RESUMO
O artigo apresenta e analisa a história e as conexões de diferentes experiências de comércio livreiro em São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, entre 1972 e 2018, a saber: Livraria Contexto, Livraria Eboh, Livraria Griot, Sobá Livraria e Café, Kitabu Livraria Negra, Iná Livros, Livraria Africanidades. Especificamente livrarias negras, de proprietárias negras e donos negros, que se dedicaram a fazer circular a literatura produzida e editada pela autoria negra e/ou africana. Por vezes, com conexões com associações e movimentos negros coetâneos. Considerando a escassez de pesquisas sobre este objeto específico, foi utilizado como método principal a entrevista estruturada com os sujeitos envolvidos na atividade, análise de fontes secundárias bem como o recurso a pesquisa em jornais, que se revelou bastante importante para compreender alguns dos sentidos sociais atribuídos pelos comerciantes negros em sua atividade, seus alcances, conexões de sentidos e limites.
livrarias negras; associativismo negro; literatura negra; memória social
ABSTRACT
This article presents and analyzes the history and connections among various black bookstore experiences in Southeast Brazil between 1972 and 2018. Given the lack of research on the topic in Brazil, this study relies heavily on structured interviews with some of the individuals in the sector, as well as on the analysis of secondary data and news. The stores studied are Livraria Contexto, Livraria Eboh, Livraria Griot, Sobá Livraria e Café, Kitabu Livraria Negra, Iná Livros and Livraria Africanidades, located in the states of São Paulo, Minas Gerais and Rio de Janeiro. They are owned by black women and men devoted to selling black and African literature, some of whom have been activists in different segments of Brazil’s black movements. Our findings have advanced a deeper understanding of the social meanings black traders assign to their activity, their reach, the connections among their purposes, and their limitations.
black bookstores; black associations; black literature; social memory
RÉSUMÉ
L’article présente et analyse l’histoire et les liens de différentes expériences de commerce du livre à São Paulo, Minas Gerais et Rio de Janeiro, entre 1972 et 2018, à savoir : Livraria Contexto, Livraria Eboh, Livraria Griot, Sobá Livraria e Café, Kitabu Livraria Negra , Iná Livros et Livraria Africanidades. Des librairies spécifiquement noires, avec des propriétaires noirs, dédiées à la littérature en circulation produite et éditée par des auteurs noirs et/ou africains. Parfois, avec des liens avec des associations et des mouvements noirs contemporains. Compte tenu de la rareté des recherches sur cet objet spécifique, la principale méthode utilisée a été l’entretien structuré avec les sujets impliqués dans l’activité, l’analyse des sources secondaires, ainsi que l’utilisation de la recherche dans les journaux, qui s’est avérée très importante pour comprendre certaines des les significations sociales attribuées par les commerçants noirs à leur activité, leur portée, leurs liens de sens et limites.
librairies noires; associativisme noir; littérature noire; mémoire sociale
RESUMEN
El artículo presenta y analiza la historia y las conexiones de diferentes experiencias de comercio de libros en São Paulo, Minas Gerais y Rio de Janeiro, entre 1972 y 2018, a saber: Livraria Contexto, Livraria Eboh, Livraria Griot, Sobá Livraria e Café, Kitabu Livraria Negra, Iná Livros, Livraria Africanidades . Estas son, específicamente, librerías negras, de propietarias negras y dueños negros, que se dedicaron a hacer circular la literatura producida y editada por autoría negra y/o africana. En ocasiones, estas librerías han tenido conexiones con asociaciones y movimientos negros coetáneos. Considerando la escasez de investigaciones sobre este objeto de estudio en específico, fue utilizado como método principal la entrevista estructurada con los sujetos involucrados en esta actividad, el análisis de fuentes secundarias, así como la investigación en periódicos, que se reveló bastante importante para comprender algunos de los sentidos sociales atribuidos por los comerciantes negros a su actividad, sus alcances, conexiones de sentidos y límites.
librerías negras; asociativismo negro; literatura negra; memoria social
Introdução
É questão da regra e da exceção. A minha visibilidade mesmo vem nisso porque vem da questão da exceção e isso sempre me incomoda, eu não acho legal. O meu trabalho mesmo é um trabalho simples. Tô vendendo livros, só que é tão complicado porque eu vendo livros de pessoas negras e isso me torna um ser algo muito especial. Me coloca num patamar que eu não queria, isso deveria ser comum. Então como é algo tão incomum isso que eu tenho uma visibilidade e não deveria ser isso, na realidade o meu destaque vem da exceção. Olha que louco isso né? (Entrevista concedida ao autor por Ketty Valêncio, São Paulo, 20 de fevereiro de 2018).
A história sociológica da circulação de livros de autoria negra e marginal-periférica, no Brasil, está intimamente ligada à trajetória e projeto de sujeitos que possuem conexão com o ativismo político e cultural (Silva, Medeiros da, 2013). E, ainda mais, às experiências majoritariamente femininas à frente dos negócios, a partir dos anos 1970. Por esta razão, o artigo se ocupará das experiências de livrarias negras situadas no sudeste brasileiro, majoritariamente em São Paulo. Entre 1972, quando foi criada a primeira livraria de proprietária negra voltada à comercialização de livros de autoria negra, e 2018, quando experiências semelhantes se mantinham e ampliavam, há uma rede de experiências comerciais, entremeadas pelo ativismo cultural negro, conduzido majoritariamente por mulheres em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte (mas não só) e sobre as quais pouco há algo escrito a respeito, mesmo entre trabalhos que estudam movimentos negros, literatura negra, empresariado negro ou ativismo cultural negro no Brasil (Alberti, Pereira, 2007; Rios, 2014RIOS, Flávia. (2014), Elite Política Negra no Brasil. Tese (Doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo. ; Jaime, 2016JAIME, Pedro. (2016), Executivos Negros: Racismo e Diversidade no Mundo Empresarial. São Paulo, Edusp. ; Domingues, 2019DOMINGUES, Petrônio. (2019), Protagonismo Negro em São Paulo: História e Historiografia. São Paulo, Edições Sesc. ).
Algumas entrevistas que compõem o artigo foram realizadas, num primeiro momento, entre 2009 e 2010, quando alcancei as experiências das livrarias Sobá (MG) e Kitabu (RJ), que deixariam de existir alguns anos depois. Uma das hipóteses trabalhadas por mim era de que a história da Literatura Negra Brasileira, ao longo do século XX, foi, majoritariamente, de autoedição por seus criadores. Isso impôs o desafio de tornar acessível aquele material literário ao público leitor, especialmente o leitor negro. Obras de referência sobre a história do livro no Brasil, como a de Lawrence Hallewell (2005)HALLEWELL, Laurence. (2005), O Livro no Brasil: Sua História. 2. ed. São Paulo, Edusp. , não registravam algo específico sobre essa esfera de circulação. Trabalhos mais recentes, que tratam da circulação de livros no Brasil ou mesmo do circuito denominado “independente” (editoras e livrarias), na polissemia e incompletude que o termo possui (Muniz Jr., 2016:49-82), que incorpora oposição entre certo diletantismo e comercialização (Amaral Filho, 2006), também não ou eventualmente tangenciam essa história, mesmo quando atrelado a um nicho de comercialização negra (Silva, Maily da. 2017). Isso se mostra importante, tendo em vista que a tentativa contemporânea de autoconstrução de um quadro de referências de uma história da circulação de livros num circuito negro e periférico ( Lopes, 2020LOPES, Fernando Ruivo. (2020), Editoras e Selos Editoriais das Periferias de SP. São Paulo, Ação Educativa. ) também desconhece as experiências que serão tratadas a seguir.
Todavia, por exemplo, ao entrevistar Oswaldo de Camargo ou ler um estudo seu (Camargo, 1987), toma-se conhecimento de que, nos anos 1970, na capital paulista, Nair Araújo, antiga integrante da Associação Cultural do Negro e do Teatro Experimental do Negro de São Paulo (Silva, Medeiros da 2012; Silva, Medeiros da 2017; Domingues, 2018DOMINGUES, Petrônio. (2018), “Em Defesa da Humanidade: A Associação Cultural do Negro”. DADOS, v. 61, n. 1, pp. 171-211. ), foi proprietária da Livraria Contexto, onde obras de autores negros eram comercializadas, por exemplo. Em outra obra de memória política negra ( Oliveira, 1988OLIVEIRA, Eduardo. (1988), A Cólera dos Generosos: Retrato da Luta do Negro para o Negro. São Paulo. Sonda Editora/Editora Meca Ltda. ), anúncios da imprensa negra ou volumes da publicação seriada Cadernos Negros encontra-se a Livraria Eboh, dedicada à veiculação da literatura de autores negros, bem como local de lançamento de algumas de suas obras.
Em 2017, tive melhor sorte em localizar antigos membros e proprietárias das Livrarias Contexto, Eboh e Griot. Também retornei ao campo num momento que ele havia mudado significativamente. Não em termos de pesquisas sobre o assunto, que permanecem poucas no Brasil ( Oliveira, 2018OLIVEIRA, Luiz H. S. de. (2018), “Os Quilombos Editoriais como Iniciativas Independentes”. Aletria, v. 28, n. 4, pp. 155-170. ), mas em um cenário de novas livrarias, que se afirmam voltadas especificamente para o público leitor e consumidor negro, como a Livraria Bantu, Livraria Africanidades e loja com múltiplas funções voltadas para este universo negro como a Katuka Africanidades (Salvador, BA), entre outras citadas, mesmo que não analisadas aqui.
Todas as proprietárias ou profissionais à frente desses empreendimentos livreiros, por ocasião das entrevistas de 2009-2010, eram mulheres, com mais de 30 anos de idade, ensino superior completo e/ou pós-graduadas, com alguma experiência no comércio livreiro ou editorial. Outro dado importante é a localização geográfica daqueles empreendimentos: Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo – locais históricos do ativismo negro brasileiro. Não é improvável que outras capitais com mesmo histórico de ativismo, como São Luís, Salvador e Porto Alegre, também possuam histórias semelhantes e que precisam ser mapeadas – e não o foram aqui.
Importa constatar que, em termos de experiências internacionais, livrarias dedicadas ao público leitor negro existem há décadas, como as nos EUA ou na França (Librairie Présence Africaine1 1 . Sobre a Présence Africaine, ver: https://www.presenceafricaine.com/info/10-librairie . Nos EUA, David Ruggles é indicado como o primeiro proprietário negro de uma livraria, em Nova York, na década de 1830, de caráter abolicionista. Sobre ele, ver: https://chiseler.org/post/114058945271/david-ruggles . A “Young’s Books Exchange”, fundada por George Young em 1915, é indicada como a primeira livraria negra dos EUA. Outra importante livraria negra, também no Harlem, foi fundada em 1932 por Lewis H. Michaux, a “African National Memorial Bookstore”. Sobre esses e outros empreendimentos, ver: https://en.wikipedia.org/wiki/Young%27s_Book_Exchange , https://en.wikipedia.org/wiki/Lewis_H._Michaux e https://www.aaihs.org/black-owned-bookstores-anchors-of-the-black-power-movement/ Acessados em 13/6/2021. , em atividade em Paris desde os anos 1960, acompanhando a revista homônima fundada em 1947 e a editora em 1949) e não foram mencionadas, mesmo pelos proprietários mais velhos, caso da Contexto e da Eboh. Constata-se um histórico de desconhecimento de experiências, que não inviabiliza a prática das ações. O artigo combina o uso de entrevistas com material de arquivo, tendo em vista a escassez da fortuna crítica sobre o tema. Valendo-se massivamente da descrição biográfica de sujeitos e seus projetos, procura analisar processos de mudanças sociais importantes, que impactam o objeto da pesquisa. O artigo também tem o propósito de ser uma contribuição à documentação e análise das experiências dessas livrarias negras, para que possa servir de informação a analistas especializados e sujeitos interessados em tais práticas.
Livraria contexto (São Paulo, 1972-1984/1984-)
Outra funcionária que fez história conosco, nos primórdios da Cultura, foi Nair Araújo. […] Nascida em Minas Gerais, era uma mulher negra, bonita, portadora de doença de Chagas e muito batalhadora. Chegou à nossa casa para ajudar minha mãe no dia a dia corrido, mas foi criando gosto pelos livros até virar uma leitora bem exigente. [...] Creio que Nair lia muito em seu quarto à noite, quando terminava o serviço. Assim foi adquirindo cultura. […] Eva sentia prazer ao ver Nair discutindo Albert Camus como gente grande... […] Então, nada mais justo do que envolvê-la mais e mais com a livraria. […] Com o tempo, Nair formou um grupo de reflexão com intelectuais negros. [...] Com certa regularidade, ela reunia artistas e escritores em nossa casa. Participava desse grupo até um médico negro, algo raro ainda hoje no Brasil, incrível. […] Porém aos poucos fomos notando que seus amigos demonstravam um comportamento um tanto quanto reativo em relação a nós, brancos. […] Passado algum tempo, Nair anunciou que nos deixaria. Lamentamos a decisão, ficamos até abalados, mas logo percebemos que ela seria capaz de abrir sua pequena livraria, no bairro da Aclimação. Outra alegria da pupila para minha mãe… Nair faleceu em 1984. Procurando-a nas minhas lembranças, descubro que sua livraria existe ainda hoje e é dirigida por sua filha, Martha […] ( Herz, 2017HERZ, Pedro. (2017), O Livreiro. São Paulo, Planeta.: 35-36).
