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Efeitos de diferentes níveis de pressão expiratória final sobre a hemodinâmica, mecânica respiratória e resposta sistêmica ao estresse durante colecistectomia laparoscópica

Resumo

Objetivo:

A anestesia geral causa a redução da capacidade residual funcional e essa diminuição pode levar à atelectasia pulmonar e ao shunt intrapulmonar. Neste estudo pretendemos avaliar os efeitos de níveis de 5 e 10 cmH2O de pressão expiratória final positiva (PEEP) sobre as trocas gasosas, a hemodinâmica, a mecânica respiratória e a resposta ao estresse sistêmico em colecistectomia laparoscópica.

Método:

Foram selecionados aleatoriamente 43 pacientes, estado físico ASA I-II, agendados para colecistectomia laparoscópica, para receber PEEP a 5 cmH2O (grupo PEEP-5) ou PEEP de 10 cmH2O (grupo PEEP-10) durante o pneumoperitônio. Os parâmetros hemodinâmicos foram registrados, gasometria arterial e coleta de sangue foram feitas para estimativa dos níveis de cortisol, insulina e glicose para avaliar a resposta ao estresse sistêmico antes da indução anestésica. Trinta minutos após o pneumoperitônio, os parâmetros hemodinâmicos e respiratórios foram registrados novamente e gasometria e amostragem para os níveis de cortisol, insulina e glicose foram repetidos. E os últimos parâmetros hemodinâmicos foram registrados, análise e amostragem de gasometria para os níveis de resposta ao estresse foram feitas após 60 minutos da extubação.

Resultados:

Não houve diferença estatística entre dois grupos quanto aos parâmetros hemodinâmicos e respiratórios, exceto pressão média das vias aéreas (Pmédia). Os valores de Pmédia, complacência, PaO2 e do pH foram maiores no grupo PEEP-10. Também os valores de PaCO2 foram menores no grupo PEEP-10. Não foram observadas quaisquer diferenças entre os níveis de insulina e de ácido láctico nos dois grupos. Porém, o nível de cortisol no pós-operatório foi significativamente menor no grupo PEEP-10.

Conclusão:

Ventilação com PEEP de 10 cmH2O aumenta a complacência e a oxigenação, não causa hemodinâmica e complicações respiratórias e reduz a resposta ao estresse no pós-operatório.

PALAVRAS-CHAVE
PEEP; Hemodinâmica; Mecânica respiratória e resposta ao estresse

Abstract

Objective:

General anesthesia causes reduction of functional residual capacity. And this decrease can lead to atelectasis and intrapulmonary shunting in the lung. In this study we want to evaluate the effects of 5 and 10 cmH2O PEEP levels on gas exchange, hemodynamic, respiratory mechanics and systemic stress response in laparoscopic cholecystectomy.

Methods:

American Society of Anesthesiologist I-II physical status 43 patients scheduled for laparoscopic cholecystectomy were randomly selected to receive external PEEP of 5 cmH2O (PEEP 5 group) or 10 cmH2O PEEP (PEEP 10 group) during pneumoperitoneum. Basal hemodynamic parameters were recorded, and arterial blood gases (ABG) and blood sampling were done for cortisol, insulin and glucose level estimations to assess the systemic stress response before induction of anesthesia. Thirty minutes after the pneumoperitoneum, the respiratory and hemodynamic parameters were recorded again and ABG and sampling for cortisol, insulin, and glucose levels were repeated. Lastly hemodynamic parameters were recorded; ABG analysis and sampling for stress response levels were taken after 60 minutes from extubation.

Results:

There were no statistical differences between the two groups about hemodynamic and respiratory parameters except mean airway pressure (P mean). P mean, compliance and PaO2; pH values were higher in 'PEEP 10 group'. Also, PaCO2 values were lower in 'PEEP 10 group'. No differences were observed between insulin and lactic acid levels in the two groups. But postoperative cortisol level was significantly lower in 'PEEP 10 group'.

Conclusion:

Ventilation with 10 cmH2O PEEP increases compliance and oxygenation, does not cause hemodynamic and respiratory complications and reduces the postoperative stress response.

KEYWORDS
PEEP; Hemodynamic; Respiratory mechanics and stress response

Introdução

A anestesia geral causa redução da capacidade residual funcional (CRF) devido à diminuição do tônus muscular inspiratório, aumento da pressão abdominal e alteração do volume torácico.11 Meninger D, Byhahn C, Westphal K. Positive end-expiratory pressure improves arterial oxygenation during prolonged pneumoperitoneum. Acta Anaesthesiol Scand. 2005;49:778-83. Mudar a posição ereta para a posição supina causa uma perda aproximada de 20% da CRF e a indução da anestesia causa uma perda adicional de 10%.22 Lumb AB, Nunn JF. Respiratory function and ribcage contribution to ventilation in body position commonly used during anesthesia. Anesth Analg. 1991;73:422-6. Além disso, o aumento da pressão abdominal durante procedimentos laparoscópicos resulta em perda adicional da CRF. Essa diminuição da CRF pode levar à atelectasia e formação de shunt intrapulmonar nas regiões pulmonares dependentes.33 Hardman JG, Artkenhead AR. Estimating alveolar dead space from the alveolar to end-tidal CO2 gradient: a modeling analysis. Anesth Analg. 2003;97:1845-51. A atelectasia no período perioperatório afeta as trocas gasosas e é aceita como uma das principais causas do desenvolvimento de hipóxia no pós-operatório.44 Hedenstierna G, Edmark L. The effects of anesthesia and muscle paralysis on the respiratory system. Intensive Care Med. 2005;31:1327-35. Ventilação com baixo volume corrente e aplicação de pressão expiratória final positiva (PEEP) melhoram o resultado em síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA) e passaram a ser uma estratégia de rotina para o tratamento de paciente com SDRA.55 Petrucci N, De Feo C. Lung protective strategy for the acute respiratory distress syndrome. Cochrane Database Syst Rev. 2013;2:CD003844. Contudo, metanálises recentes sustentam que a ventilação durante a anestesia geral com volumes correntes mais baixos e PEEP também pode beneficiar pacientes sem SDRA.66 Serpa Neto A, Cardoso SO, Manetta JA, et al. Association between use of lung-protective ventilation with lower tidal volumes and clinical outcomes among patients without acute respiratory distress syndrome: a meta-analysis. JAMA. 2012;308:1651-9. Além disso, a aplicação de PEEP demonstrou ser eficaz na prevenção de atelectasia durante a anestesia. A PEEP é uma estratégia muito usada em anestesiologia, mas pode produzir resultados tanto benéficos quanto prejudiciais.77 Terragni PP, Rosboch G, Tealdi A, et al. Tidal hyperinflation during low tidal volume ventilation in acute respiratory distress syndrome. Am J Respir Crit Care Med. 2007;175:160-6. A depender do nível da PEEP, a diminuição do débito cardíaco (DC) pode ser induzida pelo aumento da pressão intratorácica (PIT) e redução da pré-carga ventricular e do gradiente de pressão do retorno venoso sistêmico.88 Russo A, Marana E, Viviani D, et al. Diastolic function: the influence of pneumoperitoneum and Trendelenburg positioning during laparoscopic hysterectomy. Eur J Anaesthesiol. 2009;26:923-7.

Este estudo foi feito para avaliar os efeitos de diferentes níveis de PEEP sobre as trocas gasosas, a hemodinâmica e a resposta ao estresse em quadros de aumento da pressão intra-abdominal (PIA) criados por pneumoperitônio com CO2 para colecistectomia laparoscópica.

Métodos

Este estudo prospectivo e randomizado foi conduzido com a aprovação do Comitê de Ética da instituição e após receber os termos de consentimento informado assinados por 43 pacientes entre 18-65 anos, estado físico ASA I-II, programados para colecistectomia laparoscópica. Pacientes com obesidade mórbida (IMC >30 kg m-2) ou história de diabetes melito, doença endócrina, respiratória ou cardiopulmonar e doenças cerebrovasculares foram excluídos do estudo. Além disso, apenas os casos admitidos no centro cirúrgico até as 11h foram incluídos neste estudo. Os pacientes foram selecionados de forma randômica por meio de envelopes lacrados para receber ou PEEP externa a 5 cmH2O (grupo PEEP-5, n = 20) ou PEEP externa a 10 cmH2O (grupo PEEP-10, n = 23) durante o pneumoperitônio.

Na sala de cirurgia, os valores basais de eletrocardiograma (ECG), frequência cardíaca (FC), pressão arterial sistólica (PAS), pressão arterial diastólica (PAD), pressão arterial média (PAM), saturação de oxigênio de hemoglobina (SpO2) e dióxido de carbono expirado (ETCO2) foram registados com um monitor multiparamétrico. Na fase basal, gasometria arterial e coleta de amostras de sangue foram feitas para estimar os níveis de cortisol, insulina e glicose para avaliar a resposta ao estresse sistêmico. A anestesia foi induzida com propofol (2 mg kg-1), citrato de fentanila (2 µg kg-1) e brometo de rocurônio (0,6 mg kg-1). A anestesia foi mantida com CAM de sevoflurano a 1,0 em uma mistura de 50% de oxigênio e ar e o ventilador foi ajustado com volume corrente de 8 mL kg-1, calculado com o uso do peso corporal previsto e 12 min de frequência respiratória com uma relação I:E de 1:2 em fluxo de gás fresco (1 L min-1). O grupo PEEP-5 recebeu 5 cmH2O de PEEP e o grupo PEEP-10 recebeu 10 cmH2O de PEEP. Antes do pneumoperitônio, FC, PAM, ETCO2, Ppico, Pplatô e Pmédia foram registrados. O pneumoperitôneo foi criado por insuflação de CO2 e a PIA foi ajustada para ser mantido a 14 mm Hg-1 por meio de insuflador automático. Trinta minutos após o pneumoperitônio, os parâmetros respiratórios e hemodinâmicos foram registrados novamente e gasometria e amostragem para cortisol, insulina e glicose foram repetidas. A anestesia foi mantida até o fim da cirurgia, o bloqueio neuromuscular foi antagonizado com sugamadex e a extubação traqueal foi feita quando o paciente estava totalmente acordado. Os registros dos parâmetros hemodinâmicos, gasometria e níveis de cortisol, insulina e glicose foram repetidos pela última vez 60 minutos (min) após a extubação.

Análise estatística

O programa SPSS versão 15.0 para Windows foi usado para a análise estatística dos resultados. A estatística descritiva foi expressa em números e porcentagens para as variáveis categóricas e em média, desvio padrão e mediana para as variáveis numéricas. A comparação de dois grupos independentes de variáveis foi feita com o teste t de Student quando os critérios de distribuição normal foram atendidos ou o teste de Mann-Whitney quando esses critérios não foram atendidos. A relação entre as variáveis numéricas foi avaliada com a análise de correlação de Spearman. As diferenças entre as variáveis categóricas foram avaliadas com o teste do qui-quadrado. O nível de significância estatística foi aceito para um valor-p inferior a 0,05.

Resultados

As características físicas e os parâmetros demográficos dos dois grupos de pacientes foram totalmente comparáveis. Também não houve diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos em relação aos parâmetros hemodinâmicos (FC, PAS, PAD e PAM) e respiratórios (níveis de Ppico e Pplatô). Mas a pressão média das vias aéreas (Pmédia) e os níveis de complacência foram estatisticamente maiores no grupo PEEP-10 antes e durante o tempo de pneumoperitônio (tabela 1).

Tabela 1
Antes e durante o tempo de pneumoperitônio

Os níveis médios de ETCO2 foram iguais para os dois grupos. Embora não tenha havido diferença nos valores de PaO2 entre os dois grupos nos períodos pré- e pós-operatório, os valores foram maiores no grupo PEEP-10 durante o tempo de pneumoperitônio (tabela 2, fig. 1). Antes e durante o pneumoperitônio, os valores de PaCO2 foram menores no grupo PEEP-10 (tabela 1, fig. 2). Os valores médios de pH do grupo PEEP-10 foram maiores do que os do grupo PEEP-5 (p < 0,01) (tabela 2, fig. 3). O nível médio de cortisol no pós-operatório do grupo PEEP-10 foi significativamente menor que o do outro grupo (p < 0,001) (tabela 2, fig. 4). Não foram observadas diferenças entre os níveis de insulina e ácido láctico nos dois grupos. O nível de glicose no pré-operatório do grupo PEEP-10 foi maior do que o do grupo PEEP-5 (p < 0,05) (tabela 2, fig. 5).

Tabela 2
Após o tempo de pneumoperitônio
Figura 1
Alterações dos níveis de PaO2 (PaO2 1, tempo de pré-operatório; PaO2 2, tempo de perioperatório; PaO2 3, tempo de pós-operatório).
Figura 2
Alterações dos níveis de PaCO2 (PaCO2 1, tempo de pré-operatório; PaCO2 2, tempo de perioperatório; PaCO2 3, tempo de pós-operatório).
Figura 3
Alterações dos níveis de pH (pH 1, tempo de pré-operatório; pH 2, tempo de perioperatório; pH 3, tempo de pós-operatório).
Figura 4
Alterações dos níveis de cortisol (Cortisol 1, tempo de pré-operatório; Cortisol 2, tempo de perioperatório; Cortisol 3, tempo de pós-operatório).
Figura 5
Alterações nos níveis de glicose (Glicose 1, tempo de pré-operatório; Glicose 2, tempo de perioperatório; Glicose 3, tempo de pós-operatório).

Discussão

Este estudo teve como objetivo avaliar os efeitos da aplicação de PEEP a 5 cmH2O versus PEEP a 10 cmH2O durante o pneumoperitônio em cirurgia abdominal laparoscópica sobre qualquer melhoria na oxigenação e complacência, prevenção de atelectasia e as diferenças nas alterações respiratórias, parâmetros hemodinâmicos e resposta ao estresse sistêmico.

Estudos recentes demonstraram que a aplicação de PEEP durante a anestesia geral, especialmente em cirurgia laparoscópica, melhora a complacência e oxigenação.99 Karsten J, Luepschen H, Grossherr M, et al. Effect of PEEP on regional ventilation during laparoscopic surgery monitored by electrical impedance tomography. Acta Anaesthesiol Scand. 2011;55:878-86. Em um estudo para avaliar o efeito na saturação de oxigênio cerebral de PEEP a zero cmH2O e aplicação de PEEP a 10 cmH2O durante colecistectomia laparoscópica, Hyun et al. concluíram que o uso de PEEP a 10 cmH2O regatou a saturação de oxigênio cerebral, sem efeitos adversos sobre a estabilidade hemodinâmica.1010 Hyun JK, Sun KP, Kyung CL, et al. High positive end-expiratory pressure preserves cerebral oxygen saturation during laparoscopic cholecystectomy under propofol anesthesia. Surg Endosc. 2013;27:415-20. Em outro estudo que usou PIA de 14, 8 e 14 mm Hg-1, respectivamente, em grupos que receberam PEEP a zero, 5 e 10 cmH2O, os autores observaram que a aplicação de PEEP a uma PIA correspondente ajudou a manter a eliminação de CO2 e melhorou a oxigenação sem alterar a hemodinâmica.1111 Pankaj K, Yamini S, Ravishankar M, et al. Cardiorespiratory effects of balancing PEEP with intra-abdominal pressure during laparoscopic cholecystectomy. Surg Laparosc Endosc Percutan Tech. 2014;24:232-9. Além disso, a revisão feita pelo grupo Cochrane Collaboration sobre a mortalidade no pós-operatório e complicações pulmonares, com e sem o uso de PEEP, sugeriu, embora de forma inconclusiva, que a PEEP melhora a atelectasia e a oxigenação no pós-operatório.1212 Fabiona TB, Aldemar AC, Celio FS. Postoperative end-expiratory pressure (PEEP) during anaesthesia for prevention of mortality and postoperative pulmonary complications. Cochrane Database Syst Rev. 2014. Art. No: CD007922.

Por outro lado, o estudo Provhilo, com 900 casos de cirurgia abdominal aberta sob anestesia geral com volume corrente de 8 mL kg-1 e recrutamento, com o uso de PEEP a 2 cmH2O ou 12 cmH2O não demonstrou diferenças significativas entre o dois grupos em relação a complicações pulmonares no pós-operatório, apesar dos valores mais elevados de oxigenação no pré-operatório no grupo com PEEP a 12 cmH2O e da maior necessidade de oxigenação no grupo com PEEP a 2 cmH2O. Os autores concluíram que PEEP elevada e manobra de recrutamento em cirurgia abdominal aberta não protegem contra complicações pulmonares e mortalidade e defenderam a estratégia de ventilação sem volume corrente baixo, PEEP em nível baixo e recrutamento.1313 The PROVE Network Investigators for the Clinical Trial Network of the European Society of Anaesthesiology. High versus low positive end-expiratory pressure during general anaesthesia for open abdominal surgery (PROVHILO trial): a multicenter randomised controlled trial. Lancet. 2014;384:495-503.

Quando níveis de PEEP a 0, 5, 10 e 15 cmH2O foram aplicados em cirurgia cardíaca, relatou-se que à medida que o nível da PEEP foi aumentado, a resistência total e o recolhimento elástico do sistema respiratório diminuíram; a oxigenação e a eliminação de CO2 aumentaram; o espaço morto e o shunt diminuíram; o conteúdo de oxigênio arterial, o consumo de oxigênio e a taxa de extração de oxigênio aumentaram, apesar da redução progressiva do índice cardíaco; e nenhuma diferença na pressão arterial média foi demonstrável entre os diferentes grupos de PEEP. Concluiu-se que, embora a aplicação da PEEP acima do nível de 10 cmH2O tenha aumentado a oxigenação, atenção cuidadosa devia ser dedica a pacientes com função cardíaca marginal devido a alterações da contratilidade ou hipovolemia.1414 Auler JOC, Carmona MJC, Barbas CV, et al. The effects of positive end-expiratory pressure on respiratory system mechanics and hemodynamics in postoperative cardiac surgery patients. Braz J Med Biol Res. 2000;33:31-42. Daniel et al., após avaliar os efeitos da aplicação de PEEP a 5, 8 e 10 cmH2OP sobre a duração da ventilação mecânica após cirurgia de revascularização do miocárdio, relataram uma redução significativa do tempo de ventilação no grupo com PEEP a 10 cmH2O.1515 Daniel LB, Vinicius JSN, Thiago EPB, et al. Effects of positive end-expiratory pressure on mechanical ventilation duration after coronary artery bypass grafting: a randomized clinical trial. Ann Thorac Cardiovasc Surg. 2014;20:773-7. Karsten et al. avaliaram a ventilação regional com o uso da tomografia de impedância elétrica em 32 pacientes submetidos à colecistectomia laparoscópica com PEEP a 0 (zero) cmH2O (aplicação ZEEP) ou PEEP a 10 cmH2O. Os autores relataram que a manobra de recrutamento e a aplicação de PEEP a 10 cmH2O em cirurgia laparoscópica melhoraram a oxigenação e corrigiram a complacência.99 Karsten J, Luepschen H, Grossherr M, et al. Effect of PEEP on regional ventilation during laparoscopic surgery monitored by electrical impedance tomography. Acta Anaesthesiol Scand. 2011;55:878-86. Os mesmos autores investigaram os efeitos de PEEP a 0, 3, 5, 7 e 10 cmH2O durante prostatectomia radical laparoscópica assistida por robô sobre os parâmetros hemodinâmicos e respiratórios. Eles relataram que os valores de FC e PAM não variaram com o nível da PEEP, mas o nível da PaO2 foi significativamente baixo no grupo ZEEP e mais elevado no grupo com PEEP a 10 cmH2O. Um paciente do grupo com PEEP 10 cmH2O apresentou enfisema subcutâneo, resolvido após a cessação da insuflação. Os autores concluíram que a aplicação de PEEP a 7 cmH2O resultou em aumento significativo de oxigenação, sem pressão de pico excessiva das vias aéreas ou depressão dos parâmetros hemodinâmicos durante a cirurgia laparoscópica prolongada.1616 Hee JL, Kyo SK, Ji SJ, et al. Optimal positive end-expiratory pressure during robot-assisted laparoscopic radical prostatectomy. Korean J Anesthesiol. 2013;65:244-50.

Em nosso estudo, observamos que durante o período de pneumoperitônio, a PaO2, a complacência e os níveis de Pmédia e de pH foram maiores no grupo PEEP a 10 cmH2O, em comparação com o grupo PEEP a 5 cmH2O. Embora a PEEP a 5 cmH2O tenha preservado a oxigenação durante o pneumoperitônio, a PEEP a 10 cmH2O produziu uma melhoria significativa da oxigenação. Observações semelhantes foram feitas por Andrea et al. durante cirurgia ginecológica laparoscópica. A aplicação de PEEP resultou em recrutamento alveolar, melhorou as funções cardíacas e pulmonares e, consequentemente, a oxigenação, a eliminação de CO2 e a inibição do reflexo vasoconstritor.

Relatou-se que, enquanto 5 cmH2O de PEEP agiram como um escudo contra os efeitos negativos cardiopulmonares induzidos pelo pneumoperitônio, 10 cmH2O de PEEP de fato melhoraram os efeitos.1717 Andrea R, Enrico DS, Alessandro S, et al. Positive end-expiratory pressure during laparoscopy: cardiac and respiratory effects. J Clin Anesth. 2013;25:314-20. Embora as complicações mais comuns da aplicação de uma PEEP elevada sejam observadas nos parâmetros hemodinâmicos, especialmente em pacientes com hipovolemia, ao incluirmos efeitos respiratórios, como o barotrauma, não observamos complicações hemodinâmicas ou respiratórias em nossa série de pacientes. Em pacientes submetidos à cirurgia de hérnia inguinal laparoscópica com aplicação de 8 mL kg-1 de volume corrente e PEEP a 0, 5 e 10 cmH2O, o volume pulmonar ao fim da expiração (EELV), medido com o método wash-out/wash-in de nitrogênio com o uso de tomografia por impedância elétrica, foi aumentado durante a aplicação de PEEP a 10 cmH2O, o que também homogeneizou a distribuição da ventilação.1818 Julien B, Cecilia M, Philippe JC, et al. Impact of extraperitoneal dioxide carbon insufflation on respiratory function in anesthetized adults: a preliminary study using electrical impedance tomography and wash-out/wash-in technic. Anesth Pain Med. 2015;5:e22845.

Ao avaliar os efeitos da aplicação de PEEP a 5 e 10 cmH2O sobre a resposta ao estresse sistêmico, observamos que os níveis de glicose no sangue no pré-operatório, embora significativamente elevados, ainda estavam dentro dos limites fisiológicos no grupo com PEEP a 10 cmH2O, enquanto o nível de cortisol foi significativamente inferior no período pós-operatório e o nível de insulina não foi modificado, em comparação com o grupo com PEEP a 5 cmH2O. Não conseguimos encontrar outro estudo na literatura sobre os efeitos do nível da PEEP nos parâmetros de resposta ao estresse sistêmico para podermos fazer comparações diretas entre os resultados.

Contudo, em estudos que avaliam a resposta inflamatória, descobriu-se que a PEEP foi benéfica a uma pressão inspiratória alta e causou algum estresse, mas o estresse causado foi apenas moderado a uma pressão inspiratória baixa.1919 Meier T, