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O anestesiologista: a visão do doente

Resumos

JUSTIFICATIVA/OBJETIVOS:

A anestesia ainda é uma preocupação importante para os doentes, embora as complicações anestésicas tenham diminuído significativamente. Adicionalmente, o papel atribuído ao anestesiologista permanece impreciso. Avaliar as preocupações com a anestesia e verificar o conhecimento dos doentes acerca das funções do anestesiologista foram os objetivos deste estudo.

MÉTODOS:

Estudo prospetivo decorrido durante 3 meses em doentes com consulta de anestesia pré-operatória num Hospital Universitário. Foi questionada informação demográfica, nível de educação e anestesia prévia. Foi avaliado o conhecimento dos doentes relativamente à educação do anestesiologista. As preocupações dos doentes, responsabilidades dos anestesiologistas e cirurgiões foram classificadas usando uma escala de 5 pontos. A análise foi realizada com SPSS 21, p < 0,05 foi considerado estatisticamente significativo.

RESULTADOS:

Foram incluídos 204 doentes. 135 (66,2%) reconheceram o anestesiologista como médico especialista. Não acordar após a cirurgia e infeção pós-operatória foram as principais preocupações, comparativamente a todas as outras (p < 0,05). As mulheres manifestaram maior preocupação do que os homens com (p < 0,05): não acordar após a cirurgia, náuseas e vómitos pós-operatórios, problemas médicos e acordar durante a cirurgia. Assegurar que os doentes não acordem durante a cirurgia foi a tarefa mais reconhecida no anestesiologista, comparativamente a todas as outras (p < 0,05). O cirurgião foi mais reconhecido (p < 0,05) do que o anestesiologista na gestão da dor pós-operatória, administração de antibióticos e transfusões sanguíneas.

CONCLUSÕES:

Os doentes necessitam de ser informados acerca da atual segurança da anestesia e sobre as funções do anestesiologista. Envolver o doente irá desmistificar alguns receios e reassegurar a confiança no sistema de saúde.

Anestesiologia; Relação médico-doente; Satisfação do doente


BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Anesthesia is still a major concern for patients, although the anesthetic complications have decreased significantly. Additionally, the role assigned to the anesthesiologist remains inaccurate. The aim of this study was to evaluate the concerns with anesthesia and assess the patient's knowledge about the anesthesiologist's duties.

METHODS:

Prospective study conducted over three months with patients in the preoperative anesthetic visit in a university hospital. Demographic information about the level of education and prior anesthesia was obtained. The knowledge of patients regarding the anesthesiologists' education was evaluated. Patients' concerns and anesthesiologist and surgeon responsibilities were classified with a 5-point scale. The analysis was performed with SPSS 21, and p < 0.05 was considered statistically significant.

RESULTS:

We included 204 patients, and 135 (66.2%) recognized the anesthesiologist as a specialist physician. Not waking up after surgery and postoperative infection were the main concerns compared to all others (p < 0.05). Women expressed more concern than men about not waking up after surgery, nausea and postoperative vomiting, medical problems, and waking up during surgery (p < 0.05). Ensure that patients do not wake up during surgery was the anesthesiologist task most recognized, compared to all other (p < 0.05). The surgeon was more recognized (p < 0.05) than the anesthesiologist in post-operative, antibiotics administration, and blood transfusions pain management.

CONCLUSIONS:

Patients need to be informed about the current safety of anesthesia and the anesthesiologist's functions. The patient involvement will demystify some fears and reassure the confidence in the health system.

Anesthesiology; Doctor-patient relationship; Patient satisfaction


Introdução

A compreensão do papel do anestesiologista e o seu reconhecimento aos olhos do mundo atual tem sido um assunto subvalorizado, sendo considerada como uma especialidade "por detrás do ecrã", em que o ator principal é o cirurgião e o Anestesiologista apenas tem uma função secundária.11. Hariharan S. Knowledge and attitudes of patients towards anes- thesia and anesthesiologists. A review. Anestesia en Mexico. 2009;21:174-8. ,22. Simini B. Anaesthetist: the wrong name for the right doctor. Lancet. 2000;355:1892. and33. de Oliveira KF, Clivatti J, Munechika M, et al. What do patients know about the work of anesthesiologists? Rev Bras Anestesiol. 2011;61:720-7.

