Acessibilidade / Reportar erro

Intubação orotraqueal e disfunção temporomandibular: estudo longitudinal controlado

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

Determinar a incidência de sinais e sintomas de disfunção temporomandibular (DTM) em pacientes de cirurgia eletiva submetidos à intubação orotraqueal.

MÉTODOS:

Estudo longitudinal controlado com dois grupos. O grupo de estudo incluiu pacientes que foram submetidos à intubação orotraqueal e um grupo controle. Usamos o questionário da Academia Americana de Dor Orofacial (AAOP) para avaliar os sinais e sintomas da DTM no primeiro dia de pós-operatório (T1) e os estados basais dos pacientes antes da cirurgia (T0) também foram registrados. O mesmo questionário foi usado após três meses (T2). A amplitude da abertura bucal foi medida em T1 e T2. Consideramos um valor p inferior a 0,05 como significativo.

RESULTADOS:

No total, 71 pacientes foram incluídos, com 38 pacientes no grupo de estudo e 33 no grupo controle. Não houve diferença significativa entre os grupos quanto à idade (grupo de estudo: 66 [52,5-72]; grupo controle: 54 [47-68], p = 0,117) ou gênero feminino (grupo de estudo: 57,9%; grupo controle: 63,6%, p = 0,621). No T1, não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre os grupos quanto à incidência de limitação de abertura bucal (grupo de estudo: 23,7% vs. grupo controle: 18,2%, p = 0,570) ou amplitude de abertura bucal (grupo de estudo: 45 [40-47]vs. grupo controle: 46 [40-51], p = 0,278). Em T2, os resultados obtidos foram semelhantes. Não houve diferença significativa na resposta afirmativa a todas as perguntas individuais do questionário AAOP.

CONCLUSÕES:

Em nossa população, a incidência de sinais e sintomas de DTM de origem muscular não foi diferente entre os grupos.

Palavras-chave:
Transtornos da articulação temporomandibular; Síndrome da dor miofascial; Anestesia geral; Intubação; Dor orofacial

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

To determine the incidence of signs and symptoms of temporomandibular disorder in elective surgery patients who underwent orotracheal intubation.

METHODS:

This was a longitudinal controlled study with two groups. The study group included patients who underwent orotracheal intubation and a control group. We used the American Academy of Orofacial Pain questionnaire to assess the temporomandibular disorder signs and symptoms one-day postoperatively (T1), and the patients' baseline status prior to surgery (T0) was also recorded. The same questionnaire was used after three months (T2). The mouth opening amplitude was measured at T1 and T2. We considered a pvalue of less than 0.05 to be significant.

RESULTS:

We included 71 patients, with 38 in the study group and 33 in the control. There was no significant difference between the groups in age (study group: 66.0 [52.5-72.0]; control group: 54.0 [47.0-68.0]; p = 0.117) or in their belonging to the female gender (study group: 57.9%; control group: 63.6%; p = 0.621). At T1, there were no statistically significant differences between the groups in the incidence of mouth opening limitation (study group: 23.7% vs. control group: 18.2%;p = 0.570) or in the mouth opening amplitude (study group: 45.0 [40.0-47.0] vs. control group: 46.0 [40.0-51.0];p = 0.278). At T2 we obtained similar findings. There was no significant difference in the affirmative response to all the individual questions in the American Academy of Orofacial Pain questionnaire.

CONCLUSIONS:

In our population, the incidence of signs and symptoms of temporomandibular disorder of muscular origin was not different between the groups.

Keywords:
Temporomandibular joint disorders; Myofascial pain syndromes; General anesthesia; Intubation; Orofacial pain

