Acessibilidade / Reportar erro

Estudo randômico controlado que compara os efeitos da anestesia com propofol, isoflurano, desflurano e sevoflurano sobre a dor pós-colecistectomia videolaparoscópica

Resumos

Justificativa e objetivo:

a dor é a principal queixa e também o motivo principal de recuperação prolongada pós-colecistectomia laparoscópica. A nossa hipótese foi que os pacientes submetidos à colecistectomia laparoscópica apresentariam menos dor quatro horas após a cirurgia se recebessem manutenção anestésica com propofol em comparação com isoflurano, desflurano ou sevoflurano.

Métodos:

neste estudo prospectivo e randômico, 80 pacientes agendados para colecistectomia laparoscópica foram designados para receber propofol, isoflurano, desflurano ou sevoflurano para manutenção da anestesia. Nosso desfecho primário foi dor mensurada em escala analógica numérica quatro horas após a cirurgia. Também registramos o uso intraoperatório de opiáceos, bem como o consumo de analgésicos durante as primeiras 24 horas pós-cirúrgicas.

Resultados:

não houve diferença estatisticamente significante nos escores de dor quatro horas após a cirurgia (p = 0,72). Também não houve diferença estatisticamente significativa nos escores de dor entre os grupos de tratamento durante as 24 horas pós-cirúrgicas (p = 0,45). O uso intraoperatório de fentanil e morfina não variou significativamente entre os grupos (p = 0,21 e 0,24, respectivamente). Não houve diferença no consumo total de morfina e hidrocodona/APAP durante as primeiras 24 horas (p = 0,61 e 0,53, respectivamente).

Conclusão:

os pacientes que receberam propofol para manutenção da anestesia geral não apresentaram menos dor pós-colecistectomia videolaparoscópica em comparação com os que receberam isoflurano, desflurano ou sevoflurano.

Colecistectomia laparoscópica; Dor; Propofol; Anestésicos inalatórios


Background:

Pain is the primary complaint and the main reason for prolonged recovery after laparoscopic cholecystectomy. The authors hypothesized that patients undergoing laparoscopic cholecystectomy will have less pain four hours after surgery when receiving maintenance of anesthesia with propofol when compared to isoflurane, desflurane, or sevoflurane.

Methods:

In this prospective, randomized trial, 80 patients scheduled for laparoscopic cholecystectomy were assigned to propofol, isoflurane, desflurane, or sevoflurane for the maintenance of anesthesia. Our primary outcome was pain measured on the numeric analog scale four hours after surgery. We also recorded intraoperative use of opioids as well as analgesic consumption during the first 24 h after surgery.

Results:

There was no statistically significant difference in pain scores four hours after surgery (p = 0.72). There were also no statistically significant differences in pain scores between treatment groups during the 24 h after surgery (p = 0.45). Intraoperative use of fentanyl and morphine did not vary significantly among the groups (p = 0.21 and 0.24, respectively). There were no differences in total morphine and hydrocodone/APAP use during the first 24 h (p = 0.61 and 0.53, respectively).

Conclusion:

Patients receiving maintenance of general anesthesia with propofol do not have less pain after laparoscopic cholecystectomy when compared to isoflurane, desflurane, or sevoflurane.

Laparoscopic cholecystectomy; Pain; Propofol; Inhalational anesthetics


Justificación y objetivo:

el dolor es el principal motivo de queja y también la principal razón de una prolongada recuperación tras una colecistectomía laparoscópica. Nuestra hipótesis fue que los pacientes sometidos a colecistectomía laparoscópica tenían menos dolor 4 h después de la cirugía cuando recibían propofol para la anestesia en comparación con isoflurano, desflurano o sevoflurano.

Métodos:

en este estudio prospectivo y aleatorizado, 80 pacientes programados para colecistectomía laparoscópica fueron designados para recibir propofol, isoflurano, desflurano o sevoflurano para el mantenimiento de la anestesia. Nuestro primer resultado fue el dolor medido en escala analógica numérica 4 h después de la cirugía. También registramos el uso intraoperatorio de opiáceos y el consumo de analgésicos durante las primeras 24 h del postoperatorio.

Resultados:

no hubo diferencias estadísticamente significativas en las puntuaciones del dolor 4 h después de la cirugía (p = 0,72). Tampoco hubo diferencias estadísticamente significativas en las puntuaciones del dolor entre los grupos de tratamiento durante las 24 h del postoperatorio (p = 0,45). El uso intraoperatorio de fentanilo y morfina no varió significativamente entre los grupos (p = 0,21 y 0,24 respectivamente). No hubo una diferencia en el consumo total de morfina e hidrocodona/APAP durante las primeras 24 h (p = 0,61 y 0,53 respectivamente).

