de implementação da usina. Neste momento, foi apresentado ao entrevistado um questionário que continha todos os 243 atores mapeados e era solicitado que fosse marcado com quais atores a instituição em questão já tinha colaborado em ações variadas, no período pós 2003, a fim de defender seus interesses no caso de BM. As redes criadas a partir desses questionários mostram todos os atores que certa organização colaborou para defender seus interesses no processo decisório e de implementação de BM. Esses dados deram origem a “rede unipessoal total”. A última fonte de dados relacionais se refere à aplicação de 14 questionários que solicitavam ao entrevistado que indicasse as cinco principais organizações parceiras com quem a instituição dele colaborou no caso de Belo Monte. Esses dados deram origem à “rede unipessoal parcial”. As informações provenientes da análise de redes foram interpretadas com a ajuda das 49 entrevistas semiestruturadas mencionadas.

Os dados relacionais e os de atributo foram organizados no Microsoft Excel e inseridos nos software Ucinet (Borgatti, Everett, Freeman, 2002). Foram então construídas 24 redes unipessoais. Os nós das redes representam organizações e os laços indicam relações de colaboração. Por colaboração, entende-se qualquer manifestação realizada em parceria com outra organização a fim de tentar influenciar o processo decisório e de implementação da usina em benefício de suas demandas em relação à BM.

Diante da inviabilidade de apresentar aqui todas as redes unipessoais, foram selecionadas algumas delas a partir da centralidade desses atores na mobilização em torno da usina, revelada pelas entrevistas qualitativas ou pelas medidas de centralidade de rede.

RESULTADOS

DEMANDAS SOCIOAMBIENTAIS NO CASO DA UHE BELO MONTE E SEUS IMPACTOS NO PROCESSO DECISÓRIO E DE IMPLEMENTAÇÃO

O processo decisório da usina de BM é marcado pela sua extensão temporal, tendo início na década de 1970 e conclusão nos anos de 2010 (Figura 2). Assim, os primeiros debates sobre a usina remontam à década de 1970, surgindo no âmbito da estratégia do governo brasileiro de investir em grandes hidrelétricas na Amazônia a fim de diversificar a matriz energética após a primeira crise do petróleo (Dória, 1976Dória, Pedro Ricardo. (1976), Energia no Brasil e Dilemas do Desenvolvimento: a Crise Mundial e o Futuro. Petrópolis, Vozes.; Fearnside, 2006Fearnside, Philip. (2006), “Dams in the Amazon: Belo Monte and Brazil’s Hydroelectric Development of the Xingu River Basin”. Environmental Management, v. 38, n. 1, pp. 16-27.). Nesse contexto, entre os anos de 1975 e 1980, a recém-criada Eletronorte realizou estudos de inventário na bacia hidrográfica do Xingu e destacou a região da Volta Grande do Xingu, onde foi previsto o aproveitamento de Kararaô4 4 . Primeira denominação do projeto de usina hidrelétrica correspondente à BM. , com uma área alagada de 1160 km2 2 . Cf. Acserald (1991) e Burrier (2016). (ANA, 2009).

Figura 2
Principais Marcos do Processo de Produção da UHE BM

As primeiras mobilizações contrárias em torno da usina surgiram nesse contexto como uma resposta ao projeto inicial de BM (Figura 3), considerado como bastante agressivo do ponto de vista socioambiental por ter um reservatório extenso que alagaria parte de duas Terras Indígenas (TI) – Paquiçamba e Arara da Volta Grande do Xingu. Dessa forma, várias organizações e atores se articularam para reivindicar suas demandas em relação à usina (Bratman, 2015Bratman, Eve. (2015), “Passive Revolution in the Green Economy: Activism and the Belo Monte Dam”. International Environment Agreements, v. 15, pp. 61-77.). O auge dessas manifestações é representado pelo Primeiro Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, em 1989 (McCormick, 2011McCormick, Sabrina. (2011), “Damming the Amazon: Local Movements and Transnational Struggles Over Water”, Society and Natural Resources, v. 24, pp. 34-48.; Souza, 2006Souza, Ana Paula. (2006), O Desenvolvimento Socioambiental na Transamazônica: a Trajetória de um Discurso a Muitas Vozes. Dissertação de Mestrado em Agriculturas Familiares e Desenvolvimento Sustentável, Universidade Federal do Pará, Belém, Brasil.).

Figura 3
Configuração Inicial (esquerda) e Atual (direita) do Projeto de BM

Nesse período, a principal demanda do grupo contrário à usina se refere a sua não construção. Além disso, esses atores defendiam demandas mais difusas, como a alteração do modelo de desenvolvimento planejado para a Amazônia brasileira por ter um caráter pouco participativo e gerar severos impactos socioambientais (Bingham, 2010Bingham, Alexa. (2010), “Discourse of the Dammed: a Study of the Impacts of Sustaibable Development Discourse on Indigenous Peoples in the Brazilian Amazon in the Context of the Proposed Belo Monte Hydroelectric Dam”. Polis Journal, v. 4, pp. 1-47.).

Paralelamente às contestações contrárias, também surgiram mobilizações favoráveis à usina, cujo marco foi o movimento “Pró-Kararaô”, cujo lema era “Ecologia e Progresso com Energia”, nos anos de 1980 (Souza, 2006Souza, Ana Paula. (2006), O Desenvolvimento Socioambiental na Transamazônica: a Trajetória de um Discurso a Muitas Vozes. Dissertação de Mestrado em Agriculturas Familiares e Desenvolvimento Sustentável, Universidade Federal do Pará, Belém, Brasil.; Sevá et al., 2005). Esse grupo era formado por empreendedores e comerciantes locais – tais como a Câmara de Dirigente Logistas (CDL) e a Associação Comercial Industrial e Agropastoril de Altamira (Aciapa). As demandas desse grupo eram bastante coesas e relacionadas à defesa da implementação da usina como um vetor de desenvolvimento regional. Nas palavras de um entrevistado, a construção da usina seria uma oportunidade para fazer com que o governo “olhasse para a região” e implementasse projetos para dinamizar a economia local.

As mobilizações contrárias produziram, nesse momento, dois resultados principais. O primeiro deles se refere à grande visibilidade dos impactos de Kararaô nos povos indígenas, das consequências socioambientais e dos problemas de engenharia do projeto (McCormick, 2011McCormick, Sabrina. (2011), “Damming the Amazon: Local Movements and Transnational Struggles Over Water”, Society and Natural Resources, v. 24, pp. 34-48.). O segundo diz respeito à suspensão do projeto da agenda governamental no final da década de 1980, uma vez que as mobilizações teriam influenciado a decisão do Banco Mundial de não financiar o empreendimento em uma época de crise econômica (Sevá, 2005Sevá, Oswaldo Filho. (2005), Tenotã- Mõ: Alertas sobre as Consequências dos Projetos Hidrelétricos no Rio Xingu. São Paulo, International Rivers Network.; Carvalho, 2006Carvalho, Georgia. (2006), “Environmental Resistence and the Politics of Energy Development in the Brazilian Amazon”. The Journal of Environment Development, v. 15, n. 3, pp. 245-268.).