As lembranças de Pedro Herz a respeito de sua família, da criação da Biblioteca Circulante em São Paulo e, posteriormente, da Livraria Cultura, trazem um retrato em formação da trajetória de Nair Theodora Araújo (1931-1984), a ativista e declamadora da Associação Cultural do Negro, livreira negra cuja experiência intelectual se quer situar aqui. Nos excertos de memória de Herz vê-se um sentimentalismo condescendente e os sinais da descoberta de uma avis rara . A empregada doméstica que se interessa por literatura e um dia parte para fundar sua própria livraria, que persiste no tempo, inclusive até o ano de 2018, quando pude entrevistar Martha Araújo, filha de Nair, na sede da Livraria Contexto, no bairro da Aclimação, quando ela me falou da trajetória de sua mãe.
Segundo Nei Lopes (2007LOPES, Nei. (2007), Dicionário Literário Afro-brasileiro. Rio de Janeiro, Pallas.: 115), Araújo nasceu em 1931, em Dores do Indaiá (MG) e atuou no Teatro Experimental do Negro de São Paulo (que existiu de 1945 a 1966). Nas memórias de Herz, ele localiza Araújo trabalhando em sua casa na conjuntura da ditadura civil-militar. Lopes afirma que Araújo abriu a Contexto em 1972. As datas coincidem com as memórias de Oswaldo de Camargo, que posicionam Nair Araújo na Associação Cultural do Negro, entre 1956 e 1964.
[…] essa história é extraordinária, Nair trabalhava na rua Rio de Janeiro na casa de um doutor do Hospital das Clínicas, mas ao mesmo tempo era do Teatro Experimental do Negro.[…] daí vai aprender a ser livreira, quando a Nair sai, da casa do doutor na rua Rio de Janeiro, ela vai trabalhar com Eva Herz; quem vai tirar [ela de lá] é dona Dóris Volhard-Schierenberg que frequenta a Associação Cultural do Negro: a Nair vai sair do emprego doméstico por meio dessas duas mulheres judias. A Nair vai começar a trabalhar com a Eva quando a livraria cultura é lá na rua Augusta, vai aprender a ser livreira com a dona Eva, que deve muito a Nair, pelo esforço que a Nair fez nos primórdios da Livraria Cultura, e quando a Nair vai abrir a livraria dela, no começo ela não tem meios, ela vai ser sócia de uma moça judia, aí as duas se desentendem e a Nair vai então abrir a livraria dela na alameda Tietê, onde eu vou lançar o meu livro O Carro do Êxito (Entrevista concedida ao autor por Oswaldo de Camargo, São Paulo, 4 de março de 2017).
De acordo com Martha Helena Araújo Ferreira, Nair chega a São Paulo por volta de 1938, com 7 anos de idade. Seu pai, José Teodoro de Araújo, mudou-se com a família de três filhas (Nair, Nazir e Olinda) inicialmente para São Vicente, trabalhando em múltiplas atividades. Pela memória familiar, saíram do litoral para a capital paulista por volta de 1948. A mudança teria se dado para o bairro de Pinheiros, na rua Fernão Dias (Entrevista concedida ao autor por Martha H. F. Araújo, São Paulo, 18 de julho de 2017). É possível localizar as experiências múltiplas que essa mulher negra experimentou, e que são vividas quase simultaneamente, entre os anos 1950 e começo dos anos 1970: de empregada doméstica a funcionária de uma livraria, permeada pelo ativismo político e cultural negro. Nas memórias de Oswaldo e de Martha, a geografia da zona central e oeste da metrópole conecta um circuito pequeno burguês judeu com o negro por meio do emprego doméstico e das atividades culturais. Quando a Associação Cultural do Negro (ACN) é fundada e inicia efetivamente suas atividades, entre 1954 e 1956 (Silva, Medeiros da, 2012), Nair teria entre 23 e 25 anos de idade.
O momento em que ela começa a participar da Associação é impreciso. Mas será neste espaço que ela conhecerá a imigrante alemã Dóris Volhard-Schierenberg que, após ter aportado no Brasil, com as profissões de governanta, auxiliar de enfermagem e psicóloga infantil, residindo em endereços na rua Augusta e Mateus Grou2 2 . Informações consultadas nos documentos produzidos pela Delegacia Especializada de Estrangeiros, sobre Doris Hermine Ulrike Schierenberg (Volhard, como nome de solteira), entre 1956 e 1977. Nascida em 1908, em Dortmund, tendo chegado a Santos em 1956. Fonte: Fundo “Brasil, São Paulo, Cartões de Imigração, 1902-1980”. Disponível em: https://www.familysearch.org/pt/ , tem acesso à ACN e à amizade com a comunidade judaica, em que os Herz estão. A importância de Schierenberg é tanta que ela é uma das três pessoas a quem é dedicada a edição de Quinze Poemas Negros , de Camargo (1961)CAMARGO, Oswaldo de. (1961), 15 Poemas Negros. São Paulo, Associação Cultural do Negro. e publicada como terceiro volume da série Cultura Negra, da ACN, mostrando assim sua presença nesse universo associativo negro.
Na rua Augusta, onde Dóris morava, também foi a primeira sede da casa de empréstimos de livros fundada por Eva e Curt Herz, imigrantes judeus alemães, em 1947, denominada de Biblioteca Circulante, voltada fundamentalmente para o empréstimo de livros a imigrantes. Se foi Dóris que conhecendo os Herz, talvez por emprestar livros, e frequentando a ACN, que apresenta Nair à Cultura ainda na rua Augusta, de fato, o círculo se fecha. Entre o começo dos anos 1960 até 1971, Nair trabalha com os Herz na Cultura, ficando entre 1969 (data em que a livraria inaugura uma loja no Conjunto Nacional, na avenida Paulista) até sua saída da empresa, como lembra Martha:
Lá no Conjunto Nacional, acho que ela deve ter ficado um ano. Porque, realmente, a minha mãe quando foi pra Cultura, era uma biblioteca circulante. E eu me lembro porque eu ia pra lá, minha mãe me levava, era um sobrado ali na rua Augusta, você tinha que subir uma escada pra chegar lá. Aí chegava naquele piso, e tinha assim acho que umas três salas. E me lembro que tinha lá a Judite, superamiga da minha mãe, que tinha até tatuado o número dela do campo de concentração dela e do marido (Entrevista concedida ao autor por Martha H. F. Araújo, São Paulo, 18 de julho de 2017).
A Livraria Contexto começou a funcionar em 1972, inicialmente na Alameda Tietê. De acordo com Martha, Nair resolveu sair, porque “ela queria ter a própria livraria e ter mais liberdade”. Os sentidos de liberdade aqui podem ser variados, cruzando com as memórias de Pedro Herz. Autonomia para tocar uma ideia de negócio próprio, bem como independência para realizar reuniões com outros ativistas negros. Fato é que, também por meio dessas articulações com uma fração do meio judeu paulistano, Nair conseguirá aporte para abrir a Contexto, com dois sócios:
Tinha a Selma e o Naldo. Que foram os dois primeiros sócios da minha mãe. Ela conhecia a Selma por causa da dona Dora e consequentemente conheceu o Naldo porque as vezes ela ia lá na dona Dora que vendia roupa no Bom Retiro e minha mãe comprava lá e aí conheceu o Naldo. Minha mãe abriu a livraria porque ela tinha um nome na praça e eles a grana. Selma é filha de uma polonesa. Do Naldo eu sei que ele dava aula na USP. Acho que ficaram por uns três anos e aí depois, assim, teve uma época que a Alameda Tiete eles acharam que tinha uma lei de zoneamento, não podia ter estabelecimento comercial e a Contexto lá era uma casa, por isso que era livraria e mini galeria de arte (Entrevista concedida ao autor por Martha H. F. Araújo, São Paulo, 18 de julho de 2017).
Os sócios tratam-se de Selma Erlich e Hunaldo Beiker, ambos ligados ao departamento de antropologia da Universidade de São Paulo (USP). Erlich fez traduções de obras teóricas de antropologia social e Beiker foi docente, por alguns anos daquele departamento3 3 . Agradeço enormemente a Íris Morais Araújo que me colocou em contato com o professor Renato da Silva Queiroz, do Departamento de Antropologia da USP. Queiroz forneceu as informações sobre Erlich e Beiker. . A parceria teria durado ao menos três anos e quando surgiram os problemas mencionados por zoneamento, bem como expectativas sobre os lucros do negócio, houve o encerramento da sociedade, com a livraria passando a ter um outro nome na junta comercial, “Nair Araújo e Cia.”, referente à filha Martha e à irmã, Nazir. Da Alameda Tietê, a próxima sede foi para o bairro da Aclimação, na rua Pires da Mota, 884/886, onde se encontra até os dias atuais. Mais uma vez, a mudança se dá pelas ligações de Nair com um representante do meio judeu ilustrado paulistano:
Minha mãe veio nessa época. Onde é o Senac hoje era uma malharia chamada “PullSport”, de alto nível. Na [Alameda] Tietê ia um cliente da minha mãe que era um amigo querido dela. Era Davi Zeiger. E o seu Davi falava assim: “Nair já que você tá procurando lugar vem ficar perto de mim porque eu tenho que sair da minha casa pra ir lá na Tietê”. Aí aquela parte de cima [da loja] era um fotógrafo e tinha saído. Aí seu Davi falou assim, “Nair, não é como lá na Tietê, mas vem aqui comigo tomar um café na fábrica que eu te mostro lá como é que é”. Aí mamãe gostou. Essa parte de baixo era uma oficina mecânica. Depois com o tempo o cara também saiu. Aí minha mãe falou “porque não ampliar pra cá também” e foi o que ela fez, entendeu? (Entrevista concedida ao autor por Martha H. F. Araújo, São Paulo, 18 de julho de 2017).
Industrial judeu de origem ucraniana, pertencente inicialmente à comunidade moradora do Bom Retiro e com interesses no mundo da cultura letrada, Davi Zieger foi, com sua esposa Milla Libermann Zeiger, dono da PullSport, uma malharia feminina de alto padrão, bem como da Goomtex, produtora de sobretudos e gabardines, com influência nos meios produtivos têxteis paulistas e nacionais, entre os anos 1950 e o começo dos anos 19804 4 . Ver: https://pt.wikipedia.org/wiki/David_Zeiger , https://pt.qaz.wiki/wiki/Mila_Zeiger e https://blognassif.blogspot.com/2015_10_30_archive.html . Acessados em março de 2021. Ver também: Andrade, 2018 . . Essa amizade mencionada pela filha de Nair, entre uma livreira negra e um empresário judeu filantropo interessado em cultura teria possibilitado o aluguel e/ou a aquisição da sede da Livraria Contexto no bairro da Aclimação em São Paulo, próxima às instalações da então PullSport.
“O homem criou o computador, agora o computador está acabando de criar o homem – diz Nair Araújo – dona da livraria e minigaleria Contexto, referindo-se ao atual sentido de Natal. […] “Compra-se tudo com dinheiro, menos afeto e amizade’”5 5 . Suplemento Feminino. “A dona da loja”. O Estado de São Paulo , 3/12/1972, p. 12. . Por ocasião das festas de 1972, é possível acessar uma pequena entrevista de Araújo. Duas notas importantes nesta fala: o sentido da amizade, que pelas narrativas anteriores organiza um decisivo percurso biográfico da dona da livraria. A outra, a Livraria Contexto também chamada de pequena galeria de arte. Nas memórias de Martha Araújo, isso estava no horizonte da mãe, tornando a livraria um ponto de encontro e lançamentos, fosse entre os antigos parceiros da ACN (José Correia Leite e Oswaldo de Camargo), os jovens intelectuais negros do Quilombhoje Literatura (especialmente Cuti) e um circuito de pessoas ligadas à fotografia, escultura e dança. Com o detalhe de que não deveria ser algo exclusivamente para artistas ou consumidores negros, mas que deveria necessariamente incluí-los. “É uma livraria normal. Só com o diferencial do espaço pra escritores negros, artistas plásticos negros, mas não só negros, entendeu?” (Entrevista concedida ao autor por Martha H. F. Araújo, São Paulo, 18 de julho de 2017).
