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Qualidade da recuperação da anestesia em pacientes submetidos à cirurgia ortopédica em membros inferiores

Resumo

Justificativa e objetivos:

Para os pacientes submetidos à anestesia regional para cirurgias ortopédicas, situação comum em nosso meio, a qualidade da recuperação pode ser influenciada de diversas formas, o que justifica a determinação de possíveis fatores preditivos de insatisfação. O objetivo do estudo foi avaliar a opinião dos pacientes sobre a recuperação da anestesia para cirurgias ortopédicas em membros inferiores. Também foram identificados possíveis fatores preditivos para baixa qualidade da recuperação.

Métodos:

Foram avaliados os pacientes submetidos à cirurgia ortopédica nos membros inferiores e aptos a participar do estudo. Os dados relacionados à cirurgia, à anestesia, às possíveis complicações na sala de recuperação pós-anestésica (SRPA) e na enfermaria foram registrados. Na manhã seguinte à cirurgia, os pacientes foram avaliados por um estudante de medicina que aplicou o questionário QoR-40. A pontuação obtida, entre 40 a 200, foi usada para determinar a qualidade da recuperação e identificar os possíveis fatores preditivos.

Resultados:

Foram avaliados 172 pacientes. O escore médio do questionário foi de 192 pontos. A chance de ocorrência de valores menores de QoR-40 foi 2 vezes maior entre os pacientes do sexo masculino. Pacientes que permaneceram sob sedação classificada como maior ou igual a 4 segundo a escala proposta por Ramsay apresentaram risco 3,5 vezes maior de apresentar menor pontuação no QoR-40 quando comparados com aqueles que permaneceram com nível de sedação 1 ou 2. Em relação à dor, a cada incremento de uma unidade na escala numérica (0 a 10), houve um aumento de 19% no risco para QoR-40 ≤ 195. Da mesma forma, o risco para pontuação abaixo da mediana foi 2,3 vezes maior entre aqueles que apresentaram náuseas e/ou vômitos na enfermaria.

Conclusão:

O sexo masculino, a náusea, o vômito, a dor durante a permanência na enfermaria e níveis mais profundos de sedação são possíveis fatores preditivos para menor pontuação segundo o instrumento adotado.

PALAVRAS-CHAVE
Anestesia; Ortopedia; Satisfação do paciente; Questionário; Complicações

Abstract

Background and objectives:

For patients undergoing regional anesthesia for orthopedic surgery, a common situation in our work environment, the quality of recovery may be influenced in different ways, which justifies studies to identify possible predictive factors of dissatisfaction. The aim of this study was to assess the opinion of patients on recovery from anesthesia for lower limb orthopedic surgeries. We also identified potential predictive factors for poor quality of recovery.

Methods:

We evaluated patients undergoing lower limb orthopedic surgeries and able to participate in the study. Data related to surgery, anesthesia, possible complications in the post-anesthetic care unit (PACU) and in the ward were recorded. In the morning after surgery, patients were evaluated by a medical student who applied the QoR-40 questionnaire. The resulted score—between 40 and 200—was used to determine the quality of recovery and identify the potential predictors.

Results:

We evaluated 172 patients. The questionnaire average score was 192 points. The chance to have lower scores in the QoR-40 was two times higher among males. Patients who remained under sedation, classified as greater than or equal to 4 on the scale proposed by Ramsay, had a 3.5 times higher risk of having lower scores in the QoR-40 compared to those who remained with level 1 or 2 of sedation. Regarding pain, at every increase of one unit in the numerical scale (0-10), there was a 19% increase in risk for QoR-40 ≤ 195. Similarly, the risk for a score below the median was 2.3 times higher among those presenting with nausea and/or vomiting in the ward.

Conclusion:

Male, nausea, vomiting, pain while in the ward, and deeper levels of sedation are possible predictive factors for lower scores according to the adopted instrument.

