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O início de uma nova era: teste sistemático para patógenos causadores de infecções agudas das vias aéreas superiores (IVAS) em crianças

EDITORIAIS

O início de uma nova era: teste sistemático para patógenos causadores de infecções agudas das vias aéreas superiores (IVAS) em crianças

Heinz-J. SchmittI; Britta GröndahlII; Franziska SchaaffI; Wolfram Puppe II

IMD. Infectious Diseases Service, Department of Pediatrics. Johannes Gutenberg-Universität, Mainz, Germany

IIPhD. Infectious Diseases Service, Department of Pediatrics. Johannes Gutenberg-Universität, Mainz, Germany

O problema

As pessoas ficam doentes, em média, dez vezes por ano. Em aproximadamente seis desses casos, a doença é causada por uma infecção aguda das vias aéreas superiores (IVAS). A morbidade dessas infecções é especialmente alta em crianças devido às seguintes razões:

- as crianças geralmente estão tendo contato com o organismo agressor pela primeira vez na vida;

- a falta de imunidade faz com que elas transmitam organismos agressores em grandes quantidades e por um período de tempo prolongado em comparação aos adultos;

- suas vias aéreas são menores do que as dos adultos e, portanto, a reação inflamatória leva a um estreitamento mais significativo das vias aéreas, resultando em um quadro mais grave;

- em média, as crianças têm mais contatos sociais e, além disso, esses contatos com outras crianças e com seus cuidadores são mais íntimos, o que resulta em uma taxa de ataque mais alta;

- dependendo da idade, praticam poucas medidas de higiene apropriadas.

Em países pobres, as IVAS são uma das maiores causas de mortalidade (Tabela 1)1. Um manejo eficiente da IVAS é, portanto, muito importante em qualquer lugar do mundo. A grande relevância das IVAS infantis apresenta-se em profundo contraste com o escasso conhecimento sobre sua etiologia, epidemiologia e conseqüências clínicas, como, por exemplo, o desenvolvimento de asma após a ocorrência de infecções respiratórias. Enquanto as IVAS são comparativamente simples de ser diagnosticadas clinicamente por meio da história e do exame físico, somente os achados clínicos não permitem identificar o microorganismo agressor em um caso individual. Geralmente, encontramos o pico da temporada do vírus respiratório sincicial (VRS) na metade da temporada da influenza; e, freqüentemente, - com base somente em conhecimento parcial da situação epidemiológica e do espectro de doenças causadas pelos dois organismos - notificações inespecíficas de infecções respiratórias causam confusão tanto para o público em geral quanto para os médicos2: a falta de ferramentas apropriadas para estabelecer o diagnóstico das IVAS e, portanto, a falha na identificação de seus patógenos resulta no fracasso de tratar os pacientes de maneira eficaz. Enquanto sabemos que pelo menos 70% das infecções das vias aéreas inferiores são causadas por vírus, "tratamentos cegos" com antibióticos têm se tornado o padrão na maioria dos casos de pneumonia e, até mesmo, em muitos casos de bronquite em muitas instituições em todo o mundo. Além disso, como não conhecemos a freqüência dos diferentes patógenos das IVAS, tratamentos novos e específicos não são desenvolvidos.

O que sabemos atualmente

A partir de um ponto de vista principal, os organismos causadores das IVAs podem ser divididos em:

- colonizadores como o Streptococcus pneumoniae; geralmente sensíveis aos betalactâmicos, e

- não-colonizadores, incluindo bactérias (Mycoplasma pneumoniae, Chlamydophila pneumoniae, Bordetella pertussis e B. parapertussis; geralmente sensíveis aos macrolídeos) e vírus (rino-, entero-, metapneumo-, parainfluenza-, influenza-, adeno-, corona-, boca-, polioma-, reo- e vírus RS; entre outros).

Com a rara exceção em que uma hemocultura apresenta resultado positivo para S. pneumoniae, atualmente, ainda é impossível provar que um pneumococo é o agente causador da pneumonia. Para se conseguir a prova definitiva de que esses "colonizadores" são a etiologia da infecção das vias aéreas inferiores (IVAI), seria necessário realizar uma punção pulmonar, para evitar a contaminação na cavidade faríngea/oral. Unicamente por razões psicológicas, esse procedimento raramente é realizado - embora provavelmente seja seguro e, na verdade, poderia provar definitivamente a etiologia do respectivo episódio de IVA. Em oposição à situação dos agentes colonizadores, a detecção de um patógeno de IVA não-colonizador em uma amostra nasofaríngea, especialmente em uma criança com o primeiro contato com a IVA, geralmente significa que o patógeno detectado na via aérea superior é a causa da IVAI.

Soluções

Em seu artigo deste número3, Thomazelli et al. usaram oito reações em cadeia da polimerase (PCR) para rastrear a presença de pátogenos de IVA. Em seguida, usaram a análise do fragmento amplificado através do programa GeneScan para realizar a identificação definitiva de produtos de PCR. Através do estudo de pacientes de um grande hospital pediátrico durante 1 ano, os autores encontraram, com mais freqüência, o VRS seguido de metapneumovírus, parainfluenza 3, adenovírus, e vírus influenza. Infecções duplas foram encontradas em aproximadamente 7% das crianças.