Conclusiones:

los pacientes que recibieron propofol para el mantenimiento de la anestesia general no tenían menos dolor poscolecistectomía videolaparoscópica en comparación con los que recibieron isoflurano, desflurano o sevoflurano.

Colecistectomía laparoscópica; Dolor; Propofol; Anestésicos inhalatorios


Introdução

A dor é a principal queixa e o principal motivo para a recuperação prolongada pós-colecistectomia laparoscópica.11. Bisgaard T, Klarskov B, Rosenberg J, et al. Factors determining convalescence after uncomplicated laparoscopic cholecystectomy. Arch Surg. 2001;136:917-21. Estudos prévios que investigaram a dor pós-colecistectomia laparoscópica relataram uma grande variação entre os indivíduos22. Bisgaard T, Klarskov B, Rosenberg J, et al. Characteristics and prediction of early pain after laparoscopic cholecystectomy. Pain. 2001;90:261-9. . A dor pós-colecistectomia videolaparoscópica tem três componentes: dor incisional, dor visceral e dor referida no ombro.22. Bisgaard T, Klarskov B, Rosenberg J, et al. Characteristics and prediction of early pain after laparoscopic cholecystectomy. Pain. 2001;90:261-9. Nos últimos 20 anos, vários estudos examinaram essa questão com o uso de uma abordagem multimodal para o manejo da dor pós-operatória após colecistectomia laparoscópica.33. Bisgaard T. Analgesic treatment after laparoscopic cholecystectomy: a critical assessment of the evidence. Anesthesiology. 2006;104:835-46. , 44. Jensen K, Kehlet H, Kund CM. Post-operative recovery profile after laparoscopic cholecystectomy: a prospective, observational study of a multimodal anaesthetic regimen. Acta Anaesthesiol Scand. 2007;51:464-71. , 55. Michaloliakou C, Chung F, Sharma S. Preoperative multimodal analgesia facilitates recovery after ambulatory laparoscopic cholecystectomy. Anesth Analg. 1996;82:44-51. , 66. Munoz HR, Guerrero ME, Brandes V, et al. Effect of timing of morphine administration during remifentanil-based anaesthesia on early recovery from anaesthesia and postoperative pain. Br J Anaesth. 2002;88:814-8. , 77. Sinha S, Munikrishnan V, Montgomery J, et al. The impact of patient-controlled analgesia on laparoscopic cholecystectomy. Ann R Coll Surg Engl. 2007;89:374-8. and 88. Zajaczkowska R, Wnek W, Wordliczek J, et al. Peripheral opioid analgesia in laparoscopic cholecystectomy. Reg Anesth Pain Med. 2004;29:424-9.

Os anestésicos inalatórios (isoflurano, desflurano e sevoflurano) são comumente usados para garantir a manutenção da anestesia geral durante a cirurgia. Há relato de que certos agentes inalatórios aumentam a sensibilidade à dor em concentrações mais baixas como as presentes durante emergências, mas aliviam a dor em concentrações mais elevadas.99. Zhang Y, Eger 2nd EI, Dutton R, et al. Inhaled anesthetics have hyperalgesic effects at 0.1 minimum alveolar anesthetic concentration. Anesth Analg. 2000;91:462-6. Os efeitos diferenciais dos agentes inalatórios em vias nociceptivas podem influenciar o desenvolvimento da dor pós-operatória. Investigadores demonstraram, especificamente, que a hiperalgesia associada ao isoflurano pode ser modulada pelo receptor nicotínico.1010. Flood P, Sonner JM, Gong D, et al. Isoflurane hyperalgesia is modulated by nicotinic inhibition. Anesthesiology. 2002;97:192-8.

