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O caráter exemplar da obra de Alexander von Humboldt

The exemplary qualities of Alexander von Humboldt’s works

RESUMO

Daobra de Humboldt - que não foi autorizado a viajar pelo Brasil - são estudados: a apresentação científica e estética da natureza; a descrição de paisagens típicas; a valorização das culturas indígenas; os ensaios políticos sobre Cuba e o México; a crítica da escravização e a defesa da independência das colônias; a comparação entre os continentes e a visão do nosso planeta no conjunto do Universo. As ideias de preservação do meio ambiente e de uma humanidade que supere preconceitos e inimizades são um legado importante para nós, que vivemos - depois da era dos descobrimentos e a dos impérios - na terceira fase da globalização.

PALAVRAS-CHAVE
Viagens e explorações científicas; Alexander von Humboldt; visão global

ABSTRACT

The exemplary qualities of Humboldt’s works studied in this article are: a scientific and aesthetic view of nature, the description of typical landscapes, the valorization of indigenous cultures, the political essays on Cuba and Mexico, his critique of enslavement and defense of colonial independence, the comparison between continents and a view of our planet in the universe. His main legacy: environment preservation and peaceful coexistence among peoples.

KEYWORDS
Scientific journeys and expeditions; Alexander von Humboldt; global vision

A obra do cientista viajante Alexander von Humboldt (1769-1859) tornou-se uma referência internacional desde a sua descrição da América tropical, que ele pesquisou detalhadamente numa expedição realizada durante os anos de 1799 a 1804. Na sua expedição pelo Novo Continente, porém, ele teve que limitar-se às então colônias espanholas, porque ao chegar, em 1800, na fronteira da Venezuela com o Brasil, ele foi proibido de entrar neste país. Diante desse fato, é importante que sua obra seja estudada também aqui, por ser exemplar sob muitos aspectos, ajudando, inclusive, a avaliar comparativamente as contribuições dos pesquisadores viajantes que descreveram o Brasil no século XIX, em que se destacaram Spix e Martius. Nesta apresentação foram incorporadas também várias informações difundidas durante o “Ano de Alexander von Humboldt”, realizado em 2019 na Alemanha, em comemoração aos 250 anos do seu nascimento, com um amplo programa de simpósios, conferências e exposições.

ORIGEM SOCIAL, EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL

Alexander von Humboldt - cuja biografia foi apresentada detalhadamente por Frank Holl (2017)HOLL, Frank. Alexander von Humboldt: mein vielbewegtes Leben - ein biographisches Porträt. Berlim: Die Andere Bibliothek, 2017. - nasceu em 14 de setembro de 1769, em Berlim, capital da Prússia. Ele e seu irmão Wilhelm (1767-1835), dois anos mais velho, faziam parte de uma família aristocrática. Eles moravam no centro de Berlim, mas frequentavam também uma propriedade da família no norte da cidade, um castelo perto da aldeia de Tegel, à beira de um lago cercado de florestas e campos. A educação dos dois meninos ficou a cargo de preceptores, que ensinavam francês, latim, grego, história, filosofia, religião, e também matemática, biologia e assuntos econômicos. Alexander, que, aos dez anos, costumava percorrer a natureza em torno do castelo, para colecionar plantas e animais, recebeu por isso o apelido “o pequeno farmacêutico”.

No final da adolescência, Alexander e Wilhelm foram introduzidos aos círculos intelectuais de Berlim, que representavam as ideias da Aufklärung. Essas reuniões, em salões da nobreza, eram frequentadas por personalidades como os filósofos Moses Mendelssohn (1729-1786) e Friedrich Schleiermacher (1768-1834); os escritores Karl Philipp Moritz (1756-1793), Jean Paul Richter (1763-1825), Friedrich Schiller (1759-1805); as escritoras Dorothea Schlegel (1763-1839) e Germaine de Staël (1766-1817); e também por Louis Ferdinand, príncipe da Prússia (1772-1806). Os principais interlocutores de Alexander von Humboldt foram o médico e filósofo Marcus Herz (1747-1803) e sua esposa, Henriette Herz (1764-1847).

Em 1789, aos 20 anos, Alexander começou a estudar economia, línguas, literatura e ciências da natureza na renomada Universidade de Göttingen. Em 1790, ele acompanhou o famoso viajante Georg Forster (1754-1794) - que tinha participado da navegação ao redor do mundo (1772-1775) sob o comando do capitão inglês James Cook - num percurso por vários países da Europa. Humboldt e Forster desceram pelo rio Reno e ficaram conhecendo a Holanda e a Bélgica. Eles visitaram também a Inglaterra e a França. Em Paris, por onde passaram um ano após a tomada da Bastilha, Humboldt se entusiasmou com as propostas da Revolução, sobretudo com a ideia da liberdade.

Depois dessa viagem, Humboldt optou por estudar, em 1791 e 1792, na Academia de Minas da cidade de Freiberg, na Saxônia. Em 1793, começou a trabalhar como inspetor de minas. Essa formação e experiência profissional foram muito importantes durante as suas viagens posteriores, sobretudo no México e na Rússia.

A partir de 1794, os irmãos Humboldt tiveram contato, em Weimar, com Johann Wolfgang von Goethe. Com ele, Alexander compartilhava uma visão ao mesmo tempo científica e poética da natureza. Um outro estímulo importante para essa concepção foi a filosofia da natureza de Friedrich Wilhelm Joseph Schelling (1775-1854).

Em 1796 faleceu a mãe de Alexander von Humboldt. Com isso, ele tornou-se herdeiro de uma considerável fortuna. Ele resolveu, então, abandonar o seu cargo de inspetor de minas para tornar-se um cientista independente. Seu grande desejo era conhecer a América tropical e ele começou a preparar detalhadamente essa viagem. Para isso, reuniu um conjunto dos então mais avançados instrumentos de medição. Em Paris, Alexander fez contato com o botânico Aimé Bonpland (1773-1858), que estava igualmente interessado em realizar essa viagem. Em 1799, os dois foram até a Corte de Madri e conseguiram do rei da Espanha a autorização de fazer uma viagem de pesquisa pelas colônias na América, principalmente para realizarem estudos mineralógicos e botânicos.

INÍCIO DA VIAGEM PELA AMÉRICA TROPICAL: VENEZUELA

Figura 1
Mapa da viagem pela América. (Humboldt: Relation historique)

Alexander von Humboldt e Aimé Bonpland começaram a sua viagem pela América na Venezuela, onde desembarcaram em julho de 1799 e ficaram até novembro de 1800 (ver o mapa na Figura 1). Essa experiência é descrita detalhadamente nos três volumes da Relation historique du Voyage aux régions équinoxiales du Nouveau Continent, publicados entre 1814 e 1825 (reimpressão: HUMBOLDT, 1970HUMBOLDT, Alexander von. Relation historique du voyage aux régions équinoxiales du nouveau continent. Reimpressão da edição original, publicada em Paris, 1814-1825. 3 vols. BECK, Hanno (org.). Stuttgart: Brockhaus, 1970.). O volume I trata do litoral da Venezuela e da capital Caracas; e o volume II, das savanas, denominados de llanos, e da floresta tropical às margens dos rios Orinoco e Cassiquiare. O volume III, depois de uma visão de conjunto da Venezuela, descreve a viagem de lá até a cidade de Havana e se desdobra no Essai politique sur l’île de Cuba (1826). O relato termina com o retorno dos viajantes ao continente sul-americano, com o desembarque no porto de Cartagena, na Colômbia, onde começaram a estudar os países na região dos Andes.

