Acessibilidade / Reportar erro

Morfina como primeiro medicamento para tratamento da dor de câncer

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

Os medicamentos usados segundo a recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) não promovem alívio da dor de uma parcela dos pacientes com dor oncológica. O objetivo deste estudo foi avaliar o uso de morfina como primeiro medicamento para o tratamento da dor oncológica moderada, em pacientes com doença avançada e/ou metástases, como opção às recomendações da escada analgésica preconizada pela OMS.

MÉTODO:

Sessenta pacientes sem terapia com opioide, com idade maior ou igual a 18 anos, foram distribuídos aleatoriamente em dois grupos. Os pacientes do G1 receberam medicamentos segundo a escada analgésica e iniciaram o tratamento com não opioide no primeiro degrau, opioide fraco no segundo e opioide potente no terceiro; os do G2 receberam morfina como primeiro medicamento analgésico. Foram avaliadas a eficácia e a tolerabilidade do uso inicial de morfina, a cada duas semanas durante três meses.

RESULTADOS:

Os grupos foram semelhantes quanto aos dados demográficos. Não houve diferença significante entre os grupos quanto à intensidade da dor, qualidade de vida, capacidade física, satisfação com o tratamento, necessidade de complementação e dose de morfina usada. No G1 houve maior incidência de náusea (p = 0,0088), sonolência (p = 0,0005), constipação (p = 0,0071) e tontura (p = 0,0376) na segunda consulta e para sonolência (p = 0,05) na terceira.

CONCLUSÕES:

O uso de morfina como primeiro medicamento para tratamento da dor não promoveu melhor efeito analgésico do que a escada preconizada pela OMS e houve maior incidência de efeitos adversos.

Dor oncológica; Analgesia; Morfina


BACKGROUND AND OBJECTIVES:

the medications used according to the recommendation of the World Health Organization do not promote pain relief in a number of patients with cancer pain. The aim of this study was to evaluate the use of morphine as first medication for the treatment of moderate cancer pain in patients with advanced and/or metastatic disease, as an option to the recommendations of the World Health Organization analgesic ladder.

METHOD:

sixty patients without opioid therapy, with >18 years of age, were randomized into two groups. G1 patients received medication according to the analgesic ladder and started treatment with non-opioids in the first, weak opioids in the second, and strong opioids in the third step; G2 patients received morphine as first analgesic medication. The efficacy and tolerability of initial use of morphine were evaluated every two weeks for three months.

RESULTS:

the groups were similar with respect to demographic data. There was no significant difference between the groups regarding pain intensity, quality of life, physical capacity, satisfaction with treatment, need for complementation and dose of morphine. In G1 there was a higher incidence of nausea (p = 0.0088), drowsiness (p = 0.0005), constipation (p = 0.0071) and dizziness (p = 0.0376) in the second visit and drowsiness (p = 0.05) in the third.

CONCLUSIONS:

the use of morphine as first medication for pain treatment did not promote better analgesic effect than the ladder recommended by World Health Organization, with higher incidence of adverse effects.

Cancer pain; Analgesia; Morphine


JUSTIFICACIÓN Y OBJETIVOS:

los medicamentos usados según la recomendación de la Organización Mundial de la Salud (OMS) no generan alivio del dolor de un grupo de pacientes con dolor oncológico. El objetivo de este estudio fue evaluar el uso de la morfina como primer medicamento para el tratamiento del dolor oncológico moderado en pacientes con enfermedad avanzada y/o metástasis, como opción a las recomendaciones de la escala analgésica preconizada por la OMS.

MÉTODO:

sesenta pacientes sin terapia con opiáceos, con una edad mayor o igual a los 18 años, fueron distribuidos aleatoriamente en 2 grupos. Los pacientes del G1 recibieron medicamentos según la escala analgésica iniciando el tratamiento con no opiáceo en la primera etapa, opiáceo débil en la segunda y opiáceo potente en la tercera; los del G2 recibieron morfina como primer medicamento analgésico. Fueron evaluadas la eficacia y la tolerabilidad del uso inicial de la morfina cada 2 semanas durante 3 meses.