Introdução

A disfunção temporomandibular (DTM) compreende uma série de condições clínicas que envolvem os músculos da mastigação, a articulação temporomandibular (ATM) e as estruturas associadas. Os sinais e sintomas comuns da DTM são ruídos articulares (estalos), capacidade limitada de abertura mandibular, desvios nos movimentos padrões da mandíbula e dor nos músculos da mastigação e na ATM ou facial.11 Carlsson GE, Magnusson T, Guimarães AS. Tratamento das Disfunções Tempomandibulares na clínica odontológica. 1st ed. São Paulo: Quintessence; 2006.,22 De Leeuw R. Orofacial pain: guidelines for assessment, diagnosis and management. 4th ed. Chicago: Quintessence Publishing; 2008.and33 Sessle BJ. The orofacial pain publication profile. J Orofac Pain. 2008;22:177. A DTM é, de longe, a mais prevalente de todas as condições de dor orofacial crônica.44 Dworkin SF. The OPPERA study: act one. J Pain. 2011;12:T1-3. A prevalência de DTM entre os indivíduos que apresentam pelo menos um sinal clínico varia de 40% a 75%.22 De Leeuw R. Orofacial pain: guidelines for assessment, diagnosis and management. 4th ed. Chicago: Quintessence Publishing; 2008. No Brasil, pelo menos um sintoma de DTM foi relatado por 39,2% da população.55 Gonçalves DA, Dal Fabbro AL, Campos JA, et al. Symptoms of temporomandibular disorders in the population: an epidemiological study. J Orofac Pain. 2010;24:270-8. Ruídos da ATM e desvios na abertura da boca e dos movimentos de fechamento ocorrem em aproximadamente 50% da população não paciente e são considerados normais, sem a necessidade de tratamento.66 Dworkin SF, Huggins KH, LeResche L, et al. Epidemiology of signs and symptoms of temporomandibular disorders: clinical signs in cases and controls. J Am Dent Assoc. 1990;120:273-81. O subtipo mais comum é o DTM de origem muscular,77 Scrivani SJ, Keith DA, Kaban LB. Temporomandibular disorders. N Engl J Med. 2008;359:2693-705. caracterizado por dor localizada e sensibilidade nos músculos da mastigação.88 Ernberg M, Hedenberg-Magnusson B, Alstergren P, et al. The level of serotonin in the superficial masseter muscle in relation to local pain and allodynia. Life Sci. 1999;65:313-25.

Durante a intubação, as manobras de rotação e translação da ATM usadas pelo anestesista para obter a abertura máxima da boca do paciente e a passagem atraumática de um tubo endotraqueal pode resultar em danos do aparelho da ATM, devido às forças excessivas aplicadas manualmente ou com o laringoscópio. Além disso, podem ocorrer danos devido ao período de tempo em que as estruturas ficam em posição de tensão. Há muito que se considera a intubação orotraqueal um fator de risco para o desenvolvimento ou exacerbação da DTM que inclui dor facial.99 Martin MD, Wilson KJ, Ross BK, et al. Intubation risk factors for temporomandibular joint/facial pain. Anesth Prog. 2007;54:109-14.and1010 Oofuvong M. Bilateral temporomandibular joint dislocations during induction of anesthesia and orotracheal intubation. J Med Assoc Thai. 2005;88:695-7.

Alguns estudos relataram alterações nas estruturas do sistema mastigatório após intubação orotraqueal. Essas alterações podem ser de origem articular1111 Rodrigues ET, Suazo IC, Guimarães AS. Temporomandibular joint sounds and disc dislocations incidence after orotracheal intubation. Clin Cosmet Invest Dent. 2009;1:71-3. ou articular e muscular.99 Martin MD, Wilson KJ, Ross BK, et al. Intubation risk factors for temporomandibular joint/facial pain. Anesth Prog. 2007;54:109-14.,1212 Agrò FE, Salvinelli F, Casale M, et al. Temporomandibular joint assessment in anaesthetic practice. Br J Anaesth. 2003;50:707-8.and1313 Lipp M, von Domarus H, Daubländer M, et al. Effects of intubation anesthesia on the temporomandibular joint. Anaesthesist. 1987;36:442-5. Em contraste, um estudo relatou que as técnicas de intubação não representam risco para o desenvolvimento de DTM.1414 Taylor RC, Way WL, Hendrixson RA. Temporomandibular joint problems in relation to the administration of general anesthesia. J Oral Surg. 1968;26:327-9. Uma atualização das diretrizes para o manejo da via aérea difícil feita pela Sociedade Americana de Anestesiologistas recomenda especificamente a avaliação pré-operatória da função da ATM.1515 American Society of Anesthesiologists Task Force on Management. Practice guidelines for management of the difficult airway: an updated report by the American Society of Anesthesiologists Task Force on Management of the Difficult Airway. Anesthesiology. 2003;98:1269-77.and1616 Benumof JL, Agrò FE. TMJ assessment before anaesthesia. Br J Anaesth. 2003;91:757. Contudo, a evidência atual da literatura é baseada em relatos de casos1010 Oofuvong M. Bilateral temporomandibular joint dislocations during induction of anesthesia and orotracheal intubation. J Med Assoc Thai. 2005;88:695-7.,1717 Sia SL, Chang YL, Lee TM, et al. Temporomandibular joint dislocation after laryngeal mask airway insertion. Acta Anaesthesiol Taiwan. 2008;46:82-5.,1818 Wang LK, Lin MC, Yeh FC, et al. Temporomandibular joint dislocation during orotracheal extubation. Acta Anaesthesiol Taiwan. 2009;47:200-3.,1919 Small RH, Ganzberg SI, Schuster AW. Unsuspected temporomandibular joint pathology leading to a difficult endotracheal intubation. Anesth Analg. 2004;99:383-5.and2020 Gould DB, Banes CH. Iatrogenic disruptions of right temporomandibular joints during orotracheal intubation causing permanent closed lock of the jaw. Anesth Analg. 1995;81:191-4. e pequenos estudos.99 Martin MD, Wilson KJ, Ross BK, et al. Intubation risk factors for temporomandibular joint/facial pain. Anesth Prog. 2007;54:109-14.,1111 Rodrigues ET, Suazo IC, Guimarães AS. Temporomandibular joint sounds and disc dislocations incidence after orotracheal intubation. Clin Cosmet Invest Dent. 2009;1:71-3.,1212 Agrò FE, Salvinelli F, Casale M, et al. Temporomandibular joint assessment in anaesthetic practice. Br J Anaesth. 2003;50:707-8.,1313 Lipp M, von Domarus H, Daubländer M, et al. Effects of intubation anesthesia on the temporomandibular joint. Anaesthesist. 1987;36:442-5.and2020 Gould DB, Banes CH. Iatrogenic disruptions of right temporomandibular joints during orotracheal intubation causing permanent closed lock of the jaw. Anesth Analg. 1995;81:191-4. Portanto, o objetivo deste estudo foi avaliar a incidência de sinais e sintomas de DTM de origem muscular em pacientes submetidos a cirurgias eletivas com intubação orotraqueal em comparação com os pacientes sem intubação.

