EDITORIAIS
Paulo R. Margotto
Doutor em Perinatologia pelo Centro Latinoamericano de Perinatologia y Desarrollo Humano (CLAP OPS/OMS)- Montevideo, Uruguai, Diretor da Divisão de Neonatologia do Hospital Materno-Infantil de Brasília (HMIB) - SES/DF, Diretor de Ensino Médico Continuado da Associação Médica de Brasília
Uma das grandes implicações clínicas da detecção de um crescimento anormal de um recém-nascido (RN) é que a terapia antes ou imediatamente após o nascimento pode reduzir a morbimortalidade perinatal, prevenindo ou reduzindo assim, o retardo físico ou mental. Para que este objetivo seja alcançado, torna-se necessário que se tenha uma curva de crescimento fetal1,2.
O estudo do crescimento fetal na espécie humana é teoricamente impossível; seria necessário uma medida precisa do peso fetal "in utero" durante a vida fetal. Com a metodologia disponível atualmente, torna-se muito difícil conhecer o crescimento embrio-fetal normal. Assim, o diagnóstico do crescimento fetal normal se baseia na comparação de medidas antropométricas do RN problema com as curvas de crescimento intra-uterino obtida de RN vivos, de diferentes idades gestacionais (estudos transversais), considerados "normais" por provirem de gestações sem patologias detectadas. Embora não seja possível a obtenção de curvas de velocidade de crescimento com estes estudos, ele provêem uma estimativa razoável do crescimento fetal3,4.
Mesmo se fosse possível medir o crescimento fetal diretamente, as curvas de crescimento fetal, provavelmente, não refletiriam um ótimo crescimento fetal, porque um ótimo peso ao nascer é aquele que está associado a uma menor mortalidade neonatal, e esta associação varia consideravelmente de um grupo étnico a outro, de uma população a outra e dentro de um mesmo grupo étnico, varia entre classes socioeconômicas3.
Na ausência de dados precisos para a avaliação do ótimo peso ao nascer, não é prudente considerar a idéia de que um peso abaixo das curvas de crescimento intra-uterino dos países desenvolvidos seja sinônimo de crescimento fetal insuficiente, uma vez que a reprodução humana, o crescimento fetal e a condição do RN são influenciados por fatores de ordem social, cultural e ambiental, que variam de uma sociedade a outra e de uma geração a outra5.
Devido à variabilidade de uma sociedade para outra de importantes determinantes do peso ao nascer, como idade materna, paridade, raça, altitude, condições socioecônomicas, nutrição, doenças intercorrentes e intervalo partal, acreditamos na necessidade de obter dados de peso ao nascer para a idade gestacional aplicáveis a nossa própria população6-15.
O estudo de Segre et al., realizado na Maternidade do Hospital Albert Einstein e publicado nesta edição do Jornal de Pediatria, comparando os seus resultados com o estudo de Williams et al.2, evidencia a atuação de fatores específicos naquela população de alto nível socioeconômico.
Quase todas as curvas de crescimento intra-uterino em função da idade gestacional têm sido construídas a partir de dados antropométricos de RN que nascem a cada idade gestacional (estudos transversais, significando que o peso de um RN ao nascer é igual ao que ele teria dentro do útero se sua gestação prosseguisse mais adiante). Por meio de estudos longitudinais prospectivos de gestantes que chegaram ao termo, não fumantes, sem patologias na gestação, com início do pré-natal precoce e bom ganho de peso, foram realizadas medidas antropométricas fetais e a predição do peso ao nascer. As medidas intra-uterinas foram maiores do que os padrões tradicionais construídos com os dados antropométricos do RN (diferenças mais evidentes nos percentis inferiores e a partir da 28ª semana)4,16.
Nos RN com idade gestacional baixa (30-32 semanas), um peso normal para a idade gestacional pode não corresponder à verdade, uma vez que os fatores que desencadeiam o parto prematuro também podem atuar sobre o crescimento e, assim, estes RN poderiam atingir 40 semanas de gestação com um peso maior ou menor17,18.