No relato sobre a Venezuela, Humboldt descreve três tipos de paisagens que são característicos de toda a América do Sul: uma região litorânea com sua capital (no caso, Caracas), as savanas no interior do país (os llanos), e a floresta tropical. Ao chegar - depois da subida pelo Rio Orinoco e um de seus afluentes - ao Rio Negro e, com isso, à fronteira com o Brasil, Humboldt foi informado que sua entrada neste país era proibida. O motivo da proibição, por parte das autoridades portuguesas, era a suspeita de que ele poderia ser um espião a serviço da potência rival, a Espanha.

Humboldt e Bonpland resolveram, então, viajar pelo Rio Cassiquiare, que faz a ligação entre os rios Negro e Orinoco e, com isso, entre a bacia fluvial deste rio e a do Amazonas. Descendo pelo Orinoco, eles voltaram ao litoral.

O primeiro dos desdobramentos do relato da viagem foi a coletânea de ensaios Ansichten der Natur (Quadros da Natureza), publicada em alemão em 1808. Uma segunda edição saiu em 1826, e uma terceira em 1849, ambas ampliadas e reunindo ao todo sete ensaios. Essa obra, de grande sucesso, é um exemplo da popularização do saber, que Humboldt visava desde o início e que ele conseguiu realizar por meio da combinação de informações científicas com temas de interesse público geral. O título Quadros da Natureza expressa também uma característica do seu método de estudar e apresentar a natureza: de uma forma ao mesmo tempo científica e estética - um estilo de escrita que ele manteve até a sua obra final, o Kosmos.

Partindo do ensaio “Ideias sobre uma fisiognomia das plantas” (HUMBOLDT, 1987HUMBOLDT, Alexander von. Ansichten der Natur. (1808). BECK, Hanno (org.). Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1987., p. 175-297), Hartmut Böhme, no verbete “Ästhetik” do Alexander von Humboldt-Handbuch (ETTE, 2018ETTE, Ottmar (org.). Alexander von Humboldt Handbuch: Leben - Werk - Wirkung. Stuttgart: Metzler, 2018., p. 176-182), esclarece que, para o cientista viajante, “um sinônimo para a estética da natureza é a sua fisiognomia”. Ou seja: o conhecimento científico da natureza (Naturerkenntnis) e a sua percepção sensorial (Naturgefühl) estão interligados e se complementam. A “expressão da natureza” resulta em “quadros”, imagéticos e verbais, e “a fisiognomia significa que a história da natureza se articula como um sistema de forças interativas”.

O ensaio “A vida noturna dos animais na floresta” (HUMBOLDT, 1987HUMBOLDT, Alexander von. Ansichten der Natur. (1808). BECK, Hanno (org.). Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1987., p. 158-172) foi inspirado pelo “caráter fisiognômico da paisagem” às margens dos rios Orinoco e Cassiquiare (Figura 2). Trata-se da floresta tropical primitiva, o “Urwald”, que ocupa a parte central do continente sul-americano e que Humboldt designa, com uma expressão de Heródoto, como hiléia - palavra que foi retomada no início do século XX por Euclides da Cunha, em seus ensaios sobre a Amazônia. Nesse bioma, Humboldt realça “a maravilhosa opulência da vegetação, que resulta da grande humidade e do calor”. Na margem dos rios estendem-se densas cercas de arbustos, com poucas aberturas, usadas pelas capivaras, as antas e os jaguares para terem acesso à água. O início das noites era relativamente calmo para os viajantes Humboldt e Bonpland, que foram acompanhados por guias e remadores indígenas; apenas ouviram-se alguns “roncos de botos”. Perto da meia-noite, porém, começava a repercutir na floresta “uma gritaria selvagem”: de bugios, saguis e outros macacos noturnos, de bichos preguiça, porcos do mato e onças, e também de pássaros, sobretudo papagaios.

Figura 2
Às margens do rio Orinoco. (Holl: Alexander von Humboldt)

Com esse barulho contrasta depois, durante o calor do meio-dia, “o silêncio maravilhoso”, quando os animais maiores se escondem no meio da mata e os pássaros se retraem na folhagem. Ouve-se apenas o discreto zumbido dos insetos: “uma das muitas vozes da natureza, que é perceptível para o coração piedoso e receptivo do ser humano”.

Esse texto repercutiu no quadro da natureza que o botânico Carl Friedrich Philipp von Martius inseriu no seu relato Viagem pelo Brasil, 1817-1820, e no qual ele descreve como deixou impregnar-se, em agosto de 1819, pela paisagem equatorial num sítio nos arredores de Belém, desde a madrugada até o crepúsculo da noite. Eis o trecho inicial:

Como me sinto feliz aqui! [...] O caráter sagrado deste lugar, onde todas as forças se reúnem harmoniosamente, amadurece sensações e pensamentos. Acho que agora compreendo melhor o que é ser um historiador da natureza. Diariamente mergulho na meditação do grande e indizível quadro da natureza, que me enche de deliciosas sensações. (SPIX; MARTIUS, 2017SPIX, Johann Baptist von; MARTIUS, Carl Friedrich Philipp von. Viagem pelo Brasil (1817-1820). 3 v. Trad. Lúcia Furquim Lahmeyer. Brasília: Edições do Senado Federal, 2017., III, p. 18-19).

No ensaio “As cataratas do Orinoco em Atures e Maipures” (HUMBOLDT, 1987HUMBOLDT, Alexander von. Ansichten der Natur. (1808). BECK, Hanno (org.). Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1987., p. 128-157), a descrição da paisagem é seguida de um retrato da cultura dos povos indígenas. As cataratas de Atures, como relata Humboldt, são “o local de uma tribo extinta”. Ele e Bonpland contaram ali 600 esqueletos. Numa aldeia perto da outra catarata, em Maipures, “vive ainda um papagaio. Mas os indígenas não entendem o que ele diz, porque ele fala ainda a língua dos Atures”. A história desse papagaio repercutiu no Modernismo brasileiro, no epílogo da rapsódia Macunaíma (1928) de Mário de Andrade:

Dera tangolomangolo na tribo Tapanhumas e os filhos dela se acabaram de um em um. [...] Um silêncio imenso dormia à beira do Uraricoera. [...] De repente [...] um papagaio. [...] Ele principiou falando [...]. A tribo se acabara [...] e Macunaíma subira pro céu. [...] Só o papagaio preservava do esquecimento [...] as frases e feitos do herói. Tudo ele contou pro homem [...] que sou eu. Botei a boca no mundo, cantando [...] as frases e os casos de Macunaíma, herói de nossa gente. (ANDRADE, 1978ANDRADE, Mário de. Macunaíma: o herói sem nenhum caráter. Ed. crítica de Telê Porto Ancona Lopez. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos; São Paulo: Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia, 1978., p. 147-148).

