Acessibilidade / Reportar erro

Controle anestésico de nefrectomia em paciente com doença pulmonar obstrutiva crônica e pneumotórax espontâneo recorrente

Resumo

Geralmente, as nefrectomias são feitas sob anestesia geral, isoladamente ou em combinação com anestesia regional, e raramente sob anestesia regional sozinha. Relatamos o tratamento de um paciente com doença pulmonar obstrutiva crônica e história de pneumotórax espontâneo recorrente submetido à nefrectomia sob anestesia regional isolada.

PALAVRAS-CHAVE
Doença pulmonar obstrutiva crônica; Pneumotórax; Nefrectomia; Anestesia por condução

Abstract

Nephrectomies are usually performed under general anesthesia alone or in combination with regional anesthesia and rarely under regional anesthesia alone. We report the management of a patient with chronic obstructive pulmonary disease with a history of recurrent spontaneous pneumothorax undergoing nephrectomy under regional anesthesia alone.

KEYWORDS
Chronic obstructive pulmonary disease; Pneumothorax; Nephrectomy; Regional anesthesia

Introdução

Cirurgias do abdome superior, idade avançada e doença pulmonar obstrutiva crônica estão entre os preditivos mais importantes de alto risco para complicações pulmonares no período pós-operatório.11 Smetana GW, Lawrence VA, Cornell JE. Preoperative pulmonary risk stratification for noncardiothoracic surgery: systematic review for the American College of Physicians. Ann Intern Med. 2006;144:581-95. Descobriu-se que a manutenção da respiração espontânea com anestesia regional está associada a uma melhor função pulmonar no pós-operatório de pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC).22 Henzler D, Dembinski R, Kuhlen R, et al. Anesthetic considerations in patients with chronic pulmonary disease. Minerva Anestesiol. 2004;70:279-84. A maioria das cirurgias do abdome superior, especialmente nefrectomias, é feita sob anestesia geral isolada ou em combinação com anestesia regional por causa da posição cirúrgica do paciente (decúbito lateral com ponte renal) e da duração prolongada das cirurgias. Pouquíssimos casos de nefrectomia foram descritos com o uso de anestesia regional isolada.33 Johnson TV, Bond N, Master VA. Radical nephrectomy via epidural-only anesthesia. Can J Urol. 2010;17:5401-2.,44 Tabuchi Y, Masui TY. Perioperative management for nephrectomy using combined spinal-epidural anesthesia with sedation in a patient with cerebral palsy under maintenance hemodialysis. Masui. 2002;51:1268-71. Relatamos o caso de paciente com DPOC e história de pneumotórax espontâneo recorrente que foi programado para nefrectomia sob anestesia regional isolada.

Relato de caso

Paciente do sexo masculino, 60 anos, diagnosticado com um enorme rim esquerdo hidronefrótico e programado para nefrectomia. Durante a avaliação pré-anestésica, revelou ter sido tratado de tuberculose pulmonar havia três anos. Era portador de DPOC e teve três episódios de pneumotórax hipertensivo espontâneo no ano anterior que exigiram internação e drenagem intercostal (DIC). Não apresentou outras doenças coexistentes. Ao exame físico, pesava 60 kg, com altura em 175 cm e apresentava artrose de grau 3 em todos os dedos das mãos; a traqueia era deslocada para a esquerda e havia três cicatrizes na região infra-axilar direita por causa das DICs anteriores; sons respiratórios brônquicos foram ouvidos nas regiões infraclavicular e axilar esquerda. A radiografia de tórax mostrou fibrose no lóbulo superior do pulmão esquerdo e alteração enfisematosa compensatória no pulmão direito. TC do tórax confirmou os achados da radiografia de tórax e TC do abdome mostrou um enorme rim esquerdo hidronefrótico que ocupava mais da metade do abdome. Os outros exames estavam dentro dos limites normais.

O paciente foi informado sobre as opções de anestesia para a cirurgia e também sobre as possíveis complicações com a anestesia geral e vantagens da anestesia regional, tendo em vista seus problemas respiratórios. Concordou com a anestesia regional. O mesmo foi discutido com o cirurgião. A combinação de anestesia epidural-espinhal foi planejada. O paciente foi pré-medicado por via oral com Alprazolam (0,5 mg) à noite e na manhã da cirurgia.

No centro cirúrgico, após o início da monitoração padrão, sob cuidados de assepsia e em posição sentada, o espaço epidural foi identificado com o uso da técnica de perda da resistência ao ar com uma agulha Tuohy de calibre 18G no nível de T7-T8 e um cateter epidural de calibre 20G foi fixado a 8 cm. Sob cuidados de assepsia, a punção lombar foi feita no espaço L2-L3 com agulha Quincke de calibre 26G e bupivacaína a 0,5% (3,5 mL) foi injetada por via intratecal. Com a anestesia espinhal, o bloqueio sensorial até T8 foi atingido. Bupivacaína a 0,5% em bolus epidural de 8 mL foi administrada para atingir anestesia até o nível de T4. A anestesia epidural foi mantida com infusão epidural de bupivacaína a 0,5% a uma taxa de 8 mL.h-1. O paciente foi posicionado em decúbito lateral direito para a remoção do rim esquerdo hidronefrótico, demasiadamente aumentado. A nefrectomia durou cerca de quatro horas e a anestesia foi adequada durante toda a cirurgia. O paciente esteve confortável durante todo o período intraoperatório e não houve grandes alterações hemodinâmicas ou respiratórias. Após a cirurgia, foi transferido para a UTI para monitoramento. A analgesia no pós-operatório foi mantida com infusão epidural de bupivacaína a 0,125% + 2 µg.mL-1 de fentanil injetável a uma taxa de 6 mL.h-1. No segundo dia de pós-operatório, o paciente evoluiu com dispneia súbita, dor no lado direito do peito e queda da saturação de oxigênio. Clínica e radiologicamente, o episódio foi diagnosticado como pneumotórax e imediatamente tratado com DIC. O paciente permaneceu monitorado e recebeu alta da UTI no décimo dia de pós-operatório sem maiores complicações.

