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Mário de Andrade e a construção da cozinha brasileira

Mário de Andrade and the construction of Brazilian cuisine

RESUMO

A contribuição dos modernistas para a construção de uma ideia de “cozinha brasileira” é analisada, neste artigo, a partir da perspectiva de Mário de Andrade (1893-1945) e de seu único texto inteiramente dedicado ao assunto, Tacacá com tucupi, publicado em 1939, pouco depois de ele ter lido Açúcar: algumas receitas de bolos e doces dos engenhos do Nordeste, de Gilberto Freyre (1900-1987). Por meio de uma leitura histórica do texto, procura-se demonstrar que a escrita se deu, por um lado, como uma crítica explícita aos chamados “bons comedores” – intelectuais apreciadores da gastronomia francesa, mas envergonhados das peculiaridades brasileiras –, e, por outro, como uma resposta tácita à visão regionalista do escritor pernambucano. Com ironia, Mário reconfigura o mapa culinário do país, ousando equiparar as comidas nacionais às francesas e sintetizando, por meio da culinária, alguns de seus importantes conceitos sobre a cultura brasileira.

PALAVRAS-CHAVE
Modernismo; regionalismo; cozinha brasileira

ABSTRACT

This article analyses the contribution of modernist writers and artists to the construction of an idea of “Brazilian cuisine,” through the specific perspective of Mário de Andrade (1893-1945) and his only chronicle entirely dedicated to the subject, Tacacá with tucupi, published in 1939, shortly after he had read Açúcar: algumas receitas de bolos e doces dos engenhos do Nordeste, by Gilberto Freyre (1900-1987). Through a historical reading of the text, this article aims to demonstrate that Mário wrote Tacacá com tucupi in order to explicitly criticize the so-called “good eaters” – intellectuals who used to appreciate French gastronomy, but were ashamed of Brazilian peculiarities –, and, at the same time, to tacitly contradict the regionalist bias of Freyre’s book. Ironically, Mário reconfigures the country’s culinary map, daring to equate national foods with French foods and synthesizing, through cooking, some of his important concepts about Brazilian culture.

KEYWORDS
Modernism; regionalism; brazilian cuisine

Em uma história das abordagens construídas acerca da ideia de “cozinha brasileira”3 3 Neste artigo, a expressão “cozinha brasileira” ou “culinária brasileira” refere-se às representações construídas no âmbito intelectual sobre a existência de um sistema de ingredientes e receitas que seria próprio do Brasil, em relação direta com a constituição de uma “identidade” nacional. ao longo do século XX, o movimento modernista de São Paulo costuma ser tomado como o “responsável por criar o discurso sobre a culinária brasileira que teria surgido da contribuição do índio, negro e branco” (LEME; BASSO, 2014LEME, Adriana Salay; BASSO, Rafaela. A formação da brasilidade – a construção do discurso modernista sobre a culinária. Revista Contextos da Alimentação, São Paulo, v. 3, n. 1, p. 18-34, dez. 2014., p. 22). Interessados no “desrecalque”, no dizer de Antonio Candido, de elementos tidos como problemáticos para a nacionalidade, a exemplo da mestiçagem, os modernistas paulistas teriam se dedicado ao abandono do europeísmo em prol de uma “expressão própria”, que implicaria o mergulho em diversos aspectos da cultura brasileira, incluindo a alimentação e a culinária (DÓRIA, 2014DÓRIA, Carlos Alberto. Formação da culinária brasileira. São Paulo: Três Estrelas, 2014., p. 34).

De fato, o ato de comer rendeu frequente recurso metafórico aos modernistas paulistas, tanto no uso artístico-literário de alimentos como signos da nacionalidade quanto na noção mesma de “antropofagia”, que marcou parte da produção do período. A ingestão e a digestão estavam no cerne do conceito que, para Oswald de Andrade, expressava o intento de inverter o sentido da colonização e colocar o Brasil na posição canibal de seus antepassados, assimilando as influências externas e transformando-as em algo próprio e original.

Em O poeta come amendoim, Mário de Andrade, enquanto eu lírico, também propôs uma ação de certa forma antropofágica, mas de maneira diferente de Oswald (SOUZA, 2006SOUZA, Cristiane Rodrigues de. Clã do Jabuti: uma partitura de palavras. São Paulo: Annablume/Fapesp, 2006.). Era na mastigação de um fruto da terra, o amendoim, que declarava sentir a “gostosura quente” do Brasil; era na deglutição de elementos peculiares ao país que o poeta poderia conhecer sua essência. Ele propunha um processo em que o brasileiro devoraria o próprio Brasil, deixando de encará-lo como “outro”, passando a incorporá-lo como “eu”. Em carta ao amigo Câmara Cascudo, em 1925, Mário afirmou ter “fome física, fome estomacal de Brasil agora” (CASCUDO; ANDRADE, 2010CASCUDO, Luís da Câmara; ANDRADE, Mário de. Câmara Cascudo e Mário de Andrade. Cartas 1924-1944. Organização e notas: Marcos Antonio de Moraes. São Paulo: Global Editora, 2010., p. 47), alimentando-se dele em suas pesquisas, e também de forma literal, buscando, pelo gosto, uma sensibilidade brasileira – algo que ele faria intensamente em suas viagens ao Norte e ao Nordeste (ANDRADE, 2015ANDRADE, Mário de. O Turista Aprendiz. Edição de texto e notas: Telê Ancona Lopez, Tatiana Longo Figueiredo, Leandro Raniero Fernandes (Col.). Brasília: Iphan, 2015., p. 190).

Para além do recorrente uso metafórico da alimentação e da culinária em sua obra literária (MANCINELLI, 2009MANCINELLI, Maria Lúcia. Mário de Andrade, Oswald de Andrade e a cozinha futurista. In: MARINETTI, F. T. A cozinha futurista. Organização e tradução: Maria Lúcia Mancinelli. São Paulo: Alameda, 2009.), é possível identificar um claro interesse dele em uma reflexão mais aprofundada sobre o tema. Em seu vasto acervo guardado no Instituto de Estudos Brasileiros, na Universidade de São Paulo, há pelo menos sessenta fichas de estudo com referências a livros de receitas e a trechos sobre culinária em obras de cronistas coloniais, viajantes e intelectuais, ademais de receitas manuscritas e datilografadas e da coleção de 22 cardápios de restaurantes e banquetes, amealhados entre 1915 e 19404 4 Arquivo IEB-USP. Fundo Mário de Andrade. Além das fichas organizadas a partir de temas relacionados à culinária, há mais de 150 fichas sobre cachaça, a maioria usada para o artigo “Eufemismos da cachaça”, publicado em 1944 na revista Hoje. Sobre os cardápios, ver Feliciano (2020). .

Boa parte das pistas a respeito da definição de um pensamento sobre cozinha brasileira, que ele foi deixando ao longo de sua produção e de suas pesquisas, encontra-se alinhavada em seu único texto inteiramente dedicado ao assunto, Tacacá com tucupi, publicado no jornal O Estado de S. Paulo, em 1939, e depois encaminhado, com variantes, para a coletânea de crônicas Os filhos da Candinha, de 1943. Por meio de uma leitura histórica da primeira versão do texto, embasada em certos manuscritos, cartas e outras produções do autor, pretende-se delinear, neste artigo, seu pensamento sobre o tema. Toma-se de antemão a noção de que, para além de Mário, a culinária já vinha aparecendo como um tema de estudo vinculado às discussões sobre a formação do Brasil, em obras como A arte culinária na Bahia, de Manuel Querino, de 1928, e Casa-grande & senzala, de Gilberto Freyre, de 1933. É na esteira de construção desse ideário que se pretende analisar a muito especulada, mas pouco problematizada, “contribuição modernista” para essa interpretação, sob a perspectiva específica de Mário de Andrade.