Da coletânea Quadros da Natureza faz parte também um texto que apresenta uma visão global, o que é mais uma característica do conjunto da obra de Humboldt: o ensaio “Sobre as estepes e os desertos” (HUMBOLDT, 1987HUMBOLDT, Alexander von. Ansichten der Natur. (1808). BECK, Hanno (org.). Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1987., p. 3-127). Inspirado pela fisionomia dos llanos, as savanas da Venezuela (Figura 3), ele traça um quadro abrangente do “fenômeno dessas grandes planícies que a natureza oferece em todas as zonas climáticas”. No continente americano, Humboldt refere-se às pampas do Sul e aos campos do Missouri, no Norte; na África aos “mares de deserto” do Saara; e na Ásia, às imensas estepes, que se estendem desde o leste da Sibéria até a Europa Central. As informações sobre solo, vegetação e clima são complementadas com observações sobre a história da criação de gado e da agricultura pelos diversos povos, dos nômades da Mongólia até os indígenas da América. Nessa visão global das savanas falta, contudo, uma referência ao bioma que ocupa um terço do território do Brasil e, com isso, uma parte considerável do continente sul-americano: o sertão (BOLLE, 2019BOLLE, Willi. Uma categoria geográfica que Alexander von Humboldt não citou. Cerrados, Brasília, n. 49, 2019, p. 72-98.).

Figura 3
Nos llanos da Venezuela. (Holl: Alexander von Humboldt)

No caminho do litoral da Venezuela para os llanos, os viajantes passaram pelo lago de Valência. As observações feitas ali por Humboldt são o primeiro testemunho de sua preocupação com o meio ambiente. O que chamou a sua atenção nesse local foi a forte “diminuição das águas” e do volume das chuvas. Como causas, ele identificou um tipo de colonização que se apoia na “destruição das florestas” e na “queimada dos campos”, em prol da agricultura e da criação de gado (HUMBOLDT, 1970HUMBOLDT, Alexander von. Relation historique du voyage aux régions équinoxiales du nouveau continent. Reimpressão da edição original, publicada em Paris, 1814-1825. 3 vols. BECK, Hanno (org.). Stuttgart: Brockhaus, 1970., II, p. 69, 71, 72 e 81).

No caso do Brasil, o viajante Martius - que compartilhava com Humboldt o amor pela natureza e o engajamento pela preservação do meio ambiente - documentou as queimadas provocadas pelos sertanejos no cerrado de Minas Gerais. Diante da morte da vegetação e do aumento do calor, ele advertiu que “os pesquisadores do futuro não mais obterão os fatos na sua pureza das mãos da natureza, que já hoje, pela atividade civilizatória deste país em vigoroso progresso, está sendo transformada em muitos aspectos” (SPIX; MARTIUS, 2017SPIX, Johann Baptist von; MARTIUS, Carl Friedrich Philipp von. Viagem pelo Brasil (1817-1820). 3 v. Trad. Lúcia Furquim Lahmeyer. Brasília: Edições do Senado Federal, 2017., II, p. 140).

As observações de Humboldt sobre o meio ambiente na América tropical foram complementadas depois, no seu relato de viagem pela Ásia, por registros semelhantes de destruição nas montanhas do Ural e no lago de Aral. Ele relembrou também os desmatamentos em torno do Mediterrâneo, na época remota das colonizações grega e romana. Como realça Andrea Wulf, os alertas do pesquisador sobre as mudanças que caracterizam a nossa era do Antropoceno são de uma profecia alarmante” (WULF, 2015WULF, Andrea. Alexander von Humboldt und die Erfindung der Natur. Trad. do original inglês: Hainer Kober. Munique: Bertelsmann, 2015., p. 420). No seu livro A invenção da Natureza, a historiadora valoriza o legado que Humboldt deixou para os atuais estudos climatológicos e para os movimentos de preservação dos ecossistemas. Ele influenciou ambientalistas como George Perkins Marsh, autor do livro Man and Nature (1864); Ernst Haeckel (1834-1919), criador do termo “ecologia”; e John Muir (1838-1914), que se engajou pela criação de parques naturais.

ENSAIO POLÍTICO SOBRE A ILHA DE CUBA

Depois da viagem pela Venezuela, Humboldt e Bonpland embarcaram para Cuba, onde ficaram de dezembro de 1800 até março de 1801, e passaram mais seis semanas, em março e abril de 1804. A parte central do volume III do relato de viagem desdobrou-se num livro autônomo: o Ensaio político sobre a ilha de Cuba (1826) (reedição francesa: HUMBOLDT, 1989aHUMBOLDT, Alexander von. Essai politique sur l’île de Cuba. (1826). Nanterre: Éditions Erasme, 1989a.; versão alemã: HUMBOLDT, 1992HUMBOLDT, Alexander von. Cuba-Werk. BECK, Hanno (org.). Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1992.). O ponto de chegada da descrição dessa colônia espanhola - que abrange os dados da geografia física, da população, da agricultura (açúcar, café, tabaco) e do comércio - é a escravização. Essa parte final é denominada “Über das Sklavenwesen” na versão alemã (HUMBOLDT, 1992HUMBOLDT, Alexander von. Cuba-Werk. BECK, Hanno (org.). Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1992., p. 154-169), e “Plaidoyer contre l’esclavage” na reedição francesa (HUMBOLDT, 1989aHUMBOLDT, Alexander von. Essai politique sur l’île de Cuba. (1826). Nanterre: Éditions Erasme, 1989a., p. 101-114). Segue um breve resumo.

Humboldt denuncia a escravização como “o maior de todos os males que castigaram a humanidade” e acrescenta: “As mesmas crueldades que ensanguentaram a conquista das duas Américas estão se repetindo e se renovando sob os nossos olhos”. Somente para as Antilhas foram transportados, entre 1670 e 1825, cerca de 5 milhões de africanos - sem contar os que morreram durante a travessia. O sistema colonial, como explica Humboldt, é baseado na “inimizade entre as castas” e no uso da violência. Os colonizadores defendem a ideia de que “sem escravos, não poderiam existir colônias” e usam como argumento que a prosperidade da antiga Grécia e do Império Romano se baseava no trabalho dos escravos. Humboldt refuta essa visão, relembrando que uma parte considerável da população europeia se libertou da servidão, desde a Idade Média, e que, nas Américas, a ex-colônia francesa do Haiti, em 1804, foi o primeiro país do continente a abolir a escravidão. Ele apoiou os projetos de leis que, na sua época, estavam se articulando em vários países, especialmente nas colônias rebeldes, visando a abolição do tráfico de escravos e da escravidão.

Essa posição de Humboldt de criticar a escravização como o maior crime cometido contra a humanidade se opõe decididamente à postura ambígua e até hipócrita dos viajantes Spix e Martius, que acabaram sendo coniventes com a escravização, como mostram estas duas passagens do seu relato:

À vista dos filhos da África, transplantados ao ambiente mais culto da civilização europeia, notam-se de um lado, com regozijo, os traços de humanidade que se desenvolvem no negro, pouco a pouco, no convívio com o branco; por outro lado, deve-se lamentar que uma instituição tão bárbara e violadora dos direitos do homem, como é o tráfico de escravos, era necessária para dar a primeira escola de educação humana a essa raça aviltada no seu próprio país. (SPIX; MARTIUS, 2017SPIX, Johann Baptist von; MARTIUS, Carl Friedrich Philipp von. Viagem pelo Brasil (1817-1820). 3 v. Trad. Lúcia Furquim Lahmeyer. Brasília: Edições do Senado Federal, 2017., I, p. 75).

