Acessibilidade / Reportar erro

Acompanhamento do crescimento

Monitoring growth

Resumos

OBJETIVO: apresentar conceitos relacionados à avaliação do crescimento, ressaltando os aspectos da avaliação do indivíduo. FONTES DOS DADOS: o artigo foi desenvolvido tomando como base as publicações que discutem a aplicação da antropometria na avaliação do estado nutricional, publicadas pela OMS, artigos originais e capítulos de livros com esse mesmo conteúdo, e as críticas que os auxologistas fazem a esse tipo de avaliação, quando aplicadas individualmente. SÍNTESE DOS DADOS: são apresentados conceitos de referência, maturidade esquelética, alvo parental, escore z, baixa estatura, velocidade de crescimento, índice de massa corporal e seus pressupostos e limitações. CONCLUSÕES: a avaliação do estado nutricional de populações baseia-se em pontos de corte, partindo do pressuposto de que quem está abaixo ou acima daquele ponto apresenta um problema nutricional. A avaliação clínica baseia-se na idéia de variabilidade, e que esta pode ser tanto biológica quanto social, e cabe ao clínico estabelecer se a criança está dentro ou fora de determinados parâmetros e se tem um crescimento, ou um diagnóstico nutricional, normais. Ao acompanhar o crescimento de uma criança ou adolescente, o parâmetro mais importante a ser considerado é a velocidade de crescimento.

crescimento; antropometria; curva de crescimento; maturação; estado nutricional; baixa estatura; obesidade


OBJECTIVE: to present concepts related to growth assessment, with emphasis on aspects concerning the evaluation of individuals. SOURCES OF DATA: the present paper is based on reports published by the WHO regarding the use anthropometry for the assessment of nutritional status; on original articles; and on book chapters about the same topic, as well as on the criticisms of auxologists of this type of assessment when employed at the individual level. SUMMARY OF THE FINDINGS: concepts concerning reference, skeletal maturity, mid-parental target height, z score, short stature, growth rate, body mass index, and their assumptions and limitations are presented. CONCLUSIONS: the assessment of the nutritional status of a population is based on cut-off points, taking into consideration that whoever is below or above that point presents a nutritional problem. Clinical evaluation is based on the idea of variability, which can be both biological and social, and on the idea that it is the clinician's task to establish whether a child within or outside given parameters presents normal growth and nutritional status. When monitoring the growth of a child or adolescent, the most important parameter to be considered is growth rate.

growth; anthropometry; growth curve; maturation; nutritional status; short stature; obesity


ARTIGO DE REVISÃO

Acompanhamento do crescimento

Monitoring growth

Angélica M.B. ZeferinoI; Antonio A. Barros FilhoII; Heloisa BettiolIII; Marco A. BarbieriIV

IProfessora Assistente Doutora, Departamento de Pediatria, Faculdade de Ciências Médicas, UNICAMP (FCM/UNICAMP)

IIProfessor Assistente Doutor, Departamento de Pediatria/FCM/UNICAMP

IIIProfessora Assistente Doutora, Departamento de Puericultura e Pediatria, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, USP (FMRP/USP)

IVProfessor Titular, Departamento de Puericultura e Pediatria/FMRP/USP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Dr. Antonio de Azevedo Barros Filho. Departamento de Pediatria/F CM/UNICAMP Caixa Postal 6111 CEP 13084-973 - Campinas, SP Fone/fax: (19) 3788.7193 - 3788.7322 E-mail: abarros@fcm.unicamp.br

RESUMO

OBJETIVO: apresentar conceitos relacionados à avaliação do crescimento, ressaltando os aspectos da avaliação do indivíduo.

FONTES DOS DADOS: o artigo foi desenvolvido tomando como base as publicações que discutem a aplicação da antropometria na avaliação do estado nutricional, publicadas pela OMS, artigos originais e capítulos de livros com esse mesmo conteúdo, e as críticas que os auxologistas fazem a esse tipo de avaliação, quando aplicadas individualmente.

SÍNTESE DOS DADOS: são apresentados conceitos de referência, maturidade esquelética, alvo parental, escore z, baixa estatura, velocidade de crescimento, índice de massa corporal e seus pressupostos e limitações.

CONCLUSÕES: a avaliação do estado nutricional de populações baseia-se em pontos de corte, partindo do pressuposto de que quem está abaixo ou acima daquele ponto apresenta um problema nutricional. A avaliação clínica baseia-se na idéia de variabilidade, e que esta pode ser tanto biológica quanto social, e cabe ao clínico estabelecer se a criança está dentro ou fora de determinados parâmetros e se tem um crescimento, ou um diagnóstico nutricional, normais. Ao acompanhar o crescimento de uma criança ou adolescente, o parâmetro mais importante a ser considerado é a velocidade de crescimento.

Palavras-chave: crescimento, antropometria, curva de crescimento, maturação, estado nutricional, baixa estatura, obesidade.

ABSTRACT

OBJECTIVE: to present concepts related to growth assessment, with emphasis on aspects concerning the evaluation of individuals.

SOURCES OF DATA: the present paper is based on reports published by the WHO regarding the use anthropometry for the assessment of nutritional status; on original articles; and on book chapters about the same topic, as well as on the criticisms of auxologists of this type of assessment when employed at the individual level.

SUMMARY OF THE FINDINGS: concepts concerning reference, skeletal maturity, mid-parental target height, z score, short stature, growth rate, body mass index, and their assumptions and limitations are presented.

CONCLUSIONS: the assessment of the nutritional status of a population is based on cut-off points, taking into consideration that whoever is below or above that point presents a nutritional problem. Clinical evaluation is based on the idea of variability, which can be both biological and social, and on the idea that it is the clinician's task to establish whether a child within or outside given parameters presents normal growth and nutritional status. When monitoring the growth of a child or adolescent, the most important parameter to be considered is growth rate.

Key words: growth, anthropometry, growth curve, maturation, nutritional status, short stature, obesity.