Livraria eboh (São Paulo, 1986-1991)
Nair Araújo faleceu em 1984 e a Contexto continuou conduzida por sua irmã e filha em parceria, até que posteriormente, apenas sua filha, Martha Araújo estivesse à frente dos negócios. Dois anos depois do falecimento de Nair, também na capital paulista, um comércio semelhante ao seu foi fundado por jovens ativistas negros. Havia, entretanto, duas diferenças fundamentais. A primeira, geracional, pois eram militantes nascidos no final dos anos 1940 e início da década seguinte. Seu local de ativismo e encontro, inclusive, se daria no Centro de Cultura e Arte Negra (Cecan), instituição sucessora da Associação Cultural do Negro, da qual Nair fizera parte (Silva, Medeiros da, 2012). A segunda distinção, era o foco do negócio. A Eboh – Livraria e Editora, além de planejar ampliar sua atuação rumo ao mercado editorial, apresentava-se em matérias de jornais como a primeira e única livraria especializada em assuntos negros no país.
Arnaldo Xavier (1947-2004) poeta e administrador de empresas, 39 anos; Isidoro Telles de Souza (1946-), professor de Física e metroviário, 40 anos; Márcio Damásio (1954-1991), sociólogo e analista de sistemas, 32 anos; e Mário Luiz de Souza Lopes (1954-2012), advogado, poeta e pesquisador de cordel, 32 anos6 6 . Os dados biográficos de Xavier estão no Dicionário Afro-Brasileiro . De Souza Lopes, encontram-se nesta homenagem da revista Mallamargens: http://www.mallarmargens.com/2014/08/a-poesia-de-souzalopes-12081954.html . Uma reportagem da Folha de S. Paulo , de 1987, ofereceu as idades e profissões: “Livraria Eboh, a cultura negra em SP”. Folha de S. Paulo , Ilustrada, 22 de setembro de 1987, p. A30. Já as informações a respeito de Damásio foram muito rarefeitas. Contudo, foi anunciada sua morte por leucemia, aos 37 anos, em janeiro de 1991, em nota do jornal Maioria Falante: “Lacuna impreenchível”. Maioria Falante , Rio de Janeiro, ano IV, N. 23, fev/mar, 1991, p.7. , foram os fundadores da Eboh. Deles, apenas Isidoro pôde ser alcançado para narrar o projeto da livraria sediada no Bixiga, bairro historicamente com grande presença negra em São Paulo, à rua Conselheiro Ramalho, 688 ( Santos, 2017SANTOS, Carlos J. F. dos. (2017), Nem Tudo Era Italiano: São Paulo e Pobreza (1890-1915). São Paulo, Annablume. ). Segundo Isidoro, nenhum deles possuía experiência familiar com o comércio livreiro, tampouco de trabalho no ramo. No entanto, parte dos debates da militância no âmbito do Cecan e, posteriormente, no Movimento Negro Unificado (MNU), os levaram a discutir sobre a necessidade de um lugar que pudesse ser um ponto de encontro e de reunião de informações sobre a experiência negra.
Eu sempre gostei de livros. O Arnaldo e o Souza Lopes, eram poetas, escritores, faziam parte do grupo de escritores. Então tinha uma afinidade muito grande com livros, livrarias. O Márcio era o sociólogo, mas trabalhava na área de informática. Então isso era ainda consequência da militância, eu acredito que numa terceira fase, final dos anos 1980, os anos 1970 a gente militou no Cecan, depois na Federação das Entidades Negras do Estado de São Paulo e as gerações novas vão surgindo, a gente vai se afastando e querendo fazer alguma coisa que pudesse ter alguma sustentabilidade, dentro do mercado, não só uma militância cultural com ajudas e aportes do Estado ou de empresas, mas alguma coisa que a gente pudesse empreender (Entrevista concedida ao autor por Isidoro Telles de Souza, Goiânia[Skype], 13 de julho de 2017).
Essa discussão remete aos Encontros de Poetas e Ficcionistas Negros, ocorridos nos anos 1980, que depois seriam convertidos em livros como Reflexões sobre a literatura afro-brasileira (1985) e Criação Crioula, nu elefante branco (1987). Ali aparecem discussões sobre projetos editorais e formas de viabilizar publicações autossustentadas da literatura negra brasileira. Xavier foi um dos organizadores desses encontros, interlocutor do grupo Quilombhoje Literatura e colaborador da série Cadernos Negros , editada por aquele coletivo. Isso pode ter sido importante para que ele, naquele grupo de amigos interessados em literatura, fosse o responsável, segundo Isidoro, em nomear o comércio. “Esse nome quem deu o nome foi o Arnaldo. O Eboh é uma alusão ao Ebó do candomblé, alimento pra cabeça, signo da orixalidade” (Entrevista concedida ao autor por Isidoro Telles de Souza, Goiânia[Skype], 13 de julho de 2017).
O nome chamava atenção dos veículos de informação e atraía os ativistas negros ou pesquisadores interessados em assuntos afro-brasileiros, com certa alusão à religião de matriz africana, ou reaproximação com uma certa ideia do que seria África, na impossibilidade de circular fisicamente até lá. O ebó, como alimento para a cabeça, também seria capaz de promover um trânsito das ideias, no espaço físico da Eboh7 7 . “A hora do ebó”. Leia Livros , São Paulo, fevereiro de 1987, p. 08. . Isso estava na proposta de organização e no quilate das apostas que os fundadores faziam à ocasião:
A livraria Eboh […] especializada em livros sobre a negritude, completou um ano de existência dia 18. Nesse período, de simples junção de livros das bibliotecas privadas dos quatro proprietários, expandiu-se para uma livraria com 1.300 títulos e se tornou, segundo Maria da Graça Silva, 37, gerente e divulgadora, a única especializada na América Latina em livros sobre o movimento negro, sendo já conhecida em países como o Japão, os EUA, Espanha etc. […] Reunir esses livros foi um projeto longamente amadurecido. Seus quatro donos, todos profissionais liberais, trabalham na livraria à noite, após o expediente. […] Os quatro donos são oriundos de movimentos militantes negros dos anos 70 e chegaram à conclusão, no fim de 85, que era necessária ‘uma reciclagem de reflexão sobre o movimento negro’[…] Damazo [sic] comenta que foi um trabalho pesado “ exaustivo, pois não havia um modelo ou projeto a ser seguido, ele teve de partir de nós ”. Conta que passaram os dez dias na Bienal do Livro, do ano passado, levantando livros e catálogos, que no total chegaram a quinhentos títulos. […] O segundo passo foi entrar em contato com as editoras independentes do país, colhendo obras que não tinham divulgação. […] Hoje, observa Damazo[sic], ‘nós já temos na livraria, livros russos que contêm a experiência do negro, livros cubanos, portugueses e espanhóis’. […] ainda não há condições de importação direta pela livraria devido ao custo, mas ela possui cerca de setenta títulos de editoras portuguesas como a Edições 70, Afrontamento, todos de autores africanos de língua portuguesa. [...](sic)8 8 . “Livraria Eboh, a cultura negra em SP”. Folha de São Paulo , Ilustrada, 22 de setembro de 1987, p. A30. Ênfase minha.
A longa citação revela um projeto ambicioso e importante na mesma medida em que mostra o desconhecimento da experiência da Contexto a alguns bairros de distância na mesma cidade. Na entrevista que me concedeu, Isidoro Telles revelou que ignoravam o trabalho e a existência de Nair Araújo e tampouco que passavam pelos mesmos debates que ela enfrentou, conferindo solução diferente da dela. Sua posição individual era semelhante à de Araújo – uma livraria especializada em autores negros, mas não exclusiva – por razões de sobrevivência do comércio. Mas não foi a sua ideia que venceu o debate sobre a orientação da livraria:
Eu me lembro que nós fizemos uma discussão: a livraria Eboh seria exclusiva ou especializada em temas e autores negros? E aí acabou vencendo a ideia de que seria exclusiva. Porque uma coisa você ser exclusiva basta você ter meia dúzia de livros de autores negros, correto. Agora especializada dá pra você conhecer todo o universo e ter os autores negros e vender qualquer tipo de livro, livros que vendem. Pra sobreviver você precisa ir além do romântico além da militância, da utopia. Sabe o que aconteceu com as livrarias normais? Elas todas criaram uma seção de livros de autores e temas negros. Os militantes conheciam, ficam sempre entusiasmados, é a primeira, nunca houve, essa história toda. Mas não passa da emoção, da satisfação de ver que também é possível (Entrevista concedida ao autor por Isidoro Telles de Souza, Goiânia[Skype], 13 de julho de 2017).
Além disso, do ponto de vista comercial, a localização da Eboh, na sua opinião, não era boa. Mantinha uma relação afetiva com o histórico bairro negro do Bixiga. Mas não era um local central, de fácil passagem. A isso se refere o romantismo da iniciativa, por Isidoro. E isso, de certa maneira, está expresso na mensagem de Damásio:
Nossa proposta é muito mais que manter uma livraria e editora. Esta é apenas uma das faces do “Projeto Eboh”, que pretende de uma forma apartidária atingir o maior número possível da população negra de nosso país, sem nos preocuparmos com os 500 militantes que há anos vêm discutindo a questão negra, com métodos e fórmulas viciados, que acabaram não levando a nada. Esta é a nossa razão de existir (sic)9 9 . “Eboh Editora e Livraria Ltda”. Acorda Negro: Boletim Informativo dos Grupos Negros da Grande São Paulo, São Paulo, ano 2, n. 3, maio/1987. .
A tensão entre o projeto comercial, existencial da Eboh e uma visão da militância negra está posta nesta fala. Assim como numa trajetória que ignora sua antecessora, a Contexto, mostrando distanciamento geracional da militância do passado e do seu próprio presente: embora contemporâneos ao MNU, por exemplo, isso não significou, uma maior aproximação: “Eu não sei se não viam isso como iniciativa pequena burguesa, o normal é ser de esquerda e ser um pouco fora de mercado, capitalista” (Entrevista concedida ao autor por Isidoro Telles de Souza, Goiânia[Skype], 13 de julho de 2017). A Eboh, neste sentido, é um projeto simultaneamente ambicioso e, em certa medida, isolado de seus pares, o que contribuiria para a sua curta existência.
Isso não impediu, contraditoriamente, que houvesse apoio, da Eboh, ao II Encontro de Poetas e Ficcionistas Negros – Rabo de Negro, Corpo de Brasileiro (1986); que as atividades da livraria e seu passo rumo a se tornar editora fossem divulgadas em jornais como Maioria Falante , do movimento negro carioca; ou que ela mantivesse aproximação estreita com os membros dos Cadernos Negros ; que dentre os mais de mil títulos presentes no acervo da livraria, como se anunciava, alguns só se encontrassem lá por serem produção independente e autofinanciada de autores negros10 10 . “Eboh: livraria mobiliza o país”. Rio de Janeiro, Maioria Falante , 05 de junho de 1988; “Quilombhoje realiza noite de literatura”. São Paulo, Diário Popular, 9 de setembro de 1988. ; que fosse um ponto de encontro e lançamento de pesquisadores11 11 . “A Livraria Eboh, a Fundação Carlos Chagas e o Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra convidam para o lançamento de Raça Negra e Educação, número especial de Cadernos de Pesquisa […] Este número, organizado por Fúlvia Rosemberg e Regina Pahim Pinto, reproduz as comunicações e os debates ocorridos durante a realização do seminário “O Negro e a Educação”, em 1986 […]” Cf. “Raça negra e educação”. O Estado de S. Paulo , 16 de dezembro de 1987, p. 27. ; ou ainda que ela fosse a livraria oficial presente nas atividades dos Cem Anos da Abolição promovidas pelo Museu de Arte Moderna de São Paulo e pelo Ministério da Cultura, entre agosto e setembro de 1988.
A dificuldade de sustentabilidade do projeto foi a grande questão dos anos de existência da livraria. De um lado, a reorganização interna da sociedade dos quatro amigos. De outro, a ampliação de suas atividades para a empreitada editorial. No primeiro caso, já em meados de 1988, o quarteto fundador havia se resumido à dupla Isidoro e Damásio, apesar dos negócios terem conseguido atravessar a crise dos planos econômicos do final da década: “São vendidos cerca de 300 volumes/mês, que representam um faturamento modesto […] A livraria vende hoje títulos de 150 fontes diferentes.[…]”12 12 . “Bexiga tem a única livraria do país especializada no negro”. Folha de S. Paulo , 11 de junho de 1988, p. D2 . A saída dos sócios, de acordo com Isidoro, foi amigável, da mesma forma como se daria com ele. A avaliação era de que se tratava de um negócio pequeno para quatro pessoas, mas viável para duas e talvez factível e desejável para apenas uma:
O Arnaldo se afasta eu compro a parte dele e em seguida o Souza Lopes também se afasta e eu transfiro pro Márcio, tudo fica com o Márcio. O Arnaldo por uma questão financeira, casou, uma questão particular dele. O Souza também, foi uma questão financeira porque eu e o Márcio queríamos investir. Eu trabalhava no Metrô, estava mais estável, Márcio mais arrojado também. Então nós queríamos investir. E aí eu falei, “não, Márcio, tá pequeno pra dois? Então como vamos fazer? Ele falou: “Não eu compro, eu assumo, vou tocar” (Entrevista concedida ao autor por Isidoro Telles de Souza, Goiânia[Skype], 13 de julho de 2017).