Métodos

Estudo longitudinal controlado feito com pacientes cirúrgicos eletivos de um hospital universitário. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição, sob o número 00595012.1.0000.5505, e todos os indivíduos assinaram o formulário de consentimento informado. Os critérios de inclusão foram pacientes consecutivos com mais de 18 anos, admitidos em unidade de terapia intensiva (UTI) após cirurgia eletiva sob anestesia geral. Esses pacientes foram divididos em dois grupos. O grupo de estudo consistiu em pacientes submetidos à intubação orotraqueal para anestesia geral e o grupo controle incluiu os pacientes submetidos a um procedimento alternativo de anestesia, sem intubação. No grupo controle, também incluímos os pacientes nas enfermarias de cuidados pós-operatórios. Os critérios de exclusão foram pacientes incapazes de responder ao questionário ou assinar o termo de consentimento, aqueles com uma traqueostomia ou que usassem uma máscara laríngea durante a cirurgia, aqueles submetidos a cirurgias de cabeça ou pescoço e aqueles com trauma facial ou da ATM ou com tratamento prévio para a DTM ou dor orofacial.

Dados demográficos, idade, sexo e duração da intubação foram registrados. Depois da inclusão, os pacientes responderam a um questionário modificado de triagem de DTM da Academia Americana de Dor Orofacial (AAOP).22 De Leeuw R. Orofacial pain: guidelines for assessment, diagnosis and management. 4th ed. Chicago: Quintessence Publishing; 2008. Esse questionário tem 10 perguntas objetivas sobre os sinais e sintomas mais frequentes de DTM e dor orofacial. Como não foi possível avaliar os pacientes antes da cirurgia, eles foram solicitados a responder as perguntas referentes tanto ao seu estado inicial antes da cirurgia (T0) quanto ao seu estado atual após a cirurgia (T1). As perguntas oito e 10 não foram avaliadas porque os pacientes do estudo não poderiam apresentar as condições mencionadas devido aos nossos critérios de exclusão.