Apesar dos vários estudos sobre a perceção dos doentes relativamente à anestesiologia, não tem havido uma significativa evolução nos resultados ou nos esforços para expor esta área de interesse ao público geral.11. Hariharan S. Knowledge and attitudes of patients towards anes- thesia and anesthesiologists. A review. Anestesia en Mexico. 2009;21:174-8. , 22. Simini B. Anaesthetist: the wrong name for the right doctor. Lancet. 2000;355:1892. , 33. de Oliveira KF, Clivatti J, Munechika M, et al. What do patients know about the work of anesthesiologists? Rev Bras Anestesiol. 2011;61:720-7. , 44. Hariharan S, Merritt-Charles L, Chen D. Patient perception of the role of anesthesiologists: a perspective from the Caribbean. J Clin Anesth. 2006;18:504-9. , 55. Calman LM, Mihalache A, Evron S, et al. Current understand- ing of the patient's attitude toward the anesthetist's role and practice in Israel: effect of the patient's experience. J Clin Anesth. 2003;15:451-4. ,66. Gottschalk A, Seelen S, Tivey S, et al. What do patients know about anesthesiologists? Results of a comparative survey in an U.S., Australian, and German university hospital. J Clin Anesth. 2013;25:85-91. and77. Leite F, da Silva LM, Biancolin SE, et al. Patient perceptions about anesthesia and anesthesiologists before and after surgical procedures. Sao Paulo Med J. 2011;129:224-9. A falta de conhecimento dos doentes não se limita ao papel do anestesiologista no bloco operatório, mas também às suas funções em Unidades de Cuidados Intensivos (UCI), no controlo da dor e no ensino a estudantes de medicina.11. Hariharan S. Knowledge and attitudes of patients towards anes- thesia and anesthesiologists. A review. Anestesia en Mexico. 2009;21:174-8. , 22. Simini B. Anaesthetist: the wrong name for the right doctor. Lancet. 2000;355:1892. , 33. de Oliveira KF, Clivatti J, Munechika M, et al. What do patients know about the work of anesthesiologists? Rev Bras Anestesiol. 2011;61:720-7. , 44. Hariharan S, Merritt-Charles L, Chen D. Patient perception of the role of anesthesiologists: a perspective from the Caribbean. J Clin Anesth. 2006;18:504-9. ,55. Calman LM, Mihalache A, Evron S, et al. Current understand- ing of the patient's attitude toward the anesthetist's role and practice in Israel: effect of the patient's experience. J Clin Anesth. 2003;15:451-4. and66. Gottschalk A, Seelen S, Tivey S, et al. What do patients know about anesthesiologists? Results of a comparative survey in an U.S., Australian, and German university hospital. J Clin Anesth. 2013;25:85-91. As preocupações do doente relativamente à anestesia também foram alvo de vários estudos nos últimos anos e, embora o desenvolvimento das técnicas de anestesia tenha diminuído significativamente a incidência de complicações, ainda são uma causa importante de receio.11. Hariharan S. Knowledge and attitudes of patients towards anes- thesia and anesthesiologists. A review. Anestesia en Mexico. 2009;21:174-8. , 66. Gottschalk A, Seelen S, Tivey S, et al. What do patients know about anesthesiologists? Results of a comparative survey in an U.S., Australian, and German university hospital. J Clin Anesth. 2013;25:85-91. ,88. Matthey P, Finucane BT, Finegan BA. The attitude of the general public towards preoperative assessment and risks associated with general anesthesia. Can J Anaesth. 2001;48: 333-9. and99. Royston D. Cox F - anaesthesia: the patient's point of view. Lancet. 2003;362:1648-58. Além disso, a maioria dos estudos que compara o conhecimento de doentes com e sem experiência anestésica não mostra diferenças significativas nos resultados, o que pode traduzir limitações no contacto doente-anestesiologista.33. de Oliveira KF, Clivatti J, Munechika M, et al. What do patients know about the work of anesthesiologists? Rev Bras Anestesiol. 2011;61:720-7. and1010. Mavridou P, Dimitriou V, Papadopoulou M, et al. Effect of pre- vious anesthesia experience on patients' knowledge and desire for information about anesthesia and the anesthesiologist: a 500 patients' survey from Greece. Acta Anaesthesiol Belg. 2012;63:63-8.