Essa suspensão foi temporária. No ano de 1994, a Eletronorte, a Eletrobrás e o Departamento Nacional de Água e de Energia Elétrica (DNAEE) revisaram o projeto de BM a fim de viabilizá-lo no que se refere aos seus aspectos ambientais, sociais e econômicos. Uma das principais alterações foi a redução da área do reservatório para 516 km2, o que evitaria o alagamento de TI (Figura 3). Essas alterações guiaram os novos estudos de viabilidade da usina, realizados no ano de 2002, e a atualização dos estudos de inventário, em 2007. Esse projeto foi aprovado pelo Congresso Nacional por meio do decreto legislativo nº 788 de 2005.

As características do projeto atual de BM foram interpretadas por algumas organizações da sociedade civil como novas ameaças, especialmente por produzir o desvio do fluxo de água da região da Volta Grande do Xingu, em um trecho de cerca de 100 km, para uma área de florestas e de assentamentos de agricultores. A consequência disso é a seca das TI Arara e Juruna do Paquiçamba (Jaichand e Sampaio, 2013Jaichand, Vinodh; Sampaio, Alexandre. (2013), “Dam and be Damned: the Adverse Impacts of Belo Monte on Indigenous Peoples in Brazil”. Human Rights Quarterly, v. 35, pp. 408-447.; Magalhães e Hernandez, 2009Magalhães, Sônia Maria; Hernandez, Francisco (orgs). (2009), Painel de Especialistas: Análise Crítica do Estudo de Impacto Ambiental do Aproveitamento Hidrelétrico de Belo Monte. Belém.; Entrevista, 18). Atualmente, esse é o maior Trecho de Vazão Reduzida (TVR) produzido por hidrelétricas, no Brasil.

Após a abertura do processo de licenciamento ambiental de BM, em 2006, estudos de impacto ambiental foram realizados pela Eletrobrás além de várias análises independentes terem sido produzidas, como é o caso dos estudos realizados pelo Painel de Especialistas5 5 . O Painel de Especialistas foi criado em 2009, contando com a participação de professores universitários e de especialistas, com o objetivo de avaliar o EIA-RIMA de Belo Monte. . Nesse contexto, os impactos da usina se tornaram mais claros e, dessa forma, as demandas dos grupos afetados ficaram mais específicas. Assim, ficou evidente que os pequenos agricultores seriam afetados por causa da redução da área disponível para a agricultura; o grande fluxo populacional que Altamira receberia sobrecarregaria o já precário sistema de oferta de serviços sociais básicos. Os impactos sobre os pescadores também se destacaram, uma vez que em alguns trechos até mesmo a pesca seria inviabilizada (Entrevistas 23, 25, 32, 33).

Ao mesmo tempo, a abertura do licenciamento ambiental fez com que alguns atores contrários percebessem que a usina seria mesmo construída. Isso provocou rupturas e rearranjos na mobilização em torno da usina, em um processo no qual cada etapa da obra constrói e desfaz redes, reconfigurando os grupos que atuam em torno da usina (Fleury e Almeida, 2013; Klein, 2015Klein, Peter. (2015), “Engaging the Brazilian State: the Belo Monte Dam and the Struggle for Political Voice”. The Journal of Peasant Studies, v. 42, n. 6, pp.1137-1156.). Assim, nesse período, grupos como a Fundação Viver Produzir e Preservar e o Movimento dos Atingidos pelas Barragens passaram a adotar como estratégia o engajamento em espaços de discussão com a Norte Energia e o governo federal – como o comitê gestor do PDRSX – para garantir medidas de mitigação e compensações adequadas. Outros grupos, como o Movimento Xingu Vivo para Sempre, optaram por manter a estratégia de bloquear a usina, provocando distanciamentos dentro da coalização contrária à BM (Pereira, 2014Pereira, Ana Karine. (2014), A Construção de Capacidade Estatal por Redes Transversais: o Caso de Belo Monte. Tese de Doutorado em Ciência Política, Universidade de Brasília, Brasília, Brasil.; Klein, 2015Klein, Peter. (2015), “Engaging the Brazilian State: the Belo Monte Dam and the Struggle for Political Voice”. The Journal of Peasant Studies, v. 42, n. 6, pp.1137-1156.; Candido-Fleury e Almeida, 2013). A atuação desses atores que reformularam sua estratégia na fase de licenciamento ambiental acabou os aproximando de parte do grupo favorável, que também passou por mudanças de posturas e estratégias nesse período. Esse é o caso, por exemplo, do Fórum Regional de Desenvolvimento Econômico e Socioambiental da Transamazônica e Xingu (Fort-Xingu), que até o início de 2011 se posicionava favoravelmente ao empreendimento e que começou, em agosto de 2011, uma campanha que questionava a morosidade da Norte Energia em atender as condicionantes socioambientais (Fleury e Almeida, 2013). Essas novas demandas, relacionadas a medidas de compensação e de mitigação, estimularam a organização de múltiplos repertórios de ativismo, especialmente entre os anos de 2008 e 2010, com o intuito de influenciar a atuação do Ibama sobre a viabilidade da usina.

Após a emissão da Licença de Instalação (LI), em 2011, ficou evidente que as conquistas dos atores vulneráveis foram parciais. Os pescadores não foram nem mesmo classificados como um grupo afetado pelo empreendimento. Os indígenas que vivem no TVR não foram consultados oficialmente por meio da realização das oitivas previstas pela convenção 169 da OIT e pela Constituição de 1988. Além disso, a licença prévia ambiental foi aprovada em um contexto de muitas dúvidas e incertezas em relação aos reais impactos do TVR (Entrevistas 9, 11,17,18, 33).

Os avanços em relação à capacidade do Estado de incorporar essas demandas socioambientais dos grupos vulneráveis dizem respeito, principalmente, ao estabelecimento de medidas relacionadas ao desenvolvimento regional e à implementação de uma infraestrutura local para preparar a região para receber um empreendimento do porte de Belo Monte. O primeiro caso é representado pela retomada do PDRSX pela Casa Civil, em 2010. Os recursos do plano são provenientes da obrigatoriedade, estabelecida pela ANEEL no edital do leilão de outorga da usina, de que o vencedor deveria disponibilizar 500 milhões de reais para serem aplicados em projetos de desenvolvimento na região. A gestão e aprovação dos projetos do plano cabem a um comitê gestor paritário entre representantes estatais e da sociedade civil. O segundo caso é retratado pelas “ações antecipatórias”, que se referem a um conjunto de empreendimentos para melhorar a infraestrutura local e a oferta de serviços sociais básicos, estabelecido como uma condicionante ambiental pelo Ibama no contexto de aprovação da LP no intuito de preparar a região para receber um grande fluxo populacional (Ibama, 2010).

