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Primeira República e Era Vargas: reflexões para a compreensão da atualidade

First Republic and Vargas Era: reflections for understanding today

RESUMO

A obra resenhada é o segundo volume da Coleção Novos Estudos de História Econômica do Brasil e se dedica a pensar no complexo período que vai da Primeira República ao fim da Era Vargas. Seus artigos expressam essa complexidade dialogando com o conjunto das dinâmicas do sistema capitalista que marcaram a economia mundial no período, além de proporem reflexões que inevitavelmente nos trazem para os problemas do presente. Da cultura cafeeira e dos efeitos dela decorrentes à proibição de garçonetes trabalharem à noite, suas problemáticas nos convidam a pensar o processo de acumulação no Brasil, suas peculiaridades e o que somos.

PALAVRAS-CHAVE:
Primeira República; Getúlio Vargas; Estado

ABSTRACT

The reviewed work is the second volume of the New Studies in the Economic History of Brazil Collection and is dedicated to thinking about the complex period that goes from the First Republic to the end of the Vargas era. His articles express this complexity by dialoguing with the set of dynamics of the capitalist system that marked the world economy in the period, in addition to proposing reflections that inevitably bring us to the problems of the present. From the coffee culture and from the effects resulting of it to the prohibition of waitresses to work at night, its problems invite us to think about the accumulation process in Brazil, its peculiarities and what we are.

KEYWORDS:
First Republic; Getúlio Vargas; State

Concebida para propor reflexões e novas perspectivas de pesquisa em história econômica do Brasil, a Coleção Novos Estudos de História Econômica do Brasil, organizada por Luiz Fernando Saraiva e editorada pela Associação Brasileira de Pesquisadores em História Econômica (ABPHE), Editora da Universidade Federal Fluminense (Eduff) e Hucitec, a cada volume publicado reforça sua relevância e contribuição para a historiografia brasileira.

Publicar essa coleção vai além de suas páginas, envolve responsabilidade, compromisso e dedicação de todos os envolvidos. A ABPHE, cumprindo seu papel de fomentadora das pesquisas em história econômica e de articuladora das condições para sua difusão e debate, o organizador da Coleção, os organizadores dos diferentes volumes, seus autores e as editoras envolvidas alinham-se, assim, nessa empreitada, deixando marcas indeléveis para a história econômica, demonstrando a inexorável contribuição dessa área de conhecimento para a compreensão da realidade brasileira. Dada sua importância, me atrevo a relacioná-la, quanto ao seu propósito e mérito, à edição organizada por Sérgio S. Silva e Tamás Szmrecsányi de História econômica da Primeira República, coletânea de textos apresentada no I Congresso Brasileiro de História Econômica, realizado na USP, em 1993, inclusive, que marcou a criação da ABPHE.

Pensar o tempo e seus acontecimentos, ideias, rupturas e continuidades em um país de dimensões continentais e com complexas e desiguais relações sociais, econômicas, políticas e culturais historicamente constituídas, requer o cuidado de evitar generalizações e transposições simplistas de modelos para situações diversas. Por extensão, imperativa é a percepção das conjunturas regionais que compõem a estrutura e dão sentido às dinâmicas do processo histórico em sua totalidade, como apontou Szmrecsányi (20085. SZMRECSÁNYI Tamás. Fundamentos teóricos e metodológicos do estudo da história econômica. História Econômica e História de Empresas, v. 11, n. 2, 2008, p. 31-43. Disponível em: https://www.hehe.org.br/index.php/rabphe/issue/view/13. Acesso em: ago. 2021.
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).

O segundo volume de Novos Estudos de História Econômica do Brasil, intitulado História econômica do Brasil: Primeira República e Era Vargas, organizado por Guilherme Grandi e Rogério Naques Faleiros e lançado em 2020, cumpre com maestria os objetivos dessa coleção.

Sua periodização encontra-se balizada pela conjuntura do fim do século XIX, que culminou com a República até o fim da chamada Era Vargas, porém, não sem avanços e recuos imprescindíveis para a percepção dos processos históricos. Sob esse marco temporal, talvez um dos maiores desafios da obra tenha sido a forma como os organizadores e os autores exploraram seus temas, sob diferentes perspectivas, rupturas e continuidades, mas em especial considerando a passagem pelos anos 1930, quando, mesmo diante de impactos e mudanças estruturais no aparelho estatal com prolongamentos de privilégios, emergiram diferentes interesses sociais, econômicos e políticos que se embrenhavam em sua institucionalidade (COSTA, 2018, p. 38 e segs.). Citando os organizadores do volume, portanto, no período delineado se “reiteram hierarquias, estruturas de poder e simbologias que insistem em permanecer na vida nacional” (p. 14).

As temáticas elencadas pelos autores - café, tributação, urbanização, consumo, mercado de trabalho, migrações, gênero, Estado, desenvolvimentismo - demonstram as continuidades e rupturas do período e trazem ao debate as complexas relações entre os distintos “momentos” do capitalismo com a realidade brasileira, fornecendo categorias de análise para pensar os meandros do processo de consolidação do Brasil nas linhas da economia mundial, suas imbricações e os interesses regionais envolvidos que marcaram o Brasil e ainda hoje assinalam os problemas de um país marcado pela desigualdade e pelo regionalismo.