Também medimos a amplitude máxima de abertura bucal desses pacientes com uma régua de papel descartável, conforme relatado anteriormente.2121 Saund DS, Pearson D, Dietrich T. Reliability and validity of selfassessment of mouth opening: a validation study. BMC Oral Health. 2012;12:48. Medimos a distância entre os incisivos centrais superiores e inferiores, enquanto os pacientes abriam a boca. Em usuários de próteses que estavam sem elas, medimos a distância do incisivo central direito até a borda alveolar antagonista, subtraindo 10 mm caso fossem parcialmente anodontes. No caso de paciente totalmente anodonte, medimos a distância desde a borda alveolar superior até a inferior e subtraímos 15 mm conforme relatado anteriormente.2222 Camargo HA, Ribeiro JF. Correlação entre comprimento da coroa e comprimento total do dente em incisivos, caninos e pré -molares, superiores e inferiores. Rev Odont UNESP. 1991;20:217-25. A abertura da boca foi medida por um único examinador. Os pacientes receberam uma régua de papel semelhante e instruções para o seu uso. Após três meses (T2), o questionário foi aplicado por telefone e a abertura máxima da boca foi medida pelo paciente sob as mesmas condições de T1 (com ou sem próteses).

Uma medida inferior a 40 mm foi considerada como uma limitação de abertura da boca.2323 Dworkin SF, LeResche L. Research diagnostic criteria for temporomandibular disorders: review, criteria, examinations and specifications, critique. J Craniomandib Disord. 1992;6:301-55. Os pacientes com uma ou mais respostas positivas ao questionário de triagem da AAOP foram considerados como portadores de sinais e sintomas de DTM.

Análise estatística

O tamanho da amostra foi calculado com base na frequência da limitação de abertura da boca (< 40 mm). Esperava-se que 20% dos pacientes no grupo de estudo teriam uma limitação, enquanto no grupo controle nenhum paciente teria limitação. Considerando um erro alfa de 0,05 e um poder de 80% e usando um teste bicaudal, estimou-se que 35 pacientes seriam necessários em cada grupo.

Para a análise estatística, o teste de Mann-Whitney foi usado para comparar as características gerais e a amplitude de abertura da boca entre os grupos. O teste de Wilcoxon foi usado para comparar a amplitude da abertura da boca em T1 e T2 entre os grupos. O teste exato de Fisher ou o teste do qui-quadrado foi usado para comparar a presença de limitação de abertura da boca e as respostas ao questionário entre os grupos. Fizemos uma análise descritiva para relatar as mudanças intragrupos, comparamos T1 e T2, e os resultados foram comparados com o teste do qui-quadrado com correção de Yates. O teste de Spearman foi usado para avaliar a correlação entre o tempo de intubação e a amplitude de abertura da boca em T1. A significância estatística foi estabelecida em p < 0,05. Todos os dados foram analisados com o programa SPSS 11.0 para Windows (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA).

Resultados

Entre fevereiro e maio de 2012, 159 pacientes internados em UTI foram triados e 101 foram excluídos. Outros 34 de enfermarias foram incluídos. Assim, 92 receberam a primeira avaliação em T0 e T1. Para 21 deles, o acompanhamento durante três meses não foi possível. Portanto, nossa amostra final foi composta por 71, com 38 no grupo de estudo e 33 no grupo controle. O fluxograma dos pacientes está disponível na figura 1. Não houve diferença significativa entre os grupos quanto à idade (grupo de estudo: 66 [52,5-72]; grupo controle: 54 [47-68]; p = 0,117) ou gênero feminino (grupo de estudo: 57,9%; grupo controle: 63,6%; p = 0,621).

Figura 1
Fluxograma do estudo. ATM: articulação temporomandibular.

Não houve diferença estatisticamente significativa na incidência de limitações de abertura da boca quando o grupo de estudo foi comparado com o grupo controle em T1 e T2. Quando analisamos a amplitude de abertura da boca, nenhuma diferença foi encontrada tanto em T1 quanto em T2. Não houve diferença estatisticamente significativa entre as avaliações em T1 e T2 da amplitude de abertura da boca em nenhum grupo (tabela 1). Não houve correlação entre o tempo de intubação e a amplitude de abertura da boca em T1 (r = 0,07; p = 0,671).

Tabela 1
Dados demográficos e características da DTM

Não houve diferença significativa entre os grupos nas respostas afirmativas para todas as perguntas individuais do questionário de avaliação de DTM em T0, T1 e T2 (tabela 2). A taxa de respostas positivas não foi diferente entre os grupos de estudo e controle (T0: 19 (50%)vs. 11 (33,3%); p = 0,155; T1: 15 (39,5%)vs. 11 (33,3%); p = 0,592; T2: 19 (50%)vs. 15 (45,5%); p = 0,702). Quando analisamos apenas os pacientes sem respostas positivas em T0 (grupo de estudo: n = 19; grupo controle: n = 22), não houve diferença significativa na taxa de novas respostas positivas em T1 (5 (26,3%) vs. 4 (18,2%); p = 0,709). Resultados semelhantes foram encontrados em T2 (8 (42,1%), 6 (27,2%); p = 0,318).