Entretanto, a efetividade dessas ações para reverter ou minorar os impactos dos grupos vulneráveis afetados pela obra é relativa. No caso do PDRSX, alguns atores da sociedade civil entrevistados relatam a dificuldade de organizações pequenas e pouco profissionalizadas para conseguirem que seus projetos entrem na pauta de prioridades do comitê. Quanto às ações antecipatórias, elas foram marcadas por severos atrasos, sendo que vários projetos previstos foram executados após o início da implementação da usina, o que esvaziou seu objetivo principal de preparar a região para receber o empreendimento e seu consequente fluxo populacional.

O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DAS CAPACIDADES ESTATAIS

A combinação dos fatores “arranjo institucional” e “legado da política” contribuiu para a formação de um cenário, no caso de BM, em que o setor elétrico acumula alta capacidade decisória e baixa capacidade de coordenação intersetorial e participativa e no qual o setor ambiental apresenta altas capacidades de coordenação intersetorial e participativa e baixa capacidade decisória.

No que diz respeito ao fator “legado da política”, a estruturação do setor elétrico ocorreu como uma consequência da agenda desenvolvimentista das décadas de 1930 a 1980. Nesse momento, a oferta de energia elétrica começou a ser interpretada como um entrave para o desenvolvimento e modernização do país, o que foi evidenciado por relatórios governamentais e de missões internacionais (Silva, 2011Silva, Bruno Gonçalves. (2011), Evolução do Setor Elétrico Brasileiro no Contexto Econômico Nacional: uma Análise Histórica e Econométrica de Longo Prazo. Dissertação de Mestrado em Energia, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.). Assim, a consolidação do setor, que perdurou até meados da década de 1990, teve como marcos os governos desenvolvimentistas de Vargas, de Juscelino Kubitschek e da ditadura militar, responsáveis pela criação dos órgãos centrais do setor. Além disso, nesse período, algumas normativas que regulam o setor (como o Código de Águas) foram aprovadas e houve forte investimento em projetos para aumentar a oferta de energia elétrica. No Plano de Metas, 43,3% dos seus investimentos totais foram destinados para a área de energia (Silva, 2011Silva, Bruno Gonçalves. (2011), Evolução do Setor Elétrico Brasileiro no Contexto Econômico Nacional: uma Análise Histórica e Econométrica de Longo Prazo. Dissertação de Mestrado em Energia, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.)

Assim como ocorreu em outras áreas prioritárias da administração pública federal, o setor elétrico foi estruturado, nesse momento, a partir de uma lógica de insulamento burocrático, caracterizado pela centralização decisória na tecnocracia e no isolamento em relação aos grupos sociais e outros órgãos estatais (Pereira, 2013Pereira, Ana Karine. (2013), “Desenvolvimentismo, Conflito e Conciliação de Interesses na Política de Construção de Hidrelétricas na Amazônia Brasileira”. Texto para Discussão, IPEA, n. 1884, pp. 1-50., 2014Pereira, Ana Karine. (2014), A Construção de Capacidade Estatal por Redes Transversais: o Caso de Belo Monte. Tese de Doutorado em Ciência Política, Universidade de Brasília, Brasília, Brasil.). Essa estratégia de capacitação conferiu agilidade e eficiência na atuação do setor ao mesmo tempo em que impediu que interferências externas desvirtuassem a atuação do setor elétrico das prioridades desenvolvimentistas (La Rovere Mendes, 2000).

Paralelamente ao processo de estruturação do setor elétrico, os militares iniciaram a criação de um arcabouço legal e institucional para a proteção do meio ambiente, tendo o início de um movimento de construção de capacidades também na área ambiental. Assim, durante a ditadura, foram aprovadas 19 leis federais ambientais e foi criada, em 1973, a primeira agência ambiental do país, a Secretaria Especial do Meio Ambiente – SEMA (Hochstetler e Keck, 2007Hochstetler, Kathryn; Keck, Margaret. (2007), Greening Brazil: Environmental Activism in State and Society. Durham/London, Duke University Press.). No último período do governo militar (1979-1985) foi aprovada a Lei nº 6.938/1981, que representou o primeiro grande passo para a institucionalização do ambientalismo brasileiro e forneceu os parâmetros da nova gestão ambiental – caracterizada pela atuação próxima entre Estado e sociedade civil e por um Ministério Público forte e com grande capacidade de atuar como negociador de interesses. A nova legislação introduziu a necessidade de licenças ambientais e de Estudos de Impacto Ambiental (EIAs) para projetos que causam alterações no meio ambiente (Hochstetler e Keck, 2007Hochstetler, Kathryn; Keck, Margaret. (2007), Greening Brazil: Environmental Activism in State and Society. Durham/London, Duke University Press.; Moura, 2016Moura, Adriana Maria. (2016), “Trajetória da Política Ambiental Federal no Brasil”, in Moura, Adriana Maria (org.), Governança Ambiental no Brasil: Instituições, Atores e Políticas Públicas. Brasília, IPEA, pp. 13-44.).

Entretanto, o setor ambiental enfrentava limites para sua atuação, não podendo desafiar as prioridades do governo militar relacionadas à segurança e ao desenvolvimento econômico nacional (Hochstetler e Keck, 2007Hochstetler, Kathryn; Keck, Margaret. (2007), Greening Brazil: Environmental Activism in State and Society. Durham/London, Duke University Press.). Esse cenário de subordinação da área ambiental à agenda econômica refletiu na capacidade administrativa dos órgãos ambientais. No caso da SEMA, a secretaria começou com um orçamento baixíssimo, com apenas três empregados que ocupavam dois cômodos do Ministério do Interior e com poucos equipamentos (Hochstetler, 2017Hochstetler, Kathryn (2017), “Tracking Presidents and Policies: Environmental Politics from Lula to Dilma”, Policy Studies, v. 38, n. 3, pp. 262-276.). A baixa autonomia do setor, somada à precariedade dos recursos organizacionais, dificultava a capacidade da pasta ambiental de se contrapor às decisões e aos grandes projetos das pastas desenvolvimentistas, que produziram severos impactos ambientais.