Chegando a conhecer de perto a condição dos escravos negros na América, [o observador] convencer-se-á de que também nessa senda de fato manchada com o sangue de vítimas sem conta, existem vestígios daquele gênio que leva a humanidade pouco a pouco ao aperfeiçoamento. Muitos escravos reconhecem o valor da reforma moral ao seu alcance pela luz do cristianismo. (SPIX; MARTIUS, 2017SPIX, Johann Baptist von; MARTIUS, Carl Friedrich Philipp von. Viagem pelo Brasil (1817-1820). 3 v. Trad. Lúcia Furquim Lahmeyer. Brasília: Edições do Senado Federal, 2017., II, p. 218-219).

A VIAGEM PELOS ANDES

Depois de sua estadia em Cuba, os viajantes Humboldt e Bonpland retornaram ao continente sul-americano, desembarcando no porto de Cartagena, na Colômbia. A partir daí, a viagem foi registrada principalmente no livro Vues des Cordillères et Monuments des peuples indigènes de l’Amérique (1810-1813), chamado por Humboldt de “Atlas pitoresco do Relato da viagem pelos Trópicos“ (1989b, p. 275). É a mais bela de suas publicações: um livro num formato de uma exposição, com 69 pranchas coloridas, que apresentam paisagens, construções e artefatos: desde os vestígios da cultura dos Incas no Peru, passando pela mitologia dos índios Muyscas na Colômbia, até os ricos exemplos do calendário e da escrita hieroglífica dos Astecas.

O título da obra mostra de forma explícita a conexão entre fenômenos da Natureza e da Cultura e, com isso, o diálogo entre Ciências da Natureza e Ciências Humanas. Como Humboldt expõe detalhadamente, na América tropical as montanhas foram os centros da civilização. Segundo a mitologia dos Muyscas, os habitantes do planalto de Bogotá viviam inicialmente “como bárbaros: nus, sem agricultura, sem leis e sem cultos”. Aí apareceu Bochica, o filho do Sol, que “ensinou aos homens a se vestir, a construir cabanas, a cultivar a terra e a formar uma sociedade” e também “a construir cidades e a introduzir o culto do Sol” (HUMBOLDT, 1989bHUMBOLDT, Alexander von. Vues des cordillères et monuments des peuples indigènes de l’Amérique. (1810-1813). MINGUET, Charles; SEGALA, Amos (orgs.). Nanterre: Éditions Erasme, 1989b., p. 20).

Da Colômbia, os viajantes seguiram pelos Andes da região do Equador até o Chimborazo, representado na prancha mais exuberante do livro. O Chimborazo, que tem 6.263 m de altitude, era considerado, naquela época, a montanha mais alta do mundo - e continua sendo, se medida desde o topo até o centro da Terra. Humboldt e Bonpland tentaram subir até o cume, mas a existência de uma enorme fenda impediu o seu acesso ao topo e assim eles tiveram que parar na marca de 5.600 m (HUMBOLDT, 2006HUMBOLDT, Alexander von. Über einen Versuch den Gipfel des Chimborazo zu ersteigen. LUBRICH, Oliver; ETTE, Ottmar (orgs.). Frankfurt am Main: Eichborn, 2006.).

A ida ao Chimborazo inspirou o desenho mais famoso de Humboldt: o Tableau physique des Andes et pays voisins, que faz parte do livro Essai sur la Géographie des Plantes, publicado em 1807 (HUMBOLDT, 1990HUMBOLDT, Alexander von. Essai sur la géographie des plantes, accompagné d’un tableau physique des régions équinoxiales. (1807). MINGUET, Charles; SEGALA, Amos (orgs.). Nanterre: Éditions Erasme, 1990., p. 22 e 23).

Figura 4
O Chimborazo, com um quadro da geografia das plantas.

Tomando como referência “a montanha mais alta do Mundo”, o cientista elaborou um quadro no qual as principais espécies vegetais da Terra são apresentadas numa perspectiva global (Figura 4). Ele mostra como nas diversas altitudes se distribuem as plantas de todas as latitudes e zonas climáticas do nosso planeta.

Dentre os inúmeros tipos de vegetais que cobrem a Terra, Humboldt destaca estas “17 formas básicas”: 1. bananeiras; 2. palmeiras; 3. samambaias; 4. agaves; 5. pothos; 6. coníferas; 7. orquídeas; 8. mimosas; 9. malváceas; 10. cipós; 11. liliáceas; 12. cactáceas; 13. casuarinas; 14. gramíneas; 15. musgos; 16. líquens; e 17. cogumelos. Ele deixa claro que “não se trata de classificações botânicas, mas de formas fisionômicas”, “cujo estudo deve ser particularmente importante para os pintores de paisagens” (HUMBOLDT, 1989cHUMBOLDT, Alexander von. Schriften zur Geographie der Pflanzen. (1807). BECK, Hanno (org.). Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1989c., p. 62-64). No seu discurso de homenagem a Humboldt, o botânico Carl Friedrich von Martius (1860MARTIUS, Carl Friedrich Philipp von. Denkrede auf Alexander von Humboldt. Munique: Verlag der Königl. Akademie, 1860., p. 23) amplia ainda a importância daqueles estudos: “As plantas fornecem arquivos para a história da Terra e para a história do gênero humano”.

Figura 5
O Inti-Guaicu dos Incas: a imagem da divindade do Sol.

Na travessia dos Andes, os viajantes ficaram impressionados com “os restos magníficos de um caminho construído pelos Incas do Peru”. Pela sua qualidade, essas vias de comunicação - que os levaram até a cidade de Cajamarca, e que continuam até Cuzco, a antiga capital do Império Inca - são comparadas “às mais belas estradas romanas” (HUMBOLDT, 1989bHUMBOLDT, Alexander von. Vues des cordillères et monuments des peuples indigènes de l’Amérique. (1810-1813). MINGUET, Charles; SEGALA, Amos (orgs.). Nanterre: Éditions Erasme, 1989b., p. 108). Resumindo as suas observações sobre os monumentos deixados pelos Incas (Figura 5), Humboldt os considera como legado cultural de “um povo que não temos o direito de chamar de bárbaro” (p. 114).

Essa valorização da cultura dos povos indígenas é acompanhada de uma visão crítica da Conquista. Com o ensaio “O altiplano de Cajamarca, a antiga residência do Inca Atahualpa” (da coletânea Quadros da Natureza), Humboldt nos faz relembrar e conhecer sítios arqueológicos e a história do Império Inca. O reino daquela dinastia, que tinha 13 príncipes, começou por volta do ano 1150 d. C. com Manco Capac, e a capital do Império era Cuzco, mais ao sul. Quando os espanhóis desembarcaram no Peru, em 1532, com o objetivo de conquistar o Império Inca, os irmãos Huascar e Atahualpa estavam disputando o governo. Huascar acabou sendo preso por ordem do seu irmão e assassinado. Essas lutas internas facilitaram a vitória da tropa de Francisco Pizarro sobre o exército inca. O príncipe Atahualpa ficou preso em Cajamarca durante nove meses. Para ser liberado, ele se comprometeu a encher o seu quarto de ouro, até a altura que ele conseguiu alcançar com a mão. Apesar de ter providenciado o resgate, Atahualpa foi estrangulado pelos espanhóis, em 29 de agosto de 1533. O assassinato é comentado por Humboldt (1987HUMBOLDT, Alexander von. Ansichten der Natur. (1808). BECK, Hanno (org.). Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1987., p. 335) com a observação de que esse foi “o drama mais sangrento da Conquista”.