Uma causa de subestimação diagnóstica do RN com retardo do crescimento intra-uterino (RCIU) é a utilização de curvas inapropriadas de peso em função da idade gestacional. As curvas de crescimento fetal devem ser baseadas em fetos com crescimento normal, devendo assim ser excluídos RN cujas mães tiveram fatores ligados a gestação com risco de retardo do crescimento, principalmente mães fumantes, mães com pré-eclâmpsia, eclâmpsia, hemorragia no 2º e 3º trimestres, hipertensão arterial, anemia crônica, diabetes, gestação múltipla e fumantes e RN com malformação e natimortos4.
Entre os distúrbios hipertensivos que comumente ocorrem na gestação (hipertensão gestacional, pré-eclâmpsia ,eclâmpsia, hipertensão crônica e pré-eclâmpsia associada a hipertensão crônica), a pré-eclâmpsia severa e a eclâmpsia são as mais significativamente associadas à restrição do crescimento fetal (OR =1,97 95% IC: 1,43 - 2,73 e OR = 1,95 95% IC: 1,14 - 3,37, respectivamente)19.
Estudo recente relata que o fumo no 2º trimestre da gestação afeta o crescimento fetal independentemente da idade, nível socioeconômico, nível educacional e raça. Nenhuma característica parece proteger contra o efeito do cigarro no feto20.
Ao se comparar dados antropométricos, devemos usar o melhor padrão de comparação derivado da nossa população, selecionada através da exclusão de fatores que interfiram no crescimento intra-uterino, para sabermos o quanto estamos longe do padrão de excelência.
A curva de Lubchenco et al.17 é uma das curvas mais utilizadas entre nós. Apesar da sua importância histórica, foi realizada quando não se conheciam muito dos fatores que alteram o crescimento fetal. Assim, ao classificarmos nosso RN utilizando a curva de Lubchenco et al17, muitos RN pequenos para a idade gestacional (PIG) seriam classificados como RN adequados para a idade gestacional (AIG) e RN AIG seriam classificados como grandes para a idade gestacional, uma vez que valores absolutos de peso na curva de Lubchenco et al.16 são os menores já relatados na literatura, especialmente nas idades gestacionais mais avançadas.
Há uma substancial diferença nas várias curvas de crescimento intra-uterino na definição do percentil 10, que é o percentil de corte mais utilizado na definição do RN PIG. No estudo que realizamos no Centro Latinoamericano de Perinatologia y Desarrollo Humano (CLAP)21, envolvendo um número final de 4.413 RN após as exclusões de condições que afetam o crescimento intra-uterino (fumo, hipertensão, anemia, malformações, anemia crônica, hemorragia no 2º e 3º trimestres, diabetes, gestação múltipla), detectamos diferenças bastantes evidentes entre vários estudos nacionais e internacionais, chegando a 660g na semana 32, 302g na semana 36, 448g na semana 38, 590g na semana 40 e 441g na semana 42. Assim , um mesmo RN pode ser PIG em um estudo e AIG em outro, gerando resultados conflitantes no estudo de fatores de riscos para o RN com crescimento intra-uterino retardado e nos estudos de prognósticos deste RN22.
A composição racial, o nível socioeconômico, a altitude da área geográfica, o tipo de RN excluído, o método utilizado na determinação da idade gestacional (a expressiva maioria dos estudos utilizam somente a data da última menstruação) contribuem para explicar as diferenças existentes entre os vários estudos do crescimento intra-uterino.
Comentando sobre curvas de crescimento intra-uterino, Tanner18 questiona qual padrão deve ser usado em Uganda: o de Boston ou o da Inglaterra, os padrões globais de Uganda ou os padrões derivados do grupo de melhores condições identificado em Uganda. Na opinião do autor, o último é o que dever ser utilizado.
Portanto, para uma melhor definição de risco de morbimortalidade neonatal, acreditamos que a curva de crescimento intra-uterino a ser usada deveria ser derivada de uma população representativa das gestantes da região, com base na demografia, nos fatores de risco e no resultado perinatal.
- Referências bibliográficas 1. Wong KS, Scott E. Fetal growth at sea level. Biol Neonate 1975;20:175-88.
- 2. Williams RL, Creasy RK, Cunningham GC, Hawes WE, Norris FD, Tashiro M. Fetal growth and perinatal viability in Califórnia. Obstet Gynecol 1982;59:624-32.