Com a explosão de informação recente através dos media e Internet, seria de esperar o reconhecimento da anestesiologia. Esta foi uma área de grande evolução nos últimos anos, que permitiu impulsionar inúmeras técnicas cirúrgicas e ultrapassar obstáculos fisiológicos. 22. Simini B. Anaesthetist: the wrong name for the right doctor. Lancet. 2000;355:1892. ,55. Calman LM, Mihalache A, Evron S, et al. Current understand- ing of the patient's attitude toward the anesthetist's role and practice in Israel: effect of the patient's experience. J Clin Anesth. 2003;15:451-4. and77. Leite F, da Silva LM, Biancolin SE, et al. Patient perceptions about anesthesia and anesthesiologists before and after surgical procedures. Sao Paulo Med J. 2011;129:224-9. Contudo, pressupomos que a divulgação e valorização desta especialidade médica ainda não está sucedida e, como tal, para poder elaborar um plano de acção torna-se necessário avaliar previamente quais as necessidades a colmatar. Assim, revela-se importante conhecer a visão do anestesiologista pelo doente, de modo a podermos promover medidas que fortaleçam a relação de confiança médico-doente, que desmistifiquem os processos perioperatórios causadores de ansiedade e que esclareçam a dinâmica do anestesiologista como uma importante área de investimento de recursos.

Neste contexto, o nosso estudo pretendeu analisar o conhecimento do papel do anestesiologista pelo doente, as preocupações relativamente à anestesia e que funções são atribuídas ao anestesiologista e ao cirurgião no período perioperatório, num hospital central universitário. Para isso utilizamos um questionário idêntico ao realizado no estudo de Gottschalk et al.

Métodos

Após aprovação da Comissão de Ética do Centro Hospitalar São João EPE, iniciámos um estudo prospetivo durante 3 meses a doentes da consulta de anestesiologia do Centro Hospitalar São João. Todos os participantes tinham idade ≥ 18 anos e assinaram o consentimento informado após a leitura de um folheto informativo acerca desta investigação. Foram excluídos indivíduos analfabetos ou com compromisso da autonomia. A recolha de dados ocorreu apenas durante o período prévio à consulta, sempre antes de os doentes terem o contacto com o anestesiologista. Não foi utilizada a ajuda de nenhuma equipa especializada na distribuição.

A cada doente foi distribuído um questionário estandardizado de 11 questões (apêndice 1 Apêndice. Material adicional Pode consultar o material adicional para este artigo nasua versão eletrónica disponível em doi:10.1016/j.bjan.2014.05.014. ). 66. Gottschalk A, Seelen S, Tivey S, et al. What do patients know about anesthesiologists? Results of a comparative survey in an U.S., Australian, and German university hospital. J Clin Anesth. 2013;25:85-91. Deste questionário faziam parte as seguintes questões: dados demográficos dos doentes, nível máximo de educação obtido e o número de procedimentos anestésicos prévios a que foram submetidos. Foi avaliado o conhecimento sobre a formação e treino do Anestesiologista. As preocupações dos doentes relativamente ao período perioperatório foram classificadas numa escala de 5 pontos, desde 1 = nenhuma preocupação a 5 = muito preocupado. As questões sobre as responsabilidades dos anestesiologistas, responsabilidades dos cirurgiões no bloco operatório e o papel do anestesiologista no hospital, foram classificadas numa escala de 5 pontos, desde 1 = nenhuma responsabilidade/nada envolvido a 5 = muita responsabilidade/muito envolvido.