Um convite aos “bons comedores”

A data de publicação de Tacacá com tucupi, 28 de maio de 1939, revela a importância do artigo como um documento para a história do pensamento acerca da cozinha brasileira. Dois meses antes, o pernambucano Gilberto Freyre havia lançado Açúcar: algumas receitas de bolos e doces dos engenhos do Nordeste, uma compilação de receitas recolhidas por ele em cadernos de famílias de engenho, sobretudo de Pernambuco, introduzida por um ensaio histórico-sociológico a respeito da definição da culinária nacional a partir da mistura das “três raças” e do somatório das cozinhas regionais. Uma das motivações de Mário para a escrita de Tacacá veio dessa leitura. Naquele momento, ele já havia recortado a resenha de Múcio Leão (1939, p. 7)LEÃO, Múcio. Registro literário. Jornal do Brasil, 12 maio 1939, p. 7. Arquivo IEB-USP, Fundo Mário de Andrade, código de referência MA-MMA-48-8150/8133e. sobre o livro e recebido um exemplar de cortesia da editora de José Olympio.

No texto original, de 1939, Mário cita Freyre na introdução, solidarizando-se com ele no desbravamento de um tema encarado como desimportante pelo ambiente intelectual brasileiro, que “se envergonha das coisas que lhe são peculiares” (ANDRADE, 1939ANDRADE, Mário de. Tacacá com tucupi. O Estado de S.Paulo, p. 4-5, 28 mai. 1939a. Acervo Estado., p. 4). Segundo ele, enquanto o pernambucano tinha se esforçado, em Açúcar, para justificar a escolha de seu assunto, o norte-americano Paul Shaw, então professor na Universidade de São Paulo, havia defendido em recente artigo n’O Estado de S. Paulo a importância da abertura de um restaurante de cozinha brasileira em Nova York, sem demonstrar qualquer “temor em dedicar uns minutos da sua cultura a um assunto tão ‘reles’ como a culinária” (ANDRADE, 1939ANDRADE, Mário de. Tacacá com tucupi. O Estado de S.Paulo, p. 4-5, 28 mai. 1939a. Acervo Estado., p. 4).

No artigo de Shaw, que Mário também havia recortado e arquivado, culinária aparecia como sinônimo de cultura. Para o professor, divulgar “a ‘feijoada’, o ‘cuscuz’, o ar roz e feijão, as empadas, coxinhas, pastéis, canjas e outros tantos pratos” seria uma maneira de estreitar o contato entre as “civilizações americanas”: “Por que não explorar essa via de aproximação cul... tural ou culinária, se me permitem o pleonasmo?” (SHAW, 1939SHAW, Paul Vanorden. Se eu fosse brasileiro. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 14 maio 1939, p. 4. Arquivo IEB-USP, Fundo Mário de Andrade, código de referência MA-MMA-48-8150/8133d., p. 4). No Brasil, no entanto, cultura e culinária estavam longe de evocar redundância. Ciente disso, em Tacacá, Mário registra o fracasso de um projeto similar ao imaginado por Shaw, que, três anos antes, o Departamento de Cultura de São Paulo, sob sua direção, havia proposto.

Tratava-se dos planos de construção de um restaurante “destinado a estilizar a culinária brasileira e a fazer propaganda dos produtos e gêneros alimentícios nacionais” (SÃO PAULO, 1936SÃO PAULO. Ato n. 1146 de 4 de julho de 1936. Leis e resoluções da Câmara Municipal da capital do estado de S. Paulo. São Paulo, 1936.), que seria instalado em um saguão do recém-remodelado Viaduto do Chá, na capital paulista. O projeto foi idealizado por Paulo Duarte, que, nos livros Variações sobre a gastronomia (1944) e Mário de Andrade por ele mesmo (1985 [1971]), o menciona em detalhes. Apesar da intenção de valorizar a culinária brasileira, ele deixava explícita a necessidade de as comidas nacionais passarem por um “esmeril de estilização”, por “um grande artista para ordenar, classificar as coleções, estabelecer a sua sistemática, dar um estilo própr io ao g rande monumento”. “Estilizar”, para ele, significava dar à comida brasileira “essa dosagem que é a alma da finura gastronômica da França” (DUARTE, 1944DUARTE, Paulo. Variações sobre a gastronomia. Lisboa: Seara Nova, 1944., p. 76). Embora tenha encampado o projeto do restaurante, Mário tinha uma visão diversa da de Paulo sobre cozinha brasileira, como se verá adiante.

Ironicamente, mas em coerência com a ideia da estilização segundo Paulo Duarte, o restaurante de cozinha brasileira do Departamento estaria a cargo de um chef suíço, Eugène Wessinger, que comandava o famoso restaurante do Hotel Terminus5 5 É na entrada do restaurante que o grupo de modernistas posou para a fotografia já considerada “oficial” da Semana de Arte Moderna, mas feita, na verdade, em 1924 (o cardápio do almoço que a antecedeu encontra-se na coleção de Mário de Andrade). Sobre o assunto, ver CALIL, Carlos Augusto. Foto tida como ícone da Semana de 1922 foi feita em 1924. Folha de S. Paulo, 13 out. 2019. Disponível em: https://www1.folha.uol.com. br/ilustrissima/2019/10/foto-tida-como-icone-da-semana-de-1922-foi-feita-em-1924.shtml. Acesso em: 20 out. 2020. , no centro de São Paulo. Interessado de alguma forma pelas receitas nacionais, o estrangeiro já havia servido sua versão “estilizada” da feijoada a Mário e Paulo, transformando “esse quitute delicioso que a vista repele e a que os estrangeiros dificilmente se aventuram por causa do aspecto geral” em “um prato de rara beleza plástica” (DUARTE, 1985DUARTE, Paulo. (1971). Mário de Andrade por ele mesmo. São Paulo: Hucitec, 1985., p. 111).

Em Tacacá, Mário atribui a iniciativa do restaurante ao então prefeito Fábio Prado, que, junto de Paulo Duarte, o levara para a direção do Departamento. E descreve o projeto como alvo de um “chorrilho de asnidades e caçoadas” (ANDRADE, 1939ANDRADE, Mário de. Tacacá com tucupi. O Estado de S.Paulo, p. 4-5, 28 mai. 1939a. Acervo Estado., p. 4) vindo de autoridades e intelectuais. Ao que parece, apesar de o ato de comer e beber fora de casa já então constituir um hábito no cotidiano das elites e dos intelectuais em São Paulo, viabilizar um local de comidas brasileiras era encarado como piada. Isso porque a gastronomia dos restaurantes tinha pouco a ver com a ideia que, naquele momento, se fazia da culinária brasileira.

Nas primeiras décadas do século XX, São Paulo contava com um crescente número de confeitarias e restaurantes, frequentados quase sempre por homens das elites, autoridades, políticos, industriais, escritores e artistas. A coleção de cardápios de Mário (Figuras 1 e 2) revela um cenário gastronômico efervescente, com estabelecimentos e banquetes organizados em palacetes, servindo pratos preferencialmente franceses. Mesmo no Terminus, comandado pelo chef suíço afeiçoado à cozinha brasileira, o jantar oferecido pelo Departamento de Cultura aos participantes do Congresso Nacional da Língua Cantada, em 1937, incluiu ovos ravigote, salada parmentier, filezinhos de robalo à inglesa, molho andaluza e grenadin de vitela ao Porto (CARDÁPIO 17, 1937CARDÁPIO 17. O Departamento de Cultura, aos congressistas, em confraternização, Hotel Terminus, São Paulo, 15 jul. 1937. Arquivo IEB-USP, Fundo Mário de Andrade.), pratos de uma cozinha “internacional” que vinha sendo exportada a partir da França e de chefs como Escoffier.

Figuras 1 e 2
Cardápios da coleção de Mário. À esquerda, menu de jantar na Villa Fortunata, na Avenida Paulista, em São Paulo, com gravura do palacete e descrição em francês dos pratos, a maioria da cozinha francesa à direita, cardápio improvisado de uma refeição regional feita na praia da Redinha, em Natal. Fonte: Arquivo IEB-USP, Fundo Mário de Andrade, cardápio n. 6 (1925)CARDÁPIO 6. Dinner offert a Madame Olivia Guedes Penteado à la Villa Fortunata, São Paulo, 7 maio 1925. Arquivo IEB-USP, Fundo Mário de Andrade. e cardápio n. 12 (1928).

