RESUMO
O presente artigo intenta “dizer” a cultura cabocla da região Oeste de Santa Catarina (Brasil) com o objetivo de identificar e caracterizar elementos dessa etnia que mobilizam o (re)conhecimento do “ser caboclo”. Caracteriza-se como um estudo qualitativo baseado em uma análise documental feita a partir do portfólio de entrevistas realizadas pelo Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina (CEOM) em 2006, que inventariou e salvaguardou aspectos da cultura imaterial cabocla dessa região. Considerando que o contexto histórico tem marginalizado essa etnia que vê suas formas de vida serem esquecidas com o tempo, buscamos oportunizar o (re)conhecimento e valorização da cultura cabocla do Oeste de Santa Catarina.
PALAVRAS-CHAVE:
Cultura; “ser caboclo”; Oeste catarinense
ABSTRACT
The present article intends to “tell” the caboclo culture of the western region of Santa Catarina, Brazil, aiming to identify and characterize elements of this ethnicity that mobilize the reconnaissance of the “being caboclo”. It is characterized as a qualitative study based on a documentary analysis made from the portfolio of interviews conducted by the Western Memory Center of Santa Catarina (CEOM) in 2006, which inventoried and safeguarded aspects of the caboclo immaterial culture of this region. Considering that the historical context has marginalized this ethnicity that sees its life forms being forgotten over time, we seek to provide the reconnaissance and appreciation of the caboclo culture of western Santa Catarina.
KEYWORDS:
Culture; “being caboclo”; West of Santa Catarina
Almejando a compreensão do “ser caboclo” na região Oeste de Santa Catarina Brasil, este estudo foi desenvolvido com o intuito de “dizer” essa cultura nesse contexto. É uma tentativa de superar reducionismos e analisar essa etnia4 4 Do grego ethnos: pessoas que partilham dos mesmos costumes, modos de ser e fazer. Compreendemos que o caboclo se constitui a partir de um reconhecimento enquanto comunidade que se construiu nos primeiros processos de colonização da região Oeste catarinense, se fazendo como um grupo social/étnico que se diferencia dos demais. positivamente (MARCON, 2003MARCON, Telmo. Memória, história e cultura. Chapecó: Argos, 2003.). A cultura cabocla se forma no entrecruzamento de muitos e gera um novo modo de manifestar-se no mundo. Não podemos atribuir ao caboclo apenas características dos povos indígenas ou afrodescendentes, tampouco aquelas de ascendência europeia, já que todos esses elementos são ressignificados na cultura cabocla.
Este texto emerge de um estudo documental ancorado no portfólio de entrevistas do Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina (CEOM)5 5 O CEOM mantém como características fundamentais a divulgação científica e cultural e a preocupação com a história e a pré-história regional (CEOM, s. d.). da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó). A escuta dos caboclos foi realizada por essa instituição, no ano de 2006, através do projeto “Caboclos e novas etnicidades no Oeste catarinense”, que teve o objetivo de inventariar e salvaguardar aspectos da cultura imaterial cabocla dessa região. As entrevistas foram gravadas, totalizando quase 1.000 páginas transcritas disponíveis no Banco de Dados do Centro de Documentação do CEOM. O acervo revela a fala dos caboclos sobre sua cultura, através de entrevistas que potencialmente preservam sonoridades, “sotaques”, palavras próprias de um modo de se expressar verbalmente, singularizado por esse grupo de pessoas que seguem experimentando a vida e conferindo a ela suas próprias tonalidades (CEOM, 2008). Nesse cenário, 43 entrevistas do portfólio constituem o corpus de documentos investigados no estudo que aqui apresentamos, que objetiva elencar elementos da cultura cabocla regional que mobilizam o (re)conhecimento do “ser caboclo”.
Amparamo-nos em Moraes e Galiazzi (2016MORAES, Roque; GALIAZZI, Maria do Carmo. Análise textual discursiva. 3. ed. Ijuí: Unijuí, 2016.) para a análise das entrevistas, através da análise textual discursiva (ATD). Essa metodologia proporciona a construção de novos sentidos para um texto já construído. Ancorado nesse método de análise, este estudo emerge a partir de três passos: primeiro, a leitura e fragmentação dos textos; segundo, a construção de unidades de sentido, buscando retratar aspectos culturais dos caboclos que de algum modo os diferenciam de outras culturas; terceiro, o processo de categorização para as unidades de sentido, numa descoberta emergente.
O estudo proporcionou a organização de três categorias: a compreensão de que a forma como essa etnia se expressa e vive apresenta uma forte relação com os ensinamentos de São João Maria6 6 A nomenclatura “São João Maria” foi atribuída por populares da região e faz referência ao primeiro monge que peregrinou pela América a partir do ano de 1844, sendo seu nome de origem João Maria de Agostini. Neste texto diferenciamos ele de seus seguidores. Quando há referências ao monge e as suas influências na identidade cabocla, elas se relacionam à figura de João Maria de Agostini, conhecida e compreendida no meio caboclo através da história oral. , pois é possível relacionar falas de diferentes contextos ao que o monge ensinava; um olhar para a coletividade - as formas de vida dos caboclos se concentravam na vivência em grupos e diversas manifestações se englobam no fazer coletivo; uma maneira de reconhecer-se caboclo, que oportuniza enunciar as suas características e desenvolver a sua diferença cultural.
São João Maria e o “ser caboclo” do Oeste catarinense
São João Maria foi um santo monge, ele só falou a verdade, ele contou pro povo o que nós tá vendo hoje (Rita Fernandes da Silva, 78 anos, Chapecó)7 7 As falas utilizadas neste estudo fazem parte do acervo de entrevistas. Portanto, preservamos a transcrição ao modo desenvolvido pelo museu, mantendo as marcas características de conversas informais. .
O cenário das falas dos entrevistados oportuniza compreender que, para a maioria dos caboclos, São João Maria se revela como alguém que os representa. O monge faz parte de um imaginário histórico e cultural, como apresentamos na sequência.
João Maria de Agostini, segundo Karsburg (2012KARSBURG, Alexandre de Oliveira. O eremita do Novo Mundo: a trajetória de um italiano pelos sertões brasileiros no século XIX. 2012. 480 f. Tese (Doutorado em História Social). Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2012.), foi um eremita vindo da Itália que desembarcou na cidade do Rio de Janeiro no dia 19 de agosto de 1844, declarando-se como “solitário eremita a serviço de seu ministério”, afirmando habitar nas “matas”. Foi registrado no cartório de Sorocaba (SP) no dia 24 de dezembro de 1844. Tinha, então, 43 anos de idade e, segundo os registros, era aleijado8 8 Como o referido autor explica, ser aleijado não significava a falta dos dedos, como se pode pensar: seria uma deficiência em três dedos da mão esquerda, uma atrofia que lhe dificultava os movimentos. de três dedos da mão esquerda. A pesquisa de Karsburg (2012) apresenta os trajetos percorridos pelo monge, os quais perpassam quase toda a América e, segundo o autor, ele teria falecido no meio-oeste dos Estados Unidos, na década de 1860.
Assim, a figura de São João Maria, conhecida em meio aos caboclos como um profeta de Deus, e as crenças nele depositadas fazem parte de um imaginário que não é só mitológico. É a construção de uma história que foi passada de geração a geração e constitui a formação social, cultural e identitária dos caboclos da região em estudo.