RETRATO DE UM PAÍS: MÉXICO - UMA COLÔNIA RUMO À INDEPENDÊNCIA

De Callao, o porto da cidade de Lima, Humboldt e Bonpland embarcaram para o México, onde permaneceram de abril de 1803 até março de 1804. A experiência dessa viagem foi documentada em duas obras: no já referido livro Vues des Cordillères... (HUMBOLDT, 1989bHUMBOLDT, Alexander von. Vues des cordillères et monuments des peuples indigènes de l’Amérique. (1810-1813). MINGUET, Charles; SEGALA, Amos (orgs.). Nanterre: Éditions Erasme, 1989b.) e no Essai politique sur le royaume de la Nouvelle Espagne (HUMBOLDT, 1991HUMBOLDT, Alexander von. Mexiko-Werk: politische Ideen zu Mexiko; mexikanische Landeskunde. (Essai politique sur le royaume de la Nouvelle Espagne, 1811). BECK, Hanno (org.). Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1991. [1811]).

Com a gravura de um monumento como a Pirâmide de Cholula (Figura 6), Humboldt nos faz relembrar a história dos povos indígenas do México. Os mais antigos foram os Olmecas e os Toltecas. Em 1087 d. C., o poder foi assumido pelos Astecas, que fundaram, em 1325, a cidade do México, chamada Tenochtitlá n. No ano de 1519, quando desembarcou na costa leste do México uma tropa de espanhóis, sob o comando de Hernan Cortès, o rei dos astecas era Montezuma II. Suas tropas foram vencidas em 1520, e no ano seguinte os espanhóis ocuparam a capital Tenochtitlán, completando a conquista do país.

Dentre os monumentos deixados pelos povos indígenas do México destacam-se a invenção de um calendário e de uma escrita hieroglífica. Ambos esses recursos possibilitaram que os Astecas desenvolvessem uma historiografia hieroglífica. Duas das pranchas do livro Vues des Cordillères... representam a Criação do Mundo, segundo a mitologia dos Astecas (Figura 7), e também a sua história, desde a era do dilúvio até a construção de Tenochtitlán.

Figura 6
A Pirâmide de Cholula. (Humboldt: Vues des Cordillères)

Figura 7
Mitologia asteca da Criação do Mundo. (Humboldt: Vues des Cordillères)

Outras imagens retratam o regime teocrático dos Astecas, que era caracterizado pela adoração dos sacerdotes e pela submissão a eles, e também por sacrifícios humanos. Além disso, o livro de Humboldt reproduz registros imagéticos de vários aspectos da história cotidiana dos mexicanos, dentre eles profissões como a pesca, a costura e a ourivesaria.

O Ensaio político sobre o reino da Nova Espanha apresenta uma descrição exemplar do país mais populoso e de maior poder econômico entre as colônias espanholas. Esse retrato do México inicia-se com uma descrição de sua geografia, acompanhada de mapas detalhados das diversas regiões. Depois de tratar da divisão administrativa e da população, a parte maior do livro é dedicada às diversas atividades econômicas: agricultura, mineração, manufaturas e comércio. Os temas finais são as receitas do Estado e o sistema de defesa militar.

A mineração foi o fator principal da economia do México. A quantidade de ouro e prata que foram exportados confirma a riqueza especial produzida por esse país. Humboldt estudou detalhadamente os processos de mineração e, com base nos seus conhecimentos como inspetor de minas, fez ao governo várias sugestões para a melhoria das condições dos trabalhadores nas minas (Figura 8).

Figura 8
Trabalhadores indígenas numa mina em Guanajuato.

Em comparação com esse retrato do México, por parte de Humboldt, como é construído o retrato do Brasil por Spix e Martius? Eles não apresentam uma descrição sistemática do país, mas um relato que descreve o percurso topográfico e cronológico de sua viagem. Assim, para se obter um retrato do Brasil, este tem que ser extraído do relato, por meio de uma reorganização sistemática dos materiais. Nesse sentido, eu apresentei num trabalho recente (BOLLE, 2020BOLLE, Willi. O retrato do Brasil no relato da viagem de Spix e Martius. Anais da 72ª Reunião Anual da SBPC. 2020. Disponível em: http://reunioes.sbpcnet.org.br/72RA/textos/CO-WilliBolle.pdf.
http://reunioes.sbpcnet.org.br/72RA/text...
), um esboço com base em dois eixos temáticos. 1) A descrição dos quatro principais biomas do Brasil (Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga e Floresta Amazônica), que foi realizada por Martius de forma pioneira, incluindo as atividades econômicas e retratos dos moradores e de sua cultura. 2) Uma apresentação das principais cidades: Rio de Janeiro, São Paulo, Ouro Preto, Diamantina, Salvador, Belém e Manaus (a Fortaleza da Barra), com sua fisionomia urbanística, econômica, social e cultural. Os viajantes despediram-se do Brasil com estas palavras: “Esplêndidas são as disposições naturais deste grandioso país, do povo inteligente, vivaz e forte, para cujo bem concorre a mistura das raças” (SPIX; MARTIUS, 2017SPIX, Johann Baptist von; MARTIUS, Carl Friedrich Philipp von. Viagem pelo Brasil (1817-1820). 3 v. Trad. Lúcia Furquim Lahmeyer. Brasília: Edições do Senado Federal, 2017., III, p. 140). Contudo, para concluir o retrato, é preciso relembrar também três tipos de problemas apontados por Spix e Martius e que continuam sendo desafios: as extremas desigualdades sociais; a discriminação e as ameaças sofridas pelos povos indígenas; e a destruição do meio ambiente, que exige que se chegue a um equilíbrio entre o avanço da exploração econômica e a preservação da natureza.

Voltando ao retrato do México: Humboldt registrou sinais incipientes, numa parte da população, da vontade de libertar-se da submissão às medidas autoritárias da metrópole Espanha (HUMBOLDT, 1991HUMBOLDT, Alexander von. Mexiko-Werk: politische Ideen zu Mexiko; mexikanische Landeskunde. (Essai politique sur le royaume de la Nouvelle Espagne, 1811). BECK, Hanno (org.). Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1991., p. 515-516). Depois de várias lutas, a colônia do México conquistou sua independência em setembro de 1821. Como informa o pesquisador Heinz Krumpel, o livro de Humboldt foi valorizado em 1824, pelo Congresso Constituinte do México, como “documento oficial para a reorganização do país”. E ele acrescenta que Simón Bolívar, um dos protagonistas da luta dos latino-americanos pela independência - com quem Humboldt teve vários encontros em Paris - considerou o viajante pesquisador como “o verdadeiro redescobridor da América, sendo que seus conhecimentos resultaram em maiores bens para a América, que os de todos os conquistadores” (ETTE, 2018ETTE, Ottmar (org.). Alexander von Humboldt Handbuch: Leben - Werk - Wirkung. Stuttgart: Metzler, 2018., p. 261).