Entre 1989 e 1991, a Eboh ficou a cargo de Márcio Damásio. Houve a parceria para a publicação, com a editora Cortez, do livro África do Sul: apartheid e resistência , do sociólogo holandês Klass de Jonge, em 1991, à época professor visitante na Universidade de Brasília (UnB)13 13 . “Holandês lança livro sobre apartheid”. Ilustrada, Folha de S. Paulo , 6 de setembro de 1991, p 5-3. À ocasião, o lançamento contou com debate de Florestan Fernandes, Alfredo Bosi, Leci Brandão, Estevão Maya-Maya, Ladislaw Dowbor e Antônio Aparecido. . Considerando o falecimento de Damásio noticiado em janeiro daquele ano e este lançamento em setembro, o projeto de edição deve ter ocorrido no ano anterior, se resumiu a um único livro, e naquele momento, a livraria estava sendo tocada por sua esposa, Elida, com novas parcerias, como dá a entender a nota do jornal Maioria Falante de junho/julho de 1991:
Vimos através desta informar que a livraria Eboh está se transferindo (ainda em caráter provisório) para a livraria e editora Cortez. Queremos colocar que os esforços em se conseguir definitivo para a livraria especializada em temas e autores negros no Brasil continua [sic]. Na certeza de breve podermos estar recebendo, divulgando e vendendo nosso jornal Maioria Falante na livraria Eboh, num local definitivo, despeço-me (Maria da Conceição Prudêncio)14 14 . “Cartas”. Maioria Falante , Rio de Janeiro, junho/julho de 1991, p. 2. .
Se os anos finais da experiência considerada ímpar da Eboh são menos conhecidos, a pergunta é qual o saldo da empreitada. Os pontos de balanço são ao menos três. O primeiro, feito pelo fundador remanescente e é severo com os potenciais realizados e alcançados:
[...] tivemos a ideia, pusemos em prática, eu acho que é possível fazer as coisas, agora, precisa pensar muito mais, precisava olhar mais o contexto do mercado, pensar mais estrategicamente, uma coisa que foi pouco pensada no ponto de vista estratégico, olhar mercado, olhar a realidade, então no ponto de vista de falar, “ah, fizemos a primeira livraria, interessante, dá pra fazer, mais emocional”, foi interessante, foi bom. É. Mas do ponto de vista prático, de ter consequência, de ter resultado, eu acho que foi muito pouco” (Entrevista concedida ao autor por Isidoro Telles de Souza, Goiânia[Skype], 13 de julho de 2017).
O segundo balanço, pela possibilidade de seu esforço ter inspirado, segundo jornal da época, outro semelhante, no sul do Brasil15 15 . “A exemplo da Eboh, em São Paulo, foi inaugurada no dia 1 de agosto a Livraria Ponto Negro Brasileiro , em Porto Alegre. Além de comercializar livros que tratem sobre a cultura negra, visa também servir de canal para edição de obras de autores negros e divulgá-los. Os proprietários são os jornalistas Paulo Ricardo Moraes, o historiador Guarani Santos e Anélio Cruz. Segundo Paulo Ricardo, a livraria abriu com cerca de 1.200 títulos referentes à questão negra, demonstrando o quanto vem sendo trabalhada essa temática”. A matéria ainda prossegue mencionando lançamento de livros com Paulo Colina e Éle Sémog e de uma coleção coordenada por Paulo Ricardo denominada Pensamento Negro . Cf. Maioria Falante , Rio de Janeiro, agosto/setembro, 1989, p. 11. Encontrei referências esparsas sobre essa livraria em redes sociais, na década de 2000, o que não me permitiu avançar em sua análise. , ao passo que sua escalada editorial não passou de um primeiro livro; o terceiro ponto, diz respeito ao impulsionamento de uma outra livraria em São Paulo, diretamente herdeira de sua história, da qual tratarei a seguir.
Da eboh à livraria griot (São Paulo, 1993-1996)
A experiência da Eboh não se encerrou com o falecimento de Márcio Damásio. A nota anterior de que o acervo da antiga livraria iria para um outro local de armazenamento indicava também a articulação de um novo grupo de ativistas negros que resolvem tocar o projeto adiante. Em comum, a ausência de experiência da maioria no comércio livreiro. A diferença agora será a escolha do local, saindo do Bixiga para uma parte de maior circulação do centro da capital, a Galeria Metrópole. José Luiz dos Santos, um dos sócios desta nova livraria, relatou assim a história:
Não tinha essa experiência; tinha sim, esse amor por livros. E havia a livraria Eboh, onde eu frequentava, e no início da década de 1990, após eu sair de uma empresa, que eu trabalhei há anos, eu já havia me proposto a ter parte, sociedade, com a Eboh. Maria da Conceição [Prudêncio], quem tinha experiência de livreira, a partir daí a gente propôs criar uma livraria ali com o capital nesse momento. E a Terezinha Malaquias, também uma autora, artista a partir de seu trabalho como modelo vivo, nós criamos a Livraria Griot. Foi ali, 1992 para 1993. E em um outro momento, a Terezinha Malaquias saiu da sociedade, e entrou o Isaac, e depois na fase final digamos assim, entrou a [escritora] Miriam Alves. O nome “Griot” foi uma sugestão de um irmão de batalha da gente, o Roberto, em que ele propôs o Griot, a partir da questão da oralidade, e a gente achou de fato ser muito bom, a gente estar referenciando a oralidade como a livraria (Entrevista concedida ao autor por José Luiz de Jesus, São Paulo, 26 de junho de 2016).
Griot e Eboh se confundem nesses primeiros anos, no intervalo em que o acervo da Eboh se encontrava na Galeria Metrópole, no espaço que era o depósito da livraria Cortez. Essa mediação e simultânea existência se dá entre 1992 e 1993, pelas datas dos documentos. Exemplo: Durante a crítica à pouca promoção e distribuição precária do filme de Spike Lee, em São Paulo, Malcom X , noticiou-se que: “na pré-estreia do filme que leva seu nome, organizada pela Eboh Editora e Livraria e outras associações do movimento negro e a distribuidora Fox, realizada anteontem no Cine Arouche A, as palmas não faltaram”. E mais adiante, lê-se: “Mais impaciente com a situação do racismo no país, José Luís de Jesus, 39 […] é proprietário da Livraria Griot, especializada em temas e autores negros, na Galeria Metrópole da Avenida São Luís”16 16 . Scalzo, Fernanda. “‘Malcolm X’ ganha circuito ‘bairro-cabeça’”. Caderno São Paulo, Folha de S. Paulo , 8 de abril de 1993, p. 3-8. .
José Luiz me relatou que também não conhecia outras experiências livreiras e editoriais negras, antecessoras à dele e da Eboh. E mesmo esta foi um encontro entre a sua militância negra e a paixão por livros e livrarias, no centro de São Paulo. De toda maneira, reencenavam em meados dos anos 1990 propósitos semelhantes com impasses aproximados da Contexto, da Eboh e de outras iniciativas no meio editorial negro:
Nós trabalhávamos com temas e autores negros, era uma forma que a gente via ali de estar fechando o objeto que nós queríamos, então, ou era um autor ou seria qualquer outra, outro pesquisador, estudioso, escritor que focasse a questão afro, a questão do negro. A Griot era um instrumento dentro [do movimento negro], embora com esse perfil empreendedorismo, aí muda muito porque você tem despesa e receita, é outra coisa. A Griot extrapolou e muito a questão de comercializar livros. Nós tínhamos lançamentos que eram happenings , bastante felizes, satisfeitos, era ponto de encontro, era um ponto social, ia pra bem além da frieza da comercialização, aqui é paixão (Entrevista concedida ao autor por José Luiz de Jesus, São Paulo, 26 de junho de 2016).
“A Griot é também espaço cultural, mostra trabalhos de artistas negros e vende a agenda afro-brasileira 96”17 17 . Revista da Folha , 1996, pp. 46 e 49. . Essa ideia de ponto de encontro, naquela década, permitiu alcançar as ações político-culturais tanto da geração do Quilombhoje, responsável pela edição dos Cadernos Negros , já com mais de uma dezena e meia de volumes, de um lado, onde se podia encontrar seus volumes18 18 . Jones, Frances. “Quilombhoje navega com literatura negra”. Folha de São Paulo, Seu bairro, 25 de setembro de 1995, p. Z-16. E “Escritores negros”. O Estado de São Paulo , Seu bairro, 1 de outubro de 1995, p. C6. ; de outro, ter interlocução com os anos importantes da experiência do hip hop e do pagode paulistano, que se reunia na região central de São Paulo.
[...] ela também surgiu em um momento de efervescência da questão negra em São Paulo, no próprio Brasil, os anos 1990, foram aqueles anos onde a musicalidade negra foi chapante, o surgimento da revista Raça , também era um momento onde o hip hop se afirmava. Inclusive a morte do Eazy-E é um marco bastante nítido assim, dentro da galeria inclusive um de nossos funcionários fazia parte do movimento de uma das posses né, que é como se chama as organizações, no caso a Força Ativa, tinha a Posse Haussas, quer dizer era uma vertente considerável(Entrevista concedida ao autor por José Luiz de Jesus, São Paulo, 26 de junho de 2016 )19 19 . Eazy-E foi ex-membro do grupo de rap estadunidense NWA, morto em 1995, vítima da AIDS. A Posse Força Ativa foi criada na zona norte de São Paulo, em 1989, no bairro de Santana e seria a segunda posse na cidade, depois da criação do Sindicato Negro. “Os integrantes da Posse Força Ativa, unidos pela sede de conhecimento, se reuniam na praça que dava acesso ao metrô Santana. Mesmo à revelia e muitas vezes expulsos pelos guardas do metrô. [...] Depois disso, o grupo se transfere para a sede do PT (Partido dos Trabalhadores) e em seguida para livraria Griô (sic), na Galeria Metrópole” ( Santos, 2006 , p. 198). Sobre a Posse Haussas, foi criada em São Bernardo do Campo, em 1993, e seus membros inicialmente também eram integrantes do Movimento Negro Unificado (MNU) ( Bastos, 2020: 65-85). .
Durante três anos, abrindo diariamente na Galeria Metrópole, funcionando das 08h às 18h, com plantões excepcionais até mais tarde e não sendo a ocupação principal de nenhum de seus donos, a Griot existiu no centro da capital paulista.
Não deu lucro, mas havia uma enorme vontade, um aprendizado ali. E nós queríamos aprender no corpo a corpo mesmo o que era estar dentro desse mercado. Então nunca houve interesse em ser algo atrelado a governo ou a qualquer coisa. Havia sim um bom relacionamento com as pessoas da comunidade, o próprio Conselho [Estadual de Participação da Comunidade Negra] foi sempre um parceiro (Entrevista concedida ao autor por José Luiz de Jesus, São Paulo, 26 de junho de 2016).
Nesse sentido, a esgrima com o mercado levava, na base da força de vontade, a querer organizar o ponto de encontro e a editar livros.
[...] Criaram um polo de referência de cultura afro. O espaço também abriga exposições de artes. Na sexta foi lançada ali a agenda afro-brasileira, criada por Acassio Almeida e Lucilene Reginaldo (Núcleo de Estudos da PUC). A Griot (feiticeiro africano em francês) editou um livro de poesias: “Dimensões” de Marta André. Lá, você acha também desde a biografia de Billie Holliday, até títulos infantis, passando pelo livro do filósofo norte-americano Cornel West. Quem prefere leitura mais descontraída pode conferir a revista “Pode Crê ” , voltada para rappers, modetes e blacks afins [sic]20 20 . Fabiano, Sônia. “Cultura Afro já tem lugar certo”. Folha de São Paulo , 4 de dezembro de 1994. O nome correto do pesquisador é Acácio de Almeida. E griot significa contador, guardião de histórias, uma posição simbólica importante. Sobre a revista PodeCrê , uma iniciativa criada em 1993 pelo Geledés Instituto da Mulher Negra, que aproximava os temas juventude negra, cultura de rua e hip hop, no Projeto Rappers , ver: https://www.geledes.org.br/revista-pode-cre-memoria-institucional/ .
Sobre o encerramento das atividades, José Luiz afirmou: “Acabou porque ela não se pagava. Portanto não se viabilizou”. Desta forma, a paixão pelos livros não foi suficiente, tampouco o apoio de frações do movimento negro. E com isso houve a saída da Galeria da Metrópole, o encerramento das atividades livreiras e a tentativa de novas parcerias de eventos, abrigo e circulação do acervo, com o Conselho de Participação da Comunidade Negra e o restaurante Afro Gamelas.