RESULTADOS:

los grupos fueron similares en cuanto a los datos demográficos. No hubo diferencia significativa entre los grupos en lo que respecta a la intensidad del dolor, calidad de vida, capacidad física, satisfacción con el tratamiento, necesidad de complementación y dosis de morfina usada. En el G1 hubo una mayor incidencia de náuseas (p = 0,0088), somnolencia (p = 0,0005), estreñimiento (p = 0,0071) y mareos (p = 0,0376) en la segunda consulta, y de somnolencia (p = 0,05) en la tercera.

CONCLUSIONES:

el uso de la morfina como primer medicamento para el tratamiento del dolor no generó un efecto analgésico mejor que la escala preconizada por la OMS, habiendo una mayor incidencia de efectos adversos.

Dolor oncológico; Analgesia; Morfina


Introdução

A prevalência do câncer tem aumentado, com projeção estimada para 2020 de 17 milhões de novos casos.11. Kanavos P. The rising burden of cancer in the developing world. Ann Oncol. 2006;17:15-23. Significa que haverá aumento de indivíduos com dor causada pela doença e pelos tratamentos.22. Paice JA. Chronic treatment-related pain in cancer survivors. Pain. 2011;152:S84-9.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) elaborou a escada analgésica como diretriz para tratamento da dor oncológica e orientou o uso de anti-inflamatórios não esteroides (Aine) para dor leve no primeiro degrau, opioide fraco para dor moderada no segundo e opioide potente para dor intensa no terceiro degrau. Fármacos adjuvantes podem ser associados em todos os degraus.

Em um estudo retrospectivo de 1.229 pacientes com dor oncológica, o autor relata que a escada analgésica é eficaz em 71%.33. Ventafridda V, Tamburini M, Caraceni A, et al. A validation study of the WHO method for cancer pain relief. Cancer. 1987;59:850-6. Muitos pacientes não obtêm alívio adequado da dor.44. Apolone G, Corli O, Caraceni A, et al. Pattern and quality of care of cancer pain management. Results from the Cancer Pain Outcome Research Study Group. Br J Cancer. 2009;100:1566-74. and 55. Colson J, Koyyalagunta D, Falco FJE, et al. A systematic review of observational studies on the effectiveness of opioid therapy for cancer pain. Pain Phys. 2011;14:E85-102.

Fatores relacionados aos pacientes, às instituições de saúde e às políticas reguladoras sobre medicamentos contribuem para o subtratamento da dor.66. Reid CM, Gooberman-Hill R, Hanks GW. Opioid analgesics for cancer pain: symptom control for the living or comfort for the dying? A qualitative study to investigate the factors influencing the decision to accept morphine for pain caused by cancer. Ann Oncol. 2008;19:44-8. and 77. Fairchild A. Under-treatment of cancer pain. Curr Opin Support Palliat Care. 2010;4:11-5. Muitos pacientes com dor moderada a intensa não recebem analgésicos e somente 24% dos com dor intensa recebem opioide potente. Em um estudo, 32% dos pacientes relataram que o desconforto era tão grande que preferiam a morte.88. Breivik H, Cherny N, Collett B, et al. Cancer-related pain: a pan-European survey of prevalence, treatment, and patient attitudes. Ann Oncol. 2009;20:1420-33. Apesar da evolução do conhecimento sobre dor, mais de 80% dos pacientes com câncer em estágio avançado sofrem de dor.99. Costantini M, Ripamonti C, Beccaro M, et al. Prevalence, dis- tress, management, and relief of pain during the last 3 months of cancer patients' life. Results of an Italian mortality follow- back survey. Ann Oncol. 2009;20:729-35. Em uma revisão sistemática, os autores sugerem que a dor é subtratada em aproximadamente metade dos pacientes.1010. Deandrea S, Montanari M, Moja L, Apolone G. Prevalence of undertreatment in cancer pain. A review of published litera- ture. Ann Oncol. 2008;19:1985-91.