Estudos clínicos que avaliaram o propofol versus agentes inalatórios para manutenção da anestesia geral revelaram os potenciais benefícios da administração de propofol, dentre os quais: melhoria do bem-estar, diminuição do escore de dor no pós-operatório e da incidência de náuseas e vômitos no pós-operatório (NVPO).1111. Cheng SS, Yeh J, Flood P. Anesthesia matters: patients anesthetized with propofol have less postoperative pain than those anesthetized with isoflurane. Anesth Analg. 2008;106:264-9. , 1212. Tan T, Bhinder R, Carey M, et al. Day-surgery patients anesthetized with propofol have less postoperative pain than those anesthetized with sevoflurane. Anesth Analg. 2010;111:83-5. , 1313. Hofer CK, Zollinger A, Büchi S, et al. Patient well-being after general anaesthesia: a prospective, randomized, controlled multi-centre trial comparing intravenous and inhalation anaesthesia. Br J Anaesth. 2003;91:631-7. and 1414. Raeder JC, Mjaland O, Aasbo V, et al. Desflurane versus propofol maintenance for outpatient laparoscopic cholecystectomy. Acta Anaesthesiol Scand. 1998;42:106-10. Porém, nem todos esses estudos foram desenhados ou imponderados para avaliar especificamente a dor pós-operatória. Um estudo conduzido por Fassoulaki1515. Fassoulaki A, Melemeni A, Paraskeva A, et al. Postoperative pain and analgesic requirements after anesthesia with sevoflurane, desflurane or propofol. Anesth Analg. 2008;107:1715-9. não mostrou qualquer diferença nos escores de dor pós-operatória após histerectomia abdominal ou miomectomia, quando propofol, desflurano e sevoflurano foram comparados para manutenção da anestesia. As conclusões divergentes no que diz respeito ao potencial benefício analgésico do uso de propofol para manutenção da anestesia resultaram em opiniões variadas na literatura.1616. Shafer SL, Nekhendzy V. Anesthesia matters: statistical anomaly or new paradigm?. Anesth Analg. 2008;106:3-4. , 1717. Flood P. Pro: accumulating evidence for an outrageous claim. Anesth Analg. 2010;111:86-7. and 1818. White PF. Con: anesthesia versus analgesia: assessing the analgesic effects of anesthetic drugs. Anesth Analg. 2010;111:88-9.

Pelo que sabemos, não há estudo que investigue as diferenças em dor pós-operatória após colecistectomia laparoscópica na literatura e que tenha comparado a manutenção da anestesia com propofol, isoflurano, desflurano ou sevoflurano. Consideramos que seria importante neste estudo comparar propofol com os três agentes inalatórios comumente usados, pois resultados diferentes foram encontrados quando propofol foi comparado com cada um desses agentes isoladamente.1111. Cheng SS, Yeh J, Flood P. Anesthesia matters: patients anesthetized with propofol have less postoperative pain than those anesthetized with isoflurane. Anesth Analg. 2008;106:264-9. , 1212. Tan T, Bhinder R, Carey M, et al. Day-surgery patients anesthetized with propofol have less postoperative pain than those anesthetized with sevoflurane. Anesth Analg. 2010;111:83-5. , 1313. Hofer CK, Zollinger A, Büchi S, et al. Patient well-being after general anaesthesia: a prospective, randomized, controlled multi-centre trial comparing intravenous and inhalation anaesthesia. Br J Anaesth. 2003;91:631-7. , 1414. Raeder JC, Mjaland O, Aasbo V, et al. Desflurane versus propofol maintenance for outpatient laparoscopic cholecystectomy. Acta Anaesthesiol Scand. 1998;42:106-10. and 1515. Fassoulaki A, Melemeni A, Paraskeva A, et al. Postoperative pain and analgesic requirements after anesthesia with sevoflurane, desflurane or propofol. Anesth Analg. 2008;107:1715-9. A nossa hipótese é que a manutenção da anestesia com propofol resultará em menos dor quatro horas após a colecistectomia laparoscópica em comparação com isoflurano, desflurano ou sevoflurano.

Pacientes, materiais e métodos

Recrutamento de pacientes

O protocolo do estudo foi aprovado pelo Baylor College of Medicine IRB em agosto de 2009 e registrado no ClinicalTrials.gov (NCT00983918, setembro de 2009). Consentimento informado assinado foi obtido de 80 pacientes com idades entre 18 e 64 anos, classificados como ASA I, II ou III, de acordo com a classificação da Sociedade Americana de Anestesiologistas, programados para serem submetidos à colecistectomia laparoscópica no Ben Taub General Hospital, em Houston, Texas. Os critérios de exclusão foram os seguintes: pacientes agendados para cirurgia ambulatorial, colecistectomia a céu aberto, disfunção renal (Cr > 1,2), alergia a qualquer um dos medicamentos do estudo, uso crônico de opiáceos em casa e incapacidade de descrever corretamente a dor no pós-operatório para os pesquisadores (por exemplo, barreira linguística, transtorno neuropsiquiátrico). Os pacientes foram inscritos de 23 de setembro de 2009 a 10 junho de 2010 por pesquisadores do estudo. O recrutamento do estudo foi provisoriamente interrompido de 23 de dezembro de 2009 a 9 de março de 2010 por causa de uma escassez local de propofol.