Esse acervo foi para o Conselho da Comunidade Negra, onde era administrado, digamos. A partir desse momento não foi mais emitida nota fiscal, não foi mais adquirido material e esse acervo ele foi sendo diluído. Nesse período a Griot acumulou uma série de eventos: ela passou a ter um evento chamado personalidade Griot onde nós homenageávamos alguém da nossa comunidade anualmente; havia uma atividade voltada aos jovens que era a Young Black e havia uma atividade pra crianças que era Brincando na Griot ; então nós fizemos uma parceria com o restaurante Gamelas onde havia os livros expostos, a gente tinha até o slogan de “alimento para o corpo e para o espírito”. Eu como sócio gerente continuei, os outros sócios se afastaram, não oficialmente, mas se afastaram. Eu fiquei a frente desse projeto por questão de ideal e que vem até hoje (Entrevista concedida ao autor por José Luiz de Jesus, São Paulo, 26 de junho de 2016 )21 21 . Sobre o Gamelas, que existiu na zona oeste, na região de Pinheiros, criado por Maria Augusta da Silva Antonio, posteriormente em sociedade com Erotildes Maria Monteiro, Genésio de Arruda e Inês Nicácio, ver: “Dona de restaurante afro começou vendendo colares”. Folha de S. Paulo , 30 de março de 1997. Ao que parece, continuou suas atividades até o começo da década de 2000. .
O dilema entre a paixão pelos livros, apoios intermitentes dos movimentos negros e a necessidade de financiar um comércio livreiro é uma constante de todas essas experiências e não será diferente com a única livraria negra que consegui localizar na capital mineira, do final dos anos 1990. O caso da Sobá Livraria e Café é de extrema importância para compor esta rede de experiências, por exprimir dificuldades semelhantes numa cidade na qual há experiências editoriais negras distintivas (como a Mazza Edições, criada em 1981 ou a Nandyala Editora, em 200022 22 . Sobre essas editoras, suas histórias e acessar seus sites, ver: http://www.letras.ufmg.br/literafro/editoras ) e história de ativismo negro longevas, bem como por referenciar sua congênere paulista, encerrada anos antes.
Sobá livraria e café (Belo Horizonte, 1999-2018)
No final dos anos 1990, existiu a Sobá Livraria e Café, fundada por duas mulheres negras em Belo Horizonte. A data do seu encerramento é incerta, pois o ano de 2018 consta como o de situação cadastral inapta na consulta por seu CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica). No entanto, quando entrevistei as sócias Celeste Libânia e Rosane Pires, em 2010, a livraria funcionava em espaço físico na capital mineira, numa área da cidade considerada de boa localização, o que era muito importante para ambas:
Depois de 8 anos de itinerância (participando exclusivamente de eventos pelo país), a Sobá fixou lugar em um bairro nobre da zona sul de BH. A ideia foi de proporcionar à comunidade negra o acesso a um lugar bonito, bem montado, arejado, espaçoso e na zona sul da cidade. Não nos interessava a periferia. As ruas sempre foram da comunidade negra, Belo Horizonte respira cultura negra, nós negros estamos por todo lado da cidade, estar na zona sul não seria novidade para ninguém, só bastava um incentivo e fizemos isso quando instalamos a Sobá na zona sul. As atividades que fazemos aqui na livraria é exatamente uma forma de dar visibilidade à cultura negra local e mostrar à comunidade belorizontina o quanto que somos atuantes, em especial, o nosso poder de atuação e transformação na cidade (Entrevista concedida ao autor por Celeste Libânia e Rosane Pires, Belo Horizonte [email], 19 de janeiro de 2010 )23 23 . O endereço era na Rua Rio de Janeiro, 1278, no bairro belohorizontino de Lourdes. .
As fundadoras se autodeclararam à ocasião como duas mulheres negras, com 40 anos de idade aproximadamente, ambas professoras e formadas em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A Sobá teve como propósito e nome
[...] a palavra quimbundo Soba que significa velho sábio responsável pela transmissão dos conhecimentos à comunidade. Hoje a Sobá Livraria está assentada em três pilares: ancestralidade, sabedoria e semeadura . Três palavras femininas que guardam a essência da ideia primordial de quando pensamos em fundar uma livraria. A ideia de livraria étnica surgiu a partir das nossas palestras em escolas públicas, convidadas pela direção ou professoras das escolas, para falarmos sobre racismo, negritude, como trabalhar a questão racial em sala de aula. Isso nos meados dos anos 1990. Foi buscando solução para os questionamentos constantes, é que pensamos na criação de uma livraria onde os professores pudessem encontrar material para trabalhar a cultura afro-brasileira com os seus alunos. A Sobá Livraria começa aí, isso por volta de 1999 (Entrevista concedida ao autor por Celeste Libânia e Rosane Pires, Belo Horizonte [email], 19 de janeiro de 2010).
Diferente de outras iniciativas, Libânia e Pires conheciam ao menos outras experiências de circulação e edição negras em São Paulo (Eboh) e em Minas Gerais (a editora Mazza). Na capital mineira, no que dizia respeito à esfera da circulação, afirmavam-se ser pioneiras, pois “A Sobá existe em Belo Horizonte desde 9 de março de 1999 e sempre foi (e ainda é) referência em muitas capitais brasileiras, pois onde havia eventos da comunidade negra lá estava a Sobá com uma mesa, uma estante e suas caixas abarrotadas de livros” (Entrevista com Celeste Libânia e Rosane Pires ao autor, por e-mail, 19 de janeiro de 2010). A experiência da Sobá, atravessada pela interrupção, foi promissora e permite enfeixar, em Minas Gerais, um cenário de edição e circulação da literatura negra brasileira e internacional, como atesta o panorama histórico de editoras mineiras, publicado pela Faculdade de Letras da UFMG:
Em Minas Gerais a Mazza Edições, uma gráfica-editora, foi pioneira na publicação da literatura escrita por negros brasileiros. Mais recentemente, nasceu a Nandyala, uma livraria-editora, que, em seu espaço constituído de duas salas e uma pequena área externa, promove noites de autógrafos com autores africanos e afro-brasileiros, encontros com escritores e cursos sobre temas de interesse na área. Na mesma esteira está a Sobá, que começou como estande em eventos e hoje é uma livraria-café-galeria e daqui a pouco, quem sabe, vai também se tornar uma editora. Uma curiosidade: esses três empreendimentos pioneiros, todos sediados em Belo Horizonte, são dirigidos por mulheres negras, mestres e doutoras nas áreas de comunicação social e letras. [….] Se em Belo Horizonte a Nandyala, além de referência, é uma das poucas livrarias especializadas em literatura africana, quando pensamos na região sudeste e, mais amplamente, no Brasil, vemos que essa bandeira é levantada também pela Sobá Livraria e Café, em Belo Horizonte, e pela Kitabu, aberta um ano e meio depois da Nandyala, na Lapa/RJ. A Kitabu, como era de se esperar, também vende livros da Nandyala. ( Queiroz, 2009QUEIROZ, Sonia (org.). (2009), Editoras Mineiras: Panorama Histórico. Belo Horizonte, FALE/UFMG, v. 2.: 10, 27)
Mesmo com poucas informações, comparada aos outros casos aqui analisados, a experiência da Sobá opera com característica que serão reencenadas na história de livrarias negras: a itinerância e importância da sede física, em espaços que conjugassem a aproximação com o meio negro e a viabilidade do negócio; a tentativa de diversificação do comércio (café e galeria, semelhante à Contexto) para atração de públicos diversos dentro e fora do movimento negro. O protagonismo feminino negro aliado à escolarização superior, na dupla da Sobá, as aproximará comparativamente de outra experiência fora da capital paulista, a Kitabu, iniciada num momento em que a Sobá fazia planos, segundo o histórico de comércio livreiro mineiro, de se tornar uma editora – o que não ocorreu.
Kitabu livraria negra (Rio de Janeiro, 2007-2012/2018-)
A menção à Kitabu Livraria Negra nas referências à Sobá, consoante à experiência de circulação comercial das obras de literatura de autoria negra é importante. Tratava-se de uma rede articulada, que se conhecia e reconhecia em encontros acadêmicos ou eventos específicos pelo país, em meados dos anos 2000, somando esforços com o mesmo fim, sem maiores estreitamentos. Além disso, a experiência de mulheres em parceria, com formação universitária completa e militância no movimento negro, bem como interesse em possuir uma sede física, faziam de Fernanda Felisberto e Heloísa Marcondes, sócias fundadoras da livraria carioca, sediada na ocasião na Lapa. O projeto da Kitabu foi interrompido por volta de 2012 e retomado posteriormente, encontrando-se em atividade atualmente, em ambiente virtual apenas, tentando se ampliar para o meio editorial24 24 . Cf.: https://www.kitabulivraria.com.br/home/4/Sobre-a-Kitabu Acessado em 01 de abril de 2021. . Quando as encontrei, tratava-se de uma pequena livraria no famoso bairro boêmio carioca e segundo suas fundadoras:
[Fernanda Felisberto]: A minha história de ativismo começa em 1992, 1993, porque eu participei do primeiro SUN [Seminário de Universitários Negros no Brasil], em Salvador e foi a partir dessa minha história de militância, pelo viés acadêmico, pelo viés universitário. Eu venho com a história acadêmica, a Heloísa com a experiência do movimento social, aí a gente vai e abre a livraria. [Heloísa Marcondes]: As pessoas sabem que a gente abriu essa livraria, mas que são duas pessoas oriundas do movimento negro. Eu, por exemplo, sou nascida e criada no Morro do Macaco, na Vila Isabel. Comecei no movimento social, fui pro movimento negro com a pastoral das favelas, dentro do movimento de mulheres negras. Encontro Fernanda no final da década de 1980. Aí a gente começa a conversar sobre essa história. Fiquei um período em Londres, com minha filha pequena, e lá havia muita literatura infantil negra. Eu falei assim: “Meu deus! Como é que pode a gente não ter nada disso? E na verdade a gente já tem esse projeto desde 2003, mas a livraria de fato só foi inaugurada em18 de maio de 2007 (Entrevista concedida ao autor por Fernanda Felisberto e Heloísa Marcondes, Rio de Janeiro, 1o de agosto de 2009).
Segundo Felisberto, a ideia do nome foi fruto de sua experiência acadêmica internacional.
Eu fiz o mestrado fora do Brasil, no Colégio do México. E lá tem um centro de estudos africanos. Eu consegui bolsa e fui pra lá; aprendi, durante o período do mestrado, que Kitabu é livro em suaíle. E aí, na verdade a gente queria um nome que remetesse a uma africanidade, mas que também não se consolidasse em termos de uma homenagem específica pra não dar problema de dinheiro, exatamente. (Entrevista concedida ao autor por Fernanda Felisberto e Heloísa Marcondes, Rio de Janeiro, 1o de agosto de 2009)
Com isso também, havia a preocupação de se tornar uma livraria especializada na autoria negra brasileira e estrangeira. Ali havia
[...] vários títulos que você não encontraria em nenhuma outra livraria, salvo essas, também um espaço de alguns títulos que para algumas editoras isso representa fundo de catálogo, que é a temática racial. Por exemplo, a editora Rocco tem dois livros, um chamado de Amor e Desespero , da Alice Walker, e outro título que é Eu, Tituba, a feiticeira negra de Salém . Aqui na loja o livro chega e vai embora, sai. Lá na Rocco, ela é fundo de catálogo (Entrevista concedida ao autor por Fernanda Felisberto e Heloísa Marcondes, Rio de Janeiro, 1o de agosto de 2009).
Conhecendo as experiências mineiras, Felisberto e Marcondes não relataram algo sobre suas antecessoras paulistas. No Rio de Janeiro, à ocasião, afirmavam-se como pioneiras, tendo a ideia de uma sede fixa. Entretanto, o livreiro negro Papaléguas (Ademar Olímpio da Silva) era já conhecido pela experiência de itinerância de venda de livros pela cidade desde o final dos anos 197025 25 . Ver: “Um livreiro alternativo”. Jornal do Brasil , Perfil, 19 de fevereiro de 1988, p. 2 http://nucleodememoria.vrac.puc-rio.br/content/eluard-papaleguas-gavea-1982 Acessado em 1/4/2021. Atualmente, Papaléguas mantém um perfil na rede social denominado Livraria da Diáspora Papaléguas: https://www.facebook.com/Livraria-da-Di%C3%A1spora-Papal%C3%A9guas-496333887184714/ , mas sem sede fixa, tal qual era a preocupação da Kitabu e da Sobá. O chamado “Beco do Rato” da Lapa, onde elas estavam à época, exigia o funcionamento em horário alternativo, no período vespertino até altas horas da noite, para poder acompanhar o ritmo do bairro. Na avaliação de Felisberto,
É claro que se a gente estivesse em um outro espaço que seja um público leitor, no miolo do Rio, ali no Largo da Carioca, você tem a Livraria da Travessa, você tem a Saraiva, então estaria num corredor de livrarias. Eu acho que aqui a gente tem o leitor específico que vem à Kitabu, o ativista” (Entrevista concedida ao autor por Fernanda Felisberto e Heloísa Marcondes, Rio de Janeiro, 1o de agosto de 2009).