Ilustrados por artistas e impressos em gráficas de renome, os cardápios colecionados por Mário estampavam os autógrafos dos comensais presentes, funcionando como suvenires tanto dos comes e bebes quanto da rede de sociabilidade que se formava e se afirmava entre os intelectuais, as autoridades e as elites de São Paulo (CAMARGOS, 2011). A gastronomia também serviu, afinal, para estruturar uma nova identidade paulistana que se constituía a partir do “cosmopolitismo do gosto e das aparências” (SANT’ANNA, 2012SANT’ANNA, Denise Bernuzzi. A cultura na ponta do garfo: estética e hábitos alimentares na cidade de São Paulo – 1890/1920. Cadernos Pagu, n. 39, p. 177-200, jul./dez. 2012. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-83332012000200006. Acesso em: 02 jan. 2021.
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, p. 179).

Como um “conjunto de regras que presidem a cultura e a educação do gosto” (BOURDIEU, 2007BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. Trad. Daniela Kern e Guilherme Teixeira. São Paulo/Porto Alegre: Edusp/Zouk, 2007., p. 66), a gastronomia estabelecia-se como uma prerrogativa de afirmação das elites e de distinção social, tal qual a fluência em francês e o conhecimento em filosofia, arte e literatura europeias. Diferenciava-se, portanto, da culinária, ou seja, do que se entendia como uma prática pertencente ao domínio do cotidiano e da domesticidade, a cargo de mulheres das classes populares que, em meio às classes médias e altas, atuariam por longas décadas como empregadas “da família”, a exemplo da afamada cozinheira Sebastiana, a Tana, que trabalhou na casa de Mário por toda a vida.

Desde fins do século XIX, a culinária andava no alvo das campanhas sanitaristas que se estabeleciam no bojo das obras de saneamento urbano e dos problemas de habitação e saúde pública em São Paulo (RODRIGUES, 2011RODRIGUES, Jaime. Alimentação, vida material e privacidade: uma história social de trabalhadores em São Paulo nas décadas de 1920 a 1960. São Paulo: Alameda, 2011.; SILVA, 2014SILVA, João Luiz Máximo da. Alimentação e transformações urbanas em São Paulo no século XIX. Almanack, Guarulhos, n. 7, p. 81-94, 2014. Disponível em: https://doi.org/10.1590/2236-463320140706. Acesso em: 02 jan. 2021.
https://doi.org/10.1590/2236-46332014070...
). Por meio da higiene alimentar, termo que ressoava a ideia de que a cozinha francesa seria um modelo de equilíbrio nutricional para todo o mundo, as técnicas tradicionais de culinária passaram a ser tachadas de anti-higiênicas e ultrapassadas, e certos pratos e ingredientes, de pouco nutritivos e indigestos. Assim, se, por um lado, a culinária comumente praticada no dia a dia das residências brasileiras ia sendo associada a hábitos tradicionais e comidas indigestas, que deveriam ser modificados, por outro, se definia pelo oposto da gastronomia, um termo que envolvia a vivência urbana, as regras de etiqueta vindas da Europa, a estetização de pratos “assinados” por chefs homens e estrangeiros e uma sociabilidade marcadamente masculina.

Entre a gastronomia afrancesada e a culinária brasileira, encontrava-se Mário de Andrade, ele mesmo considerado um “requintado gourmet” (ALVARENGA; ANDRADE, 1983ALVARENGA, Oneyda; ANDRADE, Mário de. Cartas. São Paulo: Duas Cidades, 1983., p. 22, nota 2). Entretanto, se, para os gourmets da época, sentar-se à mesa de um restaurante para um almoço ou um jantar com pratos brasileiros era impensável, Mário os degustava com interesse. Na viagem a Natal, um “ajantarado” realizado no bairro de Redinha, junto de Câmara Cascudo, incluiu sopa rósea6 6 Possivelmente, uma sopa de camarão. com queijo de cabra, vatapá, xaréu com coco, doce de caju, entre outros pratos da região, e foi devidamente registrado, à mão, em uma folha improvisada que o paulista guardou em meio aos pomposos menus de sua coleção (CARDÁPIO 12, 1928CARDÁPIO 12. Ajantarado, Redinha/Natal, dez. 1928. Arquivo IEB-USP, Fundo Mário de Andrade.). Para ele, a gastronomia francesa e a culinária local tinham equivalente importância. E aliar ambas as dimensões, a herança europeia e a tradição brasileira, deveria ser o objetivo de intelectuais, artistas e escritores brasileiros.

Em Tacacá com tucupi, Mário deixa claro que, assim como Gilberto Freyre, pretende tocar em um tema tido como fútil, mas que enxerga como essencial para a compressão da cultura brasileira.

Quem me chamou uma atenção mais estudiosa para a cozinha brasileira foi, uns quinze anos atrás, o poeta Blaise Cendrars. Naquele seu jeito de dizer com leveza coisas profundas, desde que teve conhecimento dos nossos pratos principais, o criador de “Moravagine” passou a sustentar a tese de que o Brasil tinha civilização própria (ou, melhor: teria, se quisesse) pois que apresentava uma culinária completa e específica. [...] Pouco lhe importava que a maioria dos nossos pratos derivassem de outros vindos da África, da Ásia ou da península ibérica. Quase todos os povos são imensas misturas étnicas e culturais. O importante é que fundindo bases, princípios constitucionais de pratos asiáticos e condimentação africana, modificando neste ou naquele sentido pratos ibéricos, tínhamos chegado a uma cozinha original e inconfundível. E completa. (ANDRADE, 1939ANDRADE, Mário de. Tacacá com tucupi. O Estado de S.Paulo, p. 4-5, 28 mai. 1939a. Acervo Estado., p. 4)

Com marcante influência entre os modernistas paulistas, Cendrars havia visitado o Brasil pela primeira vez em 1924, quando Tarsila do Amaral, Oswald de Andrade, Mário, entre outros, o ciceronearam em uma viagem a Minas Gerais. As obras barrocas de Aleijadinho impressionaram estrangeiro e brasileiros, trazendo à tona um passado pouco valorizado no país e tradições que serviriam como “mediadoras da questão nacional” (NOGUEIRA, 2005NOGUEIRA, Antonio Gilberto Ramos. Por um inventário dos sentidos: Mário de Andrade e a concepção de patrimônio e inventário. São Paulo: Editora Hucitec/Fapesp, 2005., p. 65). As comidas certamente fizeram parte dessa comoção. No retorno, Cendrars recebeu algumas encomendas do Secretário de Agricultura, Comércio e Obras Públicas de Minas Gerais, entre as quais estavam uma cachaça – “très appréciée” – e um queijo mineiro (EULALIO; CALIL, 2011, p. 282). Ao esboçar o estatuto para a Sociedade dos Amigos dos Monumentos Históricos do Brasil, idealizada por Olívia Penteado e pelos demais viajantes como um órgão civil que protegeria o patrimônio nacional brasileiro contra o risco das ruínas, ele destacou que a “arte culinária” seria um desses monumentos (CALIL, 2006CALIL, Carlos Augusto. Sob o signo do Aleijadinho: Blaise Cendrars, precursor do patrimônio histórico. In: ANDRADE, Antonio Luiz Dias de; BASTOS, Rossano Lopes; CALIL, Carlos Augusto, et al. Patrimônio: atualizando o debate. Rio de Janeiro: Iphan, 2006, p. 79-90., p. 84).

A Sociedade nunca saiu do papel, mas seu estatuto já demonstrava uma visão abrangente de patrimônio. Mário de Andrade também adotaria essa perspectiva ao escrever, em 1936, o anteprojeto de criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan), colocando “receitas culinárias”, junto de lendas, cantos e provérbios, entre aquilo que deveria ser entendido como patrimônio (ANDRADE, 1981ANDRADE, Mário de. Cartas de trabalho: correspondência com Rodrigo Mello Franco de Andrade, 1936-1945. Organização de Lélia Coelho Frota. Brasília: Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/Fundação Pró-Memória, 1981., p. 40-41), algo que seria oficializado apenas com a instauração do chamado “patrimônio imaterial” pelo agora Iphan, seis décadas mais tarde.