Na história popular, há algumas controvérsias sobre fatos como a verdadeira imagem do monge e suas profecias: alguns anunciavam que ele iria se retirar e muitos seguiriam seu legado; outros se diziam enviados de São João Maria e, inclusive, mudavam de nome para assemelhar-se com o monge, como é o caso de José Maria de Jesus, que ficou conhecido pela sua atuação na Guerra do Contestado9 9 A Guerra do Contestado tem (1912-1916), e uma marca - o Contestado foi escolhido na década de 1980 como um dos símbolos de catarinidade, referenciando-se a Santa Catarina (Brasil). Como território, o Contestado não existe mais. Tomemos, para conhecê-lo, algumas invariâncias que marcaram o acontecimento: a descentralização política, com o advento da República, que outorgou maior autonomia aos estados; a disputa entre as divisas de Santa Catarina e Paraná, o que implicaria a reconfiguração geográfica dos mapas; o milenarismo; as disputas políticas entre frações fazendeiras locais; a separação do Estado da Igreja com a constituição republicana e as relações assimétricas entre monges e o clero oficial católico; a disputa entre coronéis/caboclos (com clivagens internas); a adesão ou retirada das “gentes do coronel” ao movimento e a subalternidade da “população cabocla” (RENK; SAVOLDI, 2004). e muitas vezes é confundido com o próprio São João Maria. Os relatos dos caboclos condizem com as constatações das pesquisas sobre o tema: “João Maria foi um santo monge, não aquele João Maria de história que tem aí, São João Maria ele caminhou a muitos anos, minha avó falou com ele, ele era um santo monge que aparecia e desaparecia” (Rita Fernandes da Silva, 78 anos, Chapecó - grifos nossos).
Alguns caboclos fazem referência à possibilidade de terem percorrido a região pessoas diferentes usando até mesmo o nome de São João Maria. Isso pode acontecer pelo fato de que os entrevistados fazem parte da geração que não conheceu São João Maria e, quando relatam que a mãe ou o pai estiveram com o monge, provavelmente já eram seus seguidores:
Pois é, o tempo co meu pai era solteiro, você já ouviu falar no finado o João Maria, que andava é, esse o meu pai carregou a mala dele e ele disse vocês tem que rezare, vocês rezem e ensinem os fios de vocês rezarem, porque a coisa vai vim, não tem fio [filho] por pai e nenhum, pai por fio, e tá nesse, o que ele disse tá tudo bem certinho... o pai matô o fio [filho], o fio[filho] matô o pai, num é?. (Sinhorinha Pereira, 90 anos, Galvão).
Por outro lado, alguns sugerem a referência a São João Maria, sendo que os ensinamentos, as histórias que contam e a forma como interpretam esse personagem, supõem estarem se referindo ao primeiro monge.
É os velhos que contavam, que então a mãe contava que tinha, diz que aí esse homem contava que a comida dele, nós não podia dá carne para ele, um pão diz que com uma folha de repolho ele fazia a refeição, aquela cinza dele ali de fazer fogo era remédio para qualquer dor, para qualquer coisa, aquela cinza dele ali com carvão, diz que era remédio eu não conheci. (Lourenço Leal, 56 anos, Linha Divino/Galvão).
As pesquisas desenvolvidas sobre o assunto ajudam na compreensão desse fator, pois indicam que outros monges seguiram São João Maria. Segundo Marcon (2003MARCON, Telmo. Memória, história e cultura. Chapecó: Argos, 2003.), dentre eles estavam Anastás Marcaf, de origem francesa que atuou na região por volta de 1905, e Miguel Lucena de Boaventura, que ficou conhecido como José Maria, participante da organização do movimento do Contestado. Segundo Welter (2007WELTER, Tânia. O profeta São João Maria continua encantando no meio do povo. Um estudo sobre os discursos contemporâneos a respeito de João Maria em Santa Catarina. 2007. 269 f. Tese (Doutorado em Antropologia Social). Universidade Federal de Santa Catarina, 2007.) a fotografia de José Maria (Figura 1) teria sido reproduzida por fotógrafos da região e vendida para caboclos e indígenas como sendo do Profheta João Maria (Figura 2), o que gerou certa confusão em relação à imagem, porém José Maria não tem a mesma representatividade que o monge João Maria de Agostini para os caboclos da região em estudo, diferente daqueles da região do Contestado.
José Maria. Cópia encontrada em Campo Belo do Sul. Autoria e data incertas. Fonte: Welter (2007WELTER, Tânia. O profeta São João Maria continua encantando no meio do povo. Um estudo sobre os discursos contemporâneos a respeito de João Maria em Santa Catarina. 2007. 269 f. Tese (Doutorado em Antropologia Social). Universidade Federal de Santa Catarina, 2007., p. 46)
João Maria. Fotografia feita em Las Vegas, no ano de 1867. Arquivo da Universidade do Novo México, Coleções Especiais. Foto sob o negativo n. 10777. Fonte: Karsburg, 2012KARSBURG, Alexandre de Oliveira. O eremita do Novo Mundo: a trajetória de um italiano pelos sertões brasileiros no século XIX. 2012. 480 f. Tese (Doutorado em História Social). Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2012.
Para os caboclos, São João Maria era um profeta, considerado santo. A água que ele benzia ou a cinza que restava do fogo de chão que ele fazia eram utilizadas como remédio ou para fazer simpatias. Além da religiosidade, esse personagem representa outros aspectos da formação social e cultural dos caboclos da região em estudo.
No entrelaçamento com a figura de São João Maria, compreende-se que os saberes caboclos se correlacionam com a religiosidade, relacionada a João Maria de Agostini e aos seus ensinamentos. Dentre as referências que os caboclos fazem a ele, está o fato de que “sabiam que o mundo ia ficar cativo e que as guerras e a fome iriam vir”, por isso deveriam ser humildes e rezar para que pudessem estar a salvo das coisas que aconteceriam. Eles sabiam que remédios tomar para as doenças da época. Entre as crenças transmitidas, estava a de que, no futuro, veriam cavalos mortos andando pela terra e pássaros mortos voando pelo céu, que a terra iria tremer e que chegaria o dia da escuridão.
[...] o São João Maria contava, naquele tempo não tinha rádio, não tinha televisão, chega uma época que o povo ia pegar as notícias de muito longe pelo telhado das casas, pra eles era uma novidade, como que vai ser isso né, São João Maria disse que ia chegar um tempo que os pobres vinham pra cidade e os ricos iam para o interior, mas o pessoal ficou doido, como que pode isso né, não é verdade, os granjeiros não tão, aonde está os donos dos sítios, das terras, estão sofridos na cidade né, tem que dar no trabalho né, então tudo que ele falava eles guardaram por lembrança e era uma história deles, [...] ele contou tudo esse negócio de família, que acontecia, de casal que iam casar só pra aparecer e não iam ter uma vivência bonita, ia chegar um tempo que os filhos mandavam nos pais e os pais não iam mandar nos filhos, as mulheres, bastava o marido olhar com os olhos torto ela abaixava, e não ia ter mais uma família assim respeitada, as família ia chegar um tempo que cada um pra si e Deus por todos, ninguém mandava ninguém... (Rita Fernandes da Silva, 78 anos, Chapecó).