A iniciativa comercial, semelhante a casos anteriores, estava alicerçada ao ativismo antirracista e não exatamente à experiência de trabalho ou familiar com o comércio livreiro. Neste sentido, de acordo com as fundadoras, por vezes certas tomadas de decisão seguiam caminhos que não eram exatamente os da procura de potenciais leitores em razão de debates do momento, mas sim opções baseadas em seus posicionamentos face à militância antirracista.
[Fernanda] A experiência física envolve os impostos, envolve a nossa não experiência na administração, porque ninguém vinha da tradição de empresários negros na família. Não, tudo que a gente tem é um jogo de erro e de acerto. Estamos começando do zero, em termos de experiência, em termos de capital, porque quando a gente vai num banco, ele lida com as estatísticas oficiais. E quais são as estatísticas oficiais? Negros não leem. Negros não consomem. A parcela de consumo é muito pouco. Quer dizer, é um desafio de estabelecer em termos de empresa. Uma empresa negra. É um desafio. Então, não há lucro na editora ainda. Tudo que se investe se paga e retira para que haja funcionamento (Entrevista concedida ao autor por Fernanda Felisberto e Heloísa Marcondes, Rio de Janeiro, 1o de agosto de 2009)26 26 . E ainda: “Pra entrar na minha livraria, eu penso, antes de mais nada, que eu não trabalho com autores e nem imagens infantis que reforcem estereótipos, que vão nessa mesma direção de desqualificar. Hoje você também tem diversos autores negros que também não querem ser rotulados também como literatura afro-brasileira. Paulo Lins é um caso. Elisa Lucinda também não quer. Eu não posso não deixar de vender Paulo Lins, eu não vou deixar de vender Elisa Lucinda. Mas pra mim é muito importante ter Quilombhoje aqui dentro, ter a Conceição Evaristo, o Nei Lopes” (Entrevista concedida ao autor por Fernanda Felisberto e Heloísa Marcondes, Rio de Janeiro, 1 de agosto de 2009). .
“Isso é o que a gente faz. É o nosso trabalho. E apela pra essa coisa mesmo, de que a gente não pode, em hipótese alguma, fechar. A única livraria negra no Rio de Janeiro [não pode] fechar por problemas de falta de cliente. A gente realmente tem esse problema” (Entrevista concedida ao autor por Fernanda Felisberto e Heloísa Marcondes, Rio de Janeiro, 1o de agosto de 2009). Este momento da entrevista mostrou-se importante, porque alguns anos depois a livraria efetivamente encerrou sua loja física (em 2012), reabrindo em ambiente virtual o site a partir de 2018. Um empreendimento comercial que, como os outros já analisados, não possuía apoio ou financiamento de alguma vertente de movimentos negros, num cenário em que a disputa pela circulação da literatura negra ainda ocupava um cenário de especialização ou de paulatina abertura, tendo a aposta de editoras não negras (como Selo Negro, Pallas Editora) ou de livrarias convencionais, com espaço para autoria negra específica. Jogava um papel importante nisso também a cena de fomento cultural e educacional dos anos 2000, com os programas de editais de fomento e o impacto da legislação antirracista federal (Leis 10.639/2003 e 11.645/2012). Foge ao escopo deste artigo analisar as políticas de fomento governamentais naquele cenário (nos níveis federal, estadual e municipais), mas elas têm um lugar importante para compreender o impacto na circulação comercial da autoria negra (e em sua edição e recepção consumidora), bem como das histórias dessas livrarias na cena cultural, ao longo dos anos 2000.
Iná livros (São Paulo, 2014-2018)
Quando a Kitabu se reestruturava para voltar à venda de livros de autoria negra, entendendo que a aposta no comércio eletrônico, sem a sede física, seria decisiva para a continuidade do comércio, outras livrarias faziam movimentos semelhantes. Dentre elas, com a mesma perspectiva especializada, a Iná Livros, criada pelo casal Leonardo Bento (historiador e professor) e Luciana Bento (socióloga e escritora).
Em 2017, época da entrevista, a Iná mantinha uma página para venda dos livros na internet, além do projeto de ambos, o “Quilombo Literário”, que se dedicava a produzir conteúdo digital, com a apresentação de obras de autoria negra, na internet. De acordo com consulta que fiz a Leonardo Bento, em 2021, a livraria virtual não existe mais (o projeto se encerrou em 2018), embora seu site possa ainda ser localizado27 27 . Cf. https://inalivros.loja2.com.br/ Acessado em 10/4/2021. Seu site original era o http://inalivros.com.br/ , que se encontra desativado. . O “Quilombo Literário” é hoje um perfil na rede social do Instagram28 28 . Cf. https://www.instagram.com/quilomboliterario/?hl=pt-br . Acessado em 10/4/2021. e no Youtube29 29 . Cf. https://www.youtube.com/c/QuilomboLiter%C3%A1rio/featured Acessado em 10/4/2021. , coordenado por Luciana Bento (que também mantém o perfil @amaepreta). A entrevista, portanto, tem um caráter de memória de um projeto interessante do comércio eletrônico livreiro negro, em seus primórdios, que estava florescendo com outras iniciativas e que foi solapado, dentre outros motivos, também pelas circunstâncias da crise política vivida no Brasil em 2017.
A livraria é a Iná Livros especializada em relações raciais, literatura africana, infantil com protagonismo negro e desde 2014, quando eu montei a livraria com a minha esposa, Luciana Bento, a nossa perspectiva foi de participar de eventos voltados pra comunidade negra em geral. Quando eu fazia graduação em história no Rio eu fui convidado pelo Papa Léguas, que é um livreiro da década de 1970 lá do Rio, que começou expondo nos pilotis da PUC-Rio livros sobre relações raciais. E aí ele passou por uma série de lugares fazendo essas vendas e ele tinha essa metodologia de ir nos espaços onde estava rolando atividades voltadas pra comunidade negra expor os livros lá. Em 2004 ele tinha uma loja na Universidade Candido Mendes, onde ele tinha esse acervo lá disponível e ele me convidou pra trabalhar com ele nessa época então eu fui trabalhar com ele nesse período (Entrevista concedida ao autor por Leonardo Bento, São Paulo, 20 de dezembro de 2017).
Novamente a experiência de itinerância de Papa Léguas (Ademar Olímpio da Silva) serve como um modelo para pensar a atividade livreira negra. Atualizada para os eventos literários contemporâneos, ela permite um modelo de negócio no qual a sede fixa e seus custos não é vista como necessária. Essa empreitada, no projeto dos Bento, deveria de alguma forma ser nomeada com um substantivo afrodescendente que conversasse com o público visado:
A Luciana sempre teve interesse em empreender, em fazer alguma coisa que a gente pudesse ter algum retorno positivo, satisfatório pra gente trabalhando e que fosse algo também benéfico pra outras pessoas como a gente. Quando a gente teve a nossa primeira filha a gente tava com dificuldade pra encontrar livros infantis com protagonismo negro. Luciana queria montar uma banca de jornal, eu me recordei desse trabalho que eu havia realizado com Papa Léguas; a gente começou a estudar como é que se fazia pra poder pegar livro em consignação ou se seria interessante comprar e tal, começar fazer uns cursinhos de Sebrae pra entender como que funcionava fluxo de caixa. Quando a gente buscou um nome, a gente tava buscando um nome que tivesse uma sonoridade interessante pro Brasil, mas que ao mesmo tempo remetesse a alguma coisa africana. Encontrei “Inã” que tem uma grafia diferente do que a gente colocou. Mas a menção que a gente faz é o Inã do Iorubá que significa luz, fogo. Iná Livros seria a “luz que ilumina os livros” ou a “luz que ilumina o conhecimento”, algo nesse sentido (Entrevista concedida ao autor por Leonardo Bento, São Paulo, 20 de dezembro de 2017).
O conhecimento de experiências anteriores, quando os Bento iniciaram o projeto da Iná Livros, passava especialmente pelo trabalho de Papa Léguas, da Kitabu e da Sobá, que seriam suas referências mais próximas, geográfica e temporalmente, no ramo livreiro. Apenas quando sediados em São Paulo, Leonardo mencionou ter conhecido pessoalmente José Luiz de Jesus e a história da Griot, bem como a Livraria Africanidades, de Ketty Valêncio.
Também mencionou a existência dos trabalhos itinerantes, que iniciavam naquele momento: Mirembe Nombeko30 30 . Sobre a itinerante Livraria Nombeko, ver: Santos, Ana Carolina. “Black Money: uma livraria afrocentrada”. Piauí , edição 153, junho de 2019 https://piaui.folha.uol.com.br/materia/black-money/ Acessado em 02 de abril de 2021. Também há seus perfis nas redes sociais: https://www.instagram.com/livrarianombeko/?hl=pt-br e https://www.facebook.com/livrarianombeko/ , Livraria Timbuktu31 31 . A Livraria Ambulante Timbuktu tem perfis nas redes sociais: https://pt-br.facebook.com/livrariatimbuktu/ e https://www.instagram.com/livrariatimbuktu/?hl=pt-br (que se iniciavam em 2017) e da Livraria Bantu, com sede física em Belo Horizonte, como uma banca na Praça da Estação (começada em 2016, criada por Etiene Martins32 32 . Sobre a Livraria Bantu, ver: https://blogdalivrariabantu.wordpress.com/ e suas redes sociais https://www.facebook.com/livrariabantu/ . Além disso, há a matéria produzida pela TV Cultura, no programa Manos e Minas , sobre a livraria: https://tvcultura.com.br/videos/61948_materia-livraria-bantu.html . Acessado em 2/4/2021. ). A dificuldade, histórica, de conhecimento entre os projetos semelhantes ficou clara em sua fala:
Eu não sei se todos conseguem se ver enquanto parceiros. Porque, assim, se você tá no mercado, você tem outras pessoas atuando na mesma área é bom que a gente possa fazer uma troca, mesmo que seja trabalhando pro mesmo público, mesmo que uma atividade de nicho, até pra gente se fortalecer. Mas enfim, são coisas que a gente precisa superar pra frente (Entrevista concedida ao autor por Leonardo Bento, São Paulo, 20 de dezembro de 2017).
Bento mencionou que as leis federais para ensino de história afro-brasileira e indígena nos currículos, embora sem influência direta para o mercado livreiro na sua opinião, movimentaram algo da cena de busca de um público consumidor pelas obras de autoria negra e africana. Também sem relação direta com os movimentos e associativismos negros, no caso da Iná Livros, era o fato de serem uma livraria de nicho o que permitia a sua existência na conjuntura dos anos de 2014 a 2017. Com a turbulência política que culminou no impedimento da presidenta Dilma Roussef, após as eleições de 2016, o contexto se tornou adverso para a sua atividade sensivelmente – e como não sabíamos no momento da entrevista, ajudariam o encerramento de suas atividades:
Olha em 2014, em 2015 e até metade de 2016, como eu falei anteriormente, a Luciana é servidora pública, até o ano passado eu trabalhava com carteira assinada e todo final de semana a gente tinha um evento, e à noite, alguns dias de semana tinham alguns eventos também, por exemplo: Terça Afro que acontece aqui em São Paulo, eles faziam uma roda de diálogos sobre relações raciais, toda terça nós estávamos lá. No Rio de Janeiro tinha o Odara Bazar depois se tornou Odara Produção Cultural Afirmativa que acontecia na Lapa todo primeiro sábado do mês e nós estávamos lá todo primeiro sábado do mês. Tinha o Kwanza , que era organizado pelo [José]Luís [de Jesus], tinha algumas ações alguns grupos panafricanistas que também chamam a gente pra poder trabalhar junto. Enfim, tinha alguns grupos que faziam ações, tinham uma certa periodicidade que a gente tava junto. Agora com essa alternância do governo, com o golpe que foi implementado caiu muito o fomento de ações voltadas pra questão racial, voltadas pra questões culturais então a gente tem muito poucos eventos acontecendo. Se comparar 2016 com 2015 tem tido uma queda vertiginosa de evento ao longo desses anos. A gente montou esse modelo [de negócios] para participar de eventos, a gente precisa rever as estratégias de como atuar, então uma das estratégias que a gente elaborou foi essa de oficinas nas escolas e aí a gente dá as oficinas pra poder fazer as vendas direto pros professores e mostrar os livros (Entrevista concedida ao autor por Leonardo Bento, São Paulo, 20 de dezembro de 2017).
Este intervalo de tempo das apostas da Iná e de empreendimentos culturais semelhantes compreende, grosseiramente, ao fim do primeiro mandato da presidenta Dilma Vana Roussef (Partido dos Trabalhadores, 2010-2013), sua candidatura à reeleição e vitória (2014), a contestação de seu mandato pelo candidato derrotado e o início da articulação parlamentar que levaria ao processo de impeachment , com a manipulação política de seu então vice-presidente Michel Temer e o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (2015-2016); o assumir da Presidência por Temer, de maneira interina a princípio e efetiva posteriormente, entre maio e agosto de 2016; a extinção do Ministério da Cultura por Temer, no primeiro ato de seu governo e sua retomada, após pressão de movimentos sociais; extinção de ministérios e secretarias voltadas à área social como a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), e a Secretaria de Mulheres, entre outros. Mesmo assim, a Iná Livros projetava possibilidades de sobrevivência que, infelizmente, não se cumpriram no seu caso.