A culinária surgia, para Mário, como um dos elementos integrantes de uma cultura popular desprezada nos meios de que fazia parte. No cerne de Tacacá, encontra-se uma explícita crítica aos que ele chama de “bons comedores”: conhecedores da afrancesada gastronomia dos restaurantes, que consideravam a cozinha brasileira inferior às cozinhas internacionais, uma vez que seria “muito pesada”, “indigna de jantares leves e cerimoniais”, uma “cozinha própria para almoços exclusivamente” (ANDRADE, 1939ANDRADE, Mário de. Tacacá com tucupi. O Estado de S.Paulo, p. 4-5, 28 mai. 1939a. Acervo Estado., p. 4).

Mário encerra o texto com uma firme opinião: “Mas a verdade é que, nestes tempos aviatórios, a minha experiência já vos pode dar este conselho: Almoça-se pelo Brasil, mas janta-se no Amazonas” (ANDRADE, 1939ANDRADE, Mário de. Tacacá com tucupi. O Estado de S.Paulo, p. 4-5, 28 mai. 1939a. Acervo Estado., p. 5). Irônico, recorre à diferenciação entre almoço e jantar feita pelos bons comedores para afirmar que mesmo eles encontrariam um jantar digno do refinamento francês na Amazônia. Ainda assim, comidas deliciosas existiriam em todo o país, e o conselho se converte em convite para que conheçam, mastiguem, “almocem” o Brasil. Abrasileirem-se, enfim. Indo mais a fundo nesse “convite”, no entanto, encontra-se outro importante interlocutor. Além dos bons comedores, Tacacá com tucupi se dirige, veladamente, a Gilberto Freyre.

Um mapa anti-regionalista da cozinha brasileira

No livro Açúcar, Gilberto Freyre desenvolveu ideias que havia exposto durante o Congresso Regionalista de 1926, na efervescência das disputas interestaduais da Primeira República. Na ocasião, ele havia usado a culinária como eixo de sua argumentação sobre a necessidade de preservação das tradições regionais, sob o risco de “descaracterização” da cultura nordestina pelos influxos da modernidade: “toda essa tradição [culinária] está em declínio ou, pelo menos, em crise no Nordeste. E uma cozinha em crise significa uma civilização inteira em perigo: o perigo de descaracterizar-se” (FREYRE, 1996 [1952]FREYRE, Gilberto. (1952). Manifesto regionalista. Recife: Fundação Joaquim Nabuco/Editora Massangana, 1996., p. 67).

Para Freyre, a tradição estaria entranhada em uma identidade regional que teria se cristalizado em meio à sociedade patriarcal, quando o Nordeste detinha o domínio econômico da colônia em seus engenhos de açúcar. Nas bases dessa sociedade, caracterizada em oposição à ideia de modernidade – para ele, ligada ao conflito de classes, à urbanização e ao aburguesamento das cidades (NEEDELL, 1995NEEDELL, Jeffrey D. Identity, Race, Gender, and Modernity in the origins of Gilberto Freyre’s Oeuvre. The American Historical Review, v. 100, n. 1, p. 51-77, fev. 1995., p. 72-73) –, havia se estruturado uma “doce aristocracia de maneiras e gostos, de modos de viver e de sentir, tornada possível pela produção e exportação de um mascavo tão internacionalmente famoso como, depois, o café de São Paulo” (FREYRE, 1996 [1952]FREYRE, Gilberto. (1952). Manifesto regionalista. Recife: Fundação Joaquim Nabuco/Editora Massangana, 1996., p. 52).

Exaltar a tradição do Nordeste seria, portanto, reagir contra uma identidade moderna e cosmopolita que passava a se vincular, sobretudo, ao sul do país. O regionalismo de Freyre constituía-se a partir da noção de perda das tradições, que, por sua vez, se desenvolvia no bojo da perda de poder político-econômico do Nordeste açucareiro para a hegemonia “café com leite” de São Paulo e Minas Gerais. No ensaio de Açúcar, a proposição de uma nova organização de poder no país ganhava corpo por meio de uma hierarquização das tradições culinárias de cada região, caracterizadas por suas produções coloniais e pelas diversas gradações da mistura das “três raças”. Somadas, as diferentes cozinhas regionais definiriam a cozinha brasileira, ainda que cada uma tivesse seu peso na configuração do todo. Seriam três as cozinhas mais importantes: a do Pará, a da Bahia e a de Pernambuco, sendo esta última a mais celebrada.

É verdade que a tradição da cozinha de Pernambuco parece representar menos um nativismo extremado ou um indianismo agressivo nos seus sabores agrestes e crus – como o da cozinha no extremo Norte – e, menos ainda, um africanismo oleoso, empapando tudo de azeite-de-dendê, como da cozinha afro-baiana, que o equilíbrio das três tradições: a portuguesa, a indígena e a africana. A medida, o equilíbrio, a temperança, que Nabuco sentia no próprio ar de Pernambuco, parece exprimir-se no que a cozinha pernambucana tem de mais característico e de mais seu: na sua contemporização quase perfeita da tradição europeia com a indígena e a africana. (FREYRE, 1939FREYRE, Gilberto. Assucar: algumas receitas de bolos e doces dos engenhos do Nordeste. Rio de Janeiro: José Olympio, 1939. Biblioteca do IEB/USP – Coleção Mário de Andrade., p. 36)

Ao lado desse trecho do livro, o leitor Mário de Andrade escreveu em seu exemplar de Açúcar: “Almoça-se no Nordeste, janta-se no Amazonas”. Teve ali, possivelmente, a ideia para Tacacá com tucupi, encerrando-o com a mesma frase, apenas estendendo o almoço do Nordeste para o país, mas mantendo o “lugar” do jantar: “Almoça-se pelo Brasil, mas janta-se no Amazonas7 7 Embora tenha grafado “Amazonas”, a intenção do autor era se referir à região amazônica como um todo e não apenas ao estado amazonense. ” (ANDRADE, 1939ANDRADE, Mário de. Tacacá com tucupi. O Estado de S.Paulo, p. 4-5, 28 mai. 1939a. Acervo Estado., p. 5). Ao fazer aquela anotação ao lado do trecho em que Freyre atribuía à culinária pernambucana a primazia entre as demais culinárias, Mário pontuava sua contrariedade com a ideia de que haveria, dentro do país, uma cozinha melhor do que a outra.

A aparente simpatia que Mário nutre por Freyre nas primeiras linhas de Tacacá cede lugar, nas entrelinhas, para velhas discordâncias8 8 Sobre as discordâncias entre eles, ver Dimas (2002). . De forma tácita, o texto é uma resposta a Açúcar e, mais especificamente, à defesa regionalista do pernambucano. Desde o Congresso Regionalista de 1926, para o qual chegou a ser convidado por intermédio do amigo Câmara Cascudo, Mário considerava aquele ideário “desintegrante da ideia de nação” (CASCUDO; ANDRADE, 2010CASCUDO, Luís da Câmara; ANDRADE, Mário de. Câmara Cascudo e Mário de Andrade. Cartas 1924-1944. Organização e notas: Marcos Antonio de Moraes. São Paulo: Global Editora, 2010., p. 64), ao insistir em tratar de características que diferenciariam uma região da outra, tornando-as exóticas aos próprios brasileiros.

Ao escrever Macunaíma, uma de suas preocupações havia sido “tirar a geografia do livro”, misturando lendas, animais e frutas do Norte e do Sul, sem relacioná-los a seus locais de origem no país (CASCUDO; ANDRADE, 2010CASCUDO, Luís da Câmara; ANDRADE, Mário de. Câmara Cascudo e Mário de Andrade. Cartas 1924-1944. Organização e notas: Marcos Antonio de Moraes. São Paulo: Global Editora, 2010., p. 123). Em um dos prefácios esboçados para a rapsódia, afirmava que “desregionalizava o mais possível a criação ao mesmo tempo que conseguia o mérito de conceber literariamente o Brasil como entidade homogênea = um conceito étnico nacional e geográfico” (ANDRADE, 2008ANDRADE, Mário de. (1928). Macunaíma. Estabelecimento do texto: Telê Ancona Lopez e Tatiana Longo Figueiredo. Rio de Janeiro: Agir, 2008., p. 220). Assim, embora se interessasse pelas regionalidades, Mário as compreendia como uma maneira de conhecer o todo nacional; o regionalismo, por outro lado, era um discurso político-ideológico que, para ele, fixava o “retrato de uma parcela”, o que significava “renunciar à pesquisa em profundidade da realidade brasileira dentro da pluralidade, seria recusar-se à síntese” (LOPEZ, 1972LOPEZ, Telê Porto Ancona. Mário de Andrade: ramais e caminho. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1972., p. 208-209).