Independentemente da temática de cada artigo, todos demonstram visões de conjunto capazes de articular diferentes elementos para pensar o específico, mas sem deixar de considerar o todo, os quais, por sua vez, refletem a seriedade e a capacidade de pesquisa de cada um deles no manejo das fontes. É um convite a pensar o Brasil considerando, tomando de empréstimo, as palavras de Luiz Fernando Saraiva e Alcides Goularti Filho (p. 10), de que é “impossível pensarmos esse longo e tumultuoso período (1889-1945) somente tendo em conta o centro dinâmico da economia e da capital política do país”.

***

O capítulo que abre a obra é “Geopolítica do café: sistema mundial e transição hegemônica (1898-1945)”, de Rogério Naques Faleiros, que se fundamenta em Braudel, Arrighi e em Wallerstein para apreender a “totalidade” do processo de transição do poder hegemônico da Inglaterra para os Estados Unidos. Seu objetivo é captar como essa transição “condicionou” as exportações de capitais, de produtos primários e de alimentos, e de moedas. Nessa transição, a despeito do caráter cíclico de acumulação do período, como denomina o autor, com as duas grandes guerras e a crise dos anos 1930, o capitalismo se expandiu assentado em movimentações no posicionamento dos então protagonistas, industrial e financeiro, da economia mundial.

Pelo lado da oferta, estavam os estados produtores de café, entre eles o Brasil, desempenhando papel dependente ante o mercado internacional e subordinado aos interesses externos, condicionado que estava da necessidade de divisas oriundas das exportações de café. Para delinear essa dependência, o autor resgata os investimentos estrangeiros já internalizados na estrutura dos complexos econômicos cafeeiros desde o final do século XIX, da propriedade de fazendas aos setores de financiamento, transportes, serviços públicos e comercial dentre outros e, por extensão, como chegaram a influenciar políticas econômicas do Estado.

Como mostra o autor, o padrão de acumulação, em sua essência, se manteve até o fim do período de análise. Entre os ciclos de “expansão e destruição da riqueza”, a partir da Primeira Guerra Mundial, reposicionou os protagonistas no cenário econômico e político mundial. A Inglaterra perdeu seu caráter de exportador de capitais, ao passo que os Estados Unidos assumiram essa posição, expandindo investimentos externos e exportando capitais, também para a América Latina, e construindo “zonas de influência”. Objetivamente, alterando a geopolítica do café brasileiro em razão da sua participação na balança comercial, o que significou, na prática, o reposicionamento do papel subordinado e dependente da economia brasileira diante dos países centrais do sistema capitalista, e claro, diante do novo protagonista, os Estados Unidos.

Em que pese a concorrência com a produção de outros países, principalmente a colombiana, por exemplo, na primeira metade do século XX o café oriundo do Brasil respondia “por mais da metade da oferta mundial” (p. 37), enquanto os Estados Unidos importavam 70% da produção mundial em 1940. Eis a conjuntura em que Faleiros situa sua problemática.

O que talvez demonstre com acuidade a reflexão de Faleiros é sua argumentação sobre como se materializava a relação de subordinação brasileira diante dos países centrais - alicerçado em Braudel - e que representa a articulação com a dinâmica da geopolítica, por meio das políticas internas, isto é, os mecanismos de defesa do café, os quais eram majoritariamente financiados pelos ingleses até os anos 1930, quando então passou a decrescer, “sucumbindo” com a Segunda Guerra Mundial.

Nos entremeios dessas relações geopolíticas, os Estados Unidos atuaram, via produção colombiana, para “deslocar” o financiamento inglês nos estados brasileiros por meio de investimentos infraestruturais na Colômbia e facilidades para o acesso ao mercado consumidor norte-americano pelos produtores do café colombiano. Em outras palavras, criando as condições para o aumento da produção do concorrente brasileiro nos anos 1920: “a rigor, as exportações colombianas foram sempre crescentes no período de 1915-1947, salvo em alguns anos da Segunda Guerra, ao passo que as exportações brasileiras apresentaram maiores flutuações cíclicas e a um custo de estocagem crescente, em função das defesas implementadas que puxaram todo o mercado” (p. 48).

Vários fatores contribuíram para esse movimento de mercado: a classificação/qualidade do café e seus consumidores de média e alta rendas, que amparavam flutuações cíclicas ao consumir grãos de qualidade, sendo os últimos a terem seus preços reduzidos; os grãos de qualidade em blends, que, ao serem acrescidos a grãos de qualidade inferior, conferiam condições para que os de qualidade duvidosa se mantivessem no mercado; e as políticas de defesa do café, a partir de 1924, que dispensavam grãos de qualidade inferior, mas abriam espaço para a produção inferior colombiana.

Portanto, nos entremeios da dinâmica dos “ciclos sistêmicos de acumulação”, a disputa pelo protagonismo financeiro mundial, com o deslocamento da hegemonia da Inglaterra aos Estados Unidos, coube aos países produtores de café - entre eles o Brasil - uma posição subordinada, cuja condição, conclui Faleiros, em essência, coloca em evidência como os mecanismos de defesa do café estavam vinculados ao movimento mais amplo de disputa pela hegemonia.