No período de redemocratização do país, o arranjo político-institucional que organiza o processo decisório de hidrelétricas no país passou por uma ampla revisão (Costa, 2010Costa, Agnes. (2010), “Sustainable Dam Development in Brazil: Between Global Norms and Local Practices”. Deutsches Institut für Entwicklungspolitik, Discussion Paper. Disponível em <https://www.die-gdi.de/en/discussion-paper/article/sustainable-dam-development-in-brazil-between-global-norms-and-local-practices/>
https://www.die-gdi.de/en/discussion-pap...
; Pereira, 2013Pereira, Ana Karine. (2013), “Desenvolvimentismo, Conflito e Conciliação de Interesses na Política de Construção de Hidrelétricas na Amazônia Brasileira”. Texto para Discussão, IPEA, n. 1884, pp. 1-50.). Essa alteração foi resultado da própria mudança da agenda política, produzida pelas críticas aos impactos ambientais dos projetos desenvolvimentistas da época da ditadura militar e pela grande visibilidade internacional da Amazônia brasileira (Viola, 1998Viola, Eduardo. (1998). A Globalização da Política Ambiental no Brasil, 1990-1998. Paper prepared to be presented on the XXI International Congress of the Latin American Studies Association, Chicago, USA. Disponível em <http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/lasa98/Viola.pdf>
http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/a...
; Serra e Fernández, 2004Serra, Maurício; Fernández, Ramón. (2004), “Perspectivas de Desenvolvimento da Amazônia: Motivos para o Otimismo e para o Pessimismo”. Economia e Sociedade, v. 13, n. 2, pp. 107-131.). Assim, o setor ambiental passou por uma reformulação no sentido de garantir que interesses diversos fossem incorporados no processo decisório de empreendimentos desenvolvimentistas. Essa reformulação foi traduzida na aprovação de novas normativas6 6 . Algumas dessas normativas são: a Lei nº 7.347 de 1985; a Lei nº 7804 de 1989, as Resoluções do Conama nº 9/1987 e nº 237/1997. e na criação do Ibama, em 1989. Essas normativas muniram o Ibama de capacidades participativas e de coordenação intersetorial no processo decisório de empreendimentos com impacto ambiental, uma vez que caberia a ele organizar as audiências públicas e dialogar com outros órgãos estatais no âmbito do processo de licenciamento ambiental. Assim, o órgão atua, no licenciamento, não apenas a partir de uma perspectiva técnica, mas também como um ator político que coordena múltiplos atores (Pereira, 2014Pereira, Ana Karine. (2014), A Construção de Capacidade Estatal por Redes Transversais: o Caso de Belo Monte. Tese de Doutorado em Ciência Política, Universidade de Brasília, Brasília, Brasil., 2013Pereira, Ana Karine. (2013), “Desenvolvimentismo, Conflito e Conciliação de Interesses na Política de Construção de Hidrelétricas na Amazônia Brasileira”. Texto para Discussão, IPEA, n. 1884, pp. 1-50.).

O “arranjo institucional” confere forte poder decisório ao setor elétrico, uma vez que ele possui um escopo de competência amplo e uma atuação temporalmente estendida. Assim, o setor atua desde o início do empreendimento (como a aprovação dos estudos de inventário da bacia hidrográfica e dos estudos de viabilidade do projeto) até as etapas finais (como a organização do leilão para concessão da construção do empreendimento e a fiscalização do cronograma de obras). Por sua vez, o setor ambiental atua pontualmente por meio do licenciamento ambiental. Essa fase é marcada pela intensa articulação com outras agências estatais e pela previsão de interação formal com a sociedade civil via audiências públicas (Figura 4). Além disso, como o licenciamento representa a única etapa aberta para o escrutínio público, é comum que o órgão ambiental seja acionado informalmente pelos atores afetados (Hochstetler e Keck, 2007Hochstetler, Kathryn; Keck, Margaret. (2007), Greening Brazil: Environmental Activism in State and Society. Durham/London, Duke University Press.). Assim, enquanto o arranjo político-institucional exige do setor ambiental o desenvolvimento de fortes capacidades participativa e de coordenação interburocrática, a capacidade decisória do órgão fica comprometida, uma vez que sua atuação é limitada em termos temporais e de competências. Nesse contexto, decisões importantes são tomadas em momento anterior à participação do setor. A figura abaixo sistematiza o arranjo político-institucional do processo decisório de hidrelétricas que afetam terras indígenas no Brasil, evidenciando a temporalidade contínua da atuação do setor elétrico e o papel pontual do setor ambiental. A figura também evidencia que o único momento em que é exigida capacidade participativa e de coordenação intersetorial se concentra no licenciamento ambiental.

Figura 4
Arranjo Político-Institucional do Processo Decisório de Hidrelétricas Brasileiras

Especificamente no caso de Belo Monte, os fatores “arranjo institucional” e “legado da política” posicionaram o setor elétrico em uma situação privilegiada no que diz respeito à capacidade decisória. Assim, o setor participou dos primeiros estudos de inventário do rio Xingu e dos estudos de viabilidade da usina, entre os anos de 1975 a 1989 (Figura 2). As revisões desses estudos e do projeto da usina também foram conduzidas por órgãos do setor elétrico nos anos 2000. A organização do leilão de outorga para a construção da usina, em 2010, e a fiscalização do cronograma de obras é de competência do setor. Essas múltiplas atuações foram realizadas de forma bastante insulada e com pouco diálogo com órgãos de outros setores (Entrevistas 17 e 30). A forte capacidade decisória do setor elétrico produziu uma relação de imposição e não de colaboração com o setor ambiental. Isso foi bem ilustrado em janeiro de 2011, momento imediatamente anterior à emissão da licença de instalação (LI), quando o setor elétrico ditou ao Ibama a necessidade de aprovação urgente da licença, em um contexto de forte oposição dos analistas ambientais quanto à emissão:

Ressalta-se que, pelas características estratégicas e prioritárias da UHE Belo Monte para manter o equilíbrio entre a oferta e a demanda de energia elétrica no país, a manutenção do cronograma das obras do empreendimento e cumprimento de prazos e acordos estabelecidos no contrato de concessão são imperativos, sob pena de graves riscos ao empreendedor e cumulativamente a sociedade. Assim, solicito a atenção de vossa Excelência, para que a emissão da Licença de Instalação do empreendimento venha ocorrer até 15 de fevereiro de 2011 (processo de licenciamento ambiental AHE Belo Monte, folha 3768).

Por sua vez, o Ibama iniciou sua atuação no processo decisório da usina apenas em 2006, atuando na avaliação das licenças ambientais. Esse momento foi marcado pela urgência na aprovação da usina, considerada como um projeto estratégico fundamental para o objetivo do governo de acrescentar cerca de 5 mil megawatts/ano no sistema elétrico brasileiro para impulsionar o crescimento econômico (Costa, 2010Costa, Agnes. (2010), “Sustainable Dam Development in Brazil: Between Global Norms and Local Practices”. Deutsches Institut für Entwicklungspolitik, Discussion Paper. Disponível em <https://www.die-gdi.de/en/discussion-paper/article/sustainable-dam-development-in-brazil-between-global-norms-and-local-practices/>
https://www.die-gdi.de/en/discussion-pap...
, Brasil, 2011Brasil, Presidência da República. (2011), Informações do Estado Brasileiro. Brasília, DF, 25 abr. 2011. Disponível em <https://documentacao.socioambiental.org/noticias/anexo_noticia/19927_20110517_104210.pdf.
https://documentacao.socioambiental.org/...
). Nesse período, decisões importantes sobre as características necessárias de Belo Monte já haviam sido definidas – como localização, área do reservatório e o novo desenho da usina com a previsão do TVR (Entrevistas 43 e 49).