Introdução

A avaliação do crescimento é um importante instrumento para se conhecer a saúde, tanto individualmente, quanto coletivamente. Villermé, em 1828, já reconheceu a influência ambiental sobre o crescimento. Percebeu que as condições sociais não apenas interferiam na altura final dos soldados do exército de Napoleão, segundo sua procedência, se de bairros pobres ou mais abastados, mas reconheceu a influência dessas condições sobre o ritmo de crescimento, hoje chamado de maturação. Essa observação não foi aceita prontamente e, durante o século dezenove, autores de diferentes países e de diferentes formações discutiam se o crescimento era resultado da herança genética, das condições sociais ou da influência geográfica1. Atualmente aceita-se amplamente que o crescimento é condicionado pela herança genética (transmitida pelos pais, não pelo grupo étnico), mas que é fortemente influenciado pelo ambiente, visto aqui, não apenas fisicamente (clima, altitude), mas também socialmente, principalmente no que se refere às doenças e à nutrição. É a partir do reconhecimento da importante influência que as condições de vida exercem sobre o crescimento que os organismos internacionais de saúde, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), e nacionais, como o Ministério da Saúde (MS) e a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), preconizam o acompanhamento do crescimento como atividade de rotina na atenção à criança2-5. No entanto, essa avaliação, embora recomendada há mais de trinta anos, ainda é motivo de confusão entre profissionais de saúde, principalmente no que concerne à avaliação individual. Essa confusão se dá, no entender dos autores, porque a literatura apresenta duas abordagens simultaneamente, sem levar em conta que elas têm lógicas e pressupostos diferentes: a avaliação da situação nutricional de populações e avaliação da situação nutricional do indivíduo, ou seja, na perspectiva epidemiológica e na perspectiva clínica. Essas duas visões têm gerado discussões e publicações que nem sempre estão ao alcance do pediatra, mas que se refletem no uso equivocado dos conceitos na prática cotidiana. O objetivo deste artigo é apresentar aspectos dessas duas concepções, chamando a atenção para onde elas se aplicam.

Metodologia

Este artigo se baseia nos textos que mais influenciaram os conceitos atuais sobre a avaliação do crescimento, principalmente os resultantes de encontros de especialistas convocados pela OMS e por autores que contestam essas propostas6-8 e preconizam outras formas de avaliação nutricional. Também será feita referência à proposta de Morley9,10, que deu origem à forma atual de como é a avaliação do estado nutricional das crianças abaixo de cinco anos de idade. Os diferentes aspectos serão apresentados por tópicos, chamando a atenção para as suas peculiaridades, e, no final, serão apresentados de forma integrada, procurando destacar o que diferencia uma avaliação da outra.

Classificação do estado nutricional

Gómez, em 194611, propôs uma classificação internacionalmente reconhecida pelo seu nome. Pediatra responsável por uma enfermaria de crianças desnutridas, ao investigar o prognóstico e o tempo de recuperação de seus pacientes, descreveu-os usando um critério que fosse objetivo, e não tivesse como base apenas o quadro clínico. Para isso, adotou o percentil 50 do peso da curva de Stuart & Meredith, a mais conhecida na época. Essa proposta foi se difundindo a ponto de, durante as décadas de 60/70, praticamente todos os países apresentarem dados de avaliação nutricional usando esse critério. Com sua aplicação nos mais diferentes contextos, começaram a surgir alguns problemas, dos quais três foram os mais importantes: em várias localidades onde a desnutrição era altamente prevalente, não havia como se obter a idade das crianças; como a avaliação era baseada no peso, muitas crianças na verdade eram leves para a idade porque eram baixas; e um terceiro aspecto, motivo de muita disputa, se referia a qual curva utilizar, mas este aspecto será discutido na próxima seção.

Dessa forma procurou-se propor critérios independentes da idade. A medida da circunferência do braço é razoavelmente independente da idade entre seis meses e quatro anos de idade, mas não informa sobre a cronicidade do quadro, sendo utilizada praticamente em situações de emergência. A relação peso/altura, que foi inicialmente pensada como independente da idade, acabou revelando que não o era. No início dos anos 70, uma nova proposta de avaliação nutricional foi delineada12,13. Essa nova proposta, com concepção diferente da de Gómez, era mais complexa. Considerava o peso para a altura, para o diagnóstico de desnutrição aguda, e a altura para a idade, para a desnutrição crônica (ou pregressa). A OMS recomenda a utilização das palavras inglesas, que são descritivas e não diagnósticas (wasted = emaciação; stunted = baixa estatura)4. O problema da idade não foi resolvido, mas passou-se a distinguir dois processos de desnutrição, um de caráter recente (wasted, ou wasting se estiver em atividade) e outro crônico (stunted ou stunting se estiver em atividade). Com relação a este último índice, é preciso fazer um adendo. O processo que leva à baixa estatura se dá nos três primeiros anos de vida 14, de modo que, se um grupo de crianças é avaliado até três anos pode-se dizer que é uma desnutrição crônica, e somente após essa idade se pode dizer pregressa.

Dessa forma, para se fazer avaliação nutricional, na perspectiva de se detectar desnutrição, existem esses três índices: peso para a idade, peso para a altura e altura para a idade. No entanto, há uma questão a ser discutida: que ponto de corte deve-se adotar?

As investigações também apontaram que o uso da porcentagem de afastamento da mediana, como proposto por Gómez, não levava em conta a variabilidade das medidas do peso e altura em relação à idade.

A OMS patrocinou uma reunião15 em que foram estabelecidos critérios que vigoram até hoje para avaliação nutricional. Deve-se utilizar o peso para a altura e a altura para a idade como índices e, como pontos de corte, não mais a porcentagem de afastamento da mediana, mas sim conceitos da estatística, tais como percentis e desvios padrão (ou escore z).

Com a observação, a partir do início dos anos 80, do aumento da prevalência da obesidade, principalmente nos Estados Unidos e na Europa, passou-se a utilizar outro índice antropométrico, referido como índice de massa corporal (IMC) ou de Quetelet, que foi quem o propôs originalmente no século 19. O IMC é calculado pelo peso em quilos dividido pela altura em metros elevada ao quadrado16. Como é dependente da idade, para crianças e adolescentes, é necessário o uso de curvas específicas.

Padrão ou referência

Erro bastante comum na avaliação do crescimento é usar as curvas de crescimento como se fossem padrões. Embora vários autores tenham chamado a atenção para esse aspecto, freqüentemente comete-se esse erro. Todo padrão é uma referência, mas nem toda referência é padrão. Padrão é algo a que todos têm que se igualar, referência serve para se fazer comparações. No Brasil, ainda existe o erro de se usar a expressão padrão de referência. Além da redundância lingüística, essa expressão reforça o erro de se considerar a curva do National Center for Health Statistics-NCHS (1977)17 como padrão. Dessa forma, deve-se ressaltar que, qualquer curva que se utilize, seja para fazer o diagnóstico nutricional de populações ou para avaliar o crescimento individual, ninguém vai seguir um padrão exatamente igual ao da curva adotada.