Randomização

Os pacientes foram divididos em quatro grupos de estudo por um administrador do departamento que usou um esquema de randomização gerado por computador por meio do site Randomization.com (http://www.randomization.com). Os pacientes tinham a mesma probabilidade de 25% de serem designados para qualquer um dos grupos. As designações dos grupos foram colocadas dentro de envelopes pardos numerados, como a seguir: Grupo P, manutenção da anestesia com perfusão de propofol; Grupo I, manutenção da anestesia com isoflurano; Grupo D, manutenção da anestesia com desflurano; Grupo S, manutenção da anestesia com sevoflurano. Após a inscrição, todos os indivíduos foram instruídos sobre o uso da escala analógica numérica (EAN) e sobre a rotina de dor pós-operatória. Explicou-se aos pacientes que um escore "0" representava nenhuma dor e um escore "10" representava a pior dor imaginável. Os pacientes, cirurgiões e enfermeiros que avaliaram os escores de dor desconheciam a designação do grupo e o agente anestésico. Os membros da equipe que aplicaram a anestesia geral tinham conhecimento das designações dos grupos.

Técnica anestésica

Após a instalação de cateter venoso periférico, a infusão de Ringer lactato foi iniciada. Um escore pré-operatório de dor em repouso foi registrado nesse momento. Monitoramento padrão e por meio do índice bispectral (BIS) (Aspect Medical Systems, Norwood, MA) foi feito em todos os grupos. Midazolam (1-2 mg IV) foi administrado para ansiólise, quando necessário. Após a pré-oxigenação com oxigênio a 100%, a anestesia foi induzida com fentanil (2 mcg/kg), lidocaína (1 mg/kg) e propofol (2,5 mg/kg). A intubação orotraqueal foi facilitada com succinilcolina (1-2 mg/kg) ou rocurônio (0,6 mg/kg).

A manutenção da anestesia foi providenciada da seguinte forma: Grupo P, infusão de propofol; Grupo I, isoflurano; Grupo D, desflurano e Grupo S, sevoflurano. A quantidade de anestésico para todos os grupos foi titulada para manter o valor do BIS entre 30 e 50 durante o procedimento. O relaxamento muscular foi mantido com rocurônio. Administração adicional de fentanil 50-100 mcg foi prescrita de acordo com os critérios da equipe de anestesia durante o procedimento. Todos os pacientes receberam ondansetron (4 mg IV) e cetorolac (30 mg IV) após a remoção da vesícula biliar. O bloqueio neuromuscular foi antagonizado com neostigmina e glicopirrolato ao fim da cirurgia. A equipe de anestesia foi instruída a administrar morfina, quando necessário, no fim do procedimento para auxiliar em caso de emergência.

Todos os pacientes foram submetidos à colecistectomia laparoscópica padrão com pressões de pneumoperitônio mantidas a 15 mmHg durante todo o procedimento. Foram injetados 10 mL de bupivacaína a 0,25% subcutaneamente nos locais de inserção dos trocartes após o fechamento da ferida pela equipe cirúrgica, como a seguir: 3 mL para cada uma das incisões dos trocartes de 10 mm e 2 mL para cada uma das incisões dos trocartes de 5 mm.

Tratamento pós-operatório e avaliação da dor

A entrada na sala de recuperação pós-anestésica (SRPA) foi considerado momento zero (M0) para as avaliações de dor. Dor em repouso foi registrada para cada paciente com o uso da EAN (0-10) para os momentos 0, 1, 2, 4, 8, 12 e 24 horas após o fim da cirurgia. Todos os pacientes foram colocados em um regime analgésico pós-operatório, que incluiu 5 mg de hidrocodona/comprimidos de 500 mg de acetaminofeno, com prescrição de dois comprimidos para dor leve (EAN=3-5) a cada seis horas, máximo de seis comprimidos em um período de 24 horas, e 4 mg de morfina IV, administrada a cada três horas para dor intensa (EAN = 6-10). Os escores de dor foram registrados pelos enfermeiros da SRPA e do andar que cuidavam dos pacientes sem o conhecimento das designações de seus grupos. Além disso, o uso de analgésico e NVPO durante as primeiras 24 horas foi registrado.