No segundo capítulo, “Tarifas alfandegárias e indústria no Brasil durante a Primeira República”, Guilherme Grandi e Alexandre Macchione Saes propõem uma revisão da relação das tarifas alfandegárias sobre o comércio exterior e o desenvolvimento industrial no período, subdividindo a análise entre os momentos anterior e posterior à Primeira Guerra Mundial. Para os autores, a especificidade brasileira de produtora de matérias-primas e alimentos seria a razão da “política fiscal a partir das tarifas, especialmente de importação”, e somente a partir de 1914 as receitas tributárias alusivas ao mercado interno apresentariam relevância, fomentando algumas revisões tributárias sobre variados produtos.

Para isso, retomam um debate historiográfico que se sustenta em dois argumentos: a de que as taxações visavam proteger o mercado interno, criando condições para diversos bens serem substituídos por produtos internos; e a de que as taxações tinham como função compor a receita fiscal do Estado, não estando, portanto, obrigatoriamente vinculadas à proteção interna da produção nacional.

Como destacam os autores com relação à segunda hipótese, eles não questionam o possível benefício sobre a indústria decorrente da elevação das tarifas em prol dos interesses fiscais, primordialmente, mas refutam a possibilidade de terem ocorrido pressões políticas de grupos industriais sobre o Estado, planejador e executor das políticas econômicas, pelo menos até o início da década de 1920.

Demonstrando a robustez do debate, os autores apontam como a política protecionista foi “um tanto incidental” até os anos 1930, justamente em razão da dependência da economia brasileira em relação ao comércio internacional. Dois fatores balizavam as variações tarifárias que, em média, estariam diretamente associadas à manutenção da estabilidade cambial (p. 82). Num primeiro momento, até a Primeira Guerra Mundial, estava a maior dependência do mercado externo frente a um reduzido papel do mercado interno. Num segundo momento, a partir de 1914, o desenvolvimento interno do mercado e o aumento da arrecadação fiscal relativa à sua produção implicaram, no conjunto das receitas tributárias, uma redução quanto à dependência das tarifas alfandegárias, “o que explicaria, em parte, a própria redução do nível de proteção tarifária” (p. 84). Inegável, contudo, que essa conjuntura também representava o desenvolvimento da indústria destinada ao mercado interno (p. 96).

No que se refere à primeira hipótese - de que as taxações visavam proteger a produção interna por meio de “política discricionária” -, Grandi e Saes são categóricos: “tal política não teria sido muito eficaz, se considerarmos que a participação do setor industrial no produto total experimentou um incremento ‘apenas modesto’ entre 1900 e 1930, que de 13% chegou a 17% do PIB” (p. 97 apud FISHLOW, 2013). Em outras palavras, concluem que, a despeito de as possíveis tarifas alfandegárias terem “beneficiado” a indústria nacional, elas visavam fundamentalmente a estabilidade cambial e o equilíbrio orçamentário.

Em “Urbanização lastreada na capacidade de tributar: especificidades no enfrentamento das crises no complexo cafeeiro (1906-1937)”, terceiro capítulo da obra, Pedro Geraldo Saadi Tosi, Rodrigo Fontanari e Henry Marcelo Martins da Silva apresentam três casos - da Calçado Jaguar, da Estrada de Ferro Araraquara (EFA) e de Christiano Osório de Souza2 - de modo a aferir como se portaram diante das ações do Estado frente a crises que abalaram o setor cafeeiro, iniciando com o Convênio de Taubaté e encerrando com a Câmara de Reajustamento Econômico. Os autores ressaltam na análise as políticas fiscais e tributárias e seus “impactos na formação da rede urbana” (p. 101), na medida em que condicionaram o fluxo de entrada de capital estrangeiro, atingindo o consumo interno e novos investimentos, elevando a necessidade de capital de giro nas atividades urbanas, de custeio agrícola assim como de obras infraestruturais e serviços.

Utilizando dados de Montagner, os autores corroboram a tese de que parte dos recursos gerados com a arrecadação originada e “estimulada” pela produção cafeeira foi direcionada para a construção de órgãos públicos e instituições urbanas. Acrescentam, contudo, que a economia cafeeira do sudeste brasileiro teve importante inserção e papel em “em escala planetária, como uma espécie de monopsônio na produção cafeeira”, além de ter “exposto essa economia às novas condições do mercado mundial”, sustentando a acumulação internamente (p. 110).

Entre os efeitos das políticas tributárias aliadas a outros fatores, os autores destacam as formas através das quais extrapolavam recursos para novos setores, como a Fábrica de Calçado Jaguar. Nesse caso, vale salientar o momento em que Carlos Pacheco de Macedo ampliou seus negócios e modernizou seu curtume, que, mais tarde, daria lugar à Jaguar. Entretanto, o negócio foi abalado pelo endividamento durante o governo de Arthur Bernardes, na década de 1920, ao convergirem a valorização do mil-réis ante à libra, durante o governo de Arthur Bernardes, e a queda nos preços dos importados, com a Valorização Permanente (1924), seguida de aumento da produção e a crise de 1929. O caso demonstra, segundo os pesquisadores, como a atividade industrial já se fazia presente na região e, mais, atrelada ao mercado mundial.