Poucos estudos propuseram uma opção à escada da OMS1111. Maltoni M, Scarpi E, Modonesi C, et al. A validation study of the WHO analgesic ladder: a two-step vs three-step strategy. Support Care Cancer. 2005;13:888-94. e sugeriram que os opioides são prescritos inapropriadamente.1212. Klepstad P, Kaasa S, Cherny N, et al. Pain and pain treatments in European palliative care units. A cross sectional survey from the European Association for Palliative Care Research Network. Palliat Med. 2005;19:477-84. Em uma revisão, os autores sugerem que o protocolo da OMS não usa as recomendações baseadas em evidências.1313. Ferreira KASL, Kimura M, Teixeira MJ. The WHO analgesic lad- der for cancer pain control, twenty years of use. How much pain relief does one get from using it? Support Care Cancer. 2006;14:1086-93. Alguns autores criticam a restrição de opioides potentes para o terceiro degrau.1414. Marinangeli F, Ciccozzi A, Leonardis M, et al. Use of strong opioids in advanced cancer pain: a randomized trial. J Pain Symptom Manage. 2004;27:409-16. Em estudo com 5.084 pacientes, 56% apresentaram dor moderada a intensa pelo menos mensalmente.88. Breivik H, Cherny N, Collett B, et al. Cancer-related pain: a pan-European survey of prevalence, treatment, and patient attitudes. Ann Oncol. 2009;20:1420-33. Controle melhor da dor e maior satisfação do paciente poderiam ser obtidos com o uso de opioides potentes como primeiro medicamento.1414. Marinangeli F, Ciccozzi A, Leonardis M, et al. Use of strong opioids in advanced cancer pain: a randomized trial. J Pain Symptom Manage. 2004;27:409-16.

Por causa dessas controvérsias há necessidade de mais estudos. O objetivo deste estudo foi verificar se o uso de morfina no primeiro degrau da escada pode melhorar o resultado.

Método

Desenho

Foi feito estudo prospectivo randomizado.

Participantes

Após aprovação do Comitê de Ética e assinatura do termo de consentimento foi investigada a eficácia da morfina usada no primeiro degrau da escada da OMS em pacientes com câncer localmente avançado e/ou metástases. Foram excluídos pacientes com dificuldade de manter o seguimento clínico, alteração cognitiva e tratamento prévio com opioides. O estudo foi registrado no clinicaltrials.gov com número NCT01541124.

Randomização, intervenção e avaliação

Os pacientes foram alocados em dois grupos com o uso de envelopes que continham o número do paciente e o grupo a que pertencia. Os pacientes foram incluídos na sequência por sorteio na consulta. Os pacientes do G1 foram tratados segundo as orientações da escada analgésica da OMS e iniciaram, no primeiro degrau, com paracetamol 1 g a cada seis horas (dose máxima de 4 g/dia); no segundo, codeína (30 mg) a cada quatro horas (dose máxima de 360 mg/dia) e morfina 10 mg a cada quatro horas no terceiro degrau. Os pacientes do G2 receberam morfina 10 mg a cada quatro horas. Fármacos adjuvantes foram associados sempre que indicados.

De acordo com a intensidade da dor, os pacientes do G1 trocaram de fármaco em obediência à escada analgésica e os pacientes do G2 tiveram a dose do analgésico ajustada. A necessidade de terapia oncológica paliativa, como radioterapia, quimioterapia ou hormonioterapia, foi indicada pelo oncologista.

Foram avaliados: intensidade da dor a cada duas semanas por meio da escala visual analógica (VAS); qualidade de vida a cada quatro semanas por meio do questionário breve de qualidade de vida da OMS;1515. Fleck MPA, Louzada S, Xavier M, et al. Aplica¸cão da versão em português do instrumento abreviado de avalia¸cão da qual- idade de vida ''WHOQOL-brief''. Rev Saúde Pública. 2000;34:178-83. satisfação com o tratamento; capacidade física avaliada pelo índice do Eastern Cooperative Oncology Group (Ecog);1616. Myers J, Gardiner K, Harris K, et al. Evaluating correlation and interrater reliability for four performance scales in the Pallia- tive Care Setting. J Pain Symptom Manage. 2010;39:250-8. necessidade de complementação de analgésicos. Os efeitos adversos foram anotados. O seguimento foi feito durante três minutos ou até o falecimento do paciente.