Era a busca da síntese que o levava, em suas pesquisas de folclore, a se interessar não pelas variações locais de certas canções, por exemplo, mas pelo que haveria de comum entre elas, uma vez que se criam “sempre dentro de certas normas de compor, de certos processos de cantar, [...], constâncias melódicas, motivos rítmicos, tendências tonais, maneiras de cadenciar, que todos já são tradicionais, já perfeitamente anônimos e autóctones, às vezes peculiares, e sempre característicos do brasileiro” (ANDRADE, 1949ANDRADE, Mário de. Folclore. In: MORAIS, Rubens Borba de; BERRIEN, William (org.). Manual bibliográfico de estudos brasileiros. Rio de Janeiro: Gráfica Editora Souza, 1949., p. 298). As constâncias é que caracterizariam a essência brasileira.

Em resumo, se Gilberto Freyre se esforçava para demarcar as diferenças culinárias entre as regiões, entendendo que a cozinha brasileira seria o somatório delas, Mário de Andrade enfocava as similaridades, aquilo que, perpassando as variações regionais, seria essencialmente brasileiro. Se o pernambucano compreendia que a cultura brasileira já se encontrava bem formada, tendo sido estruturada em meio à sociedade patriarcal dos engenhos de açúcar coloniais, o paulista a encarava como algo em formação, em processo. Por fim, se Freyre via a modernidade como uma ameaça à tradição, Mário entendia que assimilar as particularidades da realidade nacional – abrasileirar-se – era o meio para conceber a modernidade (MORAES, 1988MORAES, Eduardo Jardim de. Modernismo revisitado. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 220-238, 1988., p. 230).

Para estruturar seu argumento em Tacacá, Mário se apropria, com ironia, dos recursos usados tanto pelos bons comedores para desprezar as comidas brasileiras – a comparação com os parâmetros gastronômicos franceses – quanto por Freyre, que propõe, em Açúcar, uma espécie de mapa culinário do Brasil. Assim, como o pernambucano, divide o país em zonas como a caipira, a nordestina, a amazônica, afirmando haver “uma verdadeira ascensão geográfica quanto ao refinamento e delicadeza da nossa culinária”: à medida que se avança para o Norte, mais os pratos se tornam “delicados e leves”.

Mário parte da definição daquilo que seria uma base comum à diversificada culinária brasileira: a mistura de culturas. Subvertendo a posição de inferioridade em que era colocada pelos bons comedores, associa a mistura à categoria estética do Belo, da mesma forma que as receitas francesas. Exemplifica que, sendo guiada pelo Belo, a cozinha francesa teria pratos em que as “bases alimentares quase desaparecem, sutilizadas em combinações, às vezes de um inesperado miraculoso [...] é arte, e às vezes da maior arte” (ANDRADE, 1939ANDRADE, Mário de. Tacacá com tucupi. O Estado de S.Paulo, p. 4-5, 28 mai. 1939a. Acervo Estado., p. 5). É a partir de uma digressão estético-filosófica que ele coloca a cozinha brasileira e a francesa no mesmo patamar: ambas são consideradas Belas. Da miscigenação brasileira, sairiam “combinações riquíssimas” e uma cultura nova e singular, da qual nem seria possível identificar suas bases.

Diferentemente da francesa, porém, a mistura brasileira havia resultado não apenas em pratos refinados (leves e delicados), mas também em pratos pesados (violentos e indigestos). Ainda que evoque a hierarquização do mapa de Açúcar, alegando que a maior concentração de delicadezas estaria no Norte, Mário segue sentido contrário ao de Freyre. Enquanto este classifica as regiões a partir do equilíbrio, concluindo que a cozinha pernambucana seria a mais equilibrada, aquele busca os contrastes e os encontra em qualquer canto do Brasil. Na zona caipira, a violência do feijão com toucinho convive com o refinamento do cuscuz paulista; no Nordeste, a brutalidade do efó e da panelada de carneiro coexiste com a cioba “suavíssima deslizando sobre o feijão de coco”; e mesmo no Norte, lugar dos pratos mais refinados, o “mais fino pescado de água doce” encontra-se com o “trágico tacacá com tucupi”.

Os sentidos de peso e refinamento são, aí, bastante complexos. Em uma primeira camada, aludem mesmo às formas como os bons comedores, em seu texto, se referiam à cozinha brasileira: pesada, oposta ao refinamento francês. Em Tacacá, peso e refinamento não se opõem; em vez disso, se sobrepõem como características da mistura brasileira, aquilo que ele encontra em todas as regiões. Neste ponto, parece evidente seu pensamento diverso ao de Paulo Duarte no mencionado conceito do restaurante do Departamento de Cultura; o interesse de Mário não é “refinar” segundo o padrão francês, como sugere aquele, mas “abrasileirar” a visão e o paladar dos bons comedores.

Em uma segunda camada, essas categorias também mostram uma possível referência ao alemão Hermann von Keyserling, autor de Le monde qui nait, que havia sido considerado pelo próprio Mário a chave para se entender Macunaíma. Em obra de 1932, Méditations sud-américaines, presente na biblioteca do escritor, Keyserling sugeria que as civilizações sul-americanas manifestariam uma dimensão telúrica muito mais marcante do que a dimensão espiritual dominante na Europa. Havia notado nesses povos duas características que se combinariam, expressando essa força vital: a irritabilidade, que teria sido aguçada pela necessidade de sobrevivência, e a delicadeza, resultante da adaptação ao meio. Como explica Daniel Faria (2013, p. 919)FARIA, Daniel. As meditações americanas de Keyserling: um cosmopolitismo nas incertezas do tempo. Varia História, Belo Horizonte, v. 29, n. 51, p. 905-923, set./dez. 2013. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-87752013000300013. Acesso em: 02 jan. 2021.
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, vem “daí a mescla de irritabilidade e refinamento que Keyserling teria notado nos sul-americanos”.

Ora, em Tacacá, a qualidade da delicadeza aproxima-se do refinamento, sendo usada para definir, por exemplo, “nosso cuscuz paulista, talvez o mais saborosamente delicado dentre os pratos da nossa região, que pondo de parte a farinha, se determina pela sua combinação principal, ‘cuscuz de galinha’, ‘cuscuz de camarão’” (ANDRADE, 1939ANDRADE, Mário de. Tacacá com tucupi. O Estado de S.Paulo, p. 4-5, 28 mai. 1939a. Acervo Estado., p. 4). A irritabilidade, por sua vez, se avizinha do peso e da violência: “a panelada de carneiro nordestina, o vatapá baiano, o tutu com torresmo são violentos quase todos, e alguns mesmo grosseiros” (ANDRADE, 1939ANDRADE, Mário de. Tacacá com tucupi. O Estado de S.Paulo, p. 4-5, 28 mai. 1939a. Acervo Estado., p. 4).

Seguindo a alusão a Keyserling, é possível que a ideia de refinamento esteja associada à criação de algo novo a partir de uma adaptação completa ao meio, à mistura que, de tão misturada, dilui as bases que lhes teriam formado. O peso, por outro lado, aludiria às misturas resultantes de uma sobrevivência primitiva, que deixariam entrever suas origens e a “brutalidade bárbara”, como Mário define a cozinha baiana, “auge da influência negra” (ANDRADE, 1939ANDRADE, Mário de. Tacacá com tucupi. O Estado de S.Paulo, p. 4-5, 28 mai. 1939a. Acervo Estado., p. 5). Para Keyserling, afinal, o choque de civilizações muito distintas poderia resultar em uma mistura não bem-acabada, dando origem à barbárie, à “pura civilização de seres que continuam sendo selvagens” (BERRIEL, 1987BERRIEL, Carlos Eduardo Ornelas. Dimensão de Macunaíma: filosofia, gênero e época. Dissertação (Mestrado em Teoria Literária) – Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1987., p. 91).