No caso da EFA, ela deve ser compreendida à luz do conjunto do desenvolvimento dos serviços públicos em São Paulo. Baseando-se em Flávio Saes e Ana Lanna, os autores procuram demonstrar como o Convênio de Taubaté trazia em si uma estreita relação com o capital externo, via financiamento, e que estabelecia pontes com outros setores. Fundada sob o contexto da expansão dos cafezais e da ampliação do mercado de capitais, em que companhias ferroviárias eram destaque, ela teve em sua origem “grandes proprietários rurais e produtores de café na região de Araraquara” (p. 118). Sua história foi marcada por ampliações de capital, mudanças diretivas e problemas com controle acionário até sua falência e liquidação em 1916. Assim, destacam os autores como o setor ferroviário era, naqueles anos, “extremamente dependente dos benefícios públicos” (p. 128).

O caso de Christiano Osório de Oliveira, talvez mais emblemático, representa a complexidade e a necessidade de novas pesquisas sobre o processo de acumulação e diversificação econômica no Brasil, em especial no âmbito regional. Ao transitar da condição de fazendeiro a capitalista, mas sem abandonar a primeira, Oliveira é tomando como “homem de negócio” marcado pela “diversificação dos investimentos”, que englobavam negócios em serviços e atividades urbanas e financeiras, como banqueiro, comissário etc. Nas palavras dos autores: “Christiano Osório amarrava a produção dos devedores via cláusulas contratuais. [...] proporcionou os meios para enlaçar a produção de café, que estava pulverizada pelos municípios do estado de São Paulo. No papel de credor [...] ele conseguiu prender as tramas dessa malha comercial, constituindo sua própria rede de negócio...” (p. 131).

Mas foi nos momentos de crise do setor cafeeiro que sua atuação adquiriu relevo, destacam os autores, com a estreita vinculação de políticas de governo de valorização do café com seus negócios, em especial a financeira, a creditícia. Christiano Osório chegou até mesmo a se antecipar à Câmara de Reajustamento Econômico (1934) com serviços de abatimento e refinanciamento de dívidas. Ademais, os autores apontam como a relação de Oliveira com a Câmara incrementou seus lucros, se espraiando, ainda, ao papel de financiador de “entes públicos”. Por fim, cabe ressaltar as palavras dos autores:

As sucessivas deliberações da Câmara de Reajustamento Econômico [...] contribuíram para aliviar os agentes envolvidos nessas pesadas dívidas, que os oneravam como tomadores de crédito, de modo que a continuidade dos negócios teve rápida resolução, uma vez que liberava montantes que deveriam ser destinados ao pagamento de dívidas e os tornavam mais predispostos para o consumo e para o investimento, de modo a salvar a capacidade de tributação pela minimização do encolhimento da atividade econômica e pelo fortalecimento dos entes públicos na regulação econômica. (p. 146).

No quarto capítulo da obra, Milena Fernandes de Oliveira busca, na dinâmica das transformações que marcaram o período, analisar o “Consumo, cultura material e poder na Primeira República (1890-1930)”, situando as peculiaridades dessas categorias e suas respectivas gêneses. Fundamentada em Braudel, Harvey, Lefebvre, Machado, Barbuy, Sevcenko, a autora demonstra como as “mutações materiais” foram manifestadas em diferentes níveis da realidade.

Esses aspectos estão no viver urbano, na dinâmica da “cultura do consumo” e na estrutura de poder do Estado. O primeiro encontra-se na transformação da vida urbana das principais cidades do Brasil ao final do século XIX, em especial Rio de Janeiro e São Paulo, a qual, se num primeiro plano expressava a consolidação do capitalismo nos países centrais do sistema, por outro, mesmo numa condição subordinada a eles, transpôs para a realidade local pressupostos e modelos que visavam aproximar-se a eles. Entre os elementos transpostos estava a reforma urbana, em especial a parisiense, de Hausmann, que implicava na racionalização da cidade, no disciplinamento do trabalho, no embelezamento dos espaços, neste, por meio de intervenções sobre os corpos (higienismo) daqueles “alheios” às mudanças econômicas e sociais. Ao processo acrescente-se o ideal positivista, de “ordem e progresso”, que marcaria as especificidades brasileiras.

Era a formação da cidade-vitrine, segundo Oliveira, na qual a cidade se tornava objeto de consumo, por meio de suas instituições, novos hábitos e mercadorias, impondo necessidades de superação de diversas ordens, como as heranças coloniais. Contudo, essas transformações formaram códigos urbanos que opunham uma complexidade de hábitos que se manifestavam sob diferentes formas nas diversas regiões da cidade, inclusive se executado pela mesma pessoa, como o caso citado por Sevcenko, ao qual Oliveira se refere. No entanto, de acordo com as palavras da autora, “a ordem, tão proclamada pela República positivista, era um atributo ausente nos cortiços e bairros operários” (p. 163).

No segundo aspecto, por meio do que a autora conceitua como “cultura de consumo”, busca-se demonstrar como as manifestações e padrões de consumo individuais simbolizavam o lugar de cada um ou cada uma na estrutura social, se trabalhador ou não, se manual ou não. Elas se expressavam no vestir diverso do imigrante italiano ante o espanhol, na mulher trabalhadora em relação à mulher de família tradicional. É o que Oliveira chama de construção das identidades e de delimitação das fronteiras.

Nessa dinâmica estão o princípio da diferenciação - em que os “estamentos superiores” estabelecem hábitos de consumo que os diferenciavam dos demais grupos sociais - e o princípio da generalização - quando algum objeto ou hábito de consumo “singularizados” eram difundidos em grupos sociais diversos, não privilegiados. Porém, destaca a autora, no Brasil esses fenômenos tomaram formas diversas, ambos...