A configuração do arranjo institucional, que concentra a inclusão e participação no setor ambiental, foi ultrapassado pela atuação dos analistas ambientais da COHID, que, diante da forte pressão da sociedade civil, e ao perceberem que os principais impactos de Belo Monte seriam sociais, organizaram canais de interação com a comunidade afetada que excederam a previsão normativa de ocorrência de audiências públicas. Assim, o Ibama organizou reuniões públicas com o objetivo de informar a população sobre o licenciamento de BM e de colher subsídios para a elaboração do Termo de Referência para elaboração dos estudos ambientais; participou das oitivas indígenas lideradas pela Funai, em 2009; organizou reuniões com grupos indígenas, em setembro de 2009, após a realização das audiências públicas; e viabilizou diversos encontros informais com grupos locais contrários e favoráveis ao empreendimento (entrevistas 43 e 49). Isso é convergente com Santiago (2017)Santiago, Ariadne. (2017), Capacidades Burocráticas na Prática: um Olhar Através das Lentes dos Analistas do Licenciamento Ambiental Federal. Dissertação de Mestrado em Ciência Política, Universidade de Brasília, Brasília, Brasil., que, apesar de definir a burocracia ambiental responsável pelo licenciamento como “encastelada”, ressalta que a atuação dos analistas ambientais depende do conteúdo e do contexto político. Em conjunto, eles estimulam o surgimento de “capacidades burocráticas” específicas, como o “papel mediador”, para lidar com as limitações do seu trabalho frente aos desafios da política.

O “padrão relacional” reforça a distribuição de capacidades estatais descrita nos parágrafos acima. Aqui, o critério relevante para a construção de certas capacidades se refere às características dos grupos sociais que acionam as burocracias estatais. As tabelas abaixo apresentam os atributos dos atores que participaram do processo decisório e de implementação da usina no que se refere à posição em relação à BM, se favoráveis ou contrários; à situação jurídica, se atuam em organizações de dentro ou de fora do Estado (além de outras categorias); e à temática de atuação predominante da organização.

Tabela 1
Situação Jurídica e Posição dos Atores Mapeados

A primeira informação relevante apresentada pelas tabelas se refere ao número de integrantes das coalizões favorável e contrário: a primeira conta com apenas 47 organizações em contraposição a 168 da segunda. Em relação à situação jurídica, quase todos os grupos que se posicionaram como contrários à usina são provenientes da sociedade civil (93,4%). No caso dos atores que se posicionaram como favoráveis, a maioria deles atuam em organizações da sociedade civil (61,7%) e do Estado (25,5%).

Quanto à natureza da temática em que atuam, o grupo contrário é formado pela presença significativa de organizações com ações pela defesa de interesses diversos: “socioambiental” (46,43%), “pesquisa e ensino” (16,07%), “classe” (15,48%) e “associação de moradores” (13,09%). Isso indica que a coalizão contrária à usina é bastante heterogênea em termos da natureza de atuação. Por outro lado, o grupo favorável se mostra mais homogêneo, uma vez que conta de forma majoritária (36,17%) com atores que atuam na área de representação de categoria profissional (“classe”) e de “energia e desenvolvimento” (21,28%). É importante ressaltar que o fato de um número expressivo de atores que atuam na área “classe” se posicionarem como contrários e favoráveis revela uma grande diferenciação entre as instituições que se situam nessa categoria. Assim, enquanto parcela desses atores defendem interesses ligados à elite econômica – como as associações industriais, da agropecuária e de grandes comerciantes –, outra parte representa sindicatos do pequeno agricultor e associações de pescadores.

O padrão relacional do grupo favorável à usina nas suas mobilizações para influenciar o processo decisório e de implementação é caracterizado pela articulação com burocracias estatais centrais, especialmente o setor elétrico (Figuras 5 e 67 7 . Os atores da categoria “estado” identificados na rede unipessoal da Figura 5 são: Ibama, Casa Civil da Presidência da República (Diretoria de Análise de Acompanhamento de Políticas Governamentais), e Congresso Nacional. A rede referente à Figura 6 contém laços com os seguintes atores do “estado” e do “estado-mercado”: MMA, Congresso Nacional, Eletronorte, ANEEL e Eletrobrás. ).

Figura 5
Rede Unipessoal Parcial de Ator Favorável

Figura 6
Rede Unipessoal Total de Ator Favorável

A rede da figura 5º representa o padrão de relações de uma das principais organizações da mobilização em favor da usina de BM. Esse ator possuía entre os seus principais colaboradores a Casa Civil da Presidência da República, o Congresso Nacional e a Norte Energia. Entrevistas qualitativas revelaram que a organização possuía contato com deputados e senadores federais que ajudaram a pressionar as decisões estatais para atender as demandas do grupo, no caso de BM. De forma semelhante, a rede da figura 6 revela que a organização possuía laços de colaboração com o Congresso Nacional e com agências do setor elétrico: a Eletrobras, a Eletronorte e a ANEEL. Esse padrão relacional é confirmado pelas entrevistas, que apontaram que esses laços foram usados desde as primeiras mobilizações do grupo, na década de 1980, para influenciar o processo decisório e de implementação da usina.

A conexão do setor elétrico com os atores favoráveis à usina de BM é um fator que contribuiu para a sua alta capacidade decisória. Isso ocorre porque a configuração das redes facilita a formação de alianças e proporcionam acesso a recursos de poder (Knoke, 1992Knoke, David. (1992), “Networks of Elite Structure and Decision Making”, in Wassermanm, Stanley; Galaskiewicz, Joseph (orgs.), Advances in Social Network Analysis. New York, Cambridge University Press. Marques, 2012Marques, Eduardo. (2012), “Public Policies, Power and Social Networks in Brazilian Urban Policies”. Latin American Research Review, v. 47, n. 2, pp. 27-50.). No caso da rede dos atores favoráveis com o setor elétrico, essa rede permitiu que o setor se aproximasse de atores governamentais e estatais – como o Congresso Nacional e a Casa Civil – que possuem centralidade nos processos políticos de projetos prioritários do governo federal. Além disso, essa rede é composta por organizações, ligadas ao empreendedorismo local, que produziram informações e ações relevantes para justificar e legitimar a construção da usina. Na década de 1980, esses atores, organizados no “Movimento pró-Kararaô”, elaboraram o dossiê “Usina Hidrelétrica de Kararaô”, ressaltando os benefícios regionais do empreendimento para a região. No período recente, esses atores se organizaram no Fort-Xingu e, a partir dele, realizaram uma série de atividades relacionadas a produção de informações para fortalecer a vertente de desenvolvimento regional no projeto da usina – como a análise crítica do EIA-RIMA e a visita a 14 hidrelétricas brasileiras. Esses atores também foram bem-sucedidos na articulação com a alta burocracia da Casa Civil para defender a implementação da usina junto a um plano de desenvolvimento regional (Entrevista 34 e 37). A associação da usina com a ideia de desenvolvimento econômico e regional produziu uma narrativa utilizada pelo setor elétrico para defender a aceleração do processo decisório da usina.