A postura anticolonialista e anti-escravagista de Humboldt foi o motivo pelo qual as suas várias tentativas de conseguir uma autorização para fazer uma expedição pela colônia britânica da Índia foram sempre recusadas pela East India Company. Como alternativa de conhecer o continente asiático, surgiu depois a viagem pela Sibéria; mas ela foi controlada pelas autoridades do Czar, e Humboldt teve que se abster de quaisquer manifestações políticas.

Quanto à independência do Brasil, ela ocorreu dois anos depois que Spix e Martius concluíram a sua viagem pelo país. Mesmo assim, já em 1817, durante sua estadia no Rio de Janeiro, eles registraram fortes indícios da “transição do Brasil, de uma colônia dependente para um reino autônomo” (SPIX; MARTIUS, 2017SPIX, Johann Baptist von; MARTIUS, Carl Friedrich Philipp von. Viagem pelo Brasil (1817-1820). 3 v. Trad. Lúcia Furquim Lahmeyer. Brasília: Edições do Senado Federal, 2017., I, p. 56). De fato, a partir de 1808, ano da fuga da Corte, de Lisboa para o Rio de Janeiro, ocorreram transformações fundamentais: a reorganização da administração, o fortalecimento das atividades manufatureiras e industriais, a fundação do Banco do Brasil e a abertura dos portos para um amplo comércio internacional. No início de 1820, quando Spix chegou à fronteira com o Peru, entre Tabatinga e a vila vizinha de Loreto, ele foi convidado pelo comandante espanhol; mas ele não se viu em condições de continuar a viagem em direção aos Andes, por causa da notícia de que “os independentes avançavam sobre Lima” (SPIX; MARTIUS, 2017SPIX, Johann Baptist von; MARTIUS, Carl Friedrich Philipp von. Viagem pelo Brasil (1817-1820). 3 v. Trad. Lúcia Furquim Lahmeyer. Brasília: Edições do Senado Federal, 2017., III, p. 284). No volume final do relato de viagem, redigido em 1830 e publicado em 1831, Martius resume:

Passaram-se dez anos que partimos do Brasil [...]. Este país tem dado passos seguros para a frente, em prol de sua organização e consolidação internas. [...] Pouco a pouco desfazem-se as peias que, em consequência do antigo sistema colonial, impediam o progresso espiritual e oprimiam a força moral; o horizonte se alarga na grande comunicação com o Mundo. [...] Venturoso país, se te deixares levar avante nessa direção. (SPIX; MARTIUS, 2017SPIX, Johann Baptist von; MARTIUS, Carl Friedrich Philipp von. Viagem pelo Brasil (1817-1820). 3 v. Trad. Lúcia Furquim Lahmeyer. Brasília: Edições do Senado Federal, 2017., III, p. 467-468).

UMA VISÃO GLOBAL: ESTUDOS SOBRE OS CONTINENTES AMÉRICA E ÁSIA

Depois da viagem pela América, Humboldt optou por viver em Paris, que era a metrópole das ciências, e por publicar os principais resultados de sua expedição em francês, língua de circulação internacional. Porém, com essas volumosas publicações e as despesas anteriores com aquela extensa viagem, ele gastou toda a sua fortuna. Assim, viu se obrigado a trabalhar a serviço do rei da Prússia e, por isso, voltou em 1827 para Berlim. Na sua nova função, ele participou de várias missões diplomáticas; foi autorizado, contudo, a manter suas atividades científicas.

Humboldt dedicou-se, então, a elaborar dois volumosos estudos que representam de forma exemplar uma das características principais de sua obra: uma visão global da natureza e das culturas - com a qual ele abre um horizonte bem mais abrangente que viajantes como Spix e Martius. Essa concepção humboldtiana de desenvolver “uma visão do conjunto do Mundo” (das Weltganze) foi elogiada por Martius (1860MARTIUS, Carl Friedrich Philipp von. Denkrede auf Alexander von Humboldt. Munique: Verlag der Königl. Akademie, 1860., p. 5) e já apareceu no ensaio de 1808 “Sobre as estepes e os desertos”. Nos anos de 1830 e 1840, Humboldt ampliou muito mais essa perspectiva, com um livro sobre o continente da América, que representa o hemisfério ocidental, e outro, sobre a Ásia, o maior continente do hemisfério oriental.

O livro sobre a América, que complementa e conclui o relato de viagem, saiu numa edição francesa em 1834-1838 e numa versão alemã, em 1836. Os dados de ambas as edições, acompanhados de um atlas cartográfico ampliado, foram reorganizados recentemente por Ottmar Ette numa publicação alemã, em dois volumes (HUMBOLDT, 2009aHUMBOLDT, Alexander von. Die Entdeckung der Neuen Welt. (1834-1838). Vol. I: Kritische Untersuchung zur historischen Entwicklung der geographischen Kenntnisse von der Neuen Welt und den Fortschritten der nautischen Astronomie im 15. und 16. Jahrhundert. Vol. II: Geographischer und Physischer Atlas der Äquinoktial-Gegenden des Neuen Kontinents. Unsichtbarer Atlas. ETTE, Ottmar (org.). Frankfurt am Main e Leipzig: Insel Verlag, 2009a.). O título do volume I - Kritische Untersuchung zur historischen Entwicklung der geographischen Kenntnisse von der Neuen Welt und den Fortschritten der nautischen Astronomie im 15. und 16. Jahrhundert - reproduz fielmente o do original francês: Examen critique de la géographie du Nouveau Continent et des progrès de l’astronomie nautique aux quinzième et seizième siècles.

Focalizando o descobrimento do Novo Mundo (entre 1492 e 1522), que foi decisivo para a formação de uma “consciência global” (ETTE, 2009ETTE, Ottmar. Alexander von Humboldt und die Globalisierung. Frankfurt am Main e Leipzig: Insel Verlag, 2009., p. 190), o Examen critique estuda a geografia do continente americano a partir da história daquela época. Com a “distribuição do poder sobre a Terra, entre 1492 e 1498” (HUMBOLDT, 2009aHUMBOLDT, Alexander von. Die Entdeckung der Neuen Welt. (1834-1838). Vol. I: Kritische Untersuchung zur historischen Entwicklung der geographischen Kenntnisse von der Neuen Welt und den Fortschritten der nautischen Astronomie im 15. und 16. Jahrhundert. Vol. II: Geographischer und Physischer Atlas der Äquinoktial-Gegenden des Neuen Kontinents. Unsichtbarer Atlas. ETTE, Ottmar (org.). Frankfurt am Main e Leipzig: Insel Verlag, 2009a., I, p. 296-297), ocorreu, segundo Ette, uma “primeira fase de globalização acelerada”, que foi pesquisada por Humboldt numa “segunda fase” e que nos estimula a refletir sobre a nossa própria época, que representa uma “terceira fase” (Ette in: HUMBOLDT, 2009aHUMBOLDT, Alexander von. Die Entdeckung der Neuen Welt. (1834-1838). Vol. I: Kritische Untersuchung zur historischen Entwicklung der geographischen Kenntnisse von der Neuen Welt und den Fortschritten der nautischen Astronomie im 15. und 16. Jahrhundert. Vol. II: Geographischer und Physischer Atlas der Äquinoktial-Gegenden des Neuen Kontinents. Unsichtbarer Atlas. ETTE, Ottmar (org.). Frankfurt am Main e Leipzig: Insel Verlag, 2009a., II, p. 227, 229 e 241). A partir dessa visão global, o Examen critique estuda “as causas do descobrimento do Novo Mundo”, com destaque para Cristóvão Colombo e Américo Vespucci, no contexto dos feitos históricos de outros navegantes descobridores, como John Cabot, Bartolomeu Dias, Vasco da Gama, Vicente Pinzón, Pedro Álvares Cabral e Fernão de Magalhães.