Existe uma semelhança muito forte em relação ao modo como os caboclos expressam sua forma de pensar e os ensinamentos de São João Maria descritos pelas pesquisas. É possível fazer uma comparação entre o que eles dizem sobre os aspectos vivenciados no cotidiano, o modo como deveriam ser e fazer e os ensinamentos desse monge a partir dos versos escritos por Florêncio Rodrigues França, no poema intitulado “Vida e ensinamentos de São João Maria” (FELIPPE, 1995:41ss apud WELTER, 2007WELTER, Tânia. O profeta São João Maria continua encantando no meio do povo. Um estudo sobre os discursos contemporâneos a respeito de João Maria em Santa Catarina. 2007. 269 f. Tese (Doutorado em Antropologia Social). Universidade Federal de Santa Catarina, 2007.):
De vagá ia caminhando
Seu destino ia tecendo
Pela estrada ia sonhando
É o que sempre repetia
Este era o Mandamento
Pelo quar sempr’insistia
A cultura cabocla se construiu, portanto, a partir dos preceitos da religiosidade popular, sem espaço na sociedade em que viviam, pois a religião tomada como legítima era a católica. Mesmo que João Maria pertencesse a essa mesma religião, o modo como se relacionavam com seus ensinamentos fugia aos padrões estabelecidos pela instituição, e a religiosidade popular não era considerada válida.
Nesse sentido, os batizados das crianças realizados em casa, muitos dos quais feitos pelo próprio monge, não eram válidos aos olhos da Igreja. Quando um padre passava na região, eles tinham que batizar seus filhos novamente. Renk (2004RENK, Arlene; SAVOLDI, Adiles. Contestado: tropos, roteiros, imagens e linguagens. Cadernos do CEOM, v. 17, n. 20, p. 49-64, 2004.) trata essa diferença na religiosidade como uma identidade faccional, pois a representação da fé, para o caboclos, apesar de também serem seguidores da religião católica, era distinta da dos colonos.
Na construção do seu “fazer diferente”, encontraram na figura do monge um modo de aprender o mundo, um modo de vida expresso em suas crenças, no sentido de que suas condutas pessoais, sociais e culturais partem do que aprenderam com o monge.
Outro aspecto relacionado ao monge se mostra na relação com a natureza, o que também distingue os caboclos dos colonos da região Oeste catarinense. É possível visualizar essa relação diferenciada com a natureza nos escritos que são tidos como os mandamentos de São João Maria e também são expressos em versos.
Não é bom dexá mamando,
Ela fica padecendo
O que é nosso, se atrasando...
(FELIPPE, 1995:41ss apud WELTER, 2007WELTER, Tânia. O profeta São João Maria continua encantando no meio do povo. Um estudo sobre os discursos contemporâneos a respeito de João Maria em Santa Catarina. 2007. 269 f. Tese (Doutorado em Antropologia Social). Universidade Federal de Santa Catarina, 2007.).
É quem faz maió pecado;
Quem martrata o bicho bruto
É deiz veiz mais condenado...
Embora os aspectos relacionados à natureza possam ter sido aprendidos por meio da miscigenação com os povos indígenas, nas manifestações caboclas esses se modificam e constituem uma nova cultura que se desenvolve também a partir dos ideais do monge.
Eu aprendi muitos remédios muitos remédios, eu até tenho ali uma madeira que eu trouxe de muito longe, que é remédio e a turma dão rizada, se tá com dor de cabeça ou tá meio qualquer coisa digo você vai ali naquela arvinha [árvore] e pega 3 folhas mas tem que pedir o nome, chega lá e pedir seu pica pau eu vim buscar 3 folhas pra mim curar a dor que tá doendo minha cabeça se você não pedi não arruma nada. (João Maria Silva, 86 anos, Linha Simões Lopes/Coronel Freitas - grifos nossos).
O ato de pedir permissão para a árvore perpassa os valores culturais da fé e do respeito à natureza, uma expressão da sensibilidade para com a natureza, num cenário em que é possível relacionar as suas compreensões sobre o ambiente natural com aquilo que o monge ensinou.
Existe, também, uma relação diferenciada com os animais. Eles relatam que, nos tempos mais antigos, havia caça em abundância, que era feita para fins de alimentação, pois, segundo os preceitos do monge, era pecado caçar por esporte. “Não caçavam, ninguém se importava, [...] nós nunca fazia conta, macaco então aquilo era fila de macaco nas árvore, nas roças que o macaco ele ata [amarra] o milho, ele tira a paia [palha] de cada lado um pouco e aí ata bem atadinho, sobe lá em cima das árvore e bota na forquilha [galho] lá igual gente” (João Diniz, 74 anos, Linha Aparecida/Itapiranga).
Esse modo de vida, além de dificultar o seu convívio com os imigrantes que chegaram depois, acabou por constituir o lugar social e cultural dos caboclos, pois contradizia a ideia de “progresso” incutida na região e no país, assim como os preceitos daqueles que foram instigados a vir no início do século XX para o Oeste catarinense e colonizar, ou instituir o progresso, ou melhorar a “raça”. A forma de ser, viver e compreender dos caboclos era vista como um modo de vida atrasado que precisava ser superado. Esse processo ganhou ênfase com a chegada das madeireiras, por volta de 1920 e 1930, de forma que a colonização na região expurgou os caboclos para as margens dessa sociedade (MARCON, 2003MARCON, Telmo. Memória, história e cultura. Chapecó: Argos, 2003.).
Esse sistema gerou um lugar, o lugar dos caboclos no Oeste catarinense, já que não se adequaram ao processo de “evolução” da região. Especificando geograficamente, à luz das palavras de Marcon (2003MARCON, Telmo. Memória, história e cultura. Chapecó: Argos, 2003.), esses sujeitos passaram a viver nas terras mais acidentadas, como a costa dos rios Uruguai e Chalana, o que desestruturou seus modos de vida. Vicente Telles expressa com angústia essa exclusão:
Então essa gente que manobrava o Brasil [...] esse tipo de malária né, que é a imoralidade da política, então eles faziam isso com os caboclos que eram gente de alma pura, coração puro, e mente pura e vivia em harmonia com a ordem natural do universo, vivendo das vivências da prodiga da natureza que era pinhão, caça era a fauna e a flora muito rica né, eles viviam para isso [...]. (Vicente Telles, 75 anos, Irani).
O lugar do caboclo passa a ser resultado da não aceitabilidade de suas concepções de vida. A perspectiva de progresso e capital incutida na região não permitiu que eles habitassem o mesmo lugar daqueles que dispunham da cor e da concepção de vida que os construtores do “desenvolvimento” desejavam (CASTELLS, 1999CASTELLS, Manuel. Fim de milênio. São Paulo: Paz e Terra, 1999.).
Por fim, outro aspecto que revela a figura do monge na representatividade da identidade cabocla da região são os costumes e tradições. Construídos a partir de um processo que pode ser chamado de hibridação, os costumes caboclos entrelaçam diferentes culturas e etnias, apresentando-se, também, relacionados à figura de São João Maria. Nessa construção, práticas separadas se combinam para gerar novas culturas e estruturas, pois, “apesar das tentativas de dar à cultura de elite um perfil moderno encarcerando o indígena e o colonial em setores populares, uma mestiçagem interclassista gerou formações híbridas em todos os estratos sociais” (CANCLINI, 2015CANCLINI, Néstor García. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. 4. ed. 6. reimp. São Paulo: Edusp, 2015., p. 73-74). Para o autor, os países latino-americanos são resultado do entrecruzamento de diferentes tradições.
Apresentando uma discussão sobre as manifestações artísticas e culturais “cultas” e populares, Canclini (2015CANCLINI, Néstor García. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. 4. ed. 6. reimp. São Paulo: Edusp, 2015.) chama a atenção para a tríade “importar, traduzir, construir o próprio” nesse novo mundo, em que existiu, por parte dos movimentos modernistas, um desafio de fazer a tradução do que se aprendia no continente europeu para a realidade dos demais países. Outrossim, propomos a ideia de hibridação com os processos culturais dos caboclos da região em estudo, pois também existe uma forma de importação, de tradução e construção dos seus próprios modos de vida, que se dão a partir da ressignificação de elementos de culturas de outros continentes no entrelaçamento com aquelas nativas, como indígenas, negros e açorianos.