A análise estatística foi realizada utilizando o software SPSS 21 (Chicago, IL, USA). A informação das questões classificadas de 1 a 5 foi avaliada utilizando a Análise de Friedman e comparações emparelhadas. Na comparação das responsabilidades atribuídas ao anestesiologista e cirurgião foi utilizado o teste de Wilcoxon. Na análise comparativa dos grupos com e sem experiência anestésica foi utilizado o teste de Kruskall-Wallis e na comparação entre géneros foi utilizado o teste de Mann-Whitney U. Os resultados são apresentados como medianas (percentil 25, percentil 75) ou percentagens. Um valor-p < 0,05 foi considerado um resultado estatisticamente significativo.

Resultados

204 doentes participaram no estudo, sendo 122 (59,8%) mulheres e 82 (40,2%) homens. Foram excluídos 15 questionários por não terem preenchido o consentimento informado. A análise demográfica está apresentada na tabela 1. A mediana da idade foi de 52 anos. Os níveis de escolaridade máxima mais prevalentes entre os doentes avaliados foram o secundário ou inferior (39,7% cada um). Relativamente à experiência prévia de anestesia, 9,3% dos doentes nunca tinham sido submetidos a uma anestesia, 20,1% tiveram uma anestesia prévia, 70,1% tiveram mais do que duas anestesias prévias e um doente não respondeu. Os grupos com e sem experiência anestésica prévia eram comparáveis relativamente ao género, idade e escolaridade.

Tabela 1
Dados demográficos dos pacientes questionados: género, idade, número de anestesias prévias e nível de escolaridade

O anestesiologista foi reconhecido como um médico especialista por 135 (66,2%) doentes, embora muitos o tivessem considerado um técnico especializado (13,7%) ou não soubessem responder a essa questão (13,7%). O anestesiologista apenas foi considerado um cirurgião especialista por 3,9% dos doentes e um enfermeiro especializado apenas por 2,5% dos doentes (tabela 2).

Tabela 2
Compreensão do papel do anestesiologista e estimativa do tempo necessário de treino pelos pacientes

O tempo necessário de educação e treino para se ser um anestesiologista foi subestimado no geral, sendo que 44 (21,6%) doentes consideraram ser de 5 anos e 37 (18,1%) doentes de 9 anos. Contudo, a maioria dos doentes (52,9%) respondeu não saber o tempo de formação necessário. Apenas 6,4% atribuíram o número de anos correto e só 1% sobrestimou o tempo de treino (tabela 2). Comparativamente à educação e treino de Medicina Geral e Familiar e Cirurgia, a maioria dos doentes (53,4%) não sabe diferenciar a duração da educação de cada especialidade, embora 17,2% reconheçam que o treino do anestesiologista é mais longo que o de Medicina Geral e Familiar mas mais curto que o de cirurgia.

De um modo geral, os doentes demonstraram preocupação com as várias situações relativas ao período perioperatório (Fig. 1). Não acordar após a cirurgia e infeção após a cirurgia foram as principais preocupações dos doentes [3 (4-5), p < 0,05 comparativamente a todas as outras preocupações]. Problemas médicos durante a cirurgia [3 (2-4)], a dor imediatamente após a cirurgia [3 (2-4)] e a diminuição da capacidade mental após a cirurgia [3 (2-4)] foram preocupações classificadas de modo semelhante, tendo todas uma classificação significativamente superior (p < 0,05) comparativamente à colocação de um cateter IV. A preocupação com náuseas e vómitos pós-operatórios (NVPO) [3 (2-4)] e acordar durante a cirurgia [3 (1,25-4)] foi menor do que as anteriores, enquanto a colocação de um cateter IV foi a menor preocupação perioperatória [3 (1-3), p < 0,05 comparativamente a todas as preocupações exceto acordar durante a cirurgia]. Analisando as respostas entre cada género, estas foram superiores (p < 0,05) no género feminino para: acordar durante a cirurgia, não acordar após a cirurgia, problemas médicos durante a cirurgia e NVPO. Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre os grupos com e sem anestesia prévia relativamente às preocupações analisadas.