Análise estatística

Os desfechos primários foram os escores de dor no pós-operatório com o uso da EAN (0-10) quatro horas após a cirurgia. Os desfechos secundários foram os escores de dor durante as primeiras 24 horas após a cirurgia. Um estudo conduzido por Gupta1919. Gupta A, Thörn SE, Axelsson K, et al. Postoperative pain relief using intermittent injections of 0.5% ropivacaine through a catheter after laparoscopic cholecystectomy. Anesth Analg. 2002;95:450-6. relatou que a dor pós-colecistectomia laparoscópica teve um desvio padrão de ±2 na escala visual analógica. Presumindo

um desvio padrão comum de 2,5 unidades, porque usamos a escala analógica numérica, seriam necessários 18 pacientes por grupo para detectar uma diferença de três unidades entre os dois grupos, com poder de 80% assumindo alpha = 0,01. Um nível alpha = 0,01 foi assumido para manter uma taxa global de erro Tipo I de 0,05 para as comparações múltiplas. Para esclarecer quaisquer desistências ou dados perdidos de pacientes, planejamos a inclusão de 20 pacientes por grupo de estudo para um total de 80 pacientes.

Os dados demográficos, as características da cirurgia, o uso de analgésico e escores de dor dos pacientes foram comparados entre os grupos de tratamento. Um modelo de análise de variância simples (Anova) foi usado para comparar as médias dos escores de dor no pós-operatório quatro horas após a cirurgia entre os grupos de tratamento, bem como as covariáveis contínuas medidas no período basal e cirúrgico. As variáveis categóricas foram comparadas pelo teste exato de Fisher. O efeito global dos grupos de tratamento durante as primeiras 24 horas após a cirurgia foi comparado com um modelo linear misto geral, assumindo uma matriz de covariância não estruturada de erros correlacionados. O modelo incluiu os efeitos fixos dos grupos de tratamento, tempo e termo de interação tempo-grupo. Tratamento e tempo foram modelados como variáveis categóricas. O modelo também foi ajustado para covariáveis como idade, peso, altura, sexo, classificação ASA, diagnóstico, morfina intraoperatória, fentanil intraoperatório, tempo de cirurgia, tempo de anestesia e perda de sangue estimada. A significância estatística foi avaliada em a = 0,05. Todas as análises foram feitas com o uso do SAS 9.2 (SAS Institute Inc., Cary, NC).

Resultados

A figura 1 mostra o diagrama Consort de fluxo de pacientes. Foram prospectivamente incluídos no estudo 80 pacientes. Seis foram posteriormente excluídos das análises finais porque atenderam a um dos critérios de exclusão (conversão de laparoscopia para procedimento a céu aberto). Os restantes 74 incluídos nas análises finais foram distribuídos da seguinte forma: 20 no grupo desflurano e 18 em cada um dos grupos: propofol, isoflurano e sevoflurano.

Figura 1
Diagrama de fluxo Consorte.

Nossa população geral de pacientes foi composta de mulheres (85%), latino-americanos (85%), brancos (6,25%), negros (6,25%) e asiáticos (2,5%). Os diagnósticos pré-operatórios foram distribuídos da seguinte forma: colecistite aguda em 56%, cólica biliar em 28% e pancreatite biliar em 16% dos pacientes.

A tabela 1 apresenta um resumo dos dados demográficos e cirúrgicos e a tabela 2 um resumo dos dados do consumo de analgésicos. Não houve diferença estatisticamente significativa no uso intraoperatório de fentanil e morfina entre os grupos (p = 0,21 e 0,24, respectivamente). Além disso, não houve diferenças no uso total de morfina e hidrocodona/APAP durante as primeiras 24 horas (p = 0,61 e 0,53, respectivamente).

Tabela 1
Dados demográficos dos pacientes e características cirúrgicas
Tabela 2
Comparação dos analgésicos

A figura 2 mostra os escores de dor durante as primeiras 24 horas para todos os grupos. Não houve diferença estatisticamente significativa nos escores de dor quatro horas após a cirurgia (p = 0,72). As diferenças nos escores de dor entre os grupos de tratamento não dependeram do tempo (p = 0,43) e o termo de interação foi retirado do modelo. Não houve diferenças estatisticamente significativas nos escores de dor entre os grupos de tratamento (p = 0,45). O tempo foi significativamente associado ao escore de dor (p < 0,001). Mesmo após o ajuste para os escores de dor no pré-operatório, os grupos de tratamento não apresentaram diferença estatisticamente significante (p = 0,42). Idade do paciente foi significativamente associada ao escore de dor (p < 0,001). Em média, os valores em unidades dos escores de dor apresentaram uma redução de 0,7 para cada aumento de 10 anos na idade. Em outros aspectos, nenhuma outra variável foi significativamente associada aos escores de dor no pós-operatório (p >= 0,16).

Figura 2
Média dos escores de dor e erros padrão por tempo e tipo de anestésico.