Esses resultados coincidem com a nossa observação4. A partir de 1996, desenvolvemos um ensaio com reação em cadeia da polimerase após transcrição reversa (multiplex-RT-PCR) para detectar nove5,6 e depois 19 pátogenos de IVA diferentes (trabalho em desenvolvimento). Durante 10 anos de estudo, e tendo examinado mais de 20.000 amostras até o momento, os rinovírus são encontrados, com mais freqüência, em crianças hospitalizadas devido a IVAI. O VRS causa a metade do número de casos se comparado ao rinovírus, e os vírus influenza são detectados em somente cerca de 7% dos casos. Obviamente, esses achados simples devem nos levar a desenvolver intervenções eficientes contra os microorganismos de IVA mais comuns, e não somente contra a influenza. Além disso, o uso do ensaio multiplex-PCR como ferramenta diagnóstica de rotina reduziu o uso de antibióticos em nossa instituição; ensinou-nos sobre a evolução clínica e a grande variabilidade de apresentações clínicas dos organismos de IVA; e, durante as epidemias, reduziu o uso de intervenções diagnósticas como radiografias de tórax ou testes laboratoriais. Em muitos casos, terapias específicas podem ser oferecidas para micoplasma ou influenza, por exemplo. A Tabela 2 apresenta um resumo das vantagens adicionais.

Criamos um "sistema de alerta via Internet", www.pid-ari.net, onde publicamos o número de cada patógeno de IVA detectado durante a semana anterior, prevemos a atividade de cada organismo para a próxima estação epidemiológica (de 1º de julho a 30 de junho do ano seguinte) e fornecemos informações sobre a IVA.

Isso permite que os pediatras da Alemanha, por exemplo, adaptem o uso da imunoglobulina contra o VRS às suas necessidades: em anos ímpares, as epidemias do VRS começam mais tarde e apresentam picos elevados. A isso se segue uma atividade contínua do VRS no ano seguinte (par), às vezes, até mesmo durante o verão, alcançando novamente um pico antecipado no outono/inverno4. Da mesma forma, podem ser detectados os ritmos do metapneumovírus e de outros paramixovírus, enquanto que o adenovírus, o enterovírus e o rinovírus são detectados durante o ano todo4.

Problemas atuais

Sempre que surgem novas ferramentas diagnósticas, elas precisam ser validadas e, isso vale especialmente para as técnicas baseadas em PCR. A contaminação deve ser sempre evitada a partir do momento em que a amostra é retirada; por exemplo: ocasionalmente, amostras controle negativas devem ser coletadas no leito do paciente (em solução de soro fisiológico ou tampão) para provar que a equipe médica não contaminou a amostra do paciente com "seus" patógenos. Além do uso de métodos rígidos para evitar a contaminação no laboratório, a validação do teste multiplex deveria ser estabelecida para cada organismo através de comparação com as técnicas padrão atuais como cultura celular6.

Qualquer que seja o "sistema de teste" utilizado, suas limitações devem ser levadas em consideração, e os médicos devem ser informados a esse respeito.

O futuro

Consideramos óbvio que o teste sistemático de patógenos de IVA é o caminho do progresso. Os problemas técnicos serão solucionados em poucos anos. Mais testes serão padronizados e validados. Atualmente, os testes são muito caros para os pacientes. O custo por exame solicitado comercialmente é de € 396 (www.arti-st.de). Portanto, hoje em dia, as instituições de saúde pública devem usar o método de vigilância local. É de interesse do público saber quais microorganismos são responsáveis pelas taxas mais altas de morbidade (e até mesmo mortalidade) da população. Além disso, o público deve estar interessado em saber mais sobre patógenos emergentes como o H5N1. Esses patógenos podem ser incluídos nos sistemas de teste multiplex, e somente isso deveria ser razão suficiente para o uso da abordagem sistemática em comparação à falha em vencer os desafios causados pela IVA ou ao uso de métodos ineficazes e sistematicamente equivocados. Com novos desenvolvimentos técnicos surgindo no horizonte, o preço dos testes sistemáticos de IVA podem ser reduzidos substancialmente em um futuro próximo, e espera-se que se tornem o padrão de cuidado oferecido a todas as crianças.

Referências

1. World Health Organization (WHO). World Health Report; 2005. http://www.who.int/whr/2005/annex/annexes3-4_en.pdf.

2. Uphoff H, Puppe W, Schmitt HJ. Respiratorisches-syncytial-virus: Ursache einer signifikant gesteigerten Morbidität akuter Atemwegsinfekte in Artzpraxen? Bundesgesundheitsblatt, Gesundheitsforshung, Gesundheitsschutz. 2001;44:987-92.

3. Thomazelli LM, Vieira S, Leal AL, Sousa TS, Oliveira DB, Golono MA, et al. Surveillance of eight respiratory viruses in clinical samples of pediatric patients in Southeast Brazil. J Pediatr (Rio J). 2007;83:422-8.

4. Weigl JA, Puppe W, Meyer CU, Berner R, Forster J, Schmitt HJ, et al. Ten years' experience with year-round active surveillance of up to 19 respiratory pathogens in children. Eur J Pediatr. 2007;[Epub ahead of print].

5. Grondahl B, Puppe W, Hoppe A, Kühne I, Weigl JAI, Schmitt HJ. Rapid identification of nine microorganisms causing acute respiratory tract infections by single-tube multiplex reverse transcription-PCR: feasibility study. J Clin Microbiol. 1999;37:1-7.

6. Puppe W, Weigl JA, Aron G, Grondahl B, Schmitt HJ, Niesters HG, et al. Evaluation of a multiplex reverse transcriptase PCR ELISA for the detection of nine respiratory tract pathogens. J Clin Virol. 2004;30:165-74.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Nov 2007
  • Data do Fascículo
    Out 2007
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