A gente não queria começar um negócio pra em três meses parar. A gente tá estudando também esse modelo de clube de assinatura e pensando muito no modelo de assinatura voltado pro público infantil que deve já entrar ano que vem no primeiro semestre. E já tem o site pronto, é só dar o play e enfim (Entrevista concedida ao autor por Leonardo Bento, São Paulo, 20 de dezembro de 2017).
Livraria africanidades (São Paulo, 2014-)
Contemporânea ao contexto da Iná Livros e voltada para outro nicho dentro do comércio de autoria negra é a experiência da Livraria Africanidades, fundada em São Paulo pela bibliotecária e livreira Ketty Valêncio. Quando a entrevistei, a livraria experimentava um formato híbrido, do comércio virtual e itinerante junto à divisão de um espaço físico na rua Aimberê, 1158, no bairro de Perdizes, na zona oeste da capital. Além disso, enquanto a Iná se voltava cada vez mais à circulação de livros infantis para o mercado de responsáveis por educar crianças negras, a Africanidades focava – e mantém-se neste eixo, de acordo com seu site33 33 . Ver: https://www.livrariafricanidades.com.br/index.html Acessado em 3/4/2021. – na comercialização de livros de autoria negra feminina.
Em comum, ambas as livrarias tinham o diagnóstico de que a experiência virtual e itinerante era mais interessante para as usuais condições econômicas, de pouco capital, de proprietários e donas de livrarias negras, considerando os custos envolvidos na manutenção de uma sede fixa. Também dividiam as mesmas percepções sobre a importância dos eventos específicos para este tipo de atividade a que se dedicavam. A Livraria Africanidades permanece no ramo, apesar dos turbulentos anos políticos que se seguiram após a entrevista. Contudo, de Perdizes seu endereço físico se alterou para a Vila Pita, na zona norte de São Paulo, região próxima da moradia de Valêncio.
Formada em biblioteconomia pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, Valêncio relatou que resolveu fazer um MBA na Fundação Getulio Vargas e ali desenvolveu a ideia do modelo de negócios da livraria negra, resultante deste trabalho acadêmico. Ela não possuía experiência prévia no comércio livreiro, mas sim grande interesse por literatura, negra e africana em particular.
Foi algo meio instintivo mesmo, algo orgânico que através das minhas vivências, minhas andanças, acho que as minhas angústias existenciais mesmo como mulher negra, que eu não me via representada e eu me deparei com a biblioteconomia. Daí eu comecei a cursar, mas antes disso eu já pensava sobre a questão da literatura. E daí eu pesquisei outros livreiros também, editoras e livrarias que trabalhavam com esse nicho, aqui em São Paulo, eu já conhecia o Cadernos Negros , eles são bem pioneiros. Daí eu quando terminei de fazer esse MBA eu já abri um e-commerce . Daí eu entrei com um site que era o mais viável, porque financeiramente é manipulável, barato etc. daí já comecei com a livraria no campo virtual (Entrevista concedida ao autor por Ketty Valêncio, São Paulo, 20 de fevereiro de 2018).
O substantivo Africanidades respondia aos anseios de um nome que abarcasse, para Valêncio, “a gama de várias naturalidades do que é ser negro, do que é essa cultura negra. Ela é plural. Ela não é única”. Além disso, permitia
[...] coletivizar as ações. Fora os livros eu vendo várias outras coisas também aqui, vai ter outros eventos aqui com outras pessoas, então é a tentativa de utilizar um espaço já que eu sei que é difícil um espaço físico, em São Paulo principalmente, muito caro, daí é uma ação também de você frutificar e oferecer pra outras pessoas estarem junto comigo. (Entrevista concedida ao autor por Ketty Valêncio, São Paulo, 20 de fevereiro de 2018)
Para a fundadora da Africanidades, a experiência da Kitabu coordenada por duas mulheres negras foi decisiva, pois:
Um dos que me inspiraram foi a Kitabu. Eu a conheci, na época eu tinha quinze anos assim, eu vi uma reportagem delas. Eu me lembro muito dessa reportagem que era tipo uma casinha, uma portinha e elas falando sobre literatura a questão da militância delas, negra, a questão ideológica era muito forte, combativa a fala delas e isso me inspirou bastante assim. Ficou na mente e isso fica na minha mente até hoje assim (Entrevista concedida ao autor por Ketty Valêncio, São Paulo, 20 de fevereiro de 2018).
Naquele momento, além da experiência da Kitabu, apenas a da Iná Livros lhe era mais familiar como empreendimento semelhante na mesma cidade, além de saber algo vago sobre a existência de Nair Araújo e a Contexto. De toda maneira, a inspiração em Fernanda Felisberto e Heloísa Marcondes acionava para Valêncio também a ideia de um protagonismo feminino negro à frente da circulação comercial das obras, que ela buscava também transmitir na organização do acervo a ser vendido em sua loja.
[O meu público] são mulheres negras, são mulheres negras que vêm da periferia. E a maioria delas são militantes, mulheres solteiras, mas tem algumas que têm família, têm marido, têm filhos, mas a maioria delas são mães solteiras ou solteiras sem filhos. Mas eu tenho outra parte que são homens negros, tem pessoas brancas também. Pesquisadores (Entrevista concedida ao autor por Ketty Valêncio, São Paulo, 20 de fevereiro de 2018).
Valêncio vai ao encontro, destarte, tanto com seu público ideal, quanto com a história do nicho comercial a que se dedica, da mesma forma que encontra um contexto político e literário mais favorável ao protagonismo literário negro feminino e feminista negro, à época. A afirmação de seu público ser composto por mulheres negras periféricas contrastava com a localização da Livraria Africanidades num bairro não periférico como o de Perdizes, na capital paulista, e com baixa concentração de população negra. De outro lado, o foco no público leitor feminino pode ajudar a explicar, contextualmente, algo da sua manutenção no mercado contemporâneo, aliada à expertise na condução dos negócios.
Aí a gente tem que ter também um tino pra ser estratégico. Pra andar com essas ondas né? Eu leio, eu consumo isso. Vamos mostrar a literatura negra forte, nós vamos mostrar quem é Cuti, vamos mostrar aqui quem é Carolina [Maria de Jesus], Conceição[Evaristo]. Vamos mostrar quem é Jarid Arraes, quem é Marcelo de Salete, uma literatura consistente. (Entrevista concedida ao autor por Ketty Valêncio, São Paulo, 20 de fevereiro de 2018)
Ketty relatou, durante a entrevista que ainda não tinha tido prejuízo com a livraria, mesclando os modelos presencial e virtual, a itinerância e os eventos. Seu desejo era o de permanecer no mercado como um espaço de protagonismo coletivo para a literatura negra feminina e para os autores negros, permitindo o acesso a novos leitores e leitoras, especialmente nas periferias geográficas. “Eu quero que eles venham juntamente comigo, não quero ser demagoga também, mas a ideia da livraria vem agregar pra isso. O meu vencimento, a minha vitória não é individualizada, ela vem do coletivo. Eu tenho a consciência disso, entendeu?” (Entrevista concedida ao autor por Ketty Valêncio, São Paulo, 20 de fevereiro de 2018).
Considerações finais
Apresentei parte de uma pesquisa que pretende ser uma contribuição a um campo de investigação que dispõe de uma pequena bibliografia: o comércio específico de livros voltados à circulação da autoria negra brasileira ou de autoria da diáspora africana, que comemora quase 50 anos em alguns estados do sudeste brasileiro. Entre 1972 (quando a primeira livraria foi fundada) e 2018 (época de atividade dos empreendimentos mais recentes em atividade), há uma rede de livrarias negras ou livrarias de proprietárias e donos negros, em que a oscilação dos termos indica também alguma flutuação nas categorias êmicas empregadas pelas pessoas, majoritariamente mulheres negras, que se propuseram a atuar neste ramo. São profissionais liberais, sobretudo educadoras ou ligadas às áreas das artes, do ensino e da pesquisa, indicando uma preocupação com a transmissão de conhecimento e sua circulação que não é uma ocupação naturalmente feminina; porém, sinaliza um espaço histórico do ativismo feminino negro brasileiro.
Além do protagonismo feminino negro e sua elevada formação educacional, deve-se destacar também a dificuldade de permanência na atividade que, de certa forma, reencena a história da autoria negra brasileira, defensora de uma literatura negra, e mesmo sua produção em editoras específicas – um assunto igualmente de bibliografia rarefeita.
Chama atenção a dificuldade em conectar, pelos próprios agentes, pontos de uma história relativamente longeva da comercialização de livros para o público negro, de dificuldade de reconhecimento de pioneirismo, mesmo quando há proximidade temporal e geográfica (caso Eboh com a Contexto). A citação aos empreendimentos antecedentes – especialmente à Eboh ou à Griot – ocorreu nas entrevistas, mas era desconhecida, por todas, a experiência prática daquelas livrarias e os motivos de seu encerramento. Por outro lado, embora todas as contemporâneas se conhecessem, no momento das entrevistas (Sobá, Kitabu, Iná, Africanidades), isso não constituía, pelos relatos, uma rede de solidariedade e de partilha das experiências ou dificuldades comuns, por motivos variados. E não necessariamente tratava-se de concorrentes diretos em disputa por um público reduzido: em seus contextos, as livrarias não exclusivas conviveram com as especializadas, tanto quanto aquelas de nicho de literatura feminina negra com a voltada para o público infantil, por exemplo. Ao final, os modelos de negócio que permaneceram apontam tanto na direção não exclusiva e com sede física (Livraria Contexto, em atividade) como as especializadas no mundo virtual (Kitabu, Iná, Africanidades).
A pesquisa também ressalta um aspecto de recordação das experiências: apesar dos esforços e planos, a Sobá, Kitabu e Iná encerraram suas atividades, tendo apenas a segunda retornado em novo formato. Pelas dificuldades em manter um comércio com ponto fixo ou pelas projeções adversas sobre a estabilidade do mercado, mesmo apostando na expansão virtual, bem como pela mudança do cenário político, reencena-se o problema da existência da literatura negra brasileira no sistema literário: produção, circulação e recepção são componentes de um circuito frágil, em permanente oscilação e marginalidade econômica e política, apesar dos esforços de seus participantes.
Igualmente deve-se notar a recorrência crítica de um apoio vacilante dos movimentos negros. Mais próximos de um quadro de mobilizações de associações negras, a Contexto tinha relações com a ACN e com o início dos Cadernos Negros , mas isso numa tratativa pessoal, afetiva, e menos comercial. Já a Eboh estava próxima ao que pode ser considerado como uma reorganização do Movimento Negro do final dos anos 1970 – com seus sócios fundadores egressos do Cecan, relacionados aos militantes do MNU e do Quilombhoje Literatura. Numa fase após o Centenário da Abolição, em 1988 e após o I Encontro de Poetas e Ficcionistas Negros de São Paulo (1987) ou as Mostras de Literatura Negra nos anos 1980 ( Silva, 2015SILVA, Mário A. M. da. (2015), “Por uma Militância Ativa da Palavra: Antologias, Mostras, Encontros e Crítica sobre Literatura Negra, Anos 1980”. História: Questões & Debates, v. 63, n. 2, pp. 161-194. ), surge a Livraria Griot, com certas relações com o movimento hip hop e frações do movimento negro da redemocratização. Novamente, isso não significa esteio comercial que garantisse sua manutenção de forma mais estável, neste caso e nos outros analisados, nos outros estados, nas configurações dos movimentos negros carioca e mineiro.
Por outro lado, a cena dos anos 2000 e 2010 estava arejada, com o surgimento de Sobá e Kitabu, num primeiro momento; e de livrarias como Iná Livros, Africanidades, dentre outras, permitindo a presença em feiras, encontros, congressos, itinerância e permanência em endereços físicos. Mesmo que seus fundadores desconheçam aspectos importantes das experiências pregressas, incorrendo em equívocos semelhantes ou enfraquecendo a ação coletiva, seus projetos sinalizam uma força organizativa de destaque e um diálogo com mudanças sociais contextuais, que acompanham à medida que existem e desaparecem, merecendo mais estudos justamente por isso.
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- SILVA, Mário A. M. da. (2015), “Por uma Militância Ativa da Palavra: Antologias, Mostras, Encontros e Crítica sobre Literatura Negra, Anos 1980”. História: Questões & Debates, v. 63, n. 2, pp. 161-194.
- SILVA, Mário A. M. da. (2017), Editoras e Livrarias Negras: Capítulos da Luta Antirracista no Brasil (Anos 1970 a 2000). Trabalho apresentado no 41º. Encontro Anual da Anpocs, 23-27 de outubro, Caxambu-MG. Disponível em: http://anpocs.org/index.php/papers-40-encontro-2/gt-30/gt28-8/10867-editoras-e-livrarias-negras-capitulos-da-luta-antirracista-no-brasil-anos-1970-a-2000/file Acessado em 16/11/2021.