KEYWORDS
Anesthesia; Orthopedics; Patient satisfaction; Questionnaire; Complications

Introdução

A crescente preocupação com a qualidade dos cuidados dispensados em saúde provocou um novo enfoque nas pesquisas clínicas em anestesiologia: avaliar o nível de satisfação com determinadas opções terapêuticas. É nesse contexto que as pesquisas de qualidade de vida relacionadas à saúde surgiram como opção adequada ao permitir que o anestesiologista tenha conhecimento das preocupações e opiniões de seus pacientes e as incorpore em sua prática. A elaboração do questionário QoR-40 (Quality of Recovery-40),11 Myles PS, Weitkamp B, Jones K, et al. Validity and reliability of a postoperative quality of recovery score: the QoR-40. Br J Anaesth. 2000;84:11-15. um instrumento validado para a avaliação da qualidade da recuperação em anestesia, permite uma abordagem mais realista sobre os fatores que influenciam a percepção dos pacientes durante o período perioperatório. Para os pacientes submetidos à anestesia regional para cirurgias ortopédicas, situação comum em nosso meio, diversos fatores poderiam influenciar a qualidade da recuperação, o que justifica a aplicação do QoR-40 como uma forma de determinar possíveis fatores preditivos de insatisfação. Os resultados obtidos poderiam contribuir para o acompanhamento e a adequação do atendimento em anestesia para esse grupo de indivíduos. O objetivo do estudo foi avaliar a qualidade da recuperação da anestesia por meio do emprego do questionário QoR-40 em pacientes submetidos à cirurgia ortopédica em membros inferiores. Também foram identificados possíveis fatores preditivos para baixa qualidade da recuperação.

Material e métodos

Após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médica e da Saúde da PUC-SP e preenchimento dos termos de consentimento, foram avaliados os pacientes submetidos à cirurgia ortopédica nos membros inferiores no Hospital Santa Lucinda e aptos a participar do estudo. Foram incluídos os pacientes submetidos a cirurgias ortopédicas nos membros inferiores sob raquianestesia; estados físico ASA I ou II e idade entre 18 e 65 anos. Os critérios de exclusão foram: (i) recusa em participar do estudo; (ii) incapacidade de comunicação por alteração do nível de consciência ou pela presença de doença neurológica ou psiquiátrica; (iii) contraindicação ao emprego da anestesia no neuroeixo ou alergia a algum dos fármacos usados no estudo; e (iv) história de dependência de álcool ou drogas. Também não foram incluídos o(a)s pacientes submetidos às cirurgias no quadril, pois são frequentemente enviados à unidade de terapia intensiva para recuperação no primeiro dia do período pós-operatório. Foram registrados a idade, o sexo, o estado físico, a duração do procedimento, a presença de história de cirurgia prévia nos membros inferiores ou de anestesia prévia, a administração (ou não) de anti-inflamatório não hormonal ou de antiemético profilático e necessidade de sondagem vesical.

Após avaliação pré-anestésica e entrada na sala de cirurgia, todos os pacientes foram monitorados com cardioscopia, pressão arterial não invasiva e oximetria de pulso. Midazolam (0,06 a 0,08 mg.kg−1) foi administrado antes da raquianestesia. Os pacientes receberam bupivacaína pesada a 0,5% em dose variável de acordo com a decisão do anestesiologista associada à morfina 80 mcg. Durante o procedimento, a sedação foi classificada pelo anestesista responsável por meio da escala de Ramsay.22 Ramsay MAE, Savege TM, Simpson BRJ, et al. Controlled sedation with alpaxalone-alphadolone. BMJ. 1974;2:656-659. Após o término da cirurgia, os pacientes foram enviados para a sala de recuperação pós-anestésica (SRPA) e permaneceram no setor até a obtenção do escore, segundo a escala de Aldrete e Kroulik modificada, maior ou igual a 9. Durante a permanência nesse setor foram registrados os dados referentes à presença de dor, náuseas, vômitos, prurido, retenção urinária, temperatura abaixo de 36 °C e tempo de permanência. A intensidade da dor foi avaliada a cada 15 minutos segundo escala numérica de 0 a 10, na qual zero significa ausência de dor e 10 a dor mais forte que se possa imaginar. Morfina 1 a 2 mg por via venosa foi administrada a cada 10 minutos para a obtenção do escore abaixo de 4 (1 mg para dor < 7 e 2 mg para dor ≥ 7). Após a alta da SRPA, todos os pacientes receberam, por via venosa, cetoprofeno (100 mg) a cada 12 horas e dipirona (30 mg/kg) a cada 6 horas. Para os casos em que o paciente considerou o esquema analgésico insuficiente, foi administrado tramadol (100 mg) por via venosa em intervalos de 8 horas. Náuseas e vômitos pós-operatórios foram tratados com ondansetrona 4 mg e o prurido com difenidramina (25 mg) a cada 6 horas conforme a necessidade. A intensidade da dor (VAS), o consumo de analgésicos, a ocorrência de náuseas, vômitos, prurido ou retenção urinária na enfermaria foram registrados.