Por outro lado, como os atores favoráveis defendiam interesses ligados ao desenvolvimento econômico e regional que iam ao encontro das pautas prioritárias da agenda desenvolvimentista do governo federal daquele período, não houve necessidade de construir canais adicionais de coordenação interna dentro do Estado para convencer e para articular as agências estatais em prol desses projetos. Por fim, o número reduzido dos atores favoráveis e a coesão de seus interesses não exigiram a construção de capacidade participativa por parte do setor elétrico. Neste contexto, predominaram as relações diretas e não institucionalizadas entre atores favoráveis e setor elétrico.

Em relação à coalizão contrária à usina, ela é composta, predominantemente, por organizações que atuaram no processo decisório e de implementação para defender os interesses socioambientais dos grupos vulneráveis afetados pelo empreendimento. Por um lado, essas organizações compartilham uma demanda em comum, representada por uma agenda alternativa em relação às prioridades desenvolvimentistas do governo federal e exemplificada pela defesa do desenvolvimento sustentável e dos direitos humanos e de minorias políticas. Por outro, elas compõem um grupo bastante heterogêneo em termos de demandas específicas, em um contexto em que cada organização possuía demandas relacionadas às características de seu grupo social e à temática da sua atuação (Seção 4.2.1 e Tabela 2).

Tabela 2
Categoria de Atuação e Posição dos Atores Mapeados

Esses atores possuem um histórico recente de articulação com burocracias estatais. Mais especificamente, após a abertura do processo de licenciamento ambiental, em 2006, alguns atores que lutavam contra a usina abandonaram a postura de embate em relação às burocracias estatais para eleger como nova estratégia para inserir suas demandas no processo decisório e de implementação da usina a realização de laços com atores estatais. A análise das redes unipessoais dos atores contrários demonstra um alinhamento predominante com atores sociais que defendem interesses de grupos marginais e vulneráveis – há um grande destaque para as organizações da sociedade civil que atuam nas áreas “socioambiental”, “classe” e “associação de moradores”. As conexões com atores estatais são raras e, quando acontecem, geralmente são estabelecidas com órgãos com baixo poder decisório8 8 . Nas figuras 7 e 8, os atores estatais identificados nas redes unipessoais dos atores contrários são: Agência Nacional de Águas; ICMBio; Casa Civil da Presidência da República; Ibama; MPF; MMA; Funai; Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República;Tribunal de Contas da União e ANEEL.. (vide figuras 7 e 8).

Figura 7
Rede Unipessoal Total de Ator Contrário

Figura 8
Rede Unipessoal Total de Ator Contrário

A análise de redes e as entrevistas revelam que o Ibama foi um dos órgãos mais acionados pelo grupo contrário. Como esse grupo é bastante extenso e possui demandas heterogêneas, o Ibama precisou criar diversos canais de participação formais e informais para conhecer essa diversidade de interesses. Assim, desde o início da abertura do processo de licenciamento ambiental o Ibama se mostrou bastante cuidadoso em relação à interação com a comunidade afetada. Dessa forma, uma das primeiras ações do órgão ambiental após o início do licenciamento foi convidar a sociedade civil para reuniões públicas com o objetivo de informá-la sobre o licenciamento de BM e de colher subsídios para a elaboração do Termo de Referência. Nos anos seguintes o órgão organizou encontros formais e previstos na legislação ambiental e reuniões informais com grupos indígenas e com a população local afetada (Entrevistas 43 e 49).

Como o grupo contrário defende interesses secundários/alternativos na pauta do governo federal, para encaminhar essas demandas – diversas e não prioritárias – dentro da estrutura do Executivo federal, foi necessário que o Ibama criasse mecanismos de coordenação intersetorial para mobilizar órgãos que não se encontravam organizados em torno dessas demandas. Exemplo disso foi a forte coordenação entre múltiplas agências estatais – tais como ANA, Funai e IPHAN – nos momentos de elaboração do Termo de Referência, de análise do EIA/RIMA e da elaboração das condicionantes ambientais.

O fortalecimento da capacidade participativa permitiu que o Ibama mapeasse as demandas dos grupos vulneráveis, muitas delas relacionadas não necessariamente à questão ambiental, mas à social – como é explicitado na Nota Executiva nº 001/2010 da COHID:

Dentre as manifestações mais contundentes levantadas pela comunidade local na ocasião das audiências públicas foram as questões sobre a infraestrutura das cidades que receberão os maiores contingentes populacionais porventura da construção da UHE Belo Monte. Estas questões se basearam na necessidade de incremento nos sistemas de saúde, educação, saneamento básico, moradia e mobilidade urbana, que, considerando o estágio atual de Altamira/PA, por exemplo, não atendem à população local (Ibama, 2010, fl.5).

Esse mapeamento culminou nas ações antecipatórias9 9 . Essas ações se referem às condicionantes de número 2.10 e 2.11 da LP da UHE Belo Monte. , que previam ações ligadas à infraestrutura local e que deveriam ser implementadas pelo empreendedor antes do início das obras, com o intuito de preparar a região para receber BM

Por sua vez, a capacidade de coordenação intersetorial permitiu que o Ibama elaborasse sugestões e aperfeiçoamentos em relação à implementação da usina. A coordenação com a ANA originou estudos e propostas sobre o TVR. A Nota Técnica nº 129/2009/GEREG/SOF/ANA, de 30 de setembro de 2009, aponta que o empreendedor propunha, no EIA, a alternância entre dois hidrogramas: o hidrograma A, menos conservador, com vazões que oscilariam de 700 m3/s, a partir de outubro, para 4000 m3/s, a partir de abril; e no ciclo seguinte, seria praticado o hidrograma B, mais conservador, com valores que variariam de 700 m3/s, a partir de outubro, a 8000 m3/s, a partir de abril. A combinação desses dois hidrogramas é conhecido como “hidrograma de consenso”, uma vez que, a partir do revezamento de vazões, comporta o hidrograma mais favorável para a geração de energia e outro, conservador, mais adequado para atender às preocupações ambientais e sociais.