Em uma camada mais profunda, as categorias do peso e do refinamento revelam o modo particular de Mário reconhecer, mas transgredir a oposição entre a barbárie e a civilização, valorizando a convivência dessas dimensões na formação de um caráter brasileiro. O fato de as comidas serem pesadas não é visto por um viés desqualificador. No texto, as comidas pesadas e violentas ganham corpo e, numa relação perversa, chegam a nos “comer”: “o efó preparado à bahiana, com muita pimenta e diluído no azeite de dendê, é tão brutalmente delirante que nem somos nós que o comemos, elle é que nos devora” (ANDRADE, 1939ANDRADE, Mário de. Tacacá com tucupi. O Estado de S.Paulo, p. 4-5, 28 mai. 1939a. Acervo Estado., p. 4). As menções a “comidas devoradoras”, por assim dizer, não são exclusivas de Tacacá; já haviam aparecido nos diários de Turista Aprendiz, quando Mário descreveu o mesmo efó provado na Bahia – “você come e tem a sensação convulsionante de estar sendo comido por dentro” – e o caju, que “morde a boca da gente, vai nos devorando por dentro” (ANDRADE, 2015ANDRADE, Mário de. O Turista Aprendiz. Edição de texto e notas: Telê Ancona Lopez, Tatiana Longo Figueiredo, Leandro Raniero Fernandes (Col.). Brasília: Iphan, 2015., p. 202 e 285). Na série de crônicas que dariam origem ao livro O banquete, o vatapá ainda é descrito pela personagem Siomara Ponga, uma cantora espanhola, como a “transfiguração alimentar de um estupro” (ANDRADE, 1977ANDRADE, Mário de. O banquete. São Paulo: Duas Cidades, 1977., p. 120). A personificação da comida violenta é aí tão forte que ela se torna capaz de nos violentar sem consentimento.

Carregadas de significados, as comidas devoradoras violam os parâmetros do ser humano civilizado à europeia; como o caju, que “possui gosto caju, coisa indescritível e unicamente compreendida por quem conhece o caju de vias de fato” (ANDRADE, 2015ANDRADE, Mário de. O Turista Aprendiz. Edição de texto e notas: Telê Ancona Lopez, Tatiana Longo Figueiredo, Leandro Raniero Fernandes (Col.). Brasília: Iphan, 2015., p. 285), tinham gosto forte, incomparável e impositivo; sabor de Brasil. Como analisou Jakeline Cunha, em Macunaíma, “o caju, ao mesmo tempo doce e travoso, suculento e adstringente, é na rapsódia uma imagem representativa desse Brasil multifacetado e desigual” (CUNHA, 2009CUNHA, Jakeline F. As várias faces do Brasil: a imagem do caju em Macunaíma. Dissertação (Mestrado em Teoria Literária e Literatura Comparada) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009., p. 120). No caso de Tacacá, as comidas brasileiras constituem uma mistura leve e riquíssima, capaz de ser apreciada pelo paladar “educado” à francesa, e também uma mistura travosa e pesada, resultante da necessidade de sobrevivência e da violência de uma história de exploração. Algo que choca o gosto afinado pela gastronomia estrangeira (como o da espanhola que associa o vatapá ao estupro n’O banquete), mas não o gosto do povo brasileiro. “Por mais forte e indigesta que seja a mistura, os elementos que entram nela afinal são todos iromuguanas e a droga é bem digerida pelo estômago brasileiro, acostumado com os chinfrins da pimenta, do tutu, do dendê, da caninha e outros palimpsestos, que escondem a moleza nossa” (ANDRADE, 1928ANDRADE, Mário de. Romance do veludo. Revista de Antropofagia, ano 1, n. 4, ago. 1928, p. 5. Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional., p. 5), já afirmava Mário, ao usar tais comidas como metáforas para analisar uma cantiga folclórica.

Como palimpsestos, as comidas pesadas carregam o peso da história nacional e, embora indigestas, caem bem no acostumado estômago brasileiro. São o tutu com toucinho, a panelada de carneiro, o efó e afins que “nos deixam num tal estado de burrice (de sublime burrice, está claro) que não é possível, depois dele[s], comentar sequer Joaquim Manuel de Macedo ou Ponson du Terrail” (ANDRADE, 1939ANDRADE, Mário de. Tacacá com tucupi. O Estado de S.Paulo, p. 4-5, 28 mai. 1939a. Acervo Estado., p. 4); são eles que propiciam a “moleza nossa”. Mário encarava o ócio como um elemento propício à criação artística, que teria ganhado conotação negativa em meio à valorização do trabalho, algo característico da civilização europeia. No Brasil, a geografia e a própria alimentação favoreceriam a preguiça, que deveria ser encarada como uma característica da cultura e da civilização nacionais, em oposição à importação da civilização europeia (LOPEZ, 1972LOPEZ, Telê Porto Ancona. Mário de Andrade: ramais e caminho. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1972., p. 111). O “indigesto feijão com toucinho”, que, na Ode ao burguês, de 1922, é associado ao “burguês funesto”, ao conservadorismo que se queria exterminar, segue indigesto no texto de 1939, mas essa característica é agora compreendida como sintomática de uma cultura própria do Brasil, ainda em formação – e não “completa”, como definia Cendrars.

No mapa culinário que sugere em Tacacá, Mário de Andrade elenca as diversas comidas regionais, mas, ao contrário de Gilberto Freyre, não se concentra em delimitar regiões; sua intenção é exaltar o que há de comum entre elas, a mistura bela e contrastante do peso e da leveza. Também diverge dele ao destacar de seu mapa uma cozinha que não é do Nordeste, mas da Amazônia, o lugar que sempre identificou como aquele em que o povo “poderia viver sem contradições com a sua geografia, liberto de uma civilização importada”, imerso na verdadeira ambiência tropical (LOPEZ, 1972LOPEZ, Telê Porto Ancona. Mário de Andrade: ramais e caminho. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1972., p. 51). É lá que “a culinária brasileira atinge as suas maiores possibilidades de leveza e refinamento” (ANDRADE, 1939ANDRADE, Mário de. Tacacá com tucupi. O Estado de S.Paulo, p. 4-5, 28 mai. 1939a. Acervo Estado., p. 5).

A despeito disso, Mário não escolhe uma receita amazônica refinada para nomear seu texto, mas o que define como o “trágico tacacá com tucupi”, próximo da caracterização dos pratos pesados. Ele já havia se encantado com esse caldo em Belém9 9 Inspirado por sua visita à capital paraense, Mário criou, no calor da viagem, a Moda do alegre porto, que termina com o seguinte verso: “Prova tucupi! Prova tacacá!” (ANDRADE, 2015, p. 192). e recebido a receita, em 1933, do paraense Gastão Vieira, que assim a descreveu: “Faz-se a goma de amido, ou tapioca, à qual se ajunta o sal necessário. O tucupi é temperado com sal, camarões secos e jambu. É servido em cuias onde se deita[m] umas 4 colheres de goma e 8 ou 10 colheres de tucupi, cortando a goma com a colher, para misturar” (VIEIRA, 1933VIEIRA, Gastão. Correspondência. Arquivo IEB-USP, Fundo Mário de Andrade, código de referência MA-C-CPMVA6945, p. 1., p. 1). Vieira ainda afirmava que “você sabe o que é o tucupi, como é fabricado”, mostrando que Mário estava ciente do complexo método indígena que envolve “domar” a mandioca-brava, venenosa, cozinhando-a, espremendo seu sumo e fervendo-o por dias. Ele pode ter escolhido destacar a receita no nome do texto, portanto, por representar tanto a necessidade primitiva de sobrevivência quanto a emergência de algo novo e singular a partir da completa adaptação do ser humano à natureza. Além disso, ressaltar a cacofonia de seu nome indígena, “tacacá com tucupi”, pode ter sido uma provocação aos ouvidos dos bons comedores.