O fogo de chão é um aspecto que remete muito aos povos indígenas, pois a convivência com eles proporcionou que os caboclos fizessem desse modo de ser, também, o seu:
Mas os que moravam aqui, seriam aqueles que já haviam assimilado tudo e transmitido às gerações futuras, por exemplo, tem muito índio, você sabe por que os índios dormem com os pés voltados para o fogo de chão? É porque realmente aquecendo os pés, o resto do corpo é uma sabedoria esse é um exemplo e existe caboclo que mantém aquele fogo de chão, o que é que aquilo, significa... o fogo tem um significado muito grande né. (Vicente Telles, 75 anos, Irani).
Uma vez que os caboclos aprendem com os povos indígenas e juntam com aquilo que faz parte de outras compreensões de mundo, gerando uma nova forma de vida, compreendemos a existência de um processo de hibridismo. No aspecto dos costumes e tradições, mais uma vez, identificamos a influência de São João Maria. “Tem que pôr três punhadinho de sal em três canto da mesa, pôr em cruz no fogo né, rezá, cravá o machado pra [...] Rezá pra São João Maria” (Elza Correia de Arruda, 55 anos, Barra do Rio dos Índios/Chapecó).
O hábito de tomar chimarrão, arraigado entre os caboclos, mostra esse hibridismo nos costumes e tradições. Os caboclos fazem referência a essa tradição como sendo herdada dos gaúchos; por outro lado, os gaúchos herdaram esse costume dos povos indígenas.
Também o costume dos benzimentos, que permanece vivo em meio à população do Oeste, pode estar associado a uma outra cultura, a açoriana. O texto Terra açoriana: o legado dos açores em Santa Catarina (FLORIANÓPOLIS, 2017) apresenta estudos sobre a cultura açoriana na região de Florianópolis (SC) e explicita que as benzedeiras recebem visitas diariamente de pessoas que procuram benzimentos para diversos sintomas, e que essa tradição é herança açoriana. Quanto aos caboclos da região, compreendemos que, além da fé, dos costumes e da tradição, um fator que deve ser considerado é que o acesso ao médico era muito raro nas primeiras décadas do século XX. Alguns benzimentos descritos no documento que apresenta a cultura açoriana no litoral catarinense também são expressos pelos caboclos do Oeste em suas falas:
Bichas, quebrantes, benzo se uma criação tem mau olhado, de uma coisa assim, que Deus me livre um bicho pegá uma criação eu também sei benzê. [...] isso aí faz o benzimento e a pessoa pode i pra casa, agora como por exemplo o amarelão, tem um [...] e coloca no pescoço e [....] na água corrente e faz o benzimento e a pessoa tem que ponhá aquela coisa dentro da comida nove dias, de noite tem que rezá três Ave Maria... é o benzimento do amarelão. (Saturnino Gonçalves, 73 anos, Caxambu do Sul).
No entrelaçamento da biografia estudada com as falas dos entrevistados, é possível compreender as diferentes origens desses costumes que geram a cultura e a identidade cabocla do Oeste catarinense. No cenário dos costumes e tradições, revelam-se também o ato de pedir bênção para os pais e parentes próximos e os batizados em casa, sendo estes realizados também a partir dos ensinamentos do monge.
Os caboclos também desenvolviam crenças em relação ao modo de plantar, na maioria das vezes, relacionadas a um santo protetor. Seus costumes e tradições se faziam também por meio de sua religiosidade, que de alguma forma os tornava diferentes e proporcionava legitimidade para os seus fazeres, já que não tinham espaço nas intuições “legitimadas” pela sociedade em que viviam. As particularidades étnicas caboclas se entrelaçam com o fazer cultural de diferentes grupos, construindo-se a sua cultura a partir desse processo que pode ser chamado de híbrido. A ideia de pureza ou hierarquização não se sustenta, mas, sim, a perspectiva da construção de um novo modo de ser, de forma que se enuncia essa característica como sua, desenvolvendo a diferença cultural (BHABHA, 1998BHABHA, Homi K. O local da cultura. Belo Horizonte: UFMG, 1998.).
A coletividade: essência dos fazeres
Os outros, naquela época, um ajudava o outro, por exemplo, chegava um morador ali trazer uma coisa, fazer uma construção, todo mundo ia lá, meu pai ia construir tudo ajudava, ninguém cobrava um pila, nem que quisesse pagar, não cobravam mais também quando dependia pro lado da gente, vinham tudo. (João Diniz, 74 anos, Linha Aparecida/Itapiranga).
Dentre as características fundantes do “ser caboclo” no Oeste catarinense, como mostram os depoimentos, encontramos a coletividade. Quando contam sobre como eram suas casas, deixam transparecer a sua relação com o outro, que era de ajuda e de comunhão. Ao dizer sobre a lavoura e a criação de animais, as festas e as brincadeiras, o trabalho com os vizinhos, era no conjunto que isso se desenvolvia.
Para Marcon (2003MARCON, Telmo. Memória, história e cultura. Chapecó: Argos, 2003., p. 248), “a solidariedade e os compromissos coletivos, valores fundamentais dos modos de viver dos caboclos, encontram inspiração numa ética própria do catolicismo popular, do qual o monge é uma referência importante”. Embasados nos ensinamentos do monge, criaram um modo particular de ser que se funda na coletividade, unindo diversas culturas em sua formação social e em meio às dificuldades impostas pelo tempo em que viviam.
Em suas falas, alguns importantes exemplos: a construção de suas moradias, feitas de acordo com as possibilidades que tinham no momento e contando com a ajuda entre vizinhos, como é constantemente lembrado, quando um vizinho chegava, reuniam-se todos e o ajudavam e, como diz seu João Diniz, “não cobravam um pila”. Desenvolveram um modo de se organizar que é próprio de sua cultura e possibilitava as plantações ou, como eles chamam, os rocios, numa sistematização pautada na coletividade, um ajudando o outro; para a criação de porcos instituíram uma forma de identificar os animais de acordo com os seus donos, para que, assim, pudessem deixá-los soltos.
Vamo dizê a senhora morava perto, a senhora marca o porco na orelha esquerda, e eu na orelha direita e podia saí um porco como daqui lá no tope, enxergava um porco lá ninguém pegava, criação a mesma coisa marcada, com uma marca o que não tinha marca podia marcá, que era dono naquele tempo. (Lizário Ferreira, 95 anos, Linha Nossa Senhora de Lurdes/Chapecó).
Esse modo de se organizar levava em consideração o respeito aos vizinhos e propiciava uma vivência em harmonia. É expressa na fala dos caboclos a prática do puxirão, uma organização representativa da coletividade: eles faziam um roteiro que permitia que todos fossem ajudados, por isso alguns chamam o puxirão de ajutório (no significado da palavra: ajuda/auxílio):
[...] era o seguinte, a época de puxirão seria a época de planta e colheita, então digamos que, a partir do mês de setembro, agosto era feito o puxirão para roçá, entendeu, roçá a capoeira, mato e tal, e aí, quando vinha na época de colhê o feijão, dezembro e janeiro, o a colheita do trigo era de novo puxirão, o puxirão era mais escolhido quando tinha família, que tinha bastante planta, ficava doente e não tinha ninguém escolhido, aí eu chegava dizia, escuta vamo ajudá fulano lá, e nóis ia ajudá. (Cassiano Ferreira de Castro, 68 anos, Chapecó - grifos nossos).