Questionário QoR-40As

As entrevistas foram feitas na enfermaria, na manhã seguinte à cirurgia, por um dos dois estudantes do curso de medicina que participaram da pesquisa e sem o conhecimento do procedimento anestésico adotado. Após a explicação sobre o preenchimento, o questionário foi respondido pelo paciente com o entrevistador ao seu lado para esclarecer as possíveis dúvidas. O QoR-40 tem 40 questões divididas em 5 dimensões: estado emocional (9 questões), conforto físico (12 questões), apoio psicológico (7 questões), independência física (5 questões) e dor (7 questões). Cada questão se relaciona com sua frequência de ocorrência, segundo a escala Likert: “em nenhum momento”, “alguns momentos”, “frequente”, “maior parte do tempo” e “tempo todo”. A cada um dos termos indicativos da frequência de ocorrência foi atribuído um número de 1 a 5.

O questionário tem duas partes: A e B. Na parte A os questionamentos indicam aspectos positivos, ou seja, quanto maior a frequência de ocorrência, maior a pontuação. Na parte B ocorre o inverso. Portanto, na parte A, o termo “em nenhum momento” é representado por 1; “alguns momentos” é representado por 2; “frequente” é representado por 3; “maior parte do tempo” é representado por 4 e “tempo todo” é representado por 5. Na parte B, “em nenhum momento” é representado por 5; “alguns momentos” é representado por 4 e assim por diante. A pontuação total possível para o QoR-40 varia de 40 (recuperação precária) a 200 pontos (recuperação excelente). O questionário foi traduzido, adaptado e validado para a língua portuguesa33 Schwerdtfeger CMMA. Qualidade de recuperac¸ão em anestesia:abordagem da satisfac¸ão dos pacientes submetidos ao proced-imento anestésico. [Thesis] Bauru. Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, Universidade de São Paulo; 2010.p. 1-144. e para pacientes submetidos à anestesia regional.44 Idvall E, Berg K, Unosson M, et al. Assessment of recovery after day surgery using a modified version of quality of recovery 40. Acta Anaesthesiol Scand. 2009;53:673-677.

A análise multivariada via regressão logística binária múltipla foi usada para identificar covariáveis associadas com a ocorrência de QoR-40 ≤ 195 (mediana da distribuição). Inicialmente, análises de regressão logística binária univariada foram conduzidas para testar a associação entre cada covariável e a variável resposta binária. Nessas análises, quando foi observado o fenômeno de “separação” dos dados, aplicou-se o método de regressão logística exata em vez do método convencional assintótico. Em seguida, covariáveis que apresentaram valor de p < 0,20 nas análises de regressão univariada foram consideradas em análise de regressão logística múltipla com o método (convencional) de máxima verossimilhança e seleção de variáveis segundo a técnica de eliminação backward. A suposição de linearidade na escala logit (log-odds) entre cada covariável quantitativa e a variável resposta binária em análise de regressão logística binária foram avaliadas via polinômios fracionais e com a construção de Smoothed Scatter Plots. Quando a suposição não foi satisfeita, covariáveis quantitativas foram categorizadas segundo tercis da distribuição. O diagnóstico de multicolinearidade foi conduzido via estimação de fatores de inflação de variância Variance Inflation Fator (VIF). A calibração e a habilidade discriminatória do modelo final de regressão logística múltipla foram avaliadas com o teste de Hosmer-Lemeshow e a estatística-c respectivamente. A normalidade foi avaliada com a inspeção visual de histogramas e a aplicação do teste de normalidade de Shapiro-Wilks. Variáveis categóricas foram descritas com frequências absolutas (relativas) e variáveis contínuas foram descritas com média ± desvio padrão ou mediana (intervalo interquartil). Todas as probabilidades de significância (valores de p) apresentadas são do tipo bilateral e valores menores do que 0,05 foram considerados estatisticamente significativos. O software SAS versão 9.3 foi usado na análise estatística de dados.