» http://anpocs.org/index.php/papers-40-encontro-2/gt-30/gt28-8/10867-editoras-e-livrarias-negras-capitulos-da-luta-antirracista-no-brasil-anos-1970-a-2000/file - SILVA, Mário A. M. da. (2018), “Órbitas Sincrônicas: Sociólogos e Intelectuais Negros em São Paulo, Anos 1950-1970”. Sociologia & Antropologia, v. 8, n. 1, pp. 109-131.
Notas
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1
. Sobre a Présence Africaine, ver: https://www.presenceafricaine.com/info/10-librairie . Nos EUA, David Ruggles é indicado como o primeiro proprietário negro de uma livraria, em Nova York, na década de 1830, de caráter abolicionista. Sobre ele, ver: https://chiseler.org/post/114058945271/david-ruggles . A “Young’s Books Exchange”, fundada por George Young em 1915, é indicada como a primeira livraria negra dos EUA. Outra importante livraria negra, também no Harlem, foi fundada em 1932 por Lewis H. Michaux, a “African National Memorial Bookstore”. Sobre esses e outros empreendimentos, ver: https://en.wikipedia.org/wiki/Young%27s_Book_Exchange , https://en.wikipedia.org/wiki/Lewis_H._Michaux e https://www.aaihs.org/black-owned-bookstores-anchors-of-the-black-power-movement/ Acessados em 13/6/2021.
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2
. Informações consultadas nos documentos produzidos pela Delegacia Especializada de Estrangeiros, sobre Doris Hermine Ulrike Schierenberg (Volhard, como nome de solteira), entre 1956 e 1977. Nascida em 1908, em Dortmund, tendo chegado a Santos em 1956. Fonte: Fundo “Brasil, São Paulo, Cartões de Imigração, 1902-1980”. Disponível em: https://www.familysearch.org/pt/
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3
. Agradeço enormemente a Íris Morais Araújo que me colocou em contato com o professor Renato da Silva Queiroz, do Departamento de Antropologia da USP. Queiroz forneceu as informações sobre Erlich e Beiker.
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4
. Ver: https://pt.wikipedia.org/wiki/David_Zeiger , https://pt.qaz.wiki/wiki/Mila_Zeiger e https://blognassif.blogspot.com/2015_10_30_archive.html . Acessados em março de 2021. Ver também: Andrade, 2018ANDRADE, Stephanie Silveira G. de. (2018), Indústria e Comércio de Moda no Centro de São Paulo Rua José Paulino, 1928-1980. Dissertação (Mestrado). Universidade de São Paulo, São Paulo. .
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5
. Suplemento Feminino. “A dona da loja”. O Estado de São Paulo , 3/12/1972, p. 12.
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6
. Os dados biográficos de Xavier estão no Dicionário Afro-Brasileiro . De Souza Lopes, encontram-se nesta homenagem da revista Mallamargens: http://www.mallarmargens.com/2014/08/a-poesia-de-souzalopes-12081954.html . Uma reportagem da Folha de S. Paulo , de 1987, ofereceu as idades e profissões: “Livraria Eboh, a cultura negra em SP”. Folha de S. Paulo , Ilustrada, 22 de setembro de 1987, p. A30. Já as informações a respeito de Damásio foram muito rarefeitas. Contudo, foi anunciada sua morte por leucemia, aos 37 anos, em janeiro de 1991, em nota do jornal Maioria Falante: “Lacuna impreenchível”. Maioria Falante , Rio de Janeiro, ano IV, N. 23, fev/mar, 1991, p.7.
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7
. “A hora do ebó”. Leia Livros , São Paulo, fevereiro de 1987, p. 08.
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8
. “Livraria Eboh, a cultura negra em SP”. Folha de São Paulo , Ilustrada, 22 de setembro de 1987, p. A30. Ênfase minha.
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9
. “Eboh Editora e Livraria Ltda”. Acorda Negro: Boletim Informativo dos Grupos Negros da Grande São Paulo, São Paulo, ano 2, n. 3, maio/1987.
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10
. “Eboh: livraria mobiliza o país”. Rio de Janeiro, Maioria Falante , 05 de junho de 1988; “Quilombhoje realiza noite de literatura”. São Paulo, Diário Popular, 9 de setembro de 1988.
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11
. “A Livraria Eboh, a Fundação Carlos Chagas e o Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra convidam para o lançamento de Raça Negra e Educação, número especial de Cadernos de Pesquisa […] Este número, organizado por Fúlvia Rosemberg e Regina Pahim Pinto, reproduz as comunicações e os debates ocorridos durante a realização do seminário “O Negro e a Educação”, em 1986 […]” Cf. “Raça negra e educação”. O Estado de S. Paulo , 16 de dezembro de 1987, p. 27.
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12
. “Bexiga tem a única livraria do país especializada no negro”. Folha de S. Paulo , 11 de junho de 1988, p. D2
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13
. “Holandês lança livro sobre apartheid”. Ilustrada, Folha de S. Paulo , 6 de setembro de 1991, p 5-3. À ocasião, o lançamento contou com debate de Florestan Fernandes, Alfredo Bosi, Leci Brandão, Estevão Maya-Maya, Ladislaw Dowbor e Antônio Aparecido.
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14
. “Cartas”. Maioria Falante , Rio de Janeiro, junho/julho de 1991, p. 2.
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15
. “A exemplo da Eboh, em São Paulo, foi inaugurada no dia 1 de agosto a Livraria Ponto Negro Brasileiro , em Porto Alegre. Além de comercializar livros que tratem sobre a cultura negra, visa também servir de canal para edição de obras de autores negros e divulgá-los. Os proprietários são os jornalistas Paulo Ricardo Moraes, o historiador Guarani Santos e Anélio Cruz. Segundo Paulo Ricardo, a livraria abriu com cerca de 1.200 títulos referentes à questão negra, demonstrando o quanto vem sendo trabalhada essa temática”. A matéria ainda prossegue mencionando lançamento de livros com Paulo Colina e Éle Sémog e de uma coleção coordenada por Paulo Ricardo denominada Pensamento Negro . Cf. Maioria Falante , Rio de Janeiro, agosto/setembro, 1989, p. 11. Encontrei referências esparsas sobre essa livraria em redes sociais, na década de 2000, o que não me permitiu avançar em sua análise.
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16
. Scalzo, Fernanda. “‘Malcolm X’ ganha circuito ‘bairro-cabeça’”. Caderno São Paulo, Folha de S. Paulo , 8 de abril de 1993, p. 3-8.
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17
. Revista da Folha , 1996, pp. 46 e 49.
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18
. Jones, Frances. “Quilombhoje navega com literatura negra”. Folha de São Paulo, Seu bairro, 25 de setembro de 1995, p. Z-16. E “Escritores negros”. O Estado de São Paulo , Seu bairro, 1 de outubro de 1995, p. C6.
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19
. Eazy-E foi ex-membro do grupo de rap estadunidense NWA, morto em 1995, vítima da AIDS. A Posse Força Ativa foi criada na zona norte de São Paulo, em 1989, no bairro de Santana e seria a segunda posse na cidade, depois da criação do Sindicato Negro. “Os integrantes da Posse Força Ativa, unidos pela sede de conhecimento, se reuniam na praça que dava acesso ao metrô Santana. Mesmo à revelia e muitas vezes expulsos pelos guardas do metrô. [...] Depois disso, o grupo se transfere para a sede do PT (Partido dos Trabalhadores) e em seguida para livraria Griô (sic), na Galeria Metrópole” ( Santos, 2006SANTOS, Rosana A. (2006), Das Estratégias Comunicacionais às Mediações Produzidas por Jovens: Aliança Negra Posse e Núcleo Cultural Força Ativa. Tese [Doutorado]. Universidade de São Paulo, São Paulo. , p. 198). Sobre a Posse Haussas, foi criada em São Bernardo do Campo, em 1993, e seus membros inicialmente também eram integrantes do Movimento Negro Unificado (MNU) ( Bastos, 2020BASTOS, Pablo Nabarrete. (2020), “Contribuições Históricas do Movimento Hip Hop para a Luta contra o Racismo e para a Comunicação da Juventude Negra e Periférica”. Revista de Comunicação Dialógica, n. 3, pp. 65-85.: 65-85).
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20
. Fabiano, Sônia. “Cultura Afro já tem lugar certo”. Folha de São Paulo , 4 de dezembro de 1994. O nome correto do pesquisador é Acácio de Almeida. E griot significa contador, guardião de histórias, uma posição simbólica importante. Sobre a revista PodeCrê , uma iniciativa criada em 1993 pelo Geledés Instituto da Mulher Negra, que aproximava os temas juventude negra, cultura de rua e hip hop, no Projeto Rappers , ver: https://www.geledes.org.br/revista-pode-cre-memoria-institucional/
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21
. Sobre o Gamelas, que existiu na zona oeste, na região de Pinheiros, criado por Maria Augusta da Silva Antonio, posteriormente em sociedade com Erotildes Maria Monteiro, Genésio de Arruda e Inês Nicácio, ver: “Dona de restaurante afro começou vendendo colares”. Folha de S. Paulo , 30 de março de 1997. Ao que parece, continuou suas atividades até o começo da década de 2000.
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22
. Sobre essas editoras, suas histórias e acessar seus sites, ver: http://www.letras.ufmg.br/literafro/editoras
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23
. O endereço era na Rua Rio de Janeiro, 1278, no bairro belohorizontino de Lourdes.
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24
. Cf.: https://www.kitabulivraria.com.br/home/4/Sobre-a-Kitabu Acessado em 01 de abril de 2021.
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25
. Ver: “Um livreiro alternativo”. Jornal do Brasil , Perfil, 19 de fevereiro de 1988, p. 2 http://nucleodememoria.vrac.puc-rio.br/content/eluard-papaleguas-gavea-1982 Acessado em 1/4/2021. Atualmente, Papaléguas mantém um perfil na rede social denominado Livraria da Diáspora Papaléguas: https://www.facebook.com/Livraria-da-Di%C3%A1spora-Papal%C3%A9guas-496333887184714/
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26
. E ainda: “Pra entrar na minha livraria, eu penso, antes de mais nada, que eu não trabalho com autores e nem imagens infantis que reforcem estereótipos, que vão nessa mesma direção de desqualificar. Hoje você também tem diversos autores negros que também não querem ser rotulados também como literatura afro-brasileira. Paulo Lins é um caso. Elisa Lucinda também não quer. Eu não posso não deixar de vender Paulo Lins, eu não vou deixar de vender Elisa Lucinda. Mas pra mim é muito importante ter Quilombhoje aqui dentro, ter a Conceição Evaristo, o Nei Lopes” (Entrevista concedida ao autor por Fernanda Felisberto e Heloísa Marcondes, Rio de Janeiro, 1 de agosto de 2009).
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27
. Cf. https://inalivros.loja2.com.br/ Acessado em 10/4/2021. Seu site original era o http://inalivros.com.br/ , que se encontra desativado.
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28
. Cf. https://www.instagram.com/quilomboliterario/?hl=pt-br . Acessado em 10/4/2021.
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29
. Cf. https://www.youtube.com/c/QuilomboLiter%C3%A1rio/featured Acessado em 10/4/2021.
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30
. Sobre a itinerante Livraria Nombeko, ver: Santos, Ana Carolina. “Black Money: uma livraria afrocentrada”. Piauí , edição 153, junho de 2019 https://piaui.folha.uol.com.br/materia/black-money/ Acessado em 02 de abril de 2021. Também há seus perfis nas redes sociais: https://www.instagram.com/livrarianombeko/?hl=pt-br e https://www.facebook.com/livrarianombeko/
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31
. A Livraria Ambulante Timbuktu tem perfis nas redes sociais: https://pt-br.facebook.com/livrariatimbuktu/ e https://www.instagram.com/livrariatimbuktu/?hl=pt-br
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32
. Sobre a Livraria Bantu, ver: https://blogdalivrariabantu.wordpress.com/ e suas redes sociais https://www.facebook.com/livrariabantu/ . Além disso, há a matéria produzida pela TV Cultura, no programa Manos e Minas , sobre a livraria: https://tvcultura.com.br/videos/61948_materia-livraria-bantu.html . Acessado em 2/4/2021.
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33
. Ver: https://www.livrariafricanidades.com.br/index.html Acessado em 3/4/2021.
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Partes reelaboradas deste artigo foram apresentadas originalmente pelo autor no 41º. Encontro Anual da Anpocs, em 2017, no GT de “Relações Raciais, desigualdades e identidades públicas”, sob o título de “Editoras e Livrarias Negras: capítulos da luta antirracista no Brasil (anos 1970 a 2000)”. A pesquisa deste artigo contou com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (2014/24650-7).
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
26 Maio 2023 -
Data do Fascículo
Maio 2024
Histórico
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Recebido
16 Nov 2021 -
Revisado
29 Maio 2022 -
Aceito
14 Jun 2022