Curvas de Crescimento

Tanto a avaliação do estado nutricional quanto a do crescimento são feitas por comparação a uma curva de referência. Mesmo a mãe, quando traz o filho para a consulta, apresenta a queixa em termos de comparação: o filho é o menor da classe, é mais baixo que os primos, uma irmã mais nova está crescendo mais do que o filho. Os profissionais da área da saúde fazem comparações com as curvas de referência.

Existem duas formas principais para a construção de curvas de referência: pelo método transversal e pelo método longitudinal. Existe um terceiro método, híbrido, chamado longitudinal misto, mais complexo, utilizando dados transversais e longitudinais. Cada método tem vantagens e desvantagens. O método transversal é o mais utilizado, por ser mais barato e rápido. As curvas são elaboradas a partir de medidas tomadas uma única vez, de uma amostra de determinada população de um país, região ou cidade, e, a partir daí, elabora-se a distribuição dos valores médios e de dispersão. Construídas dessa forma são as do NCHS17 e as de Marques et al.18,19, por exemplo (Tabela 1). No método longitudinal, os dados são tomados do mesmo grupo de pessoas, desde o nascimento até a adultícia. Esse método permite elaborar curvas de velocidade de crescimento, e a avaliação da velocidade de crescimento é o melhor parâmetro para se detectar se uma criança está crescendo adequadamente. No entanto, esse método demanda longo tempo de seguimento. Dessa forma, para a avaliação do crescimento na clínica, este tipo de curva seria o mais indicado. Até o momento, só existe uma curva de crescimento que contemple esse princípio, que é a curva de Tanner et al.21,22 (Tabela 1).

Para estabelecer valores de acordo com a idade, são utilizados dois procedimentos estatísticos: média e desvio padrão, ou mediana e percentis. A altura apresenta distribuição gaussiana (normal), o que caracteriza que média e mediana apresentem valores próximos, e que os dois lados da distribuição, acima e abaixo da média, também apresentem áreas assemelháveis. A distribuição do peso, do peso para a altura e do IMC não é do tipo gaussiana. Essa característica faz com que média e mediana sejam diferentes, assim como o uso do desvio padrão vai provocar distorções nos limites extremos da avaliação, caindo o valor de -2DP abaixo do percentil 3, o que pode subestimar baixo peso, e de outro lado, caindo abaixo do percentil 97, também subestimando sobrepeso. Como a recomendação para a avaliação do crescimento e do estado nutricional é para se usar o escore z ou unidades de desvio padrão, haveria distorções na avaliação. Para resolver esse problema, no cálculo do escore z no programa desenvolvido pelo NCHS e presente no programa de computador Epi-Info, foram calculados desvios padrão diferentes para a distribuição do peso e do peso para a altura, abaixo e acima da média. Esse cálculo é uma adaptação, considerando que na verdade eram duas distribuições normais que se justapunham. Assim, para esses dois índices antropométricos, foram elaboradas tabelas com desvios padrão diferentes.

Embora útil e prática, essa adaptação não é correta. Cole propõe uma nova forma de se elaborar essas distribuições, conhecida como LMS, que leva em consideração essa diferença na distribuição e corrige por intermédio de transformação logarítmica dos valores reais, antes de se elaborar a distribuição. Assim foram elaboradas as novas curvas do Center for Diseases Control (CDC)23 e da Inglaterra24.

Monitorização do crescimento

No início dos anos 80, com a proposta das ações básicas de saúde, o MS passou a distribuir o "cartão da criança". Além de informações sobre datas de retorno e calendário vacinal, ele trazia uma curva de crescimento em peso, do nascimento até a idade de cinco anos. Tal proposta era uma adaptação das propostas originais de Morley9 e Morley e Woodland10. Morley propôs que o acompanhamento do peso poderia informar se uma criança estava apresentando problema nutricional antes que a desnutrição se tornasse clinicamente evidente. Dessa forma o agente de saúde poderia tomar providência com bastante antecedência. Essa curva, denominada "caminho da saúde", foi elaborada segundo alguns princípios práticos: para ser usada por agentes de saúde onde havia escassez de médicos, com pouca capacidade de leitura e escrita; e em locais onde as populações mudavam com freqüência. Daí o desenho ser com intervalos grandes, sem diferenciar por sexo; o cartão deveria ficar com a família, não no serviço de saúde. Essa proposta teve o grande mérito de chamar a atenção das autoridades de saúde de diferentes países sobre a importância da avaliação periódica do crescimento das crianças, a ponto da OMS encampá-la, fazendo sua própria proposta. Sua versão segue basicamente os mesmos princípios, mas diferenciando por sexo. Como se trata de uma curva transversal, ela não apresenta curva de velocidade de crescimento. Esta é inferida a partir da inclinação da curva que a criança apresenta. Se ela acompanha o desenho, a criança está indo bem; se está paralela ao eixo do x, a criança está em risco; se está descendente, a criança está em franco processo de desnutrição. Note que o diagnóstico é baseado na inclinação da curva e não no ponto onde ela se encontra. Trata-se de uma visão longitudinal, uma avaliação que pressupõe o seguimento da criança. Assim, uma criança pode estar abaixo do limite inferior da referência, mas, ao reavaliá-la dias após, apresenta uma inclinação que indica crescimento. O diagnóstico é de criança pequena, podendo ser seqüela de um processo anterior ou não. Outra, entretanto, pode estar acima do limite inferior, mas com a curva paralela ao eixo do x, o que mostra velocidade de ganho de peso zero, indicando sinal de alerta. E outra ainda com valores acima do percentil 50 (por exemplo), mas com inclinação descendente, indicando perda de peso, caminhando para desnutrição. É preciso ter em mente que, neste caso, o diagnóstico não é feito a partir de um ponto de corte na curva, mas sim como a criança cresce. Esse é um dos equívocos cometidos pelas Secretarias de Saúde quando estabelecem pontos de corte para prover recursos para a recuperação nutricional. O cartão que o MS fornece utiliza as curvas do NCHS17. No estado de São Paulo, a situação é estranha, pois os cartões são fornecidos pelo MS, e os gráficos de crescimento que constam dos prontuários da rede pública são elaborados com os dados de Marques et al18.

Outra forma de monitorização de crescimento é a avaliação da altura tomada em diferentes momentos, como os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), de 1975, e os da Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição (PNSN), de 1989. Eles mostram por diferentes formas de análise que a situação nutricional da população brasileira melhorou. Estudos de tendência secular são uma forma de verificar como anda a situação nutricional, de saúde e inclusive social, de uma população25.