A Resolução da ANA nº 740/2009, emitida em 6 de outubro de 2009, referente à Declaração de Reserva de Disponibilidade Hídrica, estabeleceu como condicionante a utilização do hidrograma de consenso. O Ibama seguiu a mesma linha estabelecida pela ANA, mas foi um pouco adiante, ao estabelecer como condicionante que, no período de motorização da usina, deveria ser utilizado o hidrograma mais conservador.

A conexão predominante com esses atores contrários também explica, em parte, o baixo poder decisório do Ibama no caso de BM. Como descrito, os atores contrários se conectam de forma predominante com outros atores estatais e sociais que são marginais nos processos políticos. Nesse contexto, a rede de conexões trazidas por esses atores contrários, ao se relacionarem com o Ibama, não contribuiu para aumentar o poder decisório da agência ambiental por não fornecer acesso a atores centrais no processo decisório e de implementação – ao contrário da rede dos atores favoráveis. Por outro lado, a rede contrária, especialmente os atores da categoria “pesquisa e ensino”, foi capaz de produzir informações críticas diversificadas (como a análise realizada pelo Painel de Especialistas no contexto de análise da LP) que foram acionadas em alguns momentos pelos analistas ambientais. Entretanto, a pressão política sofrida pelo órgão impediu que essa transmissão de informações se transformasse em recursos de poder para influenciar o processo decisório e de implementação. Isso é evidenciado na declaração dos técnicos do Ibama, expressa no Parecer Técnico nº 114/2009, no qual afirmam que, devido aos prazos estipulados pela Presidência, não foi possível analisar “com profundidade” as contribuições das audiências públicas para a emissão da LP.

A baixa capacidade decisória do Ibama é exemplificada nos contextos de aprovação da LP e da LI. Assim, a partir de julho de 2009 e até janeiro de 2010, foram emitidos vários pareceres e notas técnicas10 10 . Alguns desses documentos são o Parecer nº 06 de 2010 e a Nota Técnica nº 04 de 2010 da DILIC/Ibama. apontando falhas no projeto da usina e a falta de elementos suficientes para atestar a viabilidade ambiental do empreendimento. Isso é evidenciado pelas incertezas do TVR e a necessidade, declarada pelos analistas entrevistados, de terem mais tempo para avaliar a situação. O seguinte trecho do parecer nº 114/2009 do Ibama detalha essa preocupação:

Os dados apresentados não são suficientes para garantir que a vazão de 700 m3/s permita a manutenção da navegação no trecho do TVR (...) Não há clareza quanto à manutenção de condições mínimas de reprodução e alimentação da ictiofauna, quelônios e aves aquáticas, bem como se o sistema suportará esse nível de estresse a médio e longo prazos (...) O estudo sobre o hidrograma de consenso não apresenta informações que concluam acerca da manutenção da biodiversidade, a navegabilidade e as condições de vida das populações do TVR. Para a vazão de cheia de 4000 m3/s, a reprodução de alguns grupos é apresentada no estudo como inviável (folhas 331-332; 337).

O próprio timing entre a emissão do último despacho11 11 . Despacho nº 05/2010 da COHID/Ibama. declarando a inviabilidade da usina, em 28 de janeiro de 2010, e a emissão da LP, em primeiro de fevereiro de 2010, evidencia essa pressão e a baixa capacidade decisória dos técnicos do órgão. Nas palavras de uma analista entrevistada:

Se você observar os pareceres, a equipe técnica não indicou, não foi favorável nem quanto a LP nem quanto a LI. E acabou... não sei se foi uma divergência, teve um entendimento técnico e nas instâncias superiores se fez outro entendimento, também técnico. São visões técnicas diferentes da maneira de conduzir o processo. Mas os pareceres técnicos da equipe, eles não indicavam [a aprovação da LP] (Brasília, 04/06/2014).

A aprovação da LI ocorreu em um contexto semelhante, o que impactou negativamente a implementação das ações antecipatórias. Nesse período, o Ibama, em coordenação com outros órgãos estatais, realizou a fiscalização da implementação das condicionantes da LP, que representavam condições para a emissão da LI. O grande problema é que a maioria dessas condicionantes não havia sido cumprida no momento de solicitação da LI. Por exemplo, o Parecer nº 88/2010 da Dilic revela que 21 das 23 condicionantes destacadas como essenciais para a aprovação da LI não havia sido cumprida em outubro de 2010. Mesmo assim, a LI foi emitida em janeiro de 2011.

Apesar da baixa capacidade decisória do Ibama e do pouco poder dos atores contrários à usina de influenciarem as decisões das agências estatais no caso de BM, houve sucesso no encaminhamento das “conquistas parciais” relacionadas a projetos de desenvolvimento regional. Esse sucesso pode ser explicado pela sobreposição de algumas agendas do grupo favorável e do grupo contrário no período recente, em que ocorre mobilização nos dois lados pela busca de condicionantes adequadas, sendo que muitas delas se referiam a projetos de desenvolvimento regional e de infraestrutura básica. A rede abaixo (figura 9) demostra essa articulação entre grupo favorável e contrário.

Figura 9
Rede de Coautoria de Documentos

Em relação ao Ibama, essa pauta dos movimentos contrários e favoráveis foi incorporada nas ações antecipatórias. Entretanto, a atuação isolada do Ibama não era suficiente para garantir a implementação dessa demanda dada a sua complexidade, sendo necessário envolver órgãos estatais com forte capacidade decisória. O acesso desses atores ao setor elétrico e à Casa Civil foi viabilizado pela rede transversal entre atores sociais com posicionamentos diferentes em relação à BM e o Ibama. Essa rede acabou conectando, momentaneamente, os atores sociais marginais com agências estatais com alto poder de decisão – como o setor elétrico e a Casa Civil, responsáveis pelo desenvolvimento do PDRSX. Por sua vez, essa rede transversal também aumentou, temporariamente, a capacidade decisória do Ibama dentro da estrutura do Executivo federal, já que ela foi capaz de dialogar com a Casa Civil e com o setor elétrico e influenciou a decisão dessas agências de retomarem o projeto do PDRSX, nos anos de 2009 e 2010. Entretanto, o poder dessa rede transversal foi pontual e limitado, uma vez que as demandas não coincidentes com as do grupo favorável não foram inseridas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo se propôs a entender a baixa incorporação das demandas socioambientais dos grupos vulneráveis afetados pela usina de Belo Monte a partir da abordagem de capacidades estatais. A aplicação do modelo analítico apresentado aqui no caso concreto demonstrou que as três condições de capacidades estatais alcançam as burocracias públicas de forma assimétrica, produzindo um cenário em que nenhum dos setores estudados acumulou altos níveis das capacidades críticas para a incorporação de demandas socioambientais. Nessa situação, as altas capacidades de uma agência não se somam ou se complementam com os elevados níveis de capacidades de outras. Pelo contrário, a fragilidade de uma das capacidades em um setor específico interrompe o processo de reforço mútuo das três capacidades críticas, como previsto na terceira seção deste artigo. Assim, as inovações provenientes dos processos de diálogo entre o setor ambiental e grupos sociais, como ilustrado pelas “ações antecipatórias”, não alcançaram as decisões do setor elétrico. O trabalho compartilhado entre agências estatais também não conseguiu alcançar o núcleo decisório em várias situações. Exemplo disso é a articulação entre Ibama e ANA em torno dos debates sobre o TVR. Da mesma forma, a interação entre Ibama e diversas agências estatais no período anterior à emissão da LP e da LI, em que vários pareceres apontavam para a impossibilidade da emissão das licenças e para a necessidade de informações adicionais, também não atingiu o núcleo decisório, que continuou insistindo na rápida aprovação das licenças ambientais. Isso afetou negativamente as altas capacidades decisórias das burocracias centrais do setor elétrico, que acabaram implementando um projeto polêmico, com baixa legitimidade em relação aos grupos vulneráveis e que representa apenas parcialmente os interesses dos grupos afetados pela usina.