O puxirão também era sinônimo de cuidar do próximo. Um ato de fazer e de organizar-se, levando em consideração o todo e não o individualismo. As festas também merecem destaque no contexto caboclo. Diferente do que ocorre na atualidade, não visavam lucro e não tinham apoio das instituições oficiais para desenvolvê-las, por isso, organizavam-se entre si, cultivando sua religiosidade, suas músicas e seu lazer.
A festa do Divino era realizada gratuitamente e demonstrava o seu caráter social, feita com a ajuda de todos, somando coletividade, organização e sociabilidade.
A festa do Divino tinha a bandeira do Divino, eu tenho, a igreja ali em cima tem a bandeira do Divino, aquele tempo eles caminhavam, os folião né, os folião de casa em casa, chegava o tempo, passava o domingo de páscoa a bandeira começava a caminhar, em toda a parte, ia para longe, o povo dava um leitão outro galinha e até boizinho davam pra festa né, todo mundo, naquele tempo era uma festa, dia que chegava por exemplo a bandeira na minha casa hoje, amanhã posava aqui a bandeira e amanhã sai caminhá, e tinha que acompanhá, tinha tambor que tocava né, tinha um que batia uma catraca que batia, matraca, tinha folião que cantava, chegava na casa e cantavam, quando era pra sair com a bandeira que posava agradecia o dono da casa cantando, era muito bonito [...]. O dia do Divino nunca cai só num dia né, é quarenta dia depois do domingo da Páscoa, é o dia do Divino. (Rita Fernandes da Silva, 78 anos, Chapecó).
Essa mesma festa é realizada no litoral catarinense e também no Rio Grande do Sul, apresentando características muito parecidas. A origem dessa festa é portuguesa e, na atualidade, é desenvolvida em diversos lugares do Brasil, ressignificadas em cada região de acordo com o processo de colonização, Sua representação e única simbologia é a pomba branca, cultuada de forma intensa (CASCUDO, 2001CASCUDO, Luís da Câmera. Dicionário do folclore brasileiro. 10. ed. Edição ilustrada. São Paulo: Global, 2001.). O processo de colonização no sul do Brasil possibilita a compreensão de que a migração açoriana foi a principal responsável pela reprodução dessa festa. Com isso, em alguns lugares, é bastante valorizada. Por outro lado, quando essas manifestações foram desenvolvidas pelos caboclos do Oeste catarinense, acabaram sendo marginalizadas junto a outras manifestações culturais dessa etnia.
Os caboclos faziam sua própria festa, que era um ato de compartilhar as experiências de cada um, de modo que “quem sabia tocar violão, gaita de boca gaita de mão” (Cenira Fortes, Chapecó) animava a festa numa constante partilha. Eles também faziam muitos de seus instrumentos, porque nem sempre podiam comprá-los.
Olha, tinha o tambor, o tambor era feito meio por casa. Era um tambor mesmo, uma barriquinha. De madeira, couro de cabrito, era o couro de cabrito, pra fazer e usavam muito isso aí pra acompanhar o Terno de Reis, era um instrumento pra bater, dar umas batidinhas, isso era feito meio por casa e os violões por aqui assim que a gente visse, feito em casa não. Tinha, os violeiros e o gaiteros tinham. (Marcina de Vargas, 67 anos, Linha Zona Alta/Piratuba).
Os tambores são utilizados desde o princípio da formação do povo brasileiro e continuam presentes até os dias de hoje. Esse instrumento era utilizado tanto pelos povos indígenas quanto pelos portugueses e africanos, dos quais o povo brasileiro recebe influências significativas (CASCUDO, 2001CASCUDO, Luís da Câmera. Dicionário do folclore brasileiro. 10. ed. Edição ilustrada. São Paulo: Global, 2001.). Ainda, no Dicionário do folclore brasileiro, Cascudo (2001CASCUDO, Luís da Câmera. Dicionário do folclore brasileiro. 10. ed. Edição ilustrada. São Paulo: Global, 2001.) apresenta que uma das festas que se utiliza do tambor é o Terno de Reis, citado pelos caboclos nas suas falas.
O Terno de Reis também é festejado no litoral catarinense pela cultura açoriana e, compreendendo o processo de colonização a partir de Piazza (1987PIAZZA, Walter Fernando. Santa Catarina: história da gente. 2. ed. Florianópolis: Lunardelli, 1987.), é possível relacionar essa manifestação cultural dos caboclos com a migração açoriana no Sul do país. No Dicionário do folclore brasileiro, tem-se que o Terno de Reis é um “folguedo que pertence ao ciclo natalino, introduzido pelos portugueses e encontrado em todo o Brasil, com suas variantes regionais” (CASCUDO, 2001CASCUDO, Luís da Câmera. Dicionário do folclore brasileiro. 10. ed. Edição ilustrada. São Paulo: Global, 2001., p. 175). Ainda, o dicionário especifica que no Rio Grande do Sul esse folguedo é animado com viola de dez ou doze cordas, rabeca, gaita e tambor. Nesse cenário, é possível dialogar com as falas dos caboclos nas entrevistas aqui analisadas e, assim, compreender a origem de suas manifestações culturais, pois, além do tambor, eles também faziam rabeca.
Ah era a tal da rabeca, era outra, instrumento era deferente [diferente], era mais ou menos igual, que tinha essa rabeca, é tocado com... com, tinha um, um, um arquinho ansim, que então era tocado com aquele, si não era cos dedo mesmo, não pontiava10 10 O mesmo que dizer pontear a viola. também, mais [mas] tinha aquela parte, vai esfregando assim, era outro modo de tocá. Esse era feito, os rabequero sabiam fazê, aprepara, ele já era, tanto que as corda era um tipo de sedem de animal, bem turcidinha as cordinha feito daquele. De cola de animal, da crina né, tinhas animal da crina comprida assim, ele tirava fazia, as cordinha. Bem turcidinha né, era turcida, e dava ponto, porque você nunca viu essa... tocá de rabeca? Toca iguar qualquer outro, outro instrumento assim. (Noé Elisbão da Luz, 86 anos, Guatambu).
Num espaço em que o acesso à comercialização de produtos era raro, os caboclos deixam transparecer em suas falas os saberes e fazeres, de sua casa até os utensílios domésticos, instrumentos musicais, brinquedos para os filhos e tantas outras atividades que remetem ao fazer, e fazem no coletivo. As casas dos caboclos, como mencionado anteriormente, eram feitas com a ajuda dos vizinhos, incluindo todos os processos de construção, caracterizadas principalmente pelo aspecto de chão batido e pela cobertura feita com folhas de coqueiro ou de tabuinha (tábuas).
Compreendendo a formação do povo brasileiro, é possível entender o caboclo como um Brasil dentro dos brasis, porque se fazem brasileiros, porque sua cultura apresenta o resultado dessa miscigenação, porque constroem uma nova forma de vida e a dizem para a sociedade em que vivem.
Além de pensar as condições a que foram sujeitados na perspectiva social, no coletivo puderam se fazer em todos os aspectos que envolviam a sua cultura, que se dá a partir do processo de miscigenação/hibridação, num cenário em que “a hibridez tem um longo trajeto nas culturas latino-americanas. Recordamos antes as formas sincréticas criadas pelas matrizes espanholas e portuguesas com a figuração indígena” (CANCLINI, 2015CANCLINI, Néstor García. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. 4. ed. 6. reimp. São Paulo: Edusp, 2015., p. 326). Nesse sentido, cabe refletir sobre o que Canclini aponta ao se referir ao conceito de híbrido, uma forma de melhor conviver em meio às transformações decorrentes dos processos modernizadores, mas se faz necessário compreender o que cada um perde ou ganha ao hibridar-se.