De qualquer maneira, ao colocar o tacacá com tucupi em evidência, Mário enfatiza o “trágico”, e não o refinado. Dá preferência às tragédias, que nos remetem aos “desastres” dos quais ele afirmara ter desejos em O poeta come amendoim, entendidos, por Ivan Marques (2012, p. 31)MARQUES, Ivan. Modernismo de pés descalços: Mário de Andrade e a cultura caipira. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo, n. 55, p. 27-42, 2012. Disponível em: https://doi.org/10.11606/issn.2316-901X.v0i55p27-42. Acesso em: 02 jan. 2021.
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, na dupla função de evocar o fracasso brasileiro, como república temporã, de civilização importada, e ao mesmo tempo de almejar a assimilação desse desvio e traçar um caminho alternativo para o país, “a um só tempo burguês e pré-burguês”. Em “Colloque sentimental”, de Pauliceia desvairada (ANDRADE, 1922ANDRADE, Mário de. Pauliceia desvairada. São Paulo: Casa Mayença, 1922. Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin., p. 107), o poeta se dirige aos condes e barões moradores do bairro de Higienópolis, em suas casas nobres de estilo, para afirmar que “enriqueceres em tragédias”, ou seja, se aburguesaram às custas dos desastres brasileiros.

Mais profundos que o âmbito político e social, os desastres ainda se referem às contradições e aos excessos da própria alma humana10 10 Agradeço à professora Telê Ancona Lopez por ter me chamado a atenção para essa relação. . É uma “vontade até de crimes” que acomete o excitadíssimo Turista Aprendiz quando, no clímax de sua viagem pela Amazônia, em 1927, encontra no céu a Ursa Maior, constelação que pode ser vista apenas do Equador para o Norte, marcando a dimensão da “civilização tropical” perfeitamente adaptada ao meio (ANDRADE, 2015ANDRADE, Mário de. O Turista Aprendiz. Edição de texto e notas: Telê Ancona Lopez, Tatiana Longo Figueiredo, Leandro Raniero Fernandes (Col.). Brasília: Iphan, 2015., p. 106, nota 131). Provocando a vontade de crimes, ou desastres e tragédias, a Ursa Maior define o destino de Macunaíma; e o tacacá com tucupi, a síntese de uma cultura em formação.

Como o alertara Cendrars: “o Brasil tinha civilização própria (ou, melhor: teria, se quisesse) pois que apresentava uma culinária completa e específica” (ANDRADE, 1939ANDRADE, Mário de. Tacacá com tucupi. O Estado de S.Paulo, p. 4-5, 28 mai. 1939a. Acervo Estado., p. 4). Ainda que os bons comedores não quisessem assumi-la, Mário localizava na culinária os sinais da completude e da especificidade que “nos devora”. Em Tacacá, dedicou-se a negar o regionalismo e a zombar dos bons comedores, exaltando uma cozinha brasileira equiparada à francesa, que deveria ser assimilada não em suas diferenças regionais, mas em seus refinamentos e, sobretudo, em suas tragédias.

Açúcar e tacacá

Tacacá com tucupi foi escrito no período em que Mário de Andrade viveu no Rio de Janeiro, depois de ter deixado a direção do Departamento de Cultura de São Paulo sob a pressão dos ventos conservadores trazidos com o recém-instalado Estado Novo. Em uma das muitas visitas que fez à casa de São Paulo, Mário deve ter conversado sobre culinária com a mãe, Maria Luísa Almeida Leite Moraes Andrade, a Dona Mariquinha, e com a tia, Anna Francisca de Almeida Moraes, a Tia Nhanhã, irmã solteira de sua mãe que sempre viveu com a família. Exímias doceiras11 11 Em entrevista realizada em 2019 com Carlos Augusto e Thereza Maria Andrade Camargo, sobrinhos de Mário, foram muitas as histórias vinculadas ao passado da avó e da Tia Nhanhã como doceiras. Os “doces tradicionais” servidos nas tertúlias modernistas eram feitos por elas (ANDRADE, 1974, p. 239). , elas mantinham robustos cadernos de receitas e, naquele mês de maio de 1939, os emprestaram ao filho/sobrinho.

Dos cadernos das duas e de um terceiro, pertencente à bisavó de seu secretário José Bento, de Minas Gerais, Mário tomou nota de 18 receitas de doces e adicionou outras quatro, “transmitidas oralmente por d. Nhanhã” (ANDRADE, 1939bANDRADE, Mário de. Fichário analítico. Arquivo IEB-USP, Fundo Mário de Andrade, código de referência MA-MMA-48-8129, 8130, 8131 e 8132, 1939b.). Pediu a seu secretário que datilografasse as 22 (Figura 3), não deixando de registrar ao lado de cada uma os cadernos de que as extraiu e a data em que a tia passou, oralmente, algumas delas: 21 de maio de 1939, uma semana antes da publicação de Tacacá com tucupi.

Figura 3
Uma coleção de doces. Acima, uma das folhas com receitas que Mário selecionou de cadernos de sua mãe e sua tia, em 1939. Fonte: Arquivo IEB-USP, Fundo Mário de Andrade, código de referência MA-MMA-48-8130

As quatro folhas datilografadas já suscitaram a interpretação de que, com elas, Mário talvez desejasse “munir-se de recursos para apaziguar as saudades de seu paladar” (TONI, 2003TONI, Flávia Camargo. Doces para uma festa de 110 anos. Diário Oficial Leitura, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, p. 38-45, out. 2003., p. 40). É possível que o escritor, vivendo no Rio, tenha recolhido tais receitas para reproduzi-las, amenizando sua falta de São Paulo ou convencendo os amigos de seus dotes culinários. Rachel de Queiroz12 12 Depoimento de Rachel de Queiroz sobre Mário de Andrade no Centro Cultural São Paulo, em agosto de 1992. Acervo IEB-USP. Disponível em: https://vimeo.com/140019270. Acesso em: 8 out. 2018. , que morou em casa próxima à dele no Rio, registrou que, sim, o amigo cozinhava e tinha uma especialidade, o “doce de bêbedo”, um manjar branco com compota gelada de frutas. Ela, no entanto, o definiu como horrível, afirmando que nunca estivera suficientemente “bêbeda” para apreciá-lo...

Ainda que Mário tivesse alguma habilidade na cozinha, havia, da parte dele, um claro interesse etnográfico pelas receitas culinárias, que considerava, como vimos, parte do patrimônio cultural brasileiro. Era comum que solicitasse receitas aos amigos, e tinha o plano de usá-las de alguma forma na produção do livro idealizado, mas nunca realizado, Na pancada do Ganzá, sobre folclore: “estou colecionando receitas de doces e pratos-de-sal do Nordeste para publicá-las no meu livro. [...] [essas comidas] vivem cantando dentro de mim e temos que eternizar tudo isso, que é prova da verdadeira cultura do Brasil” (CORRÊA; ANDRADE, 2009CORRÊA, Pio Lourenço; ANDRADE, Mário de. Pio & Mário: diálogo de vida inteira. Traços biográficos: Antonio Candido; introdução: Gilda de Mello e Souza; estabelecimento do texto e notas: Denise Guaranha; estabelecimento do texto, das datas e revisão ortográfica: Tatiana Longo Figueiredo. Rio de Janeiro/São Paulo: Ouro sobre Azul/Edições SESC, 2009., p. 173).

Naquele mês de maio de 1939, havia ainda outro motivo para a coleta das receitas: contestar Gilberto Freyre. Logo na folha de rosto de Açúcar, um livro em que Freyre defende os doces de engenho como as principais contribuições do Nordeste para a cozinha brasileira, Mário rabiscou aqueles que teriam “faltado” à publicação: “falta[m] manjar branco, bons-bocados, beija-me depressa, bem-casados”. Entre os “faltantes”, estavam o manjar branco, sua controversa especialidade, e os bons-bocados, dos quais ele registrou cinco versões nas folhas datilografadas. Das receitas que selecionou dos cadernos familiares, ainda anotou cinco – bolo de noiva, suspiro, toucinho do céu, baba de moça e quindim – que também constavam do livro pernambucano.