O estudo de caso apresentado evidencia que o processo de construção de capacidades estatais é resultado tanto da agência dos atores como de estruturas provenientes de legados históricos e da configuração específica do arranjo institucional. A importância da agência é revelada a partir da influência do padrão relacional na construção de capacidades. Essas interações surgem como estratégias dos atores para influenciar o processo decisório e de implementação da usina. Entretanto, a ação dos atores é constrangida pelos arranjos e legado da política: enquanto o setor ambiental apresenta uma configuração e um legado de participação (com atores sociais e estatais), o setor elétrico apresenta uma estrutura mais insulada. Essas configurações acabam direcionando também as possibilidades de agência dos atores, uma vez que eles adéquam suas estratégias de interação aos pontos permeáveis do Estado. Essa conformação da ação dos atores sociais aos pontos de acesso do Estado se aproxima dos debates sobre “encaixes institucionais”, acionado recentemente por Lavalle et al (2019) para estudar a institucionalização de demandas de organizações sociais que representam grupos periféricos ao sistema político. Para eles, esses encaixes são mobilizados pelos atores sociais de forma que a seletividade das instituições políticas resulte em ampliação das suas capacidades de agir. Neste artigo, essa seletividade de abertura dos setores públicos acaba produzindo um processo de reforço, em que setores com um legado de participação são acessados por uma maior diversidade de atores sociais, reforçando sua capacidade participativa e de coordenação. Por outro lado, setores insulados não são acessados pela mesma diversidade de atores, o que não estimula a construção de capacidades historicamente ausentes (especialmente a participativa).

Acreditamos que o modelo analítico proposto possa ser aplicado em outros casos de políticas públicas marcadas pelo conflito de demandas e pela assimetria de interesses e de recursos de poder entre os atores (da sociedade e do Estado) envolvidos no processo decisório e de implementação. Entretanto, é importante reconhecer que este estudo possui limites. O principal deles se refere à ênfase apenas nas capacidades estatais para explicar o resultado de interesse da pesquisa. A incorporação de demandas socioambientais de grupos vulneráveis no processo decisório e de implementação de obras de infraestrutura é um fenômeno extremamente complexo, cujas explicações podem extrapolar a análise apresentada aqui. Especialmente, não exploramos o papel do setor privado, responsável pela construção da usina e pela implementação de algumas medidas de compensação. De qualquer forma, acreditamos que o estudo apresentado apresenta uma contribuição original sobre as dificuldades de atendimento das demandas socioambientais no caso de Belo Monte que pode ser replicado em outros casos semelhantes.

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NOTAS

  • 1
    . A implementação da usina, iniciada em 2011, é marcada pela criação de esferas participativas, como é o caso do comitê Gestor do Plano de Desenvolvimento Regional do Xingu (PDRS-X) e da Casa de Governo (Pereira, 2014Pereira, Ana Karine. (2014), A Construção de Capacidade Estatal por Redes Transversais: o Caso de Belo Monte. Tese de Doutorado em Ciência Política, Universidade de Brasília, Brasília, Brasil.).
  • 2
    . Cf. Acserald (1991) e Burrier (2016)Burrier, Grant. (2016), “The Developmental State, Civil Society, and Hydroelectric Politics in Brazil”. Journal of Environment & Development, v. 25, n. 3, pp. 332-358..
  • 3
    . Para mais detalhes sobre o “movimento estatista”, ver Scokpol (1985).
  • 4
    . Primeira denominação do projeto de usina hidrelétrica correspondente à BM.
  • 5
    . O Painel de Especialistas foi criado em 2009, contando com a participação de professores universitários e de especialistas, com o objetivo de avaliar o EIA-RIMA de Belo Monte.
  • 6
    . Algumas dessas normativas são: a Lei nº 7.347 de 1985; a Lei nº 7804 de 1989, as Resoluções do Conama nº 9/1987 e nº 237/1997.
  • 7
    . Os atores da categoria “estado” identificados na rede unipessoal da Figura 5 são: Ibama, Casa Civil da Presidência da República (Diretoria de Análise de Acompanhamento de Políticas Governamentais), e Congresso Nacional. A rede referente à Figura 6 contém laços com os seguintes atores do “estado” e do “estado-mercado”: MMA, Congresso Nacional, Eletronorte, ANEEL e Eletrobrás.
  • 8
    . Nas figuras 7 e 8, os atores estatais identificados nas redes unipessoais dos atores contrários são: Agência Nacional de Águas; ICMBio; Casa Civil da Presidência da República; Ibama; MPF; MMA; Funai; Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República;Tribunal de Contas da União e ANEEL..
  • 9
    . Essas ações se referem às condicionantes de número 2.10 e 2.11 da LP da UHE Belo Monte.
  • 10
    . Alguns desses documentos são o Parecer nº 06 de 2010 e a Nota Técnica nº 04 de 2010 da DILIC/Ibama.
  • 11
    . Despacho nº 05/2010 da COHID/Ibama.
  • *
    Este artigo é fruto de um aprofundamento e atualização da pesquisa realizada entre os anos de 2010 e 2014 e que originou a tese de doutorado de Pereira (2014)Pereira, Ana Karine. (2014), A Construção de Capacidade Estatal por Redes Transversais: o Caso de Belo Monte. Tese de Doutorado em Ciência Política, Universidade de Brasília, Brasília, Brasil., que é a autora principal deste texto e foi orientada pelos coautores Rebecca Abers e Frédéric Mertens.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Out 2022
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    30 Set 2018
  • Revisado
    26 Mar 2020
  • Revisado
    14 Jul 2021
  • Aceito
    22 Set 2021
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