Reconhecer-se caboclo
Nós somos caboclos e brasileiros, nascemos no Brasil. (Saturnino Gonçalves, 73 anos, Caxambu do Sul).
Alguns aspectos encontrados nas falas dos entrevistados direcionam-se para o entendimento do que eles compreendem por “ser caboclo”. É possível pensar a sua identidade pelo que entendem de si mesmos e quais as relações/manifestações que os levam a se identificar como tal.
No estudo sobre o modo como os censos desenvolvidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) denominam os caboclos, inferimos que o instituto não apresenta uma definição para essas pessoas. Outro aspecto é que o termo muito esteve associado aos indígenas. Por outro lado, ao mesmo tempo que os caboclos dizem de sua relação com os povos indígenas, eles não se dizem indígenas, mas caboclos, porque não se veem como tal, tampouco como europeus ou africanos.
O Dicionário etimológico da língua portuguesa (CUNHA, 2010CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico da língua portuguesa. 4. ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2010., p. 108) define a palavra caboclo como “índio, mestiço de branco com índio, indivíduo de cor acobreada e cabelos lisos. Do tupi Kari ’uoka (Kara ’iua ‘homem branco’ + ‘oka ‘casa’)”. Discordamos da abordagem relacionada à cor da pele e ao tipo específico de cabelo, pois questões como aspectos físicos não podem definir uma etnia que se desenvolve nas mais diversas regiões do país. Por outro lado, a origem da palavra reafirma a sua ligação com os povos indígenas, do mesmo modo que os caboclos deixaram transparecer em suas falas.
Renk (2004RENK, Arlene; SAVOLDI, Adiles. Contestado: tropos, roteiros, imagens e linguagens. Cadernos do CEOM, v. 17, n. 20, p. 49-64, 2004.), ao abordar os brasileiros do Oeste catarinense, descreve que a nomenclatura cabocla foi dada à população que já habitava a região pelos colonos que chegaram depois. Os aspectos históricos proporcionam o entendimento de que essa cultura foi marginalizada e ainda sofre com o processo de construção e representação de sua identidade por parte da sociedade que a cerca.
A partir do estudo das falas dos entrevistados, analisadas neste trabalho, é possível constatar a sua identificação com o termo caboclo em aspectos que descrevem o jeito de ser caboclo, que é diferente dos colonos, dos indígenas ou dos africanos. Essa identificação está além da resposta que os entrevistados dão quando questionados sobre ser caboclo ou brasileiro, mas está expressa nas suas formas de dizer o caboclo nas suas atividades cotidianas.
Quando questionados sobre ser caboclo ou brasileiro, a maioria deles responde que são caboclos, mas também relacionam sua identidade com o ser brasileiro. “Ser caboclo” é viver de uma dada maneira, identificando um jeito de ser. Nos primeiros tempos da vida no Oeste catarinense, os caboclos faziam do fogo de chão a sua característica: não eram indígenas, mas ressignificavam o que aprendiam com eles. Dizem que eram caboclos porque se criaram no fogo de chão, com todas as relações que essa vivência proporcionava.
A alimentação também é tida como parte do “ser caboclo”: “o caboclo não tomava nem café, só agua doce, só comida de sal e depois ia para o serviço” (Luiz Fortes, 41 anos, Chapecó). Eles diferenciavam-se na sua gastronomia, sendo o revirado o prato principal.
Também apresentam, como parte da constituição de sua identidade, o reconhecimento, como caboclo, de São João Maria. Ele aparece nas mais diversas manifestações e tem presença marcante na constituição da identidade dessa etnia. “O protetor dos caboclos sempre foi São João Maria né...” (Elza Correia de Arruda, 55 anos, Barra do Rio dos Índios/Chapecó). Compreendemos que a figura do monge tem sua representatividade em diversos lugares da América. Na região em estudo, ele se torna parte dos diversos aspectos que identificam os caboclos.
Há, ainda, certa dualidade constituída, pois, quando essa etnia se configura como cabocla, está se dizendo brasileira em virtude do processo de miscigenação e também pelo fato de que não buscou a hierarquização de uma única cultura, ao contrário dos colonos, que mantiveram a sua cultura trazida do Velho Mundo para a região em estudo. “Mas sempre, sempre, a gente nunca foi como diz o ditado trocado de... [...] como se diz, de costume que a gente é caboclo, nunca fui nem gringo, nem polaco, nem alemão, nem nada, a vida de caboclo sempre... sempre um foguete no chão, um fogão à lenha” (Saturnino Gonçalves, 73 anos, Caxambu do Sul).
O reconhecimento enquanto caboclo vem do seu modo de vida, vem da forma como se relacionam entre si. Está no jeito de plantar, de colher, de se alimentar, de crer e construir suas moradias. Se compreendermos o sentido da palavra etnia, que significa povo, pessoas que partilham dos mesmos costumes e modos de vida, é possível dizer a etnia cabocla da região Oeste catarinense, assim como tantas outras presentes nessa cultura. É por isso que dizemos o caboclo pela sua cultura, pois, através da significância que eles atribuem a ela, é possível que a representação de sua etnia seja dita por si mesma. Ainda, são caboclos porque se reconhecem como tal e fazem desse reconhecimento a sua condição de existir social e culturalmente no ambiente em que vivem.
No cenário da identificação enquanto caboclo, emergem as lendas e histórias que se entrelaçam em seu cotidiano, de modo que a construção de suas lendas se dá por meio de fatos de sua vida. Para Guisso e Bernardi (2017GUISSO, Cintia M. S.; BERNARDI, Luci T. M. S. O significado da sociocosmologia nas histórias dos Kofa Ag: o mundo e a vida kaingang. Espaço Ameríndio (UFRGS), v. 11, n. 2, p. 143-166, 2017.), é possível compreender o mito como parte da história dos povos. Nesse sentido, as lendas que permeiam o cotidiano da cultura em estudo fazem parte da sua história.
Esse imaginário também revela uma característica do “ser caboclo” no sentido de que difere das histórias expressas por outras etnias da região. “Existe lenda do caboclo, o caboclo acreditava muito na lenda de lobisomem, até tem uma história, que eu vou contar para vocês...” (Rita Fernandes da Silva, 78 anos, Chapecó). As histórias dizem a identidade cabocla, pois eles reconhecem que esta é uma característica sua que é diferente daquela reproduzida pelos outros que conhecem.
O lobisomem, para os caboclos, é uma pessoa que convive em seu meio, pode ser um vizinho próximo e até mesmo um parente. Na maioria das narrativas, o lobisomem surge quando nascem sete homens numa mesma família e não é realizado o ritual do irmão mais velho batizar o mais novo. Nesse caso, o último será lobisomem e, em época de Quaresma, principalmente nas quartas e sextas-feiras santas, se transformará em um cachorro ou lobo, saindo pelas casas para perturbar os outros cães da vizinhança. No dia seguinte, ele volta ao normal.