- 3. Briend A. Normal fetal growth regulation: nutritional aspects. In: Gracey M, Falkner F, eds. Nutritional needs and assessment of normal growth. New York: Nestlé Nutrition, Vevey Koven Press; 1995. p. 1-21.
- 4. Fescina RH. Controversias en definición y classificación del retardo en el crecimiento intrauterino. Pub Cient nş 1112, CLAP/POS/OMS, 1986:17-23.
- 5. Bjerkedal T, Bakketeig L, Lehmann EH. Percentiles of birth weight single, live births at different gestation periods (based on 125485 births in Norway, 1967 and 1968). Acta Paediat Scand 1973;62:449-57.
- 6. Colaneri CSL, Correa CH. Curva de crescimento fetal na Associação Maternidade de São Paulo. Ped Prat 1977;48:78-84.
- 7. Lima GR, Segre C, Melo E, Okamura N, Donato SB. Curva de crescimento fetal - relação entre peso ao nascer e idade da gravidez. J Bras Gin 1977;84:4-9.
- 8. Tanaka ACA, Siqueira AAF, Alvarenga AT, Almeida PAM, Ciari JR. Peso ao nascer de filhos de um grupo de mulheres normais. Rev Saúde Públ São Paulo 1977;11:551-60.
- 9. Matheus M, Sala MA. Crescimento intra-uterino: Evolução da altura fetal, peso do feto, da placenta e do índice placentário, na segunda metade da gestação. Rev Ass Med Brasil 1977;23:88-90.
- 10. Midlej JMC, Brandt JAC, Jácomo AJD, Lisboa MJ. Crescimento intra-uterino. Bol of Sanit Panam 1978;85:137-45.
- 11. Ramos JLA. Avaliação do crescimento intra-uterino por medidas antropométricas do recém-nascido [tese]. São Paulo: Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; 1983.
- 12. Brenelli MA, Martins Filho J. Curvas de crescimento intra-uterino da população de nascidos vivos na maternidade do CAISM - Unicamp. J Pediatr (Rio J) 1992;68:21-5.
- 13. Margotto PR. Curvas de crescimento intra-uterino estudo de 4413 recém-nascidos únicos de gestações normais. J Pediatr (Rio J) 1995;71:11-21.
- 14. Lopes JM. Crescimento fetal e neonatal. Por que não utilizar curvas nacionais? [Editorial] J Pediatr (Rio J) 1995;71:3-4.tilde;o utilizar curvas nacionais? [Editorial] J Pediatr (Rio J) 1995;71:3-4.
- 15. Tavares RFS. Estudo do crescimento intra-uterino de recém-nascidos normais. J Pediatr (Rio J) 1998;74:205-12.
- 16. Ott WJ, Doyle S. Normal ultrasonic fetal weight curves. Obstet Gynecol 1982;59:603.
- 17. Lubchenco LO, Hansman C, Dressler M, Boud E. Intrauterine growth as estimated from liveborn birth weight data at 24 to 42 weeks of gestation. Pediatrics 1963;32:793-800.
- 18. Tanner JM. Standards for birth weight on intrauterine growth (commentary). Pediatrics 1970;46:1-6.
- 19. Xiong X, Mayes D, Demianczuk N, Olson DM, Davidge ST, Newburn- Cook C, Saunders LD. Impact of pregnancy-induced hypertension on fetal growth. Am J Obstet Gynecol 1999;180:207-13.
- 20. Sprauve ME, Lindsay MK, Drews-Botsch C, Graves W. Racial patterns in the effect of tabacco use on fetal growth. Am J Obstet Gynecol 1999;181:522-7.
- 21. Margotto PR. Crescimento intra-uterino. Percentis de peso, estatura e perímetro cefálico ao nascer de recém-nascidos únicos de gestações normais e seus correspondentes pesos placentários em diferentes períodos gestacionais [tese]. Montevideo, Uruguai: Centro Latinoamericano de Perinatología y Desarrollo Humano (CLAP-OPS/OMS); 1992.
- 22. Goldenberg RL, Cutter GR, Hoffman HJ, Foster JM, Nelson KG, Hauth JC. Intrauterine growth retardation: Standards for diagnosis. Am J Obstet Gynecol 1989;161:271-7.
Curvas de crescimento intra-uterino: uso de curvas locais
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
27 Ago 2008 -
Data do Fascículo
Jun 2001