Velocidade de crescimento

É importante ter em mente que não se faz diagnóstico de problema de crescimento em uma única consulta. O que se pode inferir, nesse caso, é que o paciente apresenta baixa estatura ou, quando lactente, que tem baixo peso. Baixa estatura ou baixo peso para a idade refere-se a um valor abaixo de um determinado ponto de corte, que pode ser abaixo do percentil 3, como é o caso da curva de Tanner, abaixo do percentil 5, como na curva do NCHS, ou até abaixo do percentil 10, como os neonatologistas usam na curva de Lubchenco. Estar abaixo de um determinado ponto de corte não significa, necessariamente, que o paciente tem problema de crescimento, e esses pontos de corte são arbitrários. Os limites inferior e superior das curvas de referência são estimados dependendo do tamanho da amostra avaliada quando da sua construção. Com os recursos estatísticos atuais, é possível calcular percentis mais extremos, mas à época em que essas curvas foram construídas, isso não era possível. Sempre devemos lembrar que percentil 3 significa que três por cento das pessoas normais estão abaixo daquele valor. Dessa forma, muitas crianças que procuram o médico por baixa estatura são na verdade variantes extremos da normalidade (cerca de 80% das crianças com baixa estatura). O que aponta para problema de crescimento é a velocidade de crescimento. Velocidade significa espaço dividido pelo tempo. Em crescimento isso se traduz em altura ganha em determinado intervalo de tempo. Os pediatras trabalham com esse conceito cotidianamente, talvez sem se dar conta. Quando se afirma que um lactente ganha 30g/dia no primeiro trimestre de vida, está se aplicando o conceito de velocidade. Em altura ocorre o mesmo. A criança cresce em média 25 cm no primeiro ano, sendo 15 cm no primeiro semestre e 10 cm no segundo. Já no segundo ano inteiro, a criança cresce 10 cm, e, a partir dos dois anos de idade, cresce entre 5 e 7 cm por ano até o início da puberdade, quando a velocidade de crescimento torna a aumentar, atingindo um pico médio de velocidade de 9 cm/ano para a menina e 10 cm/ano para o menino. Como o ganho em estatura é pequeno, medidas tomadas em curto prazo podem ser mascaradas pelo erro do medidor (quando realizadas por períodos muito curtos). Assim, recomenda-se que medidas de estatura sejam feitas com, pelo menos, três meses de intervalo. O cálculo é feito com o tempo decimalizado; assim, três meses equivalem a um quarto do ano (0,25). Se nesse período uma criança de quatro anos de idade cresceu 1,5 cm, dividindo-se esse ganho por 0,25, tem-se velocidade de 6 cm/ano, dentro do esperado para a idade. Para uma avaliação mais precisa, seria interessante usar os gráficos de Tanner e Whitehouse 22, que apresentam curvas de crescimento desde o nascimento até a adultícia. Como as curvas do NCHS17 e as do CDC23 não têm curvas de velocidade de crescimento, uma forma alternativa, proposta por Cole26, seria calcular o escore z da primeira e da segunda medida, e depois subtrair o primeiro do segundo. Se a diferença for maior que zero, significa velocidade em ascensão; se for igual a zero, a velocidade está estável; se for menor que zero, ela está descendente. Lembre-se que nem sempre a velocidade é ascendente. Nos dois primeiros anos de vida, ela é descendente, depois ela fica estável; em alguns casos, fica descendente novamente próxima ao estirão da puberdade, ascendente na primeira parte da puberdade e descendente na segunda parte, até atingir velocidade zero na adultícia. Valores de velocidade abaixo do percentil 10 são considerados de risco, já que 80% das crianças abaixo desse valor apresentam algum problema.

Alvo parental (canal familiar)

Outro aspecto importante na avaliação clínica do paciente com queixa de problema de crescimento é a determinação do alvo parental27. Este conceito é muito relevante, pois relativiza a altura da criança à altura dos pais. Deve-se medir a altura do pai e da mãe, porque esses dados, quando obtidos por informação da mãe ou do pai, freqüentemente são errados. Estabelece-se o alvo parental acrescentando-se 13 cm na altura da mãe, se o paciente avaliado for menino, ou subtraindo-se 13 cm da altura do pai, se for menina. Após essa transformação, calcula-se a média da altura dos dois e registra-se no gráfico. Se o paciente for menino, acrescenta-se 10 cm acima e 10 cm abaixo, determinando assim o intervalo da altura em que 95% dos filhos desse casal devem atingir na idade adulta. Se for menina, soma-se e se subtrai 9,0 cm, para se estabelecer essa margem (Tabela 2). O valor de 13 cm é proposto por ser a diferença das alturas médias, na adultícia, entre o homem e a mulher.

Maturação

Assim como existe diferença na altura das pessoas em cada idade, também existe diferença no ritmo de crescimento. Isto é, algumas crianças crescem mais depressa, outras mais devagar. A época em que esse aspecto se torna mais nítido é na puberdade. Aqui vale chamar a atenção para dois conceitos que são freqüentemente usados como sinônimos, mas que, embora em determinado momento sejam concomitantes, são totalmente diferentes: puberdade e adolescência. Puberdade é um fenômeno biológico, caracterizado pelas transformações físicas e fisiológicas que ocorrem entre nove e quinze anos de idade, com o desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários e o estabelecimento da capacidade reprodutora. Já adolescência é um fenômeno biopsicossocial que, embora se inicie durante a puberdade, pode manter-se por mais tempo, envolvendo a maturação do indivíduo em termos de comportamento psicológico e social. Assim, uma pessoa de 16 anos pode ser considerada adolescente, mas já ser adulta do ponto de vista físico. Já cresceu o que estava geneticamente determinado e está sexualmente madura para o exercício da sexualidade, biologicamente falando. Pelo fato da definição de adolescência não ser precisa, do ponto de vista de seu início e término, é um conceito que pode criar confusão. No Brasil, convivemos com duas definições de adolescência: uma do Estatuto da Criança e do Adolescente, que define como adolescente a pessoa entre 12 e 18 anos, e a da OMS, que define entre 10 e 20 anos. De qualquer forma, para a avaliação do crescimento, é mais seguro trabalhar com o conceito de puberdade.

Inicialmente chamava a atenção que algumas crianças atrasavam o início da puberdade, e ao se definir que esse atraso não era resultado de comprometimento da saúde, denominava-se atraso constitucional do crescimento e puberdade. No entanto, embora este fenômeno seja mais nítido à época da puberdade, ele já pode ocorrer desde o início da vida da criança (2-3 anos). A diferença mais nítida se observa entre os sexos, pois as meninas já nascem mais maduras que os meninos, e seu estirão da puberdade ocorre em média dois anos antes, atingindo o tamanho adulto dois anos antes que os meninos. O fato de iniciarem o estirão dois anos antes, numa época em que a velocidade de crescimento está em torno de 5,5 cm/ano, mais uma velocidade de crescimento 2 cm/ano maior durante o estirão puberal, explica, teoricamente, a diferença média de 13 cm entre o homem e a mulher, usada para o cálculo do alvo parental.