As maiores diferenças entre os escores médios de dor ocorreram uma hora após a entrada na SRPA. Todas as comparações pareadas foram testadas para diferenças significantes com o uso do teste t de Student de duas amostras independentes. Após o ajuste para comparações múltiplas com o uso da correção de Bonferroni, apenas a diferença entre propofol e desflurano foi estatisticamente significante (p = 0,04). Todas as outras comparações não foram significantes (p >= 0,07) e assumiu-se uma taxa global de erro Tipo I de 0,05.

Discussão

Os resultados deste estudo não comprovam a hipótese de que os pacientes que recebem manutenção da anestesia com propofol apresentem menos dor quatro horas pós-colecistectomia laparoscópica, em comparação com isoflurano, desflurano ou sevoflurano.

Nossos resultados diferem daqueles de estudos recentes que relataram escores menores de dor pós-cirurgia em pacientes anestesiados com propofol em comparação com isoflurano ou sevoflurano.1111. Cheng SS, Yeh J, Flood P. Anesthesia matters: patients anesthetized with propofol have less postoperative pain than those anesthetized with isoflurane. Anesth Analg. 2008;106:264-9. and 1212. Tan T, Bhinder R, Carey M, et al. Day-surgery patients anesthetized with propofol have less postoperative pain than those anesthetized with sevoflurane. Anesth Analg. 2010;111:83-5. Um estudo conduzido por Cheng1111. Cheng SS, Yeh J, Flood P. Anesthesia matters: patients anesthetized with propofol have less postoperative pain than those anesthetized with isoflurane. Anesth Analg. 2008;106:264-9. mostrou benefício analgésico de propofol em comparação com isoflurano, mas apenas dois escores de dor foram registrados após a primeira hora, às duas e às 24 horas após a cirurgia. O estudo de Tan1212. Tan T, Bhinder R, Carey M, et al. Day-surgery patients anesthetized with propofol have less postoperative pain than those anesthetized with sevoflurane. Anesth Analg. 2010;111:83-5. mostrou que os pacientes apresentaram menos dor com propofol em comparação com sevoflurano, mas os escores de dor foram observados apenas durante as primeiras quatro horas após a cirurgia. Em contraste, nosso estudo não mostrou diferença significante nos escores de dor dos grupos de sevoflurano e propofol durante 24 horas no período pós-operatório.

Os defensores do uso de propofol para manutenção da anestesia muitas vezes citam estudos que associam anestésicos inalatórios e dor em nível bioquímico. Por exemplo, Zhang99. Zhang Y, Eger 2nd EI, Dutton R, et al. Inhaled anesthetics have hyperalgesic effects at 0.1 minimum alveolar anesthetic concentration. Anesth Analg. 2000;91:462-6. e Flood1010. Flood P, Sonner JM, Gong D, et al. Isoflurane hyperalgesia is modulated by nicotinic inhibition. Anesthesiology. 2002;97:192-8. relataram as qualidades hiperalgésicas de isoflurano. Recentemente, relatou-se que isoflurano e desflurano ativam o receptor de potencial transitório (RPT)-A1 de forma dependente da concentração.2020. Eilers H, Cattaruzza F, Nassini R, et al. Pungent general anesthetics activate transient receptor potential-A1 to produce hyperalgesia and neurogenic bronchoconstriction. Anesthesiology. 2010;112:1452-63. RPT-A1 está presente em nociceptores periféricos. Esse mesmo efeito não foi observado com halotano ou sevoflurano, o que sugere que a ativação do RPT-A1 pode desempenhar um papel no desenvolvimento da hiperalgesia por anestésicos voláteis irritativos.2020. Eilers H, Cattaruzza F, Nassini R, et al. Pungent general anesthetics activate transient receptor potential-A1 to produce hyperalgesia and neurogenic bronchoconstriction. Anesthesiology. 2010;112:1452-63. Embora os pacientes de nosso estudo que foram anestesiados com desflurano tenham apresentado dor mais intensa uma hora pós-cirurgia, na comparação com ropofol, essa diferença não foi estatisticamente significante em qualquer dos outros tempos avaliados durante as primeiras 24 horas.

Embora não tenhamos conseguido mostrar que propofol tem benefícios quando comparado com agentes inalatórios, nosso estudo tem limitações. Foi desenvolvido com base nos escores do desfecho primário da dor no pós-operatório, e não no consumo de analgésicos durante as primeiras 24 horas. Embora não tenhamos encontrado diferenças estatisticamente significantes no uso de fentanil, morfina ou hidrocodona/APAP em nossos grupos de estudo, essas diferenças precisam de investigações adicionais por meio de estudo projetado para esse resultado específico. Alguns dos métodos estatísticos usados para as análises partem do pressuposto de normalidade dos dados, mas a EAN é intrinsecamente não normal. Contudo, a análise não paramétrica com o uso dos testes de Kolmogorov-Smirnov e Kruskal-Wallis produziu resultados quase idênticos. A única diferença notável foi que o valor-p ajustado de Bonferroni na comparação de propofol e desflurano uma hora após a cirurgia não foi mais estatisticamente significante (p = 0,12).

Além disso, modelamos nosso protocolo com base nos procedimentos habituais de nossa instituição para o manejo da dor em pacientes no pós-operatório, que inclui uma abordagem multimodal com anestésicos locais, anti-inflamatórios não esteroides e opiáceos. Esses agentes analgésicos afetam a dor pós-operatória e podem mascarar as diferenças entre propofol e os agentes inalatórios. Para fins de comparação, no estudo de Cheng1111. Cheng SS, Yeh J, Flood P. Anesthesia matters: patients anesthetized with propofol have less postoperative pain than those anesthetized with isoflurane. Anesth Analg. 2008;106:264-9. os pacientes receberam ACP com morfina no pós-operatório e os resultados mostraram que os pacientes anestesiados com propofol apresentaram menos dor, em comparação com isoflurano, após cirurgia uterina a céu aberto. Os pacientes submetidos à cirurgia laparoscópica ginecológica diagnóstica no estudo de Tan1212. Tan T, Bhinder R, Carey M, et al. Day-surgery patients anesthetized with propofol have less postoperative pain than those anesthetized with sevoflurane. Anesth Analg. 2010;111:83-5. apresentaram menos dor após receber propofol, em comparação com sevoflurano, mas não receberam paracetamol, diclofenaco, dexametasona, morfina e oxicodona como parte de seu regime multimodal.

Optamos pelo uso de propofol como agente de indução IV em todos os grupos neste estudo, pois essa é uma prática comum em nossa instituição. Embora se possa argumentar que uma indução por meio de inalação seria o melhor projeto de estudo para os pacientes que recebem manutenção de anestesia com isoflurano, desflurano ou sevoflurano, o risco de aspiração nessa população de pacientes e as dificuldades com induções por meio de agentes inalatórios em pacientes adultos tornaram tal projeto impraticável. Portanto, não podemos desconsiderar os potenciais efeitos sobre a dor que uma dose de propofol para indução poderia ter em todos os grupos.

Outro fator de confusão em potencial é que alguns de nossos pacientes receberam succinilcolina, a critério do anestesiologista. Sentimos que era importante permitir essa escolha porque muitos pacientes em nossa população de estudo tinham fatores de risco para aspiração ou ventilação e intubação difíceis e, portanto, o uso de succinilcolina pode ser preferível ao uso de rocurônio para indução e intubação. É possível que alguns de nossos pacientes tenham apresentado dor muscular pós-fasciculação causada por succinilcolina, o que pode ter afetado nossas avaliações da dor no pós-operatório.

Muitos estudos clínicos anteriores de dor pós-colecistectomia laparoscópica geralmente têm uma população de pacientes com diagnóstico primário de cólica biliar e a cirurgia é normalmente feita em ambulatório. A maioria dos pacientes em nosso estudo foi submetida à cirurgia por causa de colecistite aguda. Esse subgrupo de pacientes pode apresentar mais dor durante o período perioperatório, em comparação com os pacientes com diagnóstico primário de cólica biliar ou pancreatite biliar. Esse aumento da dor perioperatória em nossa população de pacientes pode mascarar qualquer potencial diferença entre os agentes de manutenção. Porém, essa população heterogênea é uma mistura comum dos pacientes em muitos hospitais comunitários.

Em conclusão, a manutenção da anestesia geral com propofol, em comparação com isoflurano, desflurano ou sevoflurano, não resultou em escores menores de dor quatro horas pós-colecistectomia laparoscópica. Além disso, estudos bem projetados são necessários para determinar se propofol comparado a agentes inalatórios tem algum efeito benéfico sobre a dor no período pós-operatório de outros procedimentos cirúrgicos, com abordagem multimodal de analgesia.

Agradecimientos

Agradecemos ao Dr. Robert M. Bryan Jr., Professor de Anestesiologia no Baylor College of Medicine, por sua ajuda com a análise dos dados. Este estudo foi financiado, em parte, pelo Dan L. Duncan Institute for Clinical and Translational Research.

References

  • 1
    Bisgaard T, Klarskov B, Rosenberg J, et al. Factors determining convalescence after uncomplicated laparoscopic cholecystectomy. Arch Surg. 2001;136:917-21.
  • 2
    Bisgaard T, Klarskov B, Rosenberg J, et al. Characteristics and prediction of early pain after laparoscopic cholecystectomy. Pain. 2001;90:261-9.
  • 3
    Bisgaard T. Analgesic treatment after laparoscopic cholecystectomy: a critical assessment of the evidence. Anesthesiology. 2006;104:835-46.
  • 4
    Jensen K, Kehlet H, Kund CM. Post-operative recovery profile after laparoscopic cholecystectomy: a prospective, observational study of a multimodal anaesthetic regimen. Acta Anaesthesiol Scand. 2007;51:464-71.
  • 5
    Michaloliakou C, Chung F, Sharma S. Preoperative multimodal analgesia facilitates recovery after ambulatory laparoscopic cholecystectomy. Anesth Analg. 1996;82:44-51.
  • 6
    Munoz HR, Guerrero ME, Brandes V, et al. Effect of timing of morphine administration during remifentanil-based anaesthesia on early recovery from anaesthesia and postoperative pain. Br J Anaesth. 2002;88:814-8.
  • 7
    Sinha S, Munikrishnan V, Montgomery J, et al. The impact of patient-controlled analgesia on laparoscopic cholecystectomy. Ann R Coll Surg Engl. 2007;89:374-8.
  • 8
    Zajaczkowska R, Wnek W, Wordliczek J, et al. Peripheral opioid analgesia in laparoscopic cholecystectomy. Reg Anesth Pain Med. 2004;29:424-9.
  • 9
    Zhang Y, Eger 2nd EI, Dutton R, et al. Inhaled anesthetics have hyperalgesic effects at 0.1 minimum alveolar anesthetic concentration. Anesth Analg. 2000;91:462-6.
  • 10
    Flood P, Sonner JM, Gong D, et al. Isoflurane hyperalgesia is modulated by nicotinic inhibition. Anesthesiology. 2002;97:192-8.
  • 11
    Cheng SS, Yeh J, Flood P. Anesthesia matters: patients anesthetized with propofol have less postoperative pain than those anesthetized with isoflurane. Anesth Analg. 2008;106:264-9.
  • 12
    Tan T, Bhinder R, Carey M, et al. Day-surgery patients anesthetized with propofol have less postoperative pain than those anesthetized with sevoflurane. Anesth Analg. 2010;111:83-5.
  • 13
    Hofer CK, Zollinger A, Büchi S, et al. Patient well-being after general anaesthesia: a prospective, randomized, controlled multi-centre trial comparing intravenous and inhalation anaesthesia. Br J Anaesth. 2003;91:631-7.
  • 14
    Raeder JC, Mjaland O, Aasbo V, et al. Desflurane versus propofol maintenance for outpatient laparoscopic cholecystectomy. Acta Anaesthesiol Scand. 1998;42:106-10.
  • 15
    Fassoulaki A, Melemeni A, Paraskeva A, et al. Postoperative pain and analgesic requirements after anesthesia with sevoflurane, desflurane or propofol. Anesth Analg. 2008;107:1715-9.
  • 16
    Shafer SL, Nekhendzy V. Anesthesia matters: statistical anomaly or new paradigm?. Anesth Analg. 2008;106:3-4.
  • 17
    Flood P. Pro: accumulating evidence for an outrageous claim. Anesth Analg. 2010;111:86-7.
  • 18
    White PF. Con: anesthesia versus analgesia: assessing the analgesic effects of anesthetic drugs. Anesth Analg. 2010;111:88-9.
  • 19
    Gupta A, Thörn SE, Axelsson K, et al. Postoperative pain relief using intermittent injections of 0.5% ropivacaine through a catheter after laparoscopic cholecystectomy. Anesth Analg. 2002;95:450-6.
  • 20
    Eilers H, Cattaruzza F, Nassini R, et al. Pungent general anesthetics activate transient receptor potential-A1 to produce hyperalgesia and neurogenic bronchoconstriction. Anesthesiology. 2010;112:1452-63.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2014

Histórico

  • Recebido
    11 Dez 2012
  • Aceito
    20 Mar 2013
Sociedade Brasileira de Anestesiologia R. Professor Alfredo Gomes, 36, 22251-080 Botafogo RJ Brasil, Tel: +55 21 2537-8100, Fax: +55 21 2537-8188 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: bjan@sbahq.org