Tabela 2
Questionário de triagem da AAOP para DTM aplicado a pacientes submetidos à anestesia geral com intubação (estudo) e sem intubação (controle) antes da cirurgia (T0), após a cirurgia (T1) e três meses após a cirurgia (T2)

Discussão

Neste estudo, descobrimos que não houve diferença na incidência de sinais e sintomas de DTM de origem muscular nos pacientes submetidos à intubação orotraqueal em cirurgias eletivas em comparação com os pacientes submetidos à cirurgia sem intubação. Esses sinais e sintomas foram avaliados com o uso tanto de uma medida objetiva da abertura da boca quanto de respostas subjetivas dadas pelos pacientes no questionário de triagem da AAOP.

Nossos resultados são consistentes com os de um estudo anterior que não associou a intubação ao surgimento ou pioria da DTM.1414 Taylor RC, Way WL, Hendrixson RA. Temporomandibular joint problems in relation to the administration of general anesthesia. J Oral Surg. 1968;26:327-9. No entanto, estudos mais recentes mostraram que o surgimento ou a progressão da DTM foi associado(a) à intubação orotraqueal.99 Martin MD, Wilson KJ, Ross BK, et al. Intubation risk factors for temporomandibular joint/facial pain. Anesth Prog. 2007;54:109-14.,1111 Rodrigues ET, Suazo IC, Guimarães AS. Temporomandibular joint sounds and disc dislocations incidence after orotracheal intubation. Clin Cosmet Invest Dent. 2009;1:71-3.,1212 Agrò FE, Salvinelli F, Casale M, et al. Temporomandibular joint assessment in anaesthetic practice. Br J Anaesth. 2003;50:707-8.and1313 Lipp M, von Domarus H, Daubländer M, et al. Effects of intubation anesthesia on the temporomandibular joint. Anaesthesist. 1987;36:442-5. A maioria desses estudos não teve um grupo controle, usou uma avaliação subjetiva da DTM e não considerou os diferentes subtipos de DTM em suas análises. As condições relacionadas aos músculos representam o maior subtipo entre as várias disfunções reunidas sob a definição DTM, responsável por 50-70% dos casos. Em 25% desses pacientes os músculos da mastigação são a principal fonte de dor.2424 Cairns BE. Pathophysiology of TMD pain - basic mechanisms and their implications for pharmacotherapy. J Oral Rehabil. 2010;37:391-410.and2525 Stohler CS. Muscle-related temporomandibular disorders. J Orofac Pain. 1999;13:273-84. Outro estudo recente também mostrou que em 31,4-88,7% de todos os casos de DTM a origem era muscular.2626 Reiter S, Goldsmith C, EmodiPerlman A, et al. Masticatory muscle disorders diagnostic criteria: the American Academy of Orofacial Pain versus the research diagnostic criteria/temporomandibular disorders (RDC/TMD). J Oral Rehabil. 2012;39:941-7. Esses pacientes apresentaram dor como queixa principal que levou a uma limitação do movimento mandibular. Em nosso estudo, não só incluímos um grupo controle, mas também usamos abertura da boca como nosso desfecho primário de mensuração, o que permitiu uma avaliação objetiva da DTM. A média alta de idade da nossa população pode ter contribuído para a falha em detectar os sinais e sintomas de DTM. Como relatado anteriormente, a DTM é mais prevalente em jovens e adultos de meia-idade,77 Scrivani SJ, Keith DA, Kaban LB. Temporomandibular disorders. N Engl J Med. 2008;359:2693-705. embora também haja dados que sugerem que os pacientes mais velhos podem apresentar sinais e sintomas objetivos de DTM com mais frequência.2727 Schmitter M, Rammelsberg P, Hassel A. The prevalence of signs and symptoms of temporomandibular disorders in very old subjects. J Oral Rehabil. 2005;32:467-73.