Lobisomem existe, a bruxa existe, porque eu vi isso é uma verdade que existe mesmo, a bruxa existe um animal grande aquela crina grande que vinha assim, ela vai de noite e faz uma trança, assim igual uma pessoa que faz a trança em outra, fazem a trança bem feitinha e ata bem atadinha na ponta, outro dia um animal aquela trança feita, quem é que fez, foi a bruxa de noite e isso eu vi porque aconteceu num cavalo meu, eu cansei de vê, nunca vi fazê, mais que eu vi isso eu vi e o lobisomem existe também não sei se tu também viu. [...] Lobisomem é uma pessoa não tem religião com nada, na quaresma às vezes nas quarta-feira e sexta-feira santa, nesses dias que tem a quaresma ele sai, aí vira um cachorrão preto com orelhão, a maneira que ele vai aparecendo aqui os cachorros avançam nele, ele não briga com os cachorros, vai se retirando não briga, até que o cachorro desiste aí vai embora, até o galo cantá a primeira vez ainda ele tá aí, o galo cantô ele vira gente e vai pra casa. [...] E diz que também as pessoas que os pais não batizam, dizem que é a pessoa que não é batizado na igreja, que acontece isso. (Saturnino Gonçalves, 73 anos, Caxambu do Sul).
O lobisomem é um mito bastante difundido. “Na África existe a tradição sagrada das transformações animais, homens-lobos, homens-tigres, homens-hienas” (CASCUDO, 2001CASCUDO, Luís da Câmera. Dicionário do folclore brasileiro. 10. ed. Edição ilustrada. São Paulo: Global, 2001., p. 335). Essa herança cultural africana é expressa por Piazza (1987PIAZZA, Walter Fernando. Santa Catarina: história da gente. 2. ed. Florianópolis: Lunardelli, 1987., p. 90) quando trata da contribuição africana à cultura catarinense: “além dos rituais fetichistas, foi a tradição sagrada das transformações animais, aqui consubstanciada no mito do lobisomem”. Algumas características da definição do termo lobisomem se assemelham com o relato dos caboclos. Por exemplo, na definição do Dicionário do folclore brasileiro (CASCUDO, 2001), o lobisomem é o filho que nasceu de uma série de sete filhas, para os caboclos é aquele que nasceu após sete filhos homens. Isso propõe o processo de ressignificação que ocorre nos mais diversos contextos da cultura brasileira e é diferenciado em cada região.
As lendas que se referem às bruxas também narram essas personagens como oriundas de uma família na qual nascem sete meninas e não é realizado o ritual do batismo, da mesma forma que estão associadas a outros aspectos mitológicos. Em semelhança, a definição de bruxa como, “segundo antiga tradição europeia, a sétima filha de uma viúva deveria ser batizada pela irmã mais velha, para que não se tornasse feiticeira ou bruxa” (CASCUDO, 2001CASCUDO, Luís da Câmera. Dicionário do folclore brasileiro. 10. ed. Edição ilustrada. São Paulo: Global, 2001., p. 80). O autor apresenta que, na sua origem, a tradição descreve as bruxas como figuras assustadoras, mas na atualidade as versões das histórias atribuem às bruxas uma índole menos perversa. É possível associar a segunda definição com o que os caboclos descrevem nas suas histórias sobre bruxas.
Entre as histórias, também encontramos aquelas relacionadas aos espíritos ou, do modo como eles chamam, visagens. Elas estão associadas ao fato de que as almas de algumas pessoas são designadas a ser guardiãs de algum tesouro, por isso as chamam de “mães do ouro”. “Existia na época muito... não tem aqui na minha terra aqui, desce até hoje aqui naquele mato desce um fogo no meio do mato, mas dizem que é ouro” (Moacir Brisola, 51 anos, Linha São Pedro B/Chapecó). Em outros relatos, as visagens se referem apenas à alma de alguma pessoa que vaga pelo mundo.
A “mãe do ouro”, na definição do Dicionário do folclore brasileiro, é “um mito, inicialmente meteorológico, ligado aos protomitos ígneos, posteriormente ao ciclo do ouro [...]. Apresenta-se com formas variadas aos olhos do caboclo ou de outros que nela acreditam” (CASCUDO, 2001CASCUDO, Luís da Câmera. Dicionário do folclore brasileiro. 10. ed. Edição ilustrada. São Paulo: Global, 2001., p. 350). Para o autor, essa lenda está presente nas mais diversas regiões do país e conta sobre uma mulher que é chamada de mãe do ouro, a qual perpassa várias histórias em meio ao povo.
[...] daí eu, descendo a serra, de repente uma fantasma, uns diziam que era a mãe do ouro, outros diziam que não, o que era, daí ela vinha vindo aquele fantasma, aquela coisa de fogo que vinha rodando chego numa baixada ela se escondeu, ficô só aquele clarão e aquele faísquedo, sumiu eu até contei, uns diziam que era mãe do ouro, outros que era descarga elétrica.... (Luiz Romildo Berlotto, 50 anos, Linha Zona Alta/ Piratuba).
Diz a lenda que é justamente quando a mãe do ouro transporta o tesouro escondido de um lado para o outro que vemos essa “bola de fogo” (CASCUDO, 2001CASCUDO, Luís da Câmera. Dicionário do folclore brasileiro. 10. ed. Edição ilustrada. São Paulo: Global, 2001.). Desse modo, compreendemos o universo dos mitos e lendas dos caboclos da região como um ressignificar do processo dessas lendas que fazem parte da formação histórica do país e que ganham vida também no Oeste catarinense.
Faz-se necessário compreender certa dualidade no universo mitológico dos caboclos nessa região, pois acreditam no que eles chamam de visagem (relacionada aos espíritos e a seres sobrenaturais) e nas histórias sobre lobisomem e bruxa (relacionadas à vivência de pessoas do seu entorno). Para eles, o lobisomem e a bruxa existem no meio em que vivem, já a visagem faz parte de um universo paralelo e pode estar associada à sua religiosidade e à existência de outros mundos.
Ainda, quando questionados sobre outras histórias, como a da mula sem cabeça ou do boitatá, é possível verificar nas falas que eles não têm uma versão única do que seriam essas criaturas. Alguns dizem ter ouvido e até mencionam algumas características, mas essas histórias não ganham ênfase. Já a lenda do lobisomem se faz predominante nos relatos, com características semelhantes nas versões contadas. É possível constatar que as lendas de lobisomem e de bruxa se configuram como uma característica dessa etnia, sendo que a do lobisomem tem predominância maior do que as das bruxas.
Soma às análises, ainda, o fato de que percebem que as histórias de antigamente estão sendo apagadas com o tempo e deveriam ser mais valorizadas. Nesse cenário, o “resgate” desses aspectos culturais pode possibilitar um ressignificar dessas histórias, visto que elas têm pouca visibilidade no cenário cultural da região. “Tanta lenda, que devia ser preservada tal, foi tudo água abaixo, tinham coisas que podiam ser preservado, por exemplo, coisa de religião essas coisa, não foi pegado nada e foi tudo destruído né...” (José Leonardo Rosa de Oliveira, 61 anos, Xanxerê).
Palavras finais: sobre a necessidade de valorizar essa cultura
Consideramos que a figura do monge João Maria de Agostini se revela de maneira significativa no contexto histórico da formação da identidade cabocla da região, havendo a necessidade de valorização da representatividade do monge para essa cultura. A coletividade mostra que esse grupo tem muito a oferecer para uma sociedade que se preocupe com o outro e oportunize a compreensão da diferença como algo essencial para o país. O reconhecer-se caboclo revela a necessidade de observar que as identidades mudam e se fazem necessárias para a formação de cada povo/etnia.
Os caboclos construíram sua cultura em um processo feito no seu modo, lembrando suas raízes, reconstruindo-se e desenvolvendo o caboclo do Sul. Os elementos do fazer caboclo revelam símbolos que possibilitam a sua representação enquanto etnia, pois, na busca por existir socialmente, faz-se necessário ser percebido como distinto (BOURDIEU, 1996BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas linguísticas: o que falar quer dizer. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1996.), mas também reivindicar tratamento igual, pois o caboclo constrói sua cultura de modo que a represente no mundo. Nesse sentido, suas manifestações sociais/culturais são tão importantes quanto qualquer outra (KUPER, 2002KUPER, Adam. Cultura: a visão dos antropólogos. Bauru, SP: Edusc, 2002.). Ainda, essas diferenças não podem ser vistas como sinônimos de melhor ou pior, já que as culturas nacionais não podem ser unificadas, mas constituídas de um dispositivo discursivo em que a diferença é representada como unidade ou identidade (HALL, 2000HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 4. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.).