Figura 1
Preocupações dos doentes no período perioperatório. 1 = nenhuma preocupação a 5 = muito preocupado.

Assegurar que os doentes não acordem durante a cirurgia foi a tarefa mais reconhecida como sendo da responsabilidade do anestesiologista [5 (4-5), p < 0,05 comparativamente a todas as outras responsabilidades descritas], seguida por acordar o doente após a cirurgia [4 (3,5-5), p < 0,05 comparativamente a todas as outras responsabilidades, exceto o tratamento de questões médicas durante a cirurgia em que p > 0,05] ( Fig. 2). Outras tarefas também foram reconhecidas como responsabilidade do Anestesiologista mas numa menor dimensão: lidar com problemas médicos durante a cirurgia [4 (3-4), p < 0,05 comparativamente a efetuar transfusões sanguíneas], cuidar do doente no recobro [4 (3-5)], gerir a dor imediatamente após a cirurgia [4 (3-4)] e prevenir NVPO [4 (3-4)]. Administrar antibióticos [3 (1-4)] e efetuar transfusões sanguíneas [3 (1-4)] durante a cirurgia foram as tarefas reconhecidas em menor extensão. O género feminino atribuiu maior responsabilidade ao anestesiologista do que o sexo masculino nas tarefas de gestão da dor pós-operatória e acordar o doente após a cirurgia (p < 0,05). A experiência anestésica prévia não afetou significativamente as classificações das responsabilidades perioperatórias do anestesiologista.

Figura 2
Conhecimento dos doentes relativamente às responsabilidades do anestesiologista no período perioperatório. 1 = nenhuma responsabilidade a 5 = muito responsável.

Avaliando o envolvimento do cirurgião nas tarefas descritas no questionário, os doentes consideraram a transfusão sanguínea durante a cirurgia como a tarefa com maior envolvimento do cirurgião (Fig. 3). A classificação do género feminino foi significativamente (p < 0,05) superior na responsabilidade de acordar o doente após a cirurgia e, adicionalmente, na administração de antibióticos, comparativamente ao género masculino. De modo semelhante à questão anterior, a experiência anestésica não alterou a classificação dos doentes relativamente ao envolvimento do cirurgião nas tarefas descritas.

Figura 3
Conhecimento dos doentes relativamente ao envolvimento do cirurgião no período perioperatório. 1 = nada envolvido a 5 = muito envolvido.

A comparação das funções atribuídas ao anestesiologista e ao cirurgião no período perioperatório revela que o anestesiologista foi classificado com maior responsabilidade no acordar do doente após a cirurgia (p < 0,05), na prevenção de NVPO e no cuidado do doente no recobro. Por outro lado, o cirurgião foi considerado mais envolvido na gestão da dor no pós-operatório imediato (p < 0,05), na administração de antibióticos (p < 0,05) e na realização de transfusões sanguíneas (p < 0,05) durante a cirurgia.

Relativamente às funções intra-hospitalares do anestesiologista, fora do bloco operatório, os doentes revelaram algum reconhecimento do envolvimento do anestesiologista nas mesmas (Fig. 4). O ensino dos estudantes de medicina foi a função, fora do bloco, mais reconhecida no anestesiologista [4 (3-5), p < 0,05 comparativamente a todas as outras funções, exceto comparando com participação em comissões hospitalares e em faculdades de medicina], assim como a participação em comissões hospitalares e em faculdades de medicina [4 (3-5)]. A ressuscitação cardiorrespiratória [4 (2-40,75)] e o tratamento da dor crónica [4 (2-4)] foram reconhecidos como tarefas do anestesiologista, mas em menor extensão. O envolvimento do anestesiologista no cuidado dos pacientes nas Unidades de Cuidados Intensivos (UCI) foi a função menos reconhecida pelos doentes questionados [3 (2-4)]. A classificação das funções intra-hospitalares do anestesiologista entre ambos os géneros foi semelhante. Por outro lado, avaliando a existência de anestesia prévia, os doentes que nunca foram submetidos a anestesia atribuíram maior responsabilidade relativamente ao cuidado de pacientes em UCI (p < 0,05) comparativamente aos doentes com anestesia prévia.