A amplitude de abertura da boca não foi diferente entre os grupos tanto em T1 quanto em T2. Esses resultados são consistentes com as descobertas anteriores, nas quais uma limitação não foi observada;99 Martin MD, Wilson KJ, Ross BK, et al. Intubation risk factors for temporomandibular joint/facial pain. Anesth Prog. 2007;54:109-14.and1414 Taylor RC, Way WL, Hendrixson RA. Temporomandibular joint problems in relation to the administration of general anesthesia. J Oral Surg. 1968;26:327-9. embora em outro relato a redução da abertura máxima tenha sido observada em 66% dos pacientes no dia seguinte à anestesia com intubação.1313 Lipp M, von Domarus H, Daubländer M, et al. Effects of intubation anesthesia on the temporomandibular joint. Anaesthesist. 1987;36:442-5. Uma das possíveis explicações para a ausência de limitação em T1 é o uso de analgésicos durante a internação em UTI, pois a dor é um dos fatores limitantes mais importantes para o movimento. Nossas mensurações em T2 também não foram diferentes entre os grupos. A falta de uma associação entre a abertura da boca e o tempo de intubação reforça a hipótese de que não há danos à ATM e às estruturas associadas, tanto imediatamente após a cirurgia quanto três meses depois.

DTM é considerada uma doença de etiologia multifatorial e vários métodos validados foram desenvolvidos para a avaliação de pacientes com suspeita de DTM.2323 Dworkin SF, LeResche L. Research diagnostic criteria for temporomandibular disorders: review, criteria, examinations and specifications, critique. J Craniomandib Disord. 1992;6:301-55.,2828 Truelove EL, Sommers EE, LeResche L, et al. Clinical diagnostic criteria for TMD: new classification permits multiple diagnoses. J Am Dent Assoc. 1992;123:47-54.,2929 Helkimo M. Studies on function and dysfunction of the masticatory system. II: index for anamnestic and clinical dysfunction and occlusal state. Sven Tandlak Tidskr. 1974;67:101-21.and3030 Fricton JR, Schiffman EL. The craniomandibular index: validity. J Prosthet Dent. 1987;58:222-8. No entanto, esses critérios são extensos e de difícil aplicação na prática clínica. Portanto, instrumentos mais concisos foram desenvolvidos para facilitar a avaliação da DTM.3131 Fonseca DM, Bonfate G, Valle AL, et al. Diagnóstico pela anamnese da disfunção craniomandibular. Rev Gaucha Odontol. 1994;42:23-8.,3232 Okeson JP. American Academy of Orofacial Pain. Orofacial pain: guidelines for assessment, diagnosis and management. Chicago: Quintessence; 1996.and3333 Stegenga B, de Bont LG, de Leeuw R, et al. Assessment of mandibular function impairment associated with temporomandibular joint osteoarthrosis and internal derangement. J Orofac Pain. 1993;7:183-95. Devido à condição desfavorável dos pacientes após a cirurgia, acamados e em recuperação, adotamos o questionário da AAOP como uma pré-avaliação útil e viável para a DTM, especialmente para a avaliação dos distúrbios miogênicos e hiperatividade muscular.3434 Diniz MR, Sabadin PA, Leite FP, et al. Psychological factors related to temporomandibular disorders: an evaluation of students preparing for college entrance examinations. Acta Odontol Latinoam. 2012;25:74-81.and3535 Manfredi APS, Silva AA, Vendite L. Avaliação do questionário de disfunção temporomandibular, recomendado pela Academia Americana de Dor Orofacial. Rev Bras Otorrinolarigol. 2001;67:763-8. Com o uso dessa ferramenta, descobrimos que a proporção de pacientes assintomáticos tanto no pré-operatório e após três meses se manteve inalterada em ambos os grupos. Considerando a alta sensibilidade do questionário, esses resultados são sólidos. Quando avaliamos cada questão individualmente, observamos uma maior frequência de respostas positivas para as perguntas quatro, cinco, seis e sete em ambos os grupos de estudo e controle. Na pergunta quatro, relacionada à presença de ruídos articulares, uma possível explicação é a alta prevalência de ruídos articulares em populações mais velhas2727 Schmitter M, Rammelsberg P, Hassel A. The prevalence of signs and symptoms of temporomandibular disorders in very old subjects. J Oral Rehabil. 2005;32:467-73. e a falta de especificidade desse parâmetro na população em geral.66 Dworkin SF, Huggins KH, LeResche L, et al. Epidemiology of signs and symptoms of temporomandibular disorders: clinical signs in cases and controls. J Am Dent Assoc. 1990;120:273-81. Questões semelhantes podem ser levantadas sobre a pergunta sete, pois cefaleia e dor de garganta também são condições muito prevalentes na população em geral. A incidência semelhante no grupo controle sugere que essas respostas positivas não estão associadas ao procedimento de intubação. Tais sintomas estão intimamente associados à DTM, mas não podem ser os únicos determinantes da doença.