Discussão

As nefrectomias são geralmente feitas sob anestesia geral isolada ou em combinação com anestesia regional por causa da posição cirúrgica e da duração da cirurgia.

Nosso paciente era um caso conhecido de DPOC, com história de pneumotórax espontâneo recorrente. A causa mais comum de pneumotórax espontâneo secundário é a doença pulmonar obstrutiva crônica, que é responsável por aproximadamente 70% dos casos.55 Marx J. Rosen's emergency medicine: concepts and clinical practice. 7th ed. Philadelphia, PA: Mosby/Elsevier; 2010. p. 393-6. Após um segundo episódio, há uma alta probabilidade de ocorrerem episódios subsequentes.66 Tschopp JM, Rami-Porta R, Noppen M, et al. Management of spontaneous pneumothorax: state of the art. Eur Respir J. 2006;28:637-50. O pneumotórax é um problema potencialmente perigoso, especialmente durante a anestesia geral, pois a ventilação com pressão positiva aumenta o risco de um pneumotórax hipertensivo.77 Fossard JP, Samet A, Meistelman C, et al. Life-threatening pneumothorax of the ventilated lung during thoracoscopic pleurectomy. Can J Anaesth. 2001;48:493-6. Nosso paciente já havia apresentado três episódios de pneumotórax, o que o tornou de alto risco para a anestesia geral. Portanto, decidimos fazer as cirurgias sob anestesia regional isolada. Decidimos continuar com a combinação de anestesia espinhal-epidural para a nefrectomia porque a espinhal proporciona um início mais rápido da anestesia com segurança até T6-T8, com bom relaxamento muscular, e porque podíamos atingir um nível mais alto e também manter a anestesia durante a epidural contínua.

O período intraoperatório transcorreu sem intercorrências, mas no segundo dia de pós-operatório o paciente desenvolveu pneumotórax hipertensivo espontâneo, que foi prontamente reconhecido e tratado. Tal evento poderia ter ocorrido mais precocemente no período intraoperatório, caso a anestesia geral com ventilação por pressão positiva intermitente tivesse sido administrada. O uso da anestesia regional nesse paciente evitou tais eventos no período intraoperatório.

Conclusão

A posição do paciente para a cirurgia, a duração prolongada da cirurgia e a necessidade de um bom relaxamento fazem a maioria dos anestesiologistas optar pela anestesia geral, com ou sem anestesia regional, para nefrectomias. Em casos selecionados como o nosso, no qual os benefícios da anestesia regional superam as vantagens da anestesia geral, as nefrectomias podem ser feitas sob anestesia regional isolada, após se informar adequadamente o paciente.

References

  • 1
    Smetana GW, Lawrence VA, Cornell JE. Preoperative pulmonary risk stratification for noncardiothoracic surgery: systematic review for the American College of Physicians. Ann Intern Med. 2006;144:581-95.
  • 2
    Henzler D, Dembinski R, Kuhlen R, et al. Anesthetic considerations in patients with chronic pulmonary disease. Minerva Anestesiol. 2004;70:279-84.
  • 3
    Johnson TV, Bond N, Master VA. Radical nephrectomy via epidural-only anesthesia. Can J Urol. 2010;17:5401-2.
  • 4
    Tabuchi Y, Masui TY. Perioperative management for nephrectomy using combined spinal-epidural anesthesia with sedation in a patient with cerebral palsy under maintenance hemodialysis. Masui. 2002;51:1268-71.
  • 5
    Marx J. Rosen's emergency medicine: concepts and clinical practice. 7th ed. Philadelphia, PA: Mosby/Elsevier; 2010. p. 393-6.
  • 6
    Tschopp JM, Rami-Porta R, Noppen M, et al. Management of spontaneous pneumothorax: state of the art. Eur Respir J. 2006;28:637-50.
  • 7
    Fossard JP, Samet A, Meistelman C, et al. Life-threatening pneumothorax of the ventilated lung during thoracoscopic pleurectomy. Can J Anaesth. 2001;48:493-6.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2016

Histórico

  • Recebido
    04 Dez 2013
  • Aceito
    05 Fev 2014
Sociedade Brasileira de Anestesiologia R. Professor Alfredo Gomes, 36, 22251-080 Botafogo RJ Brasil, Tel: +55 21 2537-8100, Fax: +55 21 2537-8188 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: bjan@sbahq.org