[...] estiveram presentes o tempo todo na conformação da cultura de consumo capitalista no período da Primeira República. Enquanto o processo de diferenciação era alimentado pela importação de produtos de luxo, em particular dos produtos franceses, a generalização de padrões provinha da manufatura nascente, incluindo a contrafação, amplamente denunciada pelos cônsules franceses [...] a falsificação. (p. 171-172).

Desse modo, para Oliveira, o que se processou na Primeira República foram construções identitárias que abarcavam, por parte dos privilegiados, a busca da diferenciação dos demais grupos, enquanto aos grupos sociais não privilegiados houve a negativa de incorporação das “modas e modos dos enricados”, de modo a deles se diferenciarem. Ainda, a autora demonstra como da inter-relação entre diferentes camadas sociais estabeleceram-se “alguns monopólios sociais, entre os quais o consumo”, e como “foram instituídos pela classe dominante e vetados aos negros e pobres” (p. 173).

Quanto ao terceiro aspecto, argumenta Oliveira que a cultura do consumo também se expressar nas entrelinhas do poder público com os hábitos de consumo dos “donos do poder”. Esse embate emerge na confusão, historicamente construída, entre o público e o privado. O exemplo de Oliveira remete à disputa entre a “farda” e a “toga”, que em essência trazia em si disputas entre rural e urbano, jovem e velho, moderno e arcaico, branco e negro, homem e mulher, que nos campos de batalha expunha hábitos de poder. Isso posto, a autora situa nas três manifestações analisadas, à luz da formação da sociedade capitalista, como é possível apreender a diferenciação social brasileira pelo consumo, assim como pelas estruturas de poder.

Em “Migrações internas e formação do mercado de trabalho (1889-1945)”, quinto capítulo do volume, Cláudia Alessandra Tessari problematiza seu tema a partir do argumento de Barbosa sobre a inexistência de um mercado de trabalho nacional até 1930, com peculiaridades que remetiam a “mercados regionais e incompletos”, os quais apresentavam dinâmicas que ora que se aproximavam ora se distanciavam.

Seu argumento central é de que a formação do mercado de trabalho não se resume a dados quantitativos que possam explicar ou não a formação de um contingente de mão de obra disponível ao capital. Sua proposta vai além ao abranger em sua análise outros fatores, como a dissolução de condições autônomas de subsistência, a falta de acesso à terra e a instrumentos de produção, até a disposição “cultural” de o trabalhador estar disposto a vender sua força de trabalho.

Para tanto, a autora constrói sua argumentação a partir de relevantes estudos sobre o tema, mas vai além ao circundar o problema com questões nem sempre consideradas nos estudos sobre o tema, dado que influenciaram e/ou marcaram o processo de formação do mercado de trabalho, como: o fim do escravismo e os problemas subsequentes; novos vínculos de subordinação criados com o fim do escravismo; o argumento do branqueamento; os deslocamentos entre regiões; as secas no Nordeste; o aprimoramento dos transportes; o aumento populacional e a urbanização; a sazonalidade das diferentes culturas; os complexos econômicos regionais e muitas vezes os vínculos de dependência pessoal criados com os “contratantes” e/ou “latifundiários” nas terras de origem; as questões políticas e econômicas, inclusive ameaçando o pacto federativo; as alterações nas condições para o aumento da taxa salarial nas regiões abandonadas e o contrário nas de destino; e, evidentemente, o papel do Estado legislando sobre a questão.

Sua análise sobre a “formação do mercado de trabalho”, assim, deve ser compreendida à luz das inter-relações estabelecidas no conjunto dos fenômenos históricos, internos e externos, que envolvem as complexas dinâmicas do período. Em essência, a autora demonstra como a categoria “mercado de trabalho” permite refletir sobre as peculiaridades da definitiva inserção do Brasil nas engrenagens do sistema capitalista.

Entre os pontos de destaque tratados por Tessari, vale ressaltar a atuação dos diferentes governos estaduais, coibindo ou incentivando processos migratórios. Fugindo de meras dualidades, a autora demonstra ações como as de estados ameaçados de “perda de mão de obra” - que chegaram a tributar as atividades dos agenciadores e promoveram campanhas de desincentivo aos deslocamentos -, enquanto outros, essencialmente o estado de São Paulo, promoveram políticas de subvenção para a imigração estrangeira e, também, de nacionais.

Representativa dos debates, das políticas e dos problemas, como documenta Tessari, foi a sugestão paulista registrada no Boletim do Departamento Estadual do Trabalho do estado de São Paulo, em 1917, que com a Primeira Guerra Mundial praticamente estancou a entrada de estrangeiros: “Naquele momento, plenamente ciente de que a migração era uma ‘questão tão melindrosa’ e que o ‘assunto é[era] vasto e complexo e vários e opostos [eram] os interesses em jogo’ que o Boletim [...] passou a sugerir a migração temporária” (p. 205).

Em jogo estavam os interesses regionais e, claro, a intenção política de pouco impactar na disponibilidade da mão de obra em outras regiões, em especial no Nordeste, assentada no argumento do retorno dos trabalhadores após as colheitas. Em 1919, por exemplo, o secretário de Agricultura de São Paulo solicitou autorização ao governo cearense para propagandear e transportar interessados em trabalhar no estado; a autorização foi concedida, mesmo com o receio de problemas econômicos na região, porém, o que pesou a favor do pleito foi o contexto de seca naquele momento.