A maneira que os auxologistas usam para avaliar a maturação biológica, para verificar se uma criança tem um ritmo de crescimento mais rápido (maturador rápido) ou mais lento (maturador lento) é pela determinação da maturidade esquelética (ou idade óssea). Existem vários métodos para avaliar a maturidade esquelética, mas os mais usados são o de Greulich-Pyle28 e o TW229. Ambos avaliam o desenvolvimento ósseo da mão e punho esquerdos. O método de Greulich-Pyle é o mais conhecido e difundido, e consiste em um Atlas com fotos de radiografias da mão e punho, com o qual o profissional compara a do seu cliente e atribui a idade óssea, considerando aquela que mais se aproxima da investigada. Já o método TW2 consiste em um sistema de pontuação, em que 20 ossos da mão e punho esquerdos são avaliados individualmente e atribuídos uma letra que indica um estágio maturacional. Cada estágio recebe uma pontuação, e a soma da pontuação leva a um número total. Esse valor é verificado em uma tabela, na qual é atribuída a idade maturacional. O método TW2 é também desdobrado em outros dois, mais rápidos, de acordo com a necessidade do serviço, o RUS (Radio, Ulna e Short Bones) e o Carpal (avalia somente os ossos do carpo), seguindo o mesmo princípio, mas com pontuações próprias e tabelas específicas.

O método mais recomendado pelos auxologistas é o TW2, que foi concebido para que o avaliador preste atenção em cada osso, fazendo uma avaliação mais cuidadosa; por simplicidade e maior divulgação, o mais usado internacionalmente é o de Greulich-Pyle. De qualquer forma, cada um dá informações com algumas diferenças, pois foram elaborados com radiografias de mão obtidas em épocas e com populações diferentes. No Brasil, é preciso lembrar que muitos serviços não possuem nenhum dos dois atlas, e os radiologistas emitem pareceres comparando as radiografias com esquemas publicados em livro-texto. Além disso, se deve ter em conta que ambos são baseados em radiografia de mão e punho esquerdos e, para que o diagnóstico da idade óssea seja o mais fidedigno possível, é preciso que sejam apenas radiografados a mão e o punho esquerdos, e não as duas mãos como freqüentemente ocorre, o que aumenta muito a possibilidade de avaliação equivocada.

Obesidade, hipertireoidismo e uso de hormônios sexuais adiantam a idade óssea, mas a maioria das doenças a atrasa. Doenças crônicas (como cardiopatias, nefropatias), desnutrição, deficiência de GH e hipotireoidismo são doenças que podem causar grandes atrasos da idade óssea. Na atividade clínica, determina-se o número de desvios padrão da idade óssea em relação à idade cronológica, aceitando-se dois desvios padrão, para mais ou menos, para se considerar, respectivamente, atraso ou adiantamento da idade óssea28,29. Mas é importante chamar a atenção para um aspecto, se duas crianças com a mesma idade cronológica e mesma estatura apresentam idades ósseas diferentes, por exemplo, uma com um ano a mais e outra com um ano a menos, isso significa que a que apresentar a idade óssea atrasada irá iniciar a puberdade mais tarde e que terá maior possibilidade de atingir a adultícia mais alta.

Avaliação da puberdade

Essa é tarefa delicada, mas pode ser bastante recompensadora. Delicada porque a família que procura atendimento está ansiosa sobre o atraso do desenvolvimento do filho, e recompensadora quando o profissional esclarece as dúvidas, explica as diferenças de cada indivíduo, que o filho está dentro da normalidade, e a puberdade se realizará no momento apropriado. Como já referido, existem pessoas que começam a puberdade aos nove anos de idade, eventualmente até antes, e outras aos quinze ou dezesseis anos, sem que isso, em princípio, implique em doença. Assim, pode-se ter, aos catorze anos de idade, um menino ainda pré-púbere, um outro que está no meio da puberdade e outro já adulto. O mesmo pode acontecer com a menina, com idade ainda menor.

Geralmente, a puberdade da menina começa pelo surgimento do botão mamário, seguido pelo estirão da estatura. A menarca é um evento que ocorre no fim da puberdade, quando a velocidade de crescimento está decrescendo. Após a menarca, a menina ainda cresce em média 7,5 cm, podendo variar de 3 a 17 cm30. A puberdade do menino começa pelo aumento dos testículos. Considera-se o início da puberdade quando o volume testicular está em 4 cm3 , e o estirão puberal ocorre quando os testículos atingem de 8 a 10 cm3 . Assim, se o menino apresentar qualquer aspecto do desenvolvimento puberal, sem o concomitante aumento do testículo, deve-se procurar um tumor que está induzindo as alterações.

Na avaliação do desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários, utilizam-se os critérios divulgados por Tanner31, apresentados na Tabela 3.

Avaliação do crescimento e classificação da baixa estatura

Muitas doenças que afetam o crescimento acompanham-se de outras alterações físicas, freqüentemente identificáveis ao exame clínico (síndromes de Down e Turner, mucopolissacaridoses, displasias ósseas, etc). O problema ocorre quando o paciente não apresenta outros estigmas, o único achado é a baixa estatura. As causas mais freqüentes de baixa estatura na infância são variações extremas da normalidade; nesses casos, a velocidade de crescimento é normal. No Brasil, outra causa freqüente de baixa estatura é a desnutrição crônica, sendo esta de manifestação pré-natal ou pós-natal. A história pode fornecer dados sobre o peso e o comprimento ao nascer, e/ou sobre a história alimentar e sobre as condições de vida e de moradia da família da criança. O exame físico revelará se apresenta sinais clínicos sugestivos de alguma doença que possa estar prejudicando o crescimento da criança. Doenças crônicas costumam interferir no crescimento, comprometendo a estatura ou retardando a idade óssea. Neste caso, a estatura na adultícia pode não ser afetada, implicando apenas no atraso de atingir a altura final.

Deve-se obter a altura do paciente e de ambos os pais, depois calcular o alvo parental que dá idéia do seu canal de crescimento. Como dito anteriormente, crescer é um processo dinâmico, de modo que não se deve dizer que uma criança não está crescendo bem com uma única avaliação. Se a criança estiver abaixo do percentil 3, apresenta baixa estatura. De modo geral, diagnóstico de problema de crescimento não é urgente, e se convenciona rever o paciente três meses depois, para o cálculo da velocidade de crescimento, este sim, o parâmetro mais importante para se estabelecer o diagnóstico de que a criança não está crescendo de forma apropriada. Na nova consulta, também se avalia a idade óssea.