À luz das palavras dos autores citados, compreendemos que o caboclo precisa ser representado pela sua cultura, pela sua diferença enquanto etnia, que se constitui no seu fazer social e cultural. Faz-se relevante compreender as origens de seus fazeres para constituir uma análise da ressignificação que eles desenvolvem nos seus aspectos culturais, assim como tantos outros no país. E, ainda, que sua cultura precisa ser dita de igual valor entre tantas outras.
Na região em estudo observa-se a existência de uma hegemonia no que se refere à valorização de grupos que fazem parte do seu contexto histórico. A história “oficial” ainda apresenta o colonizador (italiano, alemão e polonês em sua maioria) de forma a ter mais visualidade e importância. Esse cenário se revela na referência que se faz a essa região como sendo terra de colonos desbravadores, que são homenageados, por exemplo, com a utilização de seus nomes em ruas, monumentos, festividades e outras representações, enquanto a cultura cabocla, que tem contribuições significativas desde o início da colonização, tem ficado obsoleta (RENK, 2014RENK, Arlene. A colonização do Oeste catarinense: as representações dos brasileiros. Cadernos do CEOM, v. 19, n. 23, p. 37-72, 2014.). Tornam-se também menosprezados os processos de exclusão de povos indígenas e caboclos ocorridos em nome do progresso.
Portanto, este trabalho contribui para a rememoração e valorização da etnia cabocla no Oeste catarinense, compreendendo que seus modos de vida se constituíram de maneira diferenciada e revelam uma forma de ver o mundo tão importante quanto qualquer outra.
Assim, o caboclo se faz por meio do entrecruzamento de culturas que refletem a sua brasilidade na região em estudo. Seus aspectos culturais, portanto, também merecem ser rememorados e valorizados. O estudo oportuniza, também, dizer que ser caboclo não é sinônimo de pele morena - ou “acobreada”, como apresentado no Dicionário etimológico da língua portuguesa (CUNHA, 2010CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico da língua portuguesa. 4. ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2010., p. 108) e assim também compreendido por muitos -, tampouco é definido por características físicas, mas pelo seu modo de vida, pela sua forma de olhar o mundo. E, sendo uma cultura como tantas no Brasil, também muda com o tempo e vai ganhando novas significações.
Oportunizar o (re)conhecimento do “ser caboclo” é permitir que muitos possam compreender o seu próprio contexto histórico, já que a marginalização de alguns grupos ocasionou certa camuflagem e a insegurança de assumir a identidade cabocla. Dessa forma, possibilita rememorar essa cultura positivamente e dizer também das suas belezas.
Referências
- BHABHA, Homi K. O local da cultura. Belo Horizonte: UFMG, 1998.
- BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas linguísticas: o que falar quer dizer. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1996.
- CANCLINI, Néstor García. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. 4. ed. 6. reimp. São Paulo: Edusp, 2015.
- CASCUDO, Luís da Câmera. Dicionário do folclore brasileiro. 10. ed. Edição ilustrada. São Paulo: Global, 2001.
- CASTELLS, Manuel. Fim de milênio. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
- CEOM - Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina. Inventário da cultura imaterial cabocla no oeste de Santa Catarina. Chapecó: Argos, 2008.
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- HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 4. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.
- IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Recenseamentos do Brasil, 1872 a 2010. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/. Acesso em: 14, jun. 2018.
» https://biblioteca.ibge.gov.br/. - KARSBURG, Alexandre de Oliveira. O eremita do Novo Mundo: a trajetória de um italiano pelos sertões brasileiros no século XIX. 2012. 480 f. Tese (Doutorado em História Social). Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2012.
- KUPER, Adam. Cultura: a visão dos antropólogos. Bauru, SP: Edusc, 2002.
- LINEMBURG JUNIOR, Jorge. As rabecas na obra de Mário de Andrade: uma abordagem prática. 119 p. 2015. Dissertação (Mestrado em Música). Universidade do Estado de Santa Catarina, 2015.
- MARCON, Telmo. Memória, história e cultura. Chapecó: Argos, 2003.
- MORAES, Roque; GALIAZZI, Maria do Carmo. Análise textual discursiva. 3. ed. Ijuí: Unijuí, 2016.
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- RENK, Arlene; SAVOLDI, Adiles. Contestado: tropos, roteiros, imagens e linguagens. Cadernos do CEOM, v. 17, n. 20, p. 49-64, 2004.
- WELTER, Tânia. O profeta São João Maria continua encantando no meio do povo. Um estudo sobre os discursos contemporâneos a respeito de João Maria em Santa Catarina. 2007. 269 f. Tese (Doutorado em Antropologia Social). Universidade Federal de Santa Catarina, 2007.
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Do grego ethnos: pessoas que partilham dos mesmos costumes, modos de ser e fazer. Compreendemos que o caboclo se constitui a partir de um reconhecimento enquanto comunidade que se construiu nos primeiros processos de colonização da região Oeste catarinense, se fazendo como um grupo social/étnico que se diferencia dos demais.
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O CEOM mantém como características fundamentais a divulgação científica e cultural e a preocupação com a história e a pré-história regional (CEOM, s. d.).
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A nomenclatura “São João Maria” foi atribuída por populares da região e faz referência ao primeiro monge que peregrinou pela América a partir do ano de 1844, sendo seu nome de origem João Maria de Agostini. Neste texto diferenciamos ele de seus seguidores. Quando há referências ao monge e as suas influências na identidade cabocla, elas se relacionam à figura de João Maria de Agostini, conhecida e compreendida no meio caboclo através da história oral.
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As falas utilizadas neste estudo fazem parte do acervo de entrevistas. Portanto, preservamos a transcrição ao modo desenvolvido pelo museu, mantendo as marcas características de conversas informais.
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Como o referido autor explica, ser aleijado não significava a falta dos dedos, como se pode pensar: seria uma deficiência em três dedos da mão esquerda, uma atrofia que lhe dificultava os movimentos.
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A Guerra do Contestado tem (1912-1916), e uma marca - o Contestado foi escolhido na década de 1980 como um dos símbolos de catarinidade, referenciando-se a Santa Catarina (Brasil). Como território, o Contestado não existe mais. Tomemos, para conhecê-lo, algumas invariâncias que marcaram o acontecimento: a descentralização política, com o advento da República, que outorgou maior autonomia aos estados; a disputa entre as divisas de Santa Catarina e Paraná, o que implicaria a reconfiguração geográfica dos mapas; o milenarismo; as disputas políticas entre frações fazendeiras locais; a separação do Estado da Igreja com a constituição republicana e as relações assimétricas entre monges e o clero oficial católico; a disputa entre coronéis/caboclos (com clivagens internas); a adesão ou retirada das “gentes do coronel” ao movimento e a subalternidade da “população cabocla” (RENK; SAVOLDI, 2004).
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O mesmo que dizer pontear a viola.
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Este trabalho contou com auxílio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (Fapesc), na modalidade de bolsa de estudo integral.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
14 Dez 2020 -
Data do Fascículo
Sep-Dec 2020
Histórico
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Recebido
23 Set 2019 -
Aceito
06 Out 2020