Do ponto de vista político, para além dos “melindres” estaduais, como considera Tessari, estava a ausência de legislação que tratasse do tema em âmbito nacional, o que adquiriu novos contornos a partir dos anos 1930. Entre seus fatores motivadores estavam questões políticas e econômicas (internas e externas), o refluxo de trabalhadores estrangeiros e as mudanças do centro dinâmico da economia - com os “deslocamentos populacionais” como parte do “plano de desenvolvimento econômico nacional”, de Getúlio Vargas. “Foi somente a partir de 1934 que a questão imigrantista passou a ser objeto de maior preocupação institucional e que as primeiras medidas e decretos [...] passaram a expressar intencionalidades mais evidentes” (p. 210).

A partir de então, decretos e decretos-leis trataram a temática em nome da integração nacional e de uma ideologia nacionalista, não sem nuances regionais, em especial em São Paulo, favorecido que estava pela autonomia federativa e pelas políticas e estruturas já montadas. Dessa forma, Tessari aponta como, por um lado o governo centralizador passou a legislar mais atenta e diretamente a problemática, enquanto, por outro, o estado de São Paulo retomou o subsídio à migração em 1935 (interrompida em 1927), mas dessa vez subsidiando o trabalhador nacional e abrindo escritórios de arregimentação em várias localidades.

A política de subsídio paulista perdurou até 1951, atraindo mão de obra das “zonas repulsoras de imigrantes”, de regiões “menos dinâmicas” e recorrentemente acometidas pelas secas, principalmente dos estados do Nordeste e do norte de Minas Gerais. Enquanto no Sudeste, essencialmente em São Paulo, em curso estava o processo de industrialização e urbanização com suas dinâmicas de atração.

O resultado, para Tessari, foi que durante o Estado Novo, caracteristicamente centralizador, estabeleceram-se políticas estaduais e federais, de modo que

A centralização e uma maior intervenção do Estado central afetaram o modo como os governos estaduais teriam de passar a lidar com a questão da migração e do trabalho. São Paulo teve de alterar suas políticas e suas estruturas institucionais. Nessa adequação, pôde empreender ações e criar organismos que ultrapassaram suas fronteiras, beneficiando-se dos reservatórios de mão de obra que sua própria política imigrantista anterior havia ajudado a criar. (p. 230-231).

O artigo de José Flávio Motta e Luciana Suarez Galvão, “Getúlio e as garçonetes: o Decreto nº 21.417-A e a regulação do trabalho das mulheres (Brasil, primeiro governo de Vargas)”, tem como foco o trabalho feminino como objeto do referido decreto, editado em 1932. Os autores trazem à reflexão dois artigos, de um total de 6: os que tratam das “condições de trabalho” e da “proibição do trabalho noturno”:

Art. 1º Sem distinção do sexo, a todo trabalho de igual valor corresponde salário igual. Art. 2º O trabalho da mulher nos estabelecimentos industriais e comerciais, públicos ou particulares, é vedado desde 22 horas até 5 horas. (p. 237).

Dessas prerrogativas, os autores buscam caracterizar os acontecimentos que dão singularidade à promulgação do decreto para, em seguida, apreender o “impacto” que a “tentativa de regulação” do trabalho das mulheres acarretou sobre as que executavam a função de garçonete, que, a despeito da proibição no horário estabelecido, não foi cumprido durante os anos 1930.

A análise dos autores se fundamenta na revisão bibliográfica sobre os temas correlatos, no tratado internacional da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em especial sua quarta convenção (de 1919), que trata do trabalho noturno das mulheres, e largamente nos jornais da época. Os artigos do decreto em questão, assim, decorrem da retificação da convenção da OIT, ocorrida efetivamente em março de 1934.

A conjuntura sobre a qual se debruçam os autores, refletida pelo decreto, remete diretamente às ações do primeiro governo Vargas e, no que se refere ao trabalho, ao “sindicalismo de Estado”, com a instituição tomando a forma de mediador entre empregados e empregadores e, não menos importante, a questões de gênero, que naqueles anos, por exemplo, incluíam a oposição dos homens à participação das mulheres nos sindicatos dos garçons. Do ponto de vista das mulheres, atuantes foram a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPPF) e as garçonetes que, em diferentes regiões do país e sob estratégias diversas, enfrentaram a proibição. Em outras palavras, dois condicionantes assinalavam aquele momento na relação com as garçonetes, afirmam os autores:

[...] entendemos que os esforços internacionais materializados na atuação da OIT e na multiplicação das ratificações às suas convenções, de um lado, e a luta levada a cabo por organizações femininas no Brasil, a exemplo da FBPPF, de outro, foram poderosos estímulos à efetivação da tentativa de regulação das condições de trabalho das mulheres. (p. 249).

Segundo Motta e Galvão, uma ênfase excessiva foi conferida ao discurso oficial (que visava proteger a mulher), associada ao perfil de Estado paternalista e autoritário, como categorias explicativas, concluindo que a regulamentação per se trazia o objetivo “subjacente” de excluir a mulher do mercado de trabalho. Essa visão foi contestada ulteriormente pela historiografia, trazendo para o debate as ações e reações das “protagonistas” atingidas por ações dessa natureza, ou seja, rechaçando a passividade do(a)s acometido(a)s por “mecanismos” com essa regulamentação.