Várias propostas de classificação das baixas estaturas têm sido feitas por diferentes autores32-39, e até o presente momento não existe um consenso sobre uma classificação ideal. Alguns critérios têm sido utilizados, tais como etiologia, patogênese, ausência ou não de proporcionalidade dos segmentos corporais, congênita ou adquirida. A maioria das classificações utiliza o critério etiológico, com muita ênfase às patologias. A justificativa para este fato gira em torno do diagnóstico precoce de causas tratáveis da deficiência de crescimento.

Em relação à baixa estatura sem causas patológicas, a variação é pequena entre os autores, e os dois grupos mais citados são descritos a seguir.

Baixa estatura familiar (genética)

Crianças que crescem abaixo do percentil 3 com velocidade de crescimento normal, cuja trajetória de crescimento vai ao encontro do canal familiar. Os pais são baixos (um ou ambos) e uma parte variável do canal familiar vai estar abaixo do percentil 3; portanto, essas crianças podem permanecer com baixa estatura na vida adulta. Não há atraso da idade óssea, e a puberdade e o estirão puberal ocorrem na idade cronológica usual.

Baixa estatura constitucional

É também chamada de atraso constitucional do crescimento e maturação. Essas crianças nascem com tamanho normal, apresentam uma desaceleração do crescimento no primeiro ou segundo ano de vida, mantendo-se abaixo do percentil 3, com velocidade normal durante toda a infância. Apresentam um atraso significativo da idade óssea e o início da puberdade, o desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários e o estirão também atrasam. Os pais não são baixos e o canal familiar encontra-se acima do percentil 3, com potencial normal para estatura final. Freqüentemente há uma história de atraso puberal na família.

Vários autores sugerem a combinação dos dois grupos acima32-34,37-41 (baixa estatura constitucional/atraso constitucional do crescimento com componente familiar), em que as crianças se encontram abaixo do percentil 3 da curva de Tanner & Whitehouse22, possuindo idade óssea atrasada em relação à idade cronológica e estando dentro do canal familiar, mas há poucas referências sobre a combinação do componente familiar para baixa estatura e atraso do crescimento e da maturação, como um grupo isolado36,41, e não há informação em relação aos eventos puberais e à estatura final neste grupo.

Outros diagnósticos de variantes normais de baixa estatura também não estão presentes em todas as classificações. Além da desnutrição já referida, alguns autores incluem o baixo peso de nascimento32,34,36-38,41, e as causas incertas ou idiopáticas32,36,37,39.

A Figura 1 apresenta um algoritmo de decisão com respeito ao diagnóstico de baixa estatura.


Avaliação da obesidade

A partir da década de 1980, começou-se a ter consciência de que outro problema nutricional estava se expandindo, a obesidade. No início, chamou a atenção nos países desenvolvidos, mas, com o tempo, várias pesquisas mostraram ser um problema também nos países em desenvolvimento, e não só entre os mais ricos, mas também entre os mais pobres. Diferentemente da desnutrição, cujo combate se faz possibilitando acesso aos alimentos, a obesidade vem trazendo preocupações, não só pelas implicações à saúde, mas pela complexidade de seu tratamento e controle, pois implica em mudança de comportamento em relação à alimentação e na adoção de políticas públicas que podem ir contra interesses de diferentes setores da sociedade.

Assim como a desnutrição, a obesidade também faz parte da história da humanidade. Contudo, assim como a desnutrição esteve sempre ligada à pobreza, a obesidade esteve associada à abundância, sendo o sujeito obeso considerado como rico e saudável e, em determinadas épocas e sociedades, como padrão de beleza. A idéia de que gordo é saudável ainda está arraigada na idéia de criança gorducha, ou de alguém que se curou de doença grave. Com o reconhecimento de uma série de doenças associadas à obesidade, a partir da década de 1950, iniciou-se a preocupação de se buscar meios de evitar a obesidade; considerando-se a sua expansão nos últimos 30 anos, vê-se que essas iniciativas não obtiveram resultados satisfatórios42.

A monitorização do crescimento é um importante instrumento para se detectar precocemente a obesidade43. Embora esta acelere a maturação, e conseqüentemente o crescimento em altura, o crescimento em peso é sempre mais acelerado. O médico pode observar que o ganho em peso está em descompasso com o ganho em comprimento e alertar a família. No primeiro ano de vida, esta é sempre uma situação delicada. Primeiro, por que normalmente é uma época de crescimento do tecido adiposo (o lactente é um Sancho Pança), e segundo, por que lactente gorducho é considerado saudável. A história alimentar pode ajudar o médico a distinguir entre ganhar peso por característica individual ou por excesso de alimentação. No entanto, a partir do segundo ano de vida, a criança emagrece (o pré-escolar é um Dom Quixote). Se a criança permanecer relativamente mais pesada do que comprida, também pode ser um alerta de que está ficando obesa. Um problema importante, ao se detectar obesidade na infância, é que a criança não tem noção das implicações que o excesso de peso pode trazer para a sua saúde e sua vida em geral. Nessa época, ela depende inteiramente da conscientização dos pais. Se algum deles for obeso, a orientação alimentar de modo geral estará fadada ao fracasso, a não ser que se consiga convencer a família sobre os perigos do excesso de comida. Nessa circunstância, nunca esquecer das avós, que desempenham papel importante no auxílio e na orientação das mães, quanto ao cuidado e à alimentação dos filhos.

Para o estabelecimento do diagnóstico de obesidade, tanto na perspectiva da avaliação epidemiológica quanto na do diagnóstico individual, tem sido recomendado o uso do Índice de Massa Corporal (IMC) (ver Tabela 2), também conhecido como índice de Quetelet, nome de seu autor. Para o diagnóstico entre os adultos, a OMS recomenda os pontos de corte: de 20 a 25 kg/m2, eutrófico; de 25 a 30 kg/m2, sobrepeso; e de 30 kg/m2 e mais, obeso16. Embora recomendado internacionalmente, este indicador não é aceito sem críticas, principalmente por que não distingue o excesso de peso de gordura de massa muscular ou óssea. Apesar disso, em estudos epidemiológicos tem mostrado boa correlação com a massa gorda, além de ser um indicador mais conhecido e de fácil execução. Para a avaliação da situação nutricional em crianças e adolescentes, além das críticas acima, o IMC apresenta problemas por depender da altura, que por sua vez varia com a idade. Dessa forma, existem duas propostas para se utilizar esse indicador com seus respectivos índices: uma feita por Must et al. (1991)44, e outra por Cole et al. (2000)45.