Embora tudo isso possa ser uma coincidência, é tentador pensar nos motivos que levaram Mário, no mesmo mês em que escreveu Tacacá, a anotar receitas de doces de cadernos de mulheres de São Paulo e Minas Gerais, de maneira similar ao que tinha feito Freyre, classificando as receitas de seu livro como nordestinas. Estaria Mário pensando em aprofundar suas pesquisas para produzir, talvez, um futuro trabalho de contraponto a Açúcar?

Dentre as receitas que coletou, extraiu a de “bolo de noiva” do caderno de Dona Mariquinha; em seu exemplar de Açúcar, destacou a lápis a receita de “colchão de noiva”. A primeira levava manteiga, açúcar, 12 ovos, farinha de trigo e chocolate; a segunda, manteiga, açúcar, 8 ovos, farinha de trigo, baunilha e leite. Ambas indicavam o preparo de três ou seis fôrmas de massa, que, depois de assadas, deveriam ser montadas em camadas, uma em cima da outra, e cobertas com suspiro. Apesar da variação de nome e de certos ingredientes, a essência daquelas receitas, para alguém com noção de culinária, era muito similar.

O registro dos doces talvez correspondesse, assim, à busca de Mário pela linha que cosia as variações regionais – paulistas, mineiras ou pernambucanas – a uma tradição brasileira. Seriam nordestinas ou brasileiras, afinal, as receitas recolhidas por Freyre? A geografia das singularidades, como se viu, interessava mais a Mário do que a geografia das diferenças. No cardápio manuscrito do “ajantarado” de Natal, já citado, a menção ao vatapá servido aparecia com um adendo: “demonstração prática de que o vatapá não é somente da Bahia”, revelando, em 1928, sua intenção de superar regionalismos. Não parece descabido que as receitas de Mariquinha e Nhanhã tenham sido usadas por ele com o mesmo objetivo. Ainda que não sejam mencionados em Tacacá, os doces coletados serviram para reforçar sua discordância com Freyre.

Entretanto, em 1942, ao reeditar Tacacá com tucupi para a coletânea Os filhos da Candinha, Mário de Andrade escolheu eliminar completamente toda a introdução em que mencionava Gilberto Freyre e a leitura de Açúcar. Começou o texto já na parte em que afirma a influência de Blaise Cendrars, fazendo uma alteração significativa: o trecho “Quem me chamou uma atenção mais estudiosa para a cozinha brasileira...” teve a expressão “atenção estudiosa” substituída por “atenção pensamentosa”. Três anos após a publicação original, o meticuloso escritor quis tirar de sua atenção para a cozinha brasileira o status de “estudo”, preferindo classificá-la como um “pensamento” e excluindo a possibilidade de controvérsia com o autor pernambucano. Ao avaliar a coletânea, concluiu que as crônicas ali reunidas “não valem nada, eu sei, como força e cultura de pensamento” (CORRÊA; ANDRADE, 2009CORRÊA, Pio Lourenço; ANDRADE, Mário de. Pio & Mário: diálogo de vida inteira. Traços biográficos: Antonio Candido; introdução: Gilda de Mello e Souza; estabelecimento do texto e notas: Denise Guaranha; estabelecimento do texto, das datas e revisão ortográfica: Tatiana Longo Figueiredo. Rio de Janeiro/São Paulo: Ouro sobre Azul/Edições SESC, 2009., p. 389). Minimizava, assim, sua reflexão sobre a culinária brasileira, talvez julgando-a não suficientemente aprofundada para se opor a Freyre.

Nas décadas seguintes, a ideia de cozinha brasileira continuará a ser interpretada sobre as bases da “mistura”, mas não exatamente nos termos esboçados por Mário. Será reforçada como o produto harmonioso – não trágico – da fusão das três culturas formadoras (como selará seu amigo Câmara Cascudo, em História da alimentação no Brasil, em 1967). Mais do que isso, a cozinha brasileira será delineada nos livros de receitas de folcloristas e nos guias de turismo das décadas seguintes como o somatório de suas cozinhas estaduais, um conjunto infindável de receitas “típicas”. Se o modernismo de Mário influenciou a percepção da existência de uma cozinha brasileira, que deveria ser conhecida e valorizada, foi ofuscado em sua busca das similaridades, do peso e da leveza, que transcendia a caracterização de cada região em si. Ambígua e contraditória, a cozinha nacional era, para ele, a prova de uma cultura em ebulição, que levaria o Brasil a encontrar seu lugar no “banquete” das civilizações.

Agradeço ao professor Marcos Antonio de Moraes e à professora Telê Ancona Lopez pela leitura de versões anteriores deste texto. Sua finalização não seria possível sem as orientações e os comentários que recebi de ambos os professores.

  • 3
    Neste artigo, a expressão “cozinha brasileira” ou “culinária brasileira” refere-se às representações construídas no âmbito intelectual sobre a existência de um sistema de ingredientes e receitas que seria próprio do Brasil, em relação direta com a constituição de uma “identidade” nacional.
  • 4
    Arquivo IEB-USP. Fundo Mário de Andrade. Além das fichas organizadas a partir de temas relacionados à culinária, há mais de 150 fichas sobre cachaça, a maioria usada para o artigo “Eufemismos da cachaça”, publicado em 1944 na revista Hoje. Sobre os cardápios, ver Feliciano (2020)FELICIANO, Paula de Oliveira. Modernistas à mesa: a coleção de cardápios de Mário de Andrade (1915-1940). Dissertação (Mestrado) – Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2020..
  • 5
    É na entrada do restaurante que o grupo de modernistas posou para a fotografia já considerada “oficial” da Semana de Arte Moderna, mas feita, na verdade, em 1924 (o cardápio do almoço que a antecedeu encontra-se na coleção de Mário de Andrade). Sobre o assunto, ver CALIL, Carlos Augusto. Foto tida como ícone da Semana de 1922 foi feita em 1924. Folha de S. Paulo, 13 out. 2019. Disponível em: https://www1.folha.uol.com. br/ilustrissima/2019/10/foto-tida-como-icone-da-semana-de-1922-foi-feita-em-1924.shtml. Acesso em: 20 out. 2020.
  • 6
    Possivelmente, uma sopa de camarão.
  • 7
    Embora tenha grafado “Amazonas”, a intenção do autor era se referir à região amazônica como um todo e não apenas ao estado amazonense.
  • 8
    Sobre as discordâncias entre eles, ver Dimas (2002)DIMAS, Antonio. Barco de proa dupla. Revista USP, n. 54, p. 112-126, jun./ago. 2002. Disponível em: https://doi.org/10.11606/issn.2316-9036.v0i54p112-126. Acesso em: 02 jan. 2021.
    https://doi.org/10.11606/issn.2316-9036....
    .
  • 9
    Inspirado por sua visita à capital paraense, Mário criou, no calor da viagem, a Moda do alegre porto, que termina com o seguinte verso: “Prova tucupi! Prova tacacá!” (ANDRADE, 2015ANDRADE, Mário de. O Turista Aprendiz. Edição de texto e notas: Telê Ancona Lopez, Tatiana Longo Figueiredo, Leandro Raniero Fernandes (Col.). Brasília: Iphan, 2015., p. 192).
  • 10
    Agradeço à professora Telê Ancona Lopez por ter me chamado a atenção para essa relação.
  • 11
    Em entrevista realizada em 2019 com Carlos Augusto e Thereza Maria Andrade Camargo, sobrinhos de Mário, foram muitas as histórias vinculadas ao passado da avó e da Tia Nhanhã como doceiras. Os “doces tradicionais” servidos nas tertúlias modernistas eram feitos por elas (ANDRADE, 1974ANDRADE, Mário de. Aspectos da literatura brasileira. São Paulo: Martins Fontes, 1974., p. 239).
  • 12
    Depoimento de Rachel de Queiroz sobre Mário de Andrade no Centro Cultural São Paulo, em agosto de 1992. Acervo IEB-USP. Disponível em: https://vimeo.com/140019270. Acesso em: 8 out. 2018.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Set 2022
  • Data do Fascículo
    Ago 2022

Histórico

  • Recebido
    02 Jul 2021
  • Aceito
    17 Mar 2022
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