Resultados

De agosto de 2013 a junho de 2014 foram selecionados 197 pacientes, dos quais 25 foram excluídos: quatro por recusa em participar do estudo, nove por contraindicação à raquianestesia ou alergia a um dos fármacos usados no estudo e 12 por apresentar história de dependência de álcool ou drogas. Entre os 172 pacientes participantes, a idade média foi de 35 anos, 77% do sexo masculino; 49% referiram nunca ter sido submetidos a cirurgia ou anestesia prévia nos membros inferiores. O nível de sedação foi mantido acima de 2, segundo a escala de Ramsay, em 76% dos casos. A duração média dos procedimentos foi de 171 minutos e o tempo médio de permanência na SRPA foi de 70 minutos. Durante esse período, apenas um paciente apresentou dor com intensidade maior do que 4 segundo a escala adotada. Dois pacientes apresentaram náusea e/ou vômito, um se queixou de prurido e não houve relato de retenção urinária. A complicação mais observada foi a hipotermia (temperatura < 36 °C), presente em 27% dos pacientes. Na enfermaria, náuseas e/ou vômitos, prurido e retenção urinária foram observados em 28%, 20% e 9% dos casos, respectivamente. Quando perguntados sobre o momento da punção lombar para a anestesia, 49% dos pacientes responderam que tinham recordação. A qualidade da recuperação foi avaliada por meio da pontuação obtida no questionário QoR-40. O escore total (40 a 200 pontos) foi dividido em duas categorias: ≤ 195 e > 195. A pontuação abaixo de 195 pontos foi observada em 60% dos casos. Nas tabelas 1-4, estão listadas as relações entre as variáveis registradas e a pontuação segundo o QoR-40.

Tabela 1
Número de pacientes com QoR-40 > 195 ou ≤ 195 segundo as variáveis: sexo, estado físico, cirurgia prévia em membros inferiores e anestesia prévia para cirurgia ortopédica em membros inferiores. Dados expressos em número (%)
Tabela 2
Influência das variáveis; sexo, idade, estado físico (ASA), presença de cirurgias prévias em membros inferiores ou anestesias para cirurgias em membros inferiores, administração de anti-inflamatórios ou antieméticos no período intraoperatório, sondagem vesical na sala cirúrgica e nível de sedação segundo Ramsay na qualidade de recuperação
Tabela 3
Influência das variáveis observadas na sala de recuperação pós-operatória na qualidade de recuperação
Tabela 4
Influência das variáveis observadas na enfermaria na qualidade de recuperação

Discussão

Foi feito um estudo transversal com o objetivo de avaliar a qualidade da recuperação da anestesia por meio do emprego do questionário QoR-40 em pacientes submetidos à cirurgia ortopédica em membros inferiores. O escore médio foi de 192 pontos (40 a 200), o que representa uma elevada qualidade de recuperação segundo a opinião dos pacientes. Também foram identificados possíveis fatores preditivos para a baixa qualidade da recuperação. Para tanto, foram analisados dados antropométricos, a experiência prévia com anestesia ou cirurgia nos membros inferiores, o nível de sedação perioperatória, a administração profilática de anti-inflamatório ou antiemético e a ocorrência, ou não, de complicações na SRPA ou na enfermaria. Foi empregada a análise multivariada via regressão logística múltipla e os eventos foram analisados de acordo com a ocorrência de QoR-40 ≤ 195 (mediana da distribuição). A chance de ocorrência de valores menores de QoR-40 foi 2 vezes maior entre os pacientes do sexo masculino. O nível de sedação durante a cirurgia também pode ser considerado um fator preditivo para a qualidade da recuperação da anestesia. Pacientes que permaneceram sob sedação classificada como 4 segundo a escala proposta por Ramsay apresentaram risco 3,5 vezes maior de ter menor pontuação no QoR-40 quando comparados com os pacientes que permaneceram com nível de sedação 1 ou 2. A intensidade da dor apresentada durante a permanência na enfermaria também apresentou correlação positiva para ocorrência de QoR-40 abaixo da mediana de distribuição. A cada incremento de uma unidade na escala adotada para a avaliação da intensidade da dor houve um aumento de 19% no risco para QoR-40 ≤ 195. Da mesma forma, o risco para pontuação abaixo da mediana foi 2,3 vezes maior entre aqueles que apresentaram náuseas e/ou vômitos na enfermaria.