Na primeira proposta44, com dados do NCHS, são feitas avaliações a partir da distribuição do IMC, dos seis anos até a adultícia, considerando-se o percentil 85 como ponto de corte para diagnóstico de sobrepeso, e o percentil 95 como ponto de corte para diagnóstico de obesidade. Já a segunda proposta45 é mais complexa, pois parte de uma série de pressupostos. A primeira delas é que a curva de crescimento, na qual os pontos de corte se baseiam para fazer o diagnóstico, é uma curva composta com dados de seis países (Brasil, Estados Unidos, Reino Unido, Holanda, Singapura, Hong Kong). Outro pressuposto é que pretende ser uma adaptação dos índices propostos pela OMS (25 para sobrepeso e 30 para obeso). Uma vez elaborada a curva, determinam-se os percentis correspondentes a esses valores aos dezoito anos de idade, e por extrapolação retroativa, determinam-se os valores correspondentes desde os dois anos de idade. Essa proposta vem ganhando aceitação internacional, mas recentemente recebeu uma crítica incisiva46, que provavelmente irá colocá-la em cheque. Na opinião dos autores deste artigo, além das críticas apresentadas no artigo de Reilly46, existe uma que parece fundamental: o que é uma curva composta com dados de diferentes países? Não é nada, apenas um exercício, pois não representa ninguém, nem mesmo os países que forneceram os dados para construção dessa curva. É mais seguro comparar os dados elaborados de povos semelhantes, e depois adaptar de acordo com o conhecimento das condições locais, do que usar uma curva cujas peculiaridades étnicas ou regionais se perdem em um aglomerado sem identidade. Dessa forma, recomendamos, por enquanto, a proposta de Must et al.44, que é baseada em conceitos estatísticos claramente definidos, com a ressalva que talvez seja mais apropriado que cada país construa sua própria curva de IMC, por ser os Estados Unidos um dos países com uma das mais altas freqüências de obesidade no mundo.

Conclusão

A avaliação do crescimento está se tornando cada vez mais um importante instrumento para acompanhamento das condições de saúde e nutrição, tanto de indivíduos quanto de populações. Para a avaliação das condições de populações, podem ser utilizados tanto os indicadores antropométricos anteriormente descritos quanto as médias de alturas por idade em diferentes momentos, ou diferentes locais. Já na avaliação individual, a antropometria é um instrumento coadjuvante, necessitando ser avaliada em um contexto particular, em que são cotejadas a história clínica e social do paciente, o exame físico, os dados dos pais e principalmente a velocidade de crescimento e a idade óssea.

Avaliações em diferentes etapas da vida do ser humano em crescimento podem contribuir para explicações do que ocorreu em fases anteriores e sugerir riscos imediatos, mediatos e tardios para a saúde. Assim, a avaliação do tamanho ao nascer pode indicar tomada de decisões na atenção imediata ao recém-nascido e nos primeiros anos de vida47-50. Pode ainda avaliar riscos à saúde em outras idades, como altura final e outros problemas, tais como doença cardiovascular, diabetes, hipertensão arterial, hipercolesterolemia, obesidade51-53.