Daí decorre a argumentação dos autores demonstrando as estratégias utilizadas para a manutenção do trabalho e da (parca) renda das garçonetes, muitas vezes provenientes unicamente das gorjetas. Dos manifestos ao mandado de segurança, talvez a “artimanha”, como chamam Motta e Galvão, mais interessante executada pelas garçonetes para “burlar” a lei tenha sido a mudança na denominação de função, de “garçonetes” para “alugadoras de mesas”, recebendo, portanto, pela ocupação do móvel no estabelecimento noturno. Não sem reação por parte do poder público, que considerou a tática “inequívoca fraude”.

Nos conflitos jurídicos também houve ganhos. Foi o caso da garçonete de Santos ao ter acatado o mandado de segurança que lhe conferia direito ao trabalho. Seu argumento se baseou na contraposição do decreto com o que rezava a Constituição, o que foi acatado pelo juiz. Elas, “e também seus empregadores, à revelia do decreto, seja por meio de fraude, seja devido à fiscalização deficiente, ou ainda, sobretudo, sob o amparo da Lei Maior do país, continuaram, também durante todo o período, a exercer a sua profissão” (p. 270).

Somente com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1943, afirmam os autores, com o artigo 379, que houve, “ao menos no caso das garçonetes, a convergência entre legislação do trabalho e as disposições constitucionais” (p. 270). Mas ainda demorariam algumas décadas para a efetiva revogação do Decreto nº 21.417-A; e, quanto à indistinção de sexo e igualdade de salários, como determinava o artigo 1º, ainda há muito a ser conquistado.

Conquanto tenha preservado traços significativos de continuidade, a assim chamada Era Vargas correspondeu a um momento na história brasileira marcado por transformações econômicas e políticas de grande magnitude. Se, por um lado, representou a ascensão em nível nacional do desenvolvimentismo [...], por outro, não alterou a dominação do estamento burocrático como verdadeiro “dono do poder” político. (p. 277).

Essa citação corresponde ao parágrafo inicial do capítulo que encerra a obra, “O Brasil na Era Vargas (1930-1954): rupturas e continuidades do projeto nacional-desenvolvimentista”, de Ivan Colangelo Salomão e Leonardo Segura Moraes.

Não sem propósito, ele parece sedimentar e dar sentido à totalidade dos acontecimentos históricos daqueles anos, inclusive, o vivenciado pelas garçonetes do capítulo anterior, ao fornecer elementos explicativos para o entendimento das questões relativas a políticas econômicas, trabalho, direitos, igualdade, consumo etc., que simbolizam as “dinâmicas dos movimentos reais” que “condicionaram o sentido” do chamado desenvolvimentismo (p. 278).

Para o entendimento desse “sentido” se debruçam os autores reconstruindo historicamente seu processo político e econômico. A periodização, contudo, não se limita aos marcos temporais em que Getúlio Vargas se manteve na presidência. Sem negá-lo, evidentemente, consideram na análise o governo de Eurico Gaspar Dutra, segundo eles, de modo a apreender o “sentido das transformações” (p. 278) subjacentes à economia e à política.

Ao discorrerem sobre o processo e condicionantes históricos que levaram aos eventos da década de 1930 e à subida ao poder por Vargas, de imediato os autores já reiteram que o desenvolvimentismo não foi mero resultado espontâneo das crises econômicas e políticas interna, nem tampouco de fatores externos, como a inflexão econômica mundial que obstruiu o mercado internacional pós-1929.

Assim, Salomão e Moraes consideram que o processo de constituição do desenvolvimentismo deve ser compreendido por meio do conjunto da “realidade brasileira” e da “consciência gradual” de alguns relevantes nomes com relação ao “atraso” do país. E, sob esse processo, afirmam que aqueles que ocuparam as cadeiras do governo federal na década de 1930 não eram estranhos às concepções desenvolvimentistas, muito embora suas ações e políticas tenham se acomodado às conjunturas.

Por essa razão, os autores apontam para três concepções - o nacionalismo (em especial o agrário), o intervencionismo de Estado (fiscal e monetário, que opôs papelistas e metalistas) e o industrialismo (em oposição à ideia de Brasil com vocação agrária) -, que convergiriam ao “desenvolvimentismo”. Assim, além de colocar em relevo sua gênese positivista, demonstram que sob essas ideias e debates emergiu a chamada “Geração de 1907”, no Rio Grande do Sul, cujos nomes protagonizaram a “Revolução de 1930”.

Isso posto, os autores apontam duas questões importantes que convergem ao longo do processo histórico. A primeira, quanto ao caráter positivista daquela geração, a qual acreditava no fortalecimento do Executivo ante o Legislativo e o Judiciário, no equilíbrio fiscal, mas também na necessidade de “reconhecimento” das demandas sociais do momento por parte do Estado. A segunda, com relação à categorização efetiva do desenvolvimentismo, como “fenômeno inovador que foi a partir do momento em que se materializou em práxis humana, principalmente, ao ser adotado como política norteadora [...] pelos gestores da política econômica” (p. 281-282). Em outras palavras, ao ser colocada em prática, enquanto ação - política - de Estado.