Nosso estudo tem algum poder. Analisamos uma amostra de tamanho adequado de uma população homogênea. A presença de um grupo controle em nosso estudo permitiu-nos interpretar melhor os nossos achados. Nossa avaliação da DTM foi objetiva e com base em variáveis pré-validadas - a amplitude de abertura da boca e o questionário da AAOP. Contudo, como com qualquer pesquisa de avaliação, a nossa deve ser considerada como uma ferramenta de pré-triagem, e não de diagnóstico. Tivemos também algumas limitações: não medimos a abertura da boca antes da cirurgia e nossa avaliação da condição pré-operatória dos pacientes foi autorrelatada pelos pacientes após a cirurgia com o uso do questionário da AAOP. A amplitude de abertura da boca em três meses foi determinada pelos próprios pacientes, e não pelos investigadores. Embora isso possa ter resultado em algum viés, essa parece ser uma medida confiável, como previamente relatado por outros.2121 Saund DS, Pearson D, Dietrich T. Reliability and validity of selfassessment of mouth opening: a validation study. BMC Oral Health. 2012;12:48. Nós também não avaliamos pacientes mais jovens ou intubações de emergência.

O presente estudo teve como objetivo contribuir para a compreensão das consequências sintomáticas da intubação orotraqueal e a incidência de DTM em pacientes de cirurgia eletiva porque a literatura é escassa nesse campo. Os resultados não apontam para um efeito negativo desse procedimento porque o nosso grupo controle apresentou uma frequência semelhante de sinais e sintomas. Novos estudos devem ser feitos com amostras maiores e tempo de acompanhamento mais prolongado para confirmar esses resultados.

Agradecimentos

Agradecemos ao American Journal Experts pela revisão da versão em inglês de nosso manuscrito.