Figura 4
Conhecimento dos doentes relativamente às funções do anestesiologista fora do bloco operatório. 1 = nada envolvido a 5 = muito envolvido.

Discussão

O conhecimento dos doentes acerca do papel e treino do anestesiologista é superficial e pouco esclarecido, ignorando muitas das suas funções. Neste estudo, a maioria dos doentes reconheceram o Anestesiologista como um médico especialista, embora 27,4% dos doentes o considerasse um técnico especializado ou não soubesse responder. Estes dados estão de acordo com a literatura prévia, em que o reconhecimento do anestesiologista como médico especialista variou de 50% a 99%. 11. Hariharan S. Knowledge and attitudes of patients towards anes- thesia and anesthesiologists. A review. Anestesia en Mexico. 2009;21:174-8. , 33. de Oliveira KF, Clivatti J, Munechika M, et al. What do patients know about the work of anesthesiologists? Rev Bras Anestesiol. 2011;61:720-7. , 66. Gottschalk A, Seelen S, Tivey S, et al. What do patients know about anesthesiologists? Results of a comparative survey in an U.S., Australian, and German university hospital. J Clin Anesth. 2013;25:85-91. ,77. Leite F, da Silva LM, Biancolin SE, et al. Patient perceptions about anesthesia and anesthesiologists before and after surgical procedures. Sao Paulo Med J. 2011;129:224-9. and1010. Mavridou P, Dimitriou V, Papadopoulou M, et al. Effect of pre- vious anesthesia experience on patients' knowledge and desire for information about anesthesia and the anesthesiologist: a 500 patients' survey from Greece. Acta Anaesthesiol Belg. 2012;63:63-8.

Mais de metade dos doentes desconhece o tempo de educação e treino do anestesiologista, sendo a sua duração subvalorizada pela maioria dos que responderam. Do mesmo modo, a maioria dos doentes não soube distinguir a duração do tempo de treino de Cirurgia, Medicina Geral e Familiar e Anestesiologia. Surpreendentemente, embora o treino do anestesiologista seja subvalorizado, apenas 5,4% dos doentes consideraram-no o mais curto de todos.

Similarmente ao estudo de Gottschalk et al., as principais preocupações dos doentes foram não acordar após a cirurgia e infeção após a cirurgia, a principal preocupação nesse estudo.66. Gottschalk A, Seelen S, Tivey S, et al. What do patients know about anesthesiologists? Results of a comparative survey in an U.S., Australian, and German university hospital. J Clin Anesth. 2013;25:85-91. Estudos prévios foram consistentes na principal preocupação dos doentes ser não acordar após a cirurgia, embora a dor pós-operatória tenha sido destacada como a segunda principal preocupação nesses estudos, tendo ocupado a quarta posição no nosso estudo.11. Hariharan S. Knowledge and attitudes of patients towards anes- thesia and anesthesiologists. A review. Anestesia en Mexico. 2009;21:174-8. Matthey et al. encontraram maior preocupação com acordar durante a cirurgia, dano cerebral ou perda de memória, sendo que a maioria dos doentes não revelou preocupação com a dor pós-operatória. É contrastante o facto de nesse estudo a maioria dos doentes não ter qualquer preocupação relativa às complicações da anestesia também descritas no nosso estudo. No entanto, o grupo questionado consistia numa população aleatória em ambiente extra-hospitalar, o que revela a variabilidade de resultados conforme o tipo de população estudada e o meio de investigação utilizado.88. Matthey P, Finucane BT, Finegan BA. The attitude of the general public towards preoperative assessment and risks associated with general anesthesia. Can J Anaesth. 2001;48: 333-9.