Inúmeros aspectos podem influenciar a percepção do paciente em relação à qualidade da recuperação da anestesia. Cirurgias ortopédicas nos membros inferiores são comumente feitas sob anestesia raquidiana e são acompanhadas de algumas particularidades no período pós-operatório que merecem atenção: a deambulação limitada pela cirurgia ou pela doença, a dependência de apoio de outras pessoas para as atividades básicas, a presença da dor, da retenção urinária e de outros possíveis efeitos adversos relacionados à anestesia e à cirurgia. A redução da qualidade da recuperação da anestesia pode prolongar a estada hospitalar, gerar insatisfação e alterar o padrão de uso dos recursos hospitalares, com consequente aumento dos gastos.55 Tong D, Chung F, Wong D. Predictive factors in global and anesthesia satisfaction in ambulatory surgical patients. Anesthesiology. 1997;87:856-864. A determinação da causa para uma eventual oscilação do nível de qualidade da recuperação da anestesia em um serviço pode orientar estratégias para a resolução de deficiências ou a descoberta de possíveis oportunidades de melhoria. Daí a importância de avaliar criteriosamente não somente a presença da dor pós-operatória, mas também outros aspectos físicos, funcionais e psicossociais dos pacientes. Diversas formas têm sido propostas para esse fim, mas ao se compararem os instrumentos de medida após procedimentos anestésicos, o QoR-40 mostrou características psicométricas mais adequadas e tem sido considerado o melhor instrumento desenvolvido com essa finalidade, como demonstram duas revisões sistemáticas qualitativas e uma quantitativa.66 Gornall BF, Myles PS, Smith CL, et al. Measurement of quality of recovery using the QoR-40: a quantitative systematic review. Br J Anaesth. 2013;:2-9.

7 Herrera FJ, Wong J, Chung F. A systematic review of postoperative recovery outcomes measurements after ambulatory surgery. Anesth Analg. 2007;10:63-69.
-88 Kluivers KB, Riphagen I, Vierhout ME, et al. Systematic review on recovery specific quality-of-life instruments. Surgery. 2008;143:206-215. O QoR-40 (fig. 1) tem 40 questões divididas em 5 dimensões: estado emocional, conforto físico, apoio psicológico, independência física e dor. Cada questão se relaciona com sua frequência de ocorrência, segundo a escala Likert. A pontuação total possível para o QoR-40 varia de 40 (recuperação precária) a 200 pontos (recuperação excelente). Poucos estudos avaliaram a qualidade da recuperação após a anestesia para cirurgias ortopédicas. No presente estudo, variáveis como idade, cirurgia ortopédica em membros inferiores ou anestesia prévia para esse tipo de procedimento, administração profilática de antiemético ou anti-inflamatórios e sondagem vesical não foram fatores determinantes para menor qualidade de recuperação. Da mesma forma, o tempo de permanência na SRPA e a presença de hipotermia observada nesse setor não determinaram menor pontuação no QoR-40. Complicações pós-operatórias como o prurido e a retenção urinária, avaliados na SRPA ou na enfermaria, também não foram consideradas como fator de risco para escore menor do que 195. Alguns autores observaram que pacientes do sexo feminino apresentam maior probabilidade de ter menor qualidade de recuperação após a anestesia. Uma das explicações seria a maior incidência de náuseas e vômitos entre as pacientes do sexo feminino ou a maior disposição de relatar a insatisfação durante o período pós-operatório.99 Myles PS, McLeod ADM, Hunt JO, et al. Sex differences in speed of emergence and quality of recovery after anaesthesia: cohort study. BMJ. 2001;322:710-711.