Análise estatística

Para o cálculo do tamanho da amostra foi usado o programa BioEstat 2.0. A média e o desvio padrão de outro estudo similar foram usados como referência.1414. Marinangeli F, Ciccozzi A, Leonardis M, et al. Use of strong opioids in advanced cancer pain: a randomized trial. J Pain Symptom Manage. 2004;27:409-16. Para nível de confiança de 95% e poder do estudo de 80%, houve necessidade de 30 pacientes por grupo (60 no total). Para o estudo estatístico foi usado o programa GraphPad Prisma. Foram empregados os testes t de Student para comparar idade, peso e estatura; qui-quadrado para satisfação do paciente, necessidade de complementação e efeitos adversos; e Mann-Whitney para intensidade da dor, qualidade de vida e capacidade física. Foram considerados significantes os valores de p < 0,05 e os resultados foram expressos em média ± DP.

Resultados

A sequência do estudo está ilustrada no diagrama (fig. 1). Foram incluídos 60 pacientes, 30 em cada grupo. Por motivo de óbito, completaram o estudo 24 pacientes do G1 e 29 do G2. Os grupos foram semelhantes quanto aos dados demográficos (sexo, idade, peso e estatura) (tabela 1).

Figura 1
Diagrama consorte.

Tabela 1
Dados demográficos (Média ± DP)

A localização mais frequente dos tumores foi na região da cabeça e do pescoço (G1: 22; G2: 26) e a mesma para a dor (G1: 21; G2: 26). O tipo de dor mais frequente foi a somática (G1: 27; G2: 30). Não houve diferença significativa entre os grupos em relação à duração da dor (G1: 4 m; G2: 3 m) e uso prévio de paracetamol (G1: 5, G2: 2), dipirona (G1: 24; G2: 24), Aine (G1, 4; G2: 10), antidepressivos tricíclicos (G1, 1; G2, 1), ansiolítico (G1: 1; G2: 0) e sem medicação (G1: 2; G2: 1).

Não houve diferença na necessidade de complementação entre os grupos na terceira visita (G1: 0; G2: 11; p = 0,5057), quarta (G1: 5; G2: 9; p = 0,6696), quinta (G1: 10; G2: 7; p = 0,5970), sexta (G1: 3; G2: 7; p = 0,1966) ou sétima (G1: 3; G2: 5; p = 0,3576) (teste t de Student). Não houve diferença na intensidade da dor ( tabela 2) ou na qualidade de vida ( tabela 3). Não houve diferença na capacidade física na primeira visita (G1: 0,7 ± 0,6; G2: 0,8 ± 0,6; p = 0,4430), segunda (G1: 1 ± 0,6; G2: 0;9 ± 0;5; p = 0,8564), terceira (G1: 1,1 ± 0,5; G2: 1,1 ± 0,5; p = 1.000), quarta (G: 1,2 ± 0,4; G2: 1,1 ± 0,5; p = 0,4203), quinta (G1: 1,2 ± 0,6; G2: 1,1 ± 0,4; p = 0,6234), sexta (G1: 1,2 ± 0,6; G2: 1,20 ± 0,6; p = 0.7197) ou sétima (G1: 1,2 ± 0,5; G2: 1,4 ± 0,7; p = 0443) (teste de Mann-Whitney). A satisfação com o tratamento foi semelhante nos grupos, na segunda (G1: 20; G2: 24; p = 0,5275), terceira (G1: 22; G2: 27; p = 0,3288), quarta (G1: 22; G2: 28; p = 0,1056), quinta (G1: 26; G2: 26; p = 1), sexta (G1: 24; G2: 29; p = 1) e sétima (G1: 24; G2: 28; p = 1) (teste do qui-quadrado).

Tabela 2
Intensidade da dor pela escala analógica visual (cm; média ± DP)
Tabela 3
Qualidade de vida

Houve diferença estatística significativa entre os grupos na segunda consulta para: náusea (G1: 5; G2: 15; p = 0,0088), constipação (G1: 14; G2: 25; p = 0,0071), tontura (G1, 6; G2: 14; p = 0,0376) e sonolência (G1: 13; G2: 27; p = 0,0005) e também houve diferença estatística significativa na terceira consulta para sonolência (G1: 17; G2: 25; p = 0,05), sempre com maior frequência no G2 (teste qui-quadrado).