References

  • 1
    Carlsson GE, Magnusson T, Guimarães AS. Tratamento das Disfunções Tempomandibulares na clínica odontológica. 1st ed. São Paulo: Quintessence; 2006.
  • 2
    De Leeuw R. Orofacial pain: guidelines for assessment, diagnosis and management. 4th ed. Chicago: Quintessence Publishing; 2008.
  • 3
    Sessle BJ. The orofacial pain publication profile. J Orofac Pain. 2008;22:177.
  • 4
    Dworkin SF. The OPPERA study: act one. J Pain. 2011;12:T1-3.
  • 5
    Gonçalves DA, Dal Fabbro AL, Campos JA, et al. Symptoms of temporomandibular disorders in the population: an epidemiological study. J Orofac Pain. 2010;24:270-8.
  • 6
    Dworkin SF, Huggins KH, LeResche L, et al. Epidemiology of signs and symptoms of temporomandibular disorders: clinical signs in cases and controls. J Am Dent Assoc. 1990;120:273-81.
  • 7
    Scrivani SJ, Keith DA, Kaban LB. Temporomandibular disorders. N Engl J Med. 2008;359:2693-705.
  • 8
    Ernberg M, Hedenberg-Magnusson B, Alstergren P, et al. The level of serotonin in the superficial masseter muscle in relation to local pain and allodynia. Life Sci. 1999;65:313-25.
  • 9
    Martin MD, Wilson KJ, Ross BK, et al. Intubation risk factors for temporomandibular joint/facial pain. Anesth Prog. 2007;54:109-14.
  • 10
    Oofuvong M. Bilateral temporomandibular joint dislocations during induction of anesthesia and orotracheal intubation. J Med Assoc Thai. 2005;88:695-7.
  • 11
    Rodrigues ET, Suazo IC, Guimarães AS. Temporomandibular joint sounds and disc dislocations incidence after orotracheal intubation. Clin Cosmet Invest Dent. 2009;1:71-3.
  • 12
    Agrò FE, Salvinelli F, Casale M, et al. Temporomandibular joint assessment in anaesthetic practice. Br J Anaesth. 2003;50:707-8.
  • 13
    Lipp M, von Domarus H, Daubländer M, et al. Effects of intubation anesthesia on the temporomandibular joint. Anaesthesist. 1987;36:442-5.
  • 14
    Taylor RC, Way WL, Hendrixson RA. Temporomandibular joint problems in relation to the administration of general anesthesia. J Oral Surg. 1968;26:327-9.
  • 15
    American Society of Anesthesiologists Task Force on Management. Practice guidelines for management of the difficult airway: an updated report by the American Society of Anesthesiologists Task Force on Management of the Difficult Airway. Anesthesiology. 2003;98:1269-77.
  • 16
    Benumof JL, Agrò FE. TMJ assessment before anaesthesia. Br J Anaesth. 2003;91:757.
  • 17
    Sia SL, Chang YL, Lee TM, et al. Temporomandibular joint dislocation after laryngeal mask airway insertion. Acta Anaesthesiol Taiwan. 2008;46:82-5.
  • 18
    Wang LK, Lin MC, Yeh FC, et al. Temporomandibular joint dislocation during orotracheal extubation. Acta Anaesthesiol Taiwan. 2009;47:200-3.
  • 19
    Small RH, Ganzberg SI, Schuster AW. Unsuspected temporomandibular joint pathology leading to a difficult endotracheal intubation. Anesth Analg. 2004;99:383-5.
  • 20
    Gould DB, Banes CH. Iatrogenic disruptions of right temporomandibular joints during orotracheal intubation causing permanent closed lock of the jaw. Anesth Analg. 1995;81:191-4.
  • 21
    Saund DS, Pearson D, Dietrich T. Reliability and validity of selfassessment of mouth opening: a validation study. BMC Oral Health. 2012;12:48.
  • 22
    Camargo HA, Ribeiro JF. Correlação entre comprimento da coroa e comprimento total do dente em incisivos, caninos e pré -molares, superiores e inferiores. Rev Odont UNESP. 1991;20:217-25.
  • 23
    Dworkin SF, LeResche L. Research diagnostic criteria for temporomandibular disorders: review, criteria, examinations and specifications, critique. J Craniomandib Disord. 1992;6:301-55.
  • 24
    Cairns BE. Pathophysiology of TMD pain - basic mechanisms and their implications for pharmacotherapy. J Oral Rehabil. 2010;37:391-410.
  • 25
    Stohler CS. Muscle-related temporomandibular disorders. J Orofac Pain. 1999;13:273-84.
  • 26
    Reiter S, Goldsmith C, EmodiPerlman A, et al. Masticatory muscle disorders diagnostic criteria: the American Academy of Orofacial Pain versus the research diagnostic criteria/temporomandibular disorders (RDC/TMD). J Oral Rehabil. 2012;39:941-7.
  • 27
    Schmitter M, Rammelsberg P, Hassel A. The prevalence of signs and symptoms of temporomandibular disorders in very old subjects. J Oral Rehabil. 2005;32:467-73.
  • 28
    Truelove EL, Sommers EE, LeResche L, et al. Clinical diagnostic criteria for TMD: new classification permits multiple diagnoses. J Am Dent Assoc. 1992;123:47-54.
  • 29
    Helkimo M. Studies on function and dysfunction of the masticatory system. II: index for anamnestic and clinical dysfunction and occlusal state. Sven Tandlak Tidskr. 1974;67:101-21.
  • 30
    Fricton JR, Schiffman EL. The craniomandibular index: validity. J Prosthet Dent. 1987;58:222-8.
  • 31
    Fonseca DM, Bonfate G, Valle AL, et al. Diagnóstico pela anamnese da disfunção craniomandibular. Rev Gaucha Odontol. 1994;42:23-8.
  • 32
    Okeson JP. American Academy of Orofacial Pain. Orofacial pain: guidelines for assessment, diagnosis and management. Chicago: Quintessence; 1996.
  • 33
    Stegenga B, de Bont LG, de Leeuw R, et al. Assessment of mandibular function impairment associated with temporomandibular joint osteoarthrosis and internal derangement. J Orofac Pain. 1993;7:183-95.
  • 34
    Diniz MR, Sabadin PA, Leite FP, et al. Psychological factors related to temporomandibular disorders: an evaluation of students preparing for college entrance examinations. Acta Odontol Latinoam. 2012;25:74-81.
  • 35
    Manfredi APS, Silva AA, Vendite L. Avaliação do questionário de disfunção temporomandibular, recomendado pela Academia Americana de Dor Orofacial. Rev Bras Otorrinolarigol. 2001;67:763-8.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2016

Histórico

  • Recebido
    07 Maio 2014
  • Aceito
    26 Jun 2014
Sociedade Brasileira de Anestesiologia R. Professor Alfredo Gomes, 36, 22251-080 Botafogo RJ Brasil, Tel: +55 21 2537-8100, Fax: +55 21 2537-8188 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: bjan@sbahq.org