A causa principal para os países da Europa buscarem um caminho marítimo para a Índia foi o bloqueio das rotas terrestres de comércio pelo Império Otomano a partir de 1453. Enquanto Portugal se preparava para a circum-navegação da África, Colombo, que trabalhava a serviço da Espanha, optou pela travessia do Atlântico, ou seja, pela ideia de buscar el levante por el poniente. Ele se baseou em imagens equivocadas do mundo, difundidas pelo teólogo Pierre d’Ailly e o cartógrafo Paolo Toscanelli, de que não havia nenhuma outra terra entre o Atlântico e a Ásia Oriental e que a extensão dos oceanos era bem menor que na realidade. Ou seja: Colombo, que até o fim de sua vida, acreditou ter chegado na Ásia, “descobriu a América com base numa ficção” (Ette in: HUMBOLDT, 2009aHUMBOLDT, Alexander von. Die Entdeckung der Neuen Welt. (1834-1838). Vol. I: Kritische Untersuchung zur historischen Entwicklung der geographischen Kenntnisse von der Neuen Welt und den Fortschritten der nautischen Astronomie im 15. und 16. Jahrhundert. Vol. II: Geographischer und Physischer Atlas der Äquinoktial-Gegenden des Neuen Kontinents. Unsichtbarer Atlas. ETTE, Ottmar (org.). Frankfurt am Main e Leipzig: Insel Verlag, 2009a., II, p. 238).

O outro destaque do Examen critique é a pergunta por que o Novo Continente não recebeu o nome de Colombo, mas de Américo Vespucci (HUMBOLDT, 2009aHUMBOLDT, Alexander von. Die Entdeckung der Neuen Welt. (1834-1838). Vol. I: Kritische Untersuchung zur historischen Entwicklung der geographischen Kenntnisse von der Neuen Welt und den Fortschritten der nautischen Astronomie im 15. und 16. Jahrhundert. Vol. II: Geographischer und Physischer Atlas der Äquinoktial-Gegenden des Neuen Kontinents. Unsichtbarer Atlas. ETTE, Ottmar (org.). Frankfurt am Main e Leipzig: Insel Verlag, 2009a., I, p. 300). Como Humboldt esclarece, o comerciante italiano - que participou de quatro navegações (em 1497 e 1499, a serviço da Espanha; e em 1501 e 1503, a serviço de Portugal) - foi melhor sucedido que Colombo nas publicações sobre essas viagens. O texto decisivo foi o seu relato que saiu em 1507 com o título Mondo Novo, no qual o editor Martin Waldseemüller atribuiu ao novo continente pela primeira vez o nome “América” (p. 316). O livro teve ampla circulação na Itália, na França e na Alemanha, tanto assim que em 1520, o nome “América” apareceu pela primeira vez num mapa do Mundo (p. 321). Humboldt considera essa denominação “injusta”, diante do fato de a importância de Vespucci como navegante descobridor estar bem abaixo da de Colombo, e mesmo de Cabot e Cabral. Mas foi por causa da admiração do seu relato por parte de outras pessoas e de uma série de circunstâncias favoráveis que Vespucci acabou recebendo essa glória (p. 433, 438, 440-441).

Depois de suas publicações sobre o continente do hemisfério ocidental, Humboldt produziu também um volumoso estudo sobre o principal continente do hemisfério oriental. Os dados da edição original, que saiu em 1843 em francês, com o título Asie centrale, e da versão alemã, de 1844, foram retomados e complementados no livro Zentral-Asien, organizado por Oliver Lubrich (HUMBOLDT, 2009bHUMBOLDT, Alexander von. Zentral-Asien: Untersuchungen zu den Gebirgsketten und zur vergleichenden Klimatologie. (1843). LUBRICH, Oliver (org.). Frankfurt am Main: S. Fischer, 2009b.). A base dessa obra foi a expedição que Humboldt realizou em 1829, a convite do Czar, pela Rússia e pela Sibéria (Figura 9), na qual ele foi acompanhado pelo mineralogista Gustav Rose e o biólogo Christian Ehrenberg. Durante o processo de elaboração do livro, Humboldt consultou e incorporou numerosas informações de viajantes pesquisadores que o precederam.

Figura 9
A expedição pela Sibéria. (Humboldt: Zentral-Asien)

Como indica o subtítulo - Estudos sobre as cadeias de montanhas e sobre a climatologia comparada -o livro Ásia central é, na sua maior parte, uma publicação científica. Nas montanhas do Ural, os cientistas viajantes observaram minas, fundições e os processos de lavagem de ouro, fazendo várias sugestões para melhorias. Na travessia das estepes da Sibéria eles estudaram a vegetação; e a partir das fronteiras com a China concentraram-se na descrição das cadeias de montanhas. O que ajuda a despertar um interesse mais geral para a obra é a detalhada descrição do itinerário por Rose, acompanhada de cartas de Humboldt; foram incluídas entrevistas com habitantes locais e citações de obras geográficas e historiográficas, que tratam da migração e da interação dos diversos povos nessas regiões.

Com o seu “quadro geológico de um continente”, no qual são destacadas, além do Ural, as montanhas do Altai, Tientchan, Kuenlun e Himalaia - com importantes informações geográficas fornecidas por fontes chinesas -, o autor nos leva a uma viagem até o centro geográfico da Terra. Através de comparações entre os continentes, a obra expressa uma perspectiva global. Assim, por exemplo, o nome das míticas Amazonas, proveniente do povo dos Citas, das estepes da Eurásia, foi transferido para a América; por outro lado, o mito do El Dorado, acrescentado de observações sobre formações geológicas em Minas Gerais, foi transferido para o Ural. A hipótese de Humboldt de que também nesta montanha da Eurásia poderiam ser encontrados diamantes foi empiricamente confirmada durante a viagem e causou sensação.

Com esses livros sobre a América e a Ásia e a comparação desses dois maiores continentes, baseada numa ampla gama de estudos multi- e transdisciplinares, estavam criadas todas as condições para Humboldt poder dedicar-se, até 1859 (ele faleceu em 6 de maio daquele ano), “à obra de sua vida”, na qual ele ampliou sua percepção global para uma visão do nosso planeta no conjunto do Universo.

O PLANETA TERRA NO CONTEXTO DO UNIVERSO: O KOSMOS

Em 1827 e 1828, Humboldt ministrou na Universidade de Berlim (que tinha sido fundada em 1809) e também na vizinha Singakademie, um ciclo de conferências sobre os vários aspectos da geografia física do Mundo, cujo resultado final foi o livro Kosmos: Entwurf einer physischen Weltbeschreibung (Kosmos: Esboço de uma descrição física do Mundo). Essa obra, publicada entre 1845-1862, em 5 volumes, é assim subdividida: volume I (1845): A forma científica de uma descrição física do Mundo; volume II (1847): História de uma visão física do Mundo; volume III (1850): As estrelas fixas e o sistema solar; volume IV (1858): Fenômenos telúricos - 1: O cerne da Terra e sua superfície; e volume V (1862, publicação póstuma): Fenômenos telúricos - 2: Vulcões. Tipos de montanhas.