  • 1. Tanner JM. A History of the Study of Human Growth. London: Cambridge University Press; 1981.
  • 2
    WHO (World Health Organization). A growth chart for international use in maternal and child health care. World Health Organization, Geneva, 1978.
  • 3
    WHO (World Health Organization) Measuring change in nutritional status. Guidelines for assessing the nutritional impact of supplementary feeding programmes for vulnerable groups. Geneva, 1983.
  • 4. WHO Working Group. Use and interpretation of anthropometric indicators of nutritional status. Bull WHO 1986;64:929-41.
  • 5
    WHO. Physical Status; the use and interpretation of anthropometry. Report of a WHO expert committee. Who Technical Report Series, Nº 854, 1995.
  • 6. Falkner F, Tanner JM. Human Growth, vol. 3. 2nd ed. New York: Plenum; 1986.
  • 7. Cameron N. The use and abuse of growth charts. In: Johnston FE, Zemel B, Eveleth PB, editors. Human Growth in Context. London: Smith-Gordon; 1999. p. 65-74.
  • 8. Cole TJ. The use and construction of anthropometric growth reference standards. Nutr Res Rev 1993;6:19-50.
  • 9. Morley D. Paediatric priorities in the developing world. London: Butterworths & Co.; 1973.
  • 10. Morley D, Woodland M. See How They Grow: Monitoring Child Growth for Appropriate Health Care in Developing Countries. London: Macmillan Education Ltd; 1979.
  • 11. Gómez F. Desnutrición. Bol Med Hosp Infant 1946;3:543-51.
  • 12. Seoane N, Lathan MC. Nutritional anthropometry in the identification of malnutrition in childhood. Env Child Health 1971;17:99-104.
  • 13. Waterlow JC. Classification and definition of protein-caloric malnutrition. BMJ 1972;3:566-9.
  • 14. Habicht JP, Martorell R, Yarbrough C, Malina RM, Klein RE. Height and weight standards for preschool children. How relevant are ethnic differences in growth potential? Lancet 1974;1:611-4.
  • 15. Waterlow JC, Buzina R, Keller W, Lane JM, Nichaman MZ, Tanner JM. The presentation and use of height and weight data for comparing the nutritional status of groups of children under the age of 10 years. Bull Who 1977;55:489-98.
  • 16
    WHO. Obesity: Preventing and Managing the Global Epidemic. Report of a WHO Consultation on Obesity. World Health Organization: Geneva; 1998.
  • 17. Hamill PVV, Drizd TA, Johnson CL, Reed RB, Roche AF, Moore WM. Physical growth: National Center for Health Statistics percentiles. Am J Clin Nutr 1979;32:607-29.
  • 18. Marques RM, Marcondes E, Berquó ES, Prandi R, Yunes J. Crescimento e desenvolvimento pubertário em crianças e adolescentes brasileiros: II - Altura e Peso. São Paulo: Editora Brasileira de Ciência Ltda.; 1982.
  • 19. Marcondes E. Pediatria Básica. 2a ed. São Paulo: Sarvier; 1999.
  • 20. Tanner JM, Whitehouse RH, Takahishi M. Standards from birth to maturity for height, weight, height velocity, and weight velocity: British Children, 1965. I. Arch Dis Child 1966;41:454-71.
  • 21. Tanner JM, Whitehouse RH, Takahishi M. Standards from birth to maturity for height, weight, height velocity, and weight velocity: British Children, 1965. II. Arch Dis Child 1966;41:613-35.
  • 22. Tanner JM, Whitehouse RH. Clinical longitudinal standards for height, weight, height velocity, weight velocity, and stages of puberty. Arch Dis Child 1976;51:170-9.
  • 23. Kuczmarski RJ, Ogden CL, Grummer-Strawn LM, Flegal KM, Guo SS, Wei R, et al. CDC growth charts: United States. Adv Data 2000;8:1-27.
  • 24. Freeman JV, Cole TJ, Chinn S, Jones PRM, White EM, Preece MA. Cross sectional stature and weight reference curves for the UK, 1990. Arch Dis Child 1995;73:17-24.
  • 25. Tanner JM. Growth as a measure of the nutritional and hygienic status of a population. Horm Res 1992;38 Suppl 1:106-15.
  • 26. Cole TJ. Some questions about how growth standards are used. Horm Res 1996;45:18-23.
  • 27. Tanner JM. The use and abuse of growth standards. In: Falkner F, Tanner JM, editors. Human Growth, vol. 3. 2nd ed. New York: Plenum; 1986. p. 95-112.
  • 28. Greulich WW, Pyle SI. Radiographic Atlas of Skeletal Development of Hand and Wrist. 2nd ed. Stanford: Stanford University Press; 1959.
  • 29. Tanner JM, Whitehouse RH, Cameron N, Marshall WA, Healy MJR, Goldstein H. Assessment of Skeletal Maturity and Prediction of Adult Height. 2nd ed. London: Academic Press; 1983.
  • 30. Castilho SD, Barros Fº AA. Crescimento pós menarca. Arq Bras Endocr Metabol 2000;44:195-204.
  • 31. Tanner JM. Growth at adolescence. 2nd ed. Oxford: Blackwell Scientific Publications; 1962.
  • 32. Lacey KA, Parkin JM. The normal short child: community study of children in Newcastle upon Tyne. Arch of Dis Child 1974b;49:417-24.
  • 33. Rappaport R. Tratamentos dos atrasos do crescimento. Baixa Estatura. Anais Nestlé 1985;41:17-32.
  • 34. Tanner JM. Métodos auxológicos no diagnóstico diferencial da baixa estatura. Baixa Estatura. Anais Nestlé 1985;41:1-16.
  • 35. LaFranchi S, Hanna CE, Mandel SH. Constitutional delay of growth: expected versus final adult height. Pediatrics 1991;87:82-7.
  • 36. Wilton P, Wallström A. An overview of the diagnoses in the Kabi Pharmacia International Growth Study. Acta Paediatr Scand Suppl 1991;379:93-8.
  • 37. Cowell CT. Short stature. In: Brook CDG, editor. Clinical Paediatric Endocrinology. Oxford: Blackwell Science Ltd.; 1995. p. 137-72.
  • 38. Fox LA, Zeller WP. Evaluation of short stature. Comprehensive Therapy 1995;21:115-21.
  • 39. Rekers-Mombarg LTM, Cole TJ, Massa GG, Wit JM. Longitudinal analysis of growth in children with idiopathic short stature. Ann Hum Biol 1997;24:569-83.
  • 40. Moore KC, Donaldson DL, Ideus PL, Gifford RA, Moore WV. Clinical diagnoses of children with extremely short stature and their response to growth hormone. J Pediatr 1993;122:687-92.
  • 41. Maes M, Underwood LE. Growth failure in chronic disease: pathophysiology and treatment. Int Semin Paediatr Gastroent Nutr 1997;6:3-7.
  • 42. Ebbeling CB, Pawlk DB, Ludwig DS. Childhood obesity: public-health crisis, common sense cure. Lancet 2002;360:473-82.
  • 43. Popkin B. An overview on the nutrition transition and its health implications: The Bellagio meeting. Publ Health Nutr 2002;5:93-103.
  • 44. Must A, Dallal GE, Dietz WH. Reference data for obesity: 85th and 95th percentiles of Body Mass Index (w/ht2) and Triceps Skinfold Thickness. Am J Clin Nutr 1991;53:839-46.
  • 45. Cole TJ, Bellizzi MC, Flegal KM, Dietz WH. Establishing a standard definition for child overweight and obesity worldwide: international survey. BMJ 2000;320:1-6.
  • 46. Reilly JJ. Assessment of childhood obesity: national reference data or international approach? Obes Res 2002;10:838-40.
  • 47. Kramer MS, McLean FH, Olivier M, Willis DM, Usher R. Body proportionality and head and length 'sparing' in growth-retarded neonates: a critical reappraisal. Pediatrics 1989;84:717-23.
  • 48. Martorell R, Ramakrishnan U, Schroeder DG, Melgar P, Neufeld L. Intrauterine growth retardation, body size, body composition and physical performance in adolescence. Eur J Clin Nutr 1998;52 Suppl 1: 43-53.
  • 49. Gallo PR, Amigo H, Leone C. Factores de riesgo em el retardo de crecimiento em niños de bajo nível sócio-económico. Arch Latinoam Nutr 2000;40:121-5.
  • 50. Guimarães LV, Latorre MD, Barros MB. Fatores de risco para a ocorrência de déficit em pré-escolares. Cad Saúde Públ 1999;15:605-15.
  • 51. Barker DJB. Mothers, babies and health in later life. 2nd ed. Edinburgh: Churchill Livingstone; 1998.
  • 52. Paz I, Seidman DS, Danon YL, Laor A, Stevenson DK, Gale R. Are children small for gestational age at increased risk of short stature? Am J Dis Child 1993;147:337-9.
  • 53. Haeffner LSB, Barbieri MA, Rona JR, Bettiol H, Silva AAM. The relative strength of weight and height at birth in contrast to social factors as determinants of height at 18 years in Brazil. Ann Hum Biol 2002;29:627-40.
  • Endereço para correspondência

    Dr. Antonio de Azevedo Barros Filho.
    Departamento de Pediatria/F CM/UNICAMP
    Caixa Postal 6111
    CEP 13084-973 - Campinas, SP
    Fone/fax: (19) 3788.7193 - 3788.7322
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Abr 2004
    • Data do Fascículo
      Jun 2003
    Sociedade Brasileira de Pediatria Av. Carlos Gomes, 328 cj. 304, CEP: 90480-000 , Tel.: (+55 51) 3108-3328 - Porto Alegre - RS - Brazil
    E-mail: assessoria@jped.com.br