Dentro dos receios perioperatórios apresentados, as mulheres expressaram maior preocupação. Estes achados são consistentes com estudos prévios que demonstram maior ansiedade pelo género feminino. Tal, reforça a necessidade perentória de uma relação médico-doente individualizada e personalizada em função das características pessoais, sociais e culturais de cada doente.88. Matthey P, Finucane BT, Finegan BA. The attitude of the general public towards preoperative assessment and risks associated with general anesthesia. Can J Anaesth. 2001;48: 333-9. and1111. Masood Z, Haider J, Jawaid M, et al. Preoperative anxiety in female patients: the issue needs to be addressed. KUST Med J. 2009;1:38-41. Não foram encontradas diferenças significativas na dimensão das preocupações perioperatórias entre as pessoas sem e com experiência anestésica prévia. Estes resultados poderão refletir ausência de progressão no conhecimento e familiarização com os procedimentos perioperatórios após experiência anestésica, diferentemente da evolução reportada no estudo de Leite et al.77. Leite F, da Silva LM, Biancolin SE, et al. Patient perceptions about anesthesia and anesthesiologists before and after surgical procedures. Sao Paulo Med J. 2011;129:224-9.

Relativamente ao conhecimento dos doentes sobre as tarefas intra-operatórias, o papel do anestesiologista relativamente ao do cirurgião foi muito subvalorizado. Prevenção de NVPO, gestão de problemas médicos durante a cirurgia e o cuidado do doente no recobro foram responsabilidades classificadas de modo semelhante entre ambas as especialidades médicas. Contudo, o cirurgião foi significativamente valorizado na gestão da dor pós-operatória, na administração de antibióticos e transfusões sanguíneas, comparativamente ao anestesiologista. A única tarefa distintamente classificada como sendo de maior responsabilidade do anestesiologista foi acordar o doente após a cirurgia, embora o cirurgião também tenha sido considerado envolvido. Estes resultados diferenciam-se do estudo de Gottschalk et al. pelo menor reconhecimento das funções do anestesiologista e pela clara sobrevalorização do cirurgião. 66. Gottschalk A, Seelen S, Tivey S, et al. What do patients know about anesthesiologists? Results of a comparative survey in an U.S., Australian, and German university hospital. J Clin Anesth. 2013;25:85-91. Também é importante constatar que, no geral, os doentes consideraram tanto o cirurgião como o anestesiologista pelo menos algo envolvidos em todas as funções perioperatórias descritas, o que levanta a hipótese de os doentes desconhecerem o papel de ambos no bloco operatório, mas considerarem como o mais envolvido aquele que lhes é mais familiar. Novamente, o contacto prévio com anestesia não demonstrou ser um fator modificador no conhecimento dos doentes questionados acerca do funcionamento intraoperatório. Esta informação tem sido um achado semelhante entre os vários estudos realizados nesta área, o que realça a fragilidade existente na comunicação e transmissão de informação entre o anestesiologista e o doente. 55. Calman LM, Mihalache A, Evron S, et al. Current understand- ing of the patient's attitude toward the anesthetist's role and practice in Israel: effect of the patient's experience. J Clin Anesth. 2003;15:451-4. and1010. Mavridou P, Dimitriou V, Papadopoulou M, et al. Effect of pre- vious anesthesia experience on patients' knowledge and desire for information about anesthesia and the anesthesiologist: a 500 patients' survey from Greece. Acta Anaesthesiol Belg. 2012;63:63-8. Por isso, no nosso estudo, a experiência anestésica prévia não demonstrou ter influência na informação do doente.

No ambiente intra-hospitalar, fora do bloco operatório, o envolvimento do anestesiologista foi moderadamente reconhecido pela maioria dos doentes em todas as actividades descritas, sendo especialmente reconhecido o ensino aos estudantes de Medicina e a participação em Comissões Hospitalares e Faculdades de Medicina. Contudo, o facto deste estudo ter decorrido num Hospital Universitário, que incorpora a Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, pode ter sido sugestivo na valorização destas actividades. No entanto, entre 13,7% e 17,2% dos doentes não responderam às alíneas desta questão, podendo corresponder ao desconhecimento sobre o assunto. Pontualmente, na classificação do envolvimento do anestesiologista nas UCI, o grupo com experiência anestésica atribuiu significativamente menor responsabilidade. Este achado pode refletir uma maior insegurança pelos doentes sem experiência anestésica e daí uma maior necessidade em responsabilizar o médico e atribuir-lhe mais funções. Porém, esta diferença foi isolada, não sendo por isso totalmente compreendida.