A ideia geral da obra é fornecer uma descrição física do planeta Terra em sua relação com o universo sideral, apresentando - conforme o sentido da palavra kósmos - a ordem e a beleza das partes que formam essa totalidade. Isso implica numa inter-relação constante entre Ciências da Natureza (astronomia, climatologia, geologia, geografia, biologia) e Ciências Humanas (história, arqueologia, antropologia, etnografia, mitologia, linguística). Não se trata de acumular informações enciclopédicas, mas de mostrar sempre a relação entre as partes e o todo. Em sua forma de apresentação, Humboldt continua valorizando o componente estético (como nos Quadros da Natureza, na Relation historique e nas Vues des Cordillères), relembrando, no volume II, quais foram, ao longo da história universal, os principais “estímulos para o estudo da natureza”: poesia da natureza, pinturas de paisagens, e criação de jardins.

No mesmo volume II, que trata da “história de uma visão física do Mundo”, as informações mais interessantes são sobre as contribuições dos diversos povos vivendo em torno do Mediterrâneo. Pela sua posição entre três continentes, esse espaço marítimo era especialmente propício para o trânsito, comércio e intercâmbio de conhecimentos entre as diversas culturas. Com os conhecimentos náuticos dos fenícios, os estudos geográficos dos gregos e dos romanos, as ciências naturais dos ptolemaicos no Egito, e a astronomia e as artes de medição dos árabes, além dos contatos estabelecidos desde Alexandre o Grande com os saberes da Índia e da China, formou-se, no período entre o 5º século a. C. e o 4º século d. C., “uma consciência científica do mundo” (ETTE, 2009ETTE, Ottmar. Alexander von Humboldt und die Globalisierung. Frankfurt am Main e Leipzig: Insel Verlag, 2009., p. 190). Devido à ortodoxia cristã, ela ficou parada durante um milênio, sendo reativada somente na era dos grandes descobrimentos oceânicos. Ao apresentar a história da ampliação dos conhecimentos do mundo, Humboldt deixa claro que as explorações científicas (pesquisas) estiveram sempre conectadas com a expansão dos impérios e as explorações (extração de lucros) colonialistas.

No volume III do Kosmos ocorre a maior ampliação de horizonte, quando Humboldt focaliza o nosso planeta no universo sideral, com categorias da astronomia, descrevendo o nosso sistema solar, as galáxias e nebulosas, as estrelas fixas e as diferentes constelações, e, com isso, também a influência da luz e da gravidade sobre a Terra. Nos dois volumes finais (IV e V) é estudada, por meio das geociências, a dimensão telúrica: o núcleo e a superfície do nosso planeta, mares e continentes, formações montanhosas, vulcões, terremotos e questões climáticas.

A Terra é apresentada por Humboldt como “um sistema ecológico global”, como resume Ette, que também explica o caráter inconcluso do Kosmos com o fato de que toda descrição científica da natureza fica necessariamente inacabada (ETTE, 2009ETTE, Ottmar. Alexander von Humboldt und die Globalisierung. Frankfurt am Main e Leipzig: Insel Verlag, 2009., p. 403). Com efeito, nos mais de 150 anos que se passaram desde a publicação da obra, ocorreram novas descobertas fundamentais nas ciências da Terra e do Universo, como as teorias das placas tectônicas e da relatividade, e a ciência e as operações astronáuticas (Figura 10). Portanto, a obra de Humboldt precisa ser constantemente reestudada e atualizada, a partir de publicações mais recentes - que um dia também serão superadas -, como a do astrônomo Carl Sagan, o qual, na sua obra de divulgação, o Cosmos (1980SAGAN, Carl. Cosmos. Nova York: Random House, 1980.; 2017SAGAN, Carl. Cosmos. Trad. Paulo Geiger. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.), optou por retomar o título de Humboldt.

Figura 10
A Terra vista da Lua. (Sagan: Cosmos)

Em todo esse “voo pelo Universo”, deve ser relembrado que o assunto principal, para o autor do Kosmos, é o da “vida na Terra”, especialmente a do gênero humano, cuja unidade é sublinhada em momentos cruciais. Depois da primeira fase de globalização (a era do descobrimento da América) e a segunda (a “Era dos Impérios”, que começou nos tempos de Humboldt e se estendeu além da Primeira Guerra Mundial), estamos vivendo numa terceira fase. O trânsito, o comércio, os intercâmbios e o convívio mundiais têm se ampliado muito na nossa época, caracterizada também pelo Antropoceno, por novas migrações de povos e pela atual pandemia. Notam-se também resistências à globalização. Neste contexto é importante estudar o nosso Universo - e especialmente também o Brasil - à luz da perspectiva global de Humboldt e de sua “consciência do mundo”. Vale relembrar o voto que o autor do Kosmos fez no fim do volume inicial: que, na história do gênero humano, a ideia de humanidade prevaleça sobre os preconceitos e as inimizades (HUMBOLDT, 2004HUMBOLDT, Alexander von. Kosmos: Entwurf einer physischen Weltbeschreibung. ETTE, Ottmar; LUBRICH, Oliver (orgs.). Frankfurt am Main: Eichborn, 2004., p. 187).

RESUMINDO A IMPORTÂNCIA DA OBRA DE ALEXANDER VON HUMBOLDT

Depois deste percurso pela vida e obra de Alexander von Humboldt podemos resumir a importância dos seus trabalhos nos seguintes dez itens. 1) A apresentação das informações científicas é combinada com temas de interesse público geral. 2) A natureza é estudada de forma científica e ao mesmo tempo sua percepção é registrada de forma estética. 3) Os estudos são realizados de forma multi- e interdisciplinar, com um intenso diálogo entre Ciências da Natureza e Ciências Humanas. 4) O amor do pesquisador à natureza resultou também num engajamento pela preservação do meio ambiente. 5) Na história da colonização protagonizada pelos europeus são criticados os crimes, principalmente a prática de escravização. 6) Há um forte engajamento em prol da independência das colônias. 7) A postura do pesquisador é cosmopolita: ele valoriza, sem discriminação, as contribuições de todas as culturas. 8) O nosso planeta é estudado numa visão global. 9) Essa visão global é complementada pelo estudo do planeta Terra no conjunto do universo sideral. 10) Houve um profícuo intercâmbio de informações do autor com outros cientistas, do mundo inteiro, e um fomento à formação de novos pesquisadores. Com tudo isso, a obra de Alexander von Humboldt é um incentivo exemplar para “avançarmos nas vias de espírito abertas ou ampliadas por ele” (MARTIUS, 1860MARTIUS, Carl Friedrich Philipp von. Denkrede auf Alexander von Humboldt. Munique: Verlag der Königl. Akademie, 1860., p. 40), rumo a um intercâmbio de conhecimentos e um convívio pacífico entre as diferentes culturas do nosso planeta.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Abr 2022

Histórico

  • Recebido
    10 Fev 2022
  • Aceito
    07 Mar 2022
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