Discussão

Neste estudo, houve redução na intensidade da dor em ambos os grupos, o que sugere que as técnicas foram eficazes. Em outro estudo, os pacientes que receberam opioides potentes obtiveram melhor controle da dor e maior satisfação do que os do grupo convencional, mas apresentaram mais efeitos adversos.1111. Maltoni M, Scarpi E, Modonesi C, et al. A validation study of the WHO analgesic ladder: a two-step vs three-step strategy. Support Care Cancer. 2005;13:888-94.

É possível que a associação do paracetamol com a morfina resultasse em melhor efeito analgésico. Em outros estudos a combinação de opioides potentes e não opioides obteve melhor controle da dor.1212. Klepstad P, Kaasa S, Cherny N, et al. Pain and pain treatments in European palliative care units. A cross sectional survey from the European Association for Palliative Care Research Network. Palliat Med. 2005;19:477-84. and 1414. Marinangeli F, Ciccozzi A, Leonardis M, et al. Use of strong opioids in advanced cancer pain: a randomized trial. J Pain Symptom Manage. 2004;27:409-16. Entretanto, em um estudo, metade dos pacientes previamente tratados com a combinação de paracetamol com opioide potente também obteve controle da dor sem o paracetamol e número substancial de pacientes suspendeu o paracetamol pela inconveniência de deglutir tantos medicamentos e mesmo assim mantiveram controle da dor.1717. Dios PD, Lestón JS. Oral cancer pain. Oral Oncol. 2010;46:448-51. and 1818. Axelsson B, Stellborn P, Ström G. Analgesic effect of paraceta- mol on cancer related pain in concurrent strong opioid therapy. A prospective clinical study. Acta Oncol. 2008;47:891-5. De acordo com esses dados, os pacientes do G2 não necessitaram de doses muito grandes de morfina para obter alívio da dor, mesmo sem o paracetamol. Para pacientes com dor moderada a intensa que não usaram opioide previamente, a dose inicial menor de morfina (15 mg/d) pode ser eficaz e bem tolerada.1919. Israel FJ, Parker G, Charles M, et al. Lack of benefit from paracetamol (acetaminophen) for palliative cancer patients requiring high-dose strong opioids: a randomized, double-blind, placebo-controlled, crossover trial. J Pain Symptom Manage. 2010;39:548-54.

Não houve pioria da qualidade de vida e da capacidade física durante a evolução deste estudo, mas isso não refletiu o impacto negativo da doença. Em outro estudo, embora os pacientes que receberam opioides potentes tenham obtido melhor controle da dor, a qualidade de vida e a capacidade física deterioraram gradualmente.1414. Marinangeli F, Ciccozzi A, Leonardis M, et al. Use of strong opioids in advanced cancer pain: a randomized trial. J Pain Symptom Manage. 2004;27:409-16.

Neste estudo, não houve diferença na satisfação do paciente, que é uma importante forma de avaliação. Outro ponto importante é a incidência de efeitos adversos. Em outro estudo os pacientes que receberam opioides potentes estavam mais satisfeitos, mas apresentaram mais efeitos adversos.1111. Maltoni M, Scarpi E, Modonesi C, et al. A validation study of the WHO analgesic ladder: a two-step vs three-step strategy. Support Care Cancer. 2005;13:888-94. Houve menor incidência de náusea em pacientes com tratamento convencional e nos em que as doses de opioides foram ajustadas de acordo com a intensidade da dor.1414. Marinangeli F, Ciccozzi A, Leonardis M, et al. Use of strong opioids in advanced cancer pain: a randomized trial. J Pain Symptom Manage. 2004;27:409-16. Neste estudo, ocorreu maior incidência de efeitos adversos quando a morfina foi administrada primeiro, o que está de acordo com a validação da escada segundo a OMS.33. Ventafridda V, Tamburini M, Caraceni A, et al. A validation study of the WHO method for cancer pain relief. Cancer. 1987;59:850-6. Entretanto, não foi observado comprometimento da qualidade de vida na segunda e na terceira visitas, o que apoia o uso de morfina como primeiro medicamento. Efeitos como náusea, vômito e constipação podem ser controlados com uso profilático de antieméticos e laxativos. É possível que a incidência de moleza e tontura fosse comparável à observada com a escada da OMS se os pacientes do G2 tivessem recebido doses menores de morfina e associadas ao paracetamol ou à dipirona. A dose inicial de morfina no G2 foi fixada para todos os pacientes, o que pode ter contribuído para a incidência maior de efeitos adversos. Individualizar a dose inicial baseada na intensidade da dor com aumento gradual pode reduzir a incidência de efeitos adversos.