10 Myles PS, Williams DL, Hendrata M, et al. Patient satisfaction after anaesthesia and surgery: results of a prospective survey of 10,811 patients. Br J Anaesth. 2000;84:6-10.
-1111 Buchanan FF, Myles PS, Cicuttini F. Patient sex and its influence on general anesthesia. Anaesth Intensive Care. 2009;37:207-208. Na presente pesquisa, o sexo masculino foi considerado fator preditivo para menor escore no questionário QoR-40. Não foi possível estabelecer uma possível explicação para esse resultado. Outro dado interessante foi a observação de que pacientes sob sedação grau 4 ou mais, segundo a escala proposta por Ramsay, apresentaram menor qualidade de recuperação quando comparados com os que permaneceram mais conscientes (Ramsay 1 ou 2). Tal resultado pode conter algum viés que deve ser considerado. É pouco provável que a preferência dos pacientes seja a de permanecerem acordados, embora essa questão não tenha sido diretamente avaliada. Talvez a sedação tenha sido aplicada com maior frequência e intensidade em pacientes submetidos a procedimentos mais longos e complexos, o que justificaria a pior qualidade da recuperação. Outra possibilidade é a possível ocorrência de efeitos indesejáveis associados à sedação, como a sonolência prolongada.

Figura 1
Versão adaptada de QoR-40 para idioma e cultura brasileiros.

Apesar da administração do midazolam imediatamente antes da raquianestesia, 49% dos pacientes relataram se lembrar do momento da punção. Ainda assim, a recordação não foi considerada como um fator preditivo para menor qualidade de recuperação. Por outro lado, a dor, a náusea e o vômito, como observado por outros autores,77 Herrera FJ, Wong J, Chung F. A systematic review of postoperative recovery outcomes measurements after ambulatory surgery. Anesth Analg. 2007;10:63-69.,1010 Myles PS, Williams DL, Hendrata M, et al. Patient satisfaction after anaesthesia and surgery: results of a prospective survey of 10,811 patients. Br J Anaesth. 2000;84:6-10. foram fatores determinantes para menor escore segundo a escala adotada. Tais complicações foram pouco frequentes na SRPA, mas houve um aumento significativo no período de permanência na enfermaria. Segundo Ekstein e Weinbroum,1212 Ekstein MP, Weinbroum AA. Immediate postoperative pain in orthopedic patients is more intense and requires more analgesia than post laparotomy patients. Pain Med. 2011;12:308-313. a intensidade da dor após cirurgias ortopédicas pode superar a observada em pacientes submetidos à laparotomia, o que exige a adoção de protocolos específicos para o manuseio pós-operatório. A incidência de náuseas e/ou vômitos entre os participantes da presente pesquisa foi de 28%. Autores que avaliaram a ocorrência dessas complicações em pacientes submetidos a cirurgias ortopédicas sob anestesia raquidiana com administração de bupivacaína e morfina1313 Borgeat A, Ekatodramis G, Schenker CA. Postoperative nausea and vomiting in regional anesthesia. Anesthesiology. 2003;98:530-547.,1414 Jacobson L, Chabal C, Brody MC. A dose-response study of intrathecal morphine: efficacy, duration, optimal dose, and side effects. Anesth Analg. 1988;67:1082-1088. observaram incidência de 40% a 60%. A administração profilática de ondansetrona em 89% dos casos no presente estudo poderia explicar a menor incidência, embora a comparação entre os que receberam, ou não, antieméticos profiláticos não tenha sido feita. A administração de morfina intratecal até a dose de 0,1 mg parece não aumentar o risco de náuseas e vômitos no pós-operatório.1313 Borgeat A, Ekatodramis G, Schenker CA. Postoperative nausea and vomiting in regional anesthesia. Anesthesiology. 2003;98:530-547.,1515 Weber EWG, Slappendel R, Gielen MJM, et al. Intrathecal addition of morphine to bupivacaine is not the cause of postoperative nausea and vomiting. Reg Anesth Pain Med. 1998;23:81-86. Por ser um estudo transversal, pode haver dificuldade no estabelecimento de relações causais a partir dos dados expostos. A presente pesquisa indica a necessidade de ensaios clínicos randomizados que comparem a qualidade da recuperação de pacientes submetidos a cirurgias ortopédicas sob diferentes técnicas para a abordagem da dor pós-operatória, da náusea e do vômito.

Concluindo, o sexo masculino, a náusea, o vômito, a dor durante a permanência na enfermaria são fatores preditivos para menor qualidade da recuperação após anestesia para cirurgias ortopédicas em membros inferiores.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    5 Mar 2015
  • Aceito
    19 Maio 2015
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