Muito embora não haja consenso na historiografia sobre o caráter das políticas econômicas de Vargas, se ortodoxas ou heterodoxas, inegáveis foram as transformações implementadas no período, de modo que, para Salomão e Moraes, as políticas econômicas daqueles anos devem ser compreendidas para além de si mesmas, pois

[...] extrapola[m] o simples manejo dos instrumentos de curto prazo dos quais dispõem os policymakers. Nesse sentido, o fortalecimento do Poder Executivo, cujo ápice se deu após o autogolpe do Estado Novo [...], representa de forma objetiva as intenções do governante no que toca às atribuições do aparato público. (p. 296).

Em outras, a intencionalidade das políticas levadas a cabo por Vargas tinha como premissa o “Estado provedor”, destacam os autores com as palavras de Alfredo Bosi. Por meio de centralização (inclusive dos mecanismos de defesa do café); institucionalização e regulação, com a criação de ministérios e órgãos, e legislação, instituindo, por exemplo, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE); e, claro, indução ao processo de industrialização com incentivos de setores-chave para o setor de bens de capital, por exemplo.

A despeito das intencionalidades nas ações em nome da industrialização e da diversificação produtiva, com mudanças no padrão de desenvolvimento, também se promoveram ações ditatoriais e repressivas, como se verificou entre 1937 e 1945, da mesma forma que emergiram novas demandas sociais e se evidenciaram os desequilíbrios regionais.

Isso posto, impossível não vislumbrar, após a leitura de História econômica do Basil: Primeira República e Era Vargas, como os problemas tratados pelos pesquisadores encontram eco com a atualidade, mesmo que sob diferentes conjunturas. Desse modo, cada autor ou autora, ao seu modo, nos fornece categorias de análise para a reflexão das mazelas brasileiras que tendem a se reproduzir, amparada nas condições criadas em nosso passado.

Não à toa que o artigo que encerra a obra, a meu ver, confere organicidade ao conjunto das análises, apontando elementos explicativos que são contemplados nos textos que o antecedem. Café, câmbio, tributação, urbanização, mercado de trabalho, gênero, política econômica, os quais remetem inequivocamente à instituição Estado, um tema que os perpassa e confere sentido a cada abordagem. Os tópicos abordados talvez nunca tenham sido tão urgentes de ser pensados e repensados à luz da atualidade, considerando intencionalidades, falta de consciência em relação a atrasos, padrão de acumulação, privilégios, relações de poder, desigualdades (tributária, gênero, classe, cor/ raça, renda, regional, direitos básicos...).

REFERÊNCIAS

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    COSTA Julio Cesar Zorzenon. Formação do Estado e identidade no Brasil. In: BRANCO, Marcello Simão (org.). Compreensão da realidade brasileira. São Paulo: Alameda, 2018, p. 15-44.
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    FRAGOSO João, FLORENTINO Manolo. História econômica. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (org.). Domínios da história: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Elsevier, 1997, p. 27-43.
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    SAES Alexandre Macchione, RIBEIRO Maria Alice Rosa, SAES Flávio Azevedo Marques de. (org.). Rumos da história econômica no Brasil: 25 anos da ABPHE. São Paulo: Alameda, 2017.
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    SILVA Sérgio S, SZMRECSÁNYI Tamás. História econômica da Primeira República. São Paulo: Hucitec/Associação Brasileira de Pesquisadores em História Econômica/Editora da Universidade de São Paulo/Imprensa Oficial, 2003.
  • 5
    SZMRECSÁNYI Tamás. Fundamentos teóricos e metodológicos do estudo da história econômica. História Econômica e História de Empresas, v. 11, n. 2, 2008, p. 31-43. Disponível em: https://www.hehe.org.br/index.php/rabphe/issue/view/13 Acesso em: ago. 2021.
    » https://www.hehe.org.br/index.php/rabphe/issue/view/13
  • 2
    . A primeira era uma fábrica de calçados estabelecida em Franca (SP), cujo processo de falência envolveu outras duas empresas do grupo Carlos Pacheco de Macedo, o Curtume Progresso e a Fósforos Soberano; a segunda, sob o contexto das instabilidades decorrentes das mudanças acionárias; e o terceiro, um “cafeicultor-comissário-banqueiro” que se associou a consideráveis empresários criando uma grande rede de negócios (p. 104).
  • SANTOS, Fábio Alexandre dos

    . Primeira República e Era Vargas: reflexões para a compreensão da atualidade. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, Brasil, n. 80, p. 220-233, dez. 2021.
  • GRANDI, Guilherme; FALEIROS, Rogério N. (Orgs.)

    . História econômica do Brasil: Primeira República e Era Vargas. Niterói: Eduff; São Paulo: Hucitec, 2020. (Coleção Novos Estudos de História Econômica do Brasil).
  • FÁBIO ALEXANDRE DOS SANTOS

    é professor associado do Departamento de Economia e pesquisador do Laboratório de Estudos Interdisciplinares e Análises Sociais (Leia-MQuant) da Escola Paulista de Política, Economia e Negócios (Eppen) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), campus Osasco. fa.santos@unifesp.br https://orcid.org/0000-0003-0537-1444

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Fev 2022
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    01 Ago 2021
  • Aceito
    09 Set 2021
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