As interpretações do nosso estudo podem ter várias limitações, nomeadamente: a selecção de indivíduos na consulta de anestesiologia pré-operatória pode ter seleccionado um grupo de doentes com maior experiência cirúrgica e anestésica prévia ao invés do doente comum; a utilização de um questionário como meio de recolha de dados pode ter limitado a compreensão dos dados perguntados e das respostas possíveis, ao invés de, por exemplo, uma entrevista.

A educação correta do doente sobre a anestesiologia compete primariamente ao anestesiologista. Isto implica um maior interesse da especialidade na comunicação e fomentação de laços com o doente, pois a satisfação deste está comprovadamente implicada na qualidade clínica e no sucesso terapêutico.77. Leite F, da Silva LM, Biancolin SE, et al. Patient perceptions about anesthesia and anesthesiologists before and after surgical procedures. Sao Paulo Med J. 2011;129:224-9. ,1212. Snyder-Ramos SA, Seintsch H, Bottiger BW, et al. Patient sat- isfaction and information gain after the preanesthetic visit: a comparison of face-to-face interview, brochure, and video. Anesth Analg. 2005;100:1753-8.and1313. Rozenblum R, Donzé J, Hockey PM, et al. The impact of medical informatics on patient satisfaction: a USA- based literature review. Int J Med Inform. 2013;82: 141-58. Existe ainda controvérsia acerca da quantidade de informação e do modo como esta deve ser transmitida ao doente, de modo a permitir a diminuição da ansiedade relativamente aos procedimentos, bem como evitar o seu agravamento, tendo sido realizados vários estudos na área.1212. Snyder-Ramos SA, Seintsch H, Bottiger BW, et al. Patient sat- isfaction and information gain after the preanesthetic visit: a comparison of face-to-face interview, brochure, and video. Anesth Analg. 2005;100:1753-8.,1414. Kakinuma A, Nagatani H, Otake H, et al. The effects of short interactive animation video information on preanesthetic anx- iety, knowledge, and interview time: a randomized controlled trial. Anesth Analg. 2011;112:1314-8. and1515. Edward GM, Naald NVD, Oort FJ, et al. Information gain in patients using a multimedia website with tailored information on anaesthesia. Br J Anaesth. 2011;106:319-24. É importante transmitir ao doente a segurança e confiança nos procedimentos realizados, pois o nível de preocupação perioperatória continua desajustado da real incidência de complicações anestésicas.88. Matthey P, Finucane BT, Finegan BA. The attitude of the general public towards preoperative assessment and risks associated with general anesthesia. Can J Anaesth. 2001;48: 333-9. and99. Royston D. Cox F - anaesthesia: the patient's point of view. Lancet. 2003;362:1648-58.

Em conclusão, este estudo demonstrou que a visão do anestesiologista pelo doente ainda é subvalorizada, não sendo claro para a população estudada o que é a anestesiologia e quais as áreas específicas em que o anestesiologista pode intervir.

Envolvermos o doente neste processo é importante, dado que grande parte do sucesso vai depender dele. Para tal, é necessário que o doente o compreenda, ao invés de ser uma simples marioneta na mão do artista.

Agradecimentos

Ao Professor Doutor Fernando Abelha, Professor Doutor André Novo e Doutora Joselina Barbosa, pela preciosa colaboração.

Apêndice.  Material adicional

Pode consultar o material adicional para este artigo nasua versão eletrónica disponível em doi:10.1016/j.bjan.2014.05.014.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    19 Mar 2014
  • Aceito
    06 Maio 2014
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