A motivação para este trabalho foi o número pequeno de estudos que investigam uma opção para escada da OMS para o tratamento da dor do câncer. Cerca de 30% dos pacientes apresentam dor moderada a intensa e um dos motivos pode ser a prescrição de opioide de forma inapropriada.1212. Klepstad P, Kaasa S, Cherny N, et al. Pain and pain treatments in European palliative care units. A cross sectional survey from the European Association for Palliative Care Research Network. Palliat Med. 2005;19:477-84.

A amostra deste estudo foi obtida em dois anos e seis meses por causa da dificuldade de encontrar pacientes com os critérios de inclusão. Em estudo semelhante, os autores não conseguiram incluir o número da amostra calculada.1111. Maltoni M, Scarpi E, Modonesi C, et al. A validation study of the WHO analgesic ladder: a two-step vs three-step strategy. Support Care Cancer. 2005;13:888-94. Em outro estudo foram incluídos pacientes com dor leve a moderada e foram excluídos somente se estivessem usando opioides potentes, o que facilitou a alocação.1414. Marinangeli F, Ciccozzi A, Leonardis M, et al. Use of strong opioids in advanced cancer pain: a randomized trial. J Pain Symptom Manage. 2004;27:409-16. Acredita-se que a amostra deste estudo seja suficiente para refletir o efeito dos medicamentos de acordo com a OMS e do uso da morfina como primeiro medicamento. As condições clínicas dos pacientes tornam difícil a aplicação de protocolo em pacientes com câncer avançado.

Neste estudo, houve grande incidência de tumores de cabeça e pescoço, diferentemente de outros estudos,1111. Maltoni M, Scarpi E, Modonesi C, et al. A validation study of the WHO analgesic ladder: a two-step vs three-step strategy. Support Care Cancer. 2005;13:888-94. and 1414. Marinangeli F, Ciccozzi A, Leonardis M, et al. Use of strong opioids in advanced cancer pain: a randomized trial. J Pain Symptom Manage. 2004;27:409-16. porém todos apresentaram os critérios de inclusão porque o câncer já era de estágio avançado no diagnóstico, com dor moderada e nunca tratado previamente com opioides. Em um estudo, dois em cada três pacientes com câncer de cabeça ou pescoço apresentaram dor durante seis meses antes do diagnóstico.2020. Mercadante S, Porzio G, Ferrera P, et al. Low morphine doses in opioid-naive cancer patients with pain. J Pain Symptom Manage. 2006;31:242-7. O analgésico mais comumente usado antes da primeira consulta foi a dipirona e em outro estudo os anti-inflamatórios foram os mais usados.1111. Maltoni M, Scarpi E, Modonesi C, et al. A validation study of the WHO analgesic ladder: a two-step vs three-step strategy. Support Care Cancer. 2005;13:888-94.

Pode ser concluído que os dois métodos de tratamento da dor de pacientes com câncer avançado são comparáveis, com a diferença de que os pacientes que receberam a morfina como primeiro medicamento apresentam mais efeitos adversos no início do tratamento. Para pacientes selecionados e com dor intensa, o uso de opioide potente pode ser uma medida mais adequada. A principal limitação deste estudo é a impossibilidade de ser duplo encoberto. Mais estudos são recomendados para avaliação de opções para escada analgésica (tabela 4).

Tabela 4
Dose de morfina (mg/dia)

References

  • 1
    Kanavos P. The rising burden of cancer in the developing world. Ann Oncol. 2006;17:15-23.
  • 2
    Paice JA. Chronic treatment-related pain in cancer survivors. Pain. 2011;152:S84-9.
  • 3
    Ventafridda V, Tamburini M, Caraceni A, et al. A validation study of the WHO method for cancer pain relief. Cancer. 1987;59:850-6.
  • 4
    Apolone G, Corli O, Caraceni A, et al. Pattern and quality of care of cancer pain management. Results from the Cancer Pain Outcome Research Study Group. Br J Cancer. 2009;100:1566-74.
  • 5
    Colson J, Koyyalagunta D, Falco FJE, et al. A systematic review of observational studies on the effectiveness of opioid therapy for cancer pain. Pain Phys. 2011;14:E85-102.
  • 6
    Reid CM, Gooberman-Hill R, Hanks GW. Opioid analgesics for cancer pain: symptom control for the living or comfort for the dying? A qualitative study to investigate the factors influencing the decision to accept morphine for pain caused by cancer. Ann Oncol. 2008;19:44-8.
  • 7
    Fairchild A. Under-treatment of cancer pain. Curr Opin Support Palliat Care. 2010;4:11-5.
  • 8
    Breivik H, Cherny N, Collett B, et al. Cancer-related pain: a pan-European survey of prevalence, treatment, and patient attitudes. Ann Oncol. 2009;20:1420-33.
  • 9
    Costantini M, Ripamonti C, Beccaro M, et al. Prevalence, dis- tress, management, and relief of pain during the last 3 months of cancer patients' life. Results of an Italian mortality follow- back survey. Ann Oncol. 2009;20:729-35.
  • 10
    Deandrea S, Montanari M, Moja L, Apolone G. Prevalence of undertreatment in cancer pain. A review of published litera- ture. Ann Oncol. 2008;19:1985-91.
  • 11
    Maltoni M, Scarpi E, Modonesi C, et al. A validation study of the WHO analgesic ladder: a two-step vs three-step strategy. Support Care Cancer. 2005;13:888-94.
  • 12
    Klepstad P, Kaasa S, Cherny N, et al. Pain and pain treatments in European palliative care units. A cross sectional survey from the European Association for Palliative Care Research Network. Palliat Med. 2005;19:477-84.
  • 13
    Ferreira KASL, Kimura M, Teixeira MJ. The WHO analgesic lad- der for cancer pain control, twenty years of use. How much pain relief does one get from using it? Support Care Cancer. 2006;14:1086-93.
  • 14
    Marinangeli F, Ciccozzi A, Leonardis M, et al. Use of strong opioids in advanced cancer pain: a randomized trial. J Pain Symptom Manage. 2004;27:409-16.
  • 15
    Fleck MPA, Louzada S, Xavier M, et al. Aplica¸cão da versão em português do instrumento abreviado de avalia¸cão da qual- idade de vida ''WHOQOL-brief''. Rev Saúde Pública. 2000;34:178-83.
  • 16
    Myers J, Gardiner K, Harris K, et al. Evaluating correlation and interrater reliability for four performance scales in the Pallia- tive Care Setting. J Pain Symptom Manage. 2010;39:250-8.
  • 17
    Dios PD, Lestón JS. Oral cancer pain. Oral Oncol. 2010;46:448-51.
  • 18
    Axelsson B, Stellborn P, Ström G. Analgesic effect of paraceta- mol on cancer related pain in concurrent strong opioid therapy. A prospective clinical study. Acta Oncol. 2008;47:891-5.
  • 19
    Israel FJ, Parker G, Charles M, et al. Lack of benefit from paracetamol (acetaminophen) for palliative cancer patients requiring high-dose strong opioids: a randomized, double-blind, placebo-controlled, crossover trial. J Pain Symptom Manage. 2010;39:548-54.
  • 20
    Mercadante S, Porzio G, Ferrera P, et al. Low morphine doses in opioid-naive cancer patients with pain. J Pain Symptom Manage. 2006;31:242-7.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2014

Histórico

  • Recebido
    19 Mar 2013
  • Aceito
    10 Jun 2013
Sociedade Brasileira de Anestesiologia R. Professor Alfredo Gomes, 36, 22251-080 Botafogo RJ Brasil, Tel: +55 21 2537-8100, Fax: +55 21 2537-8188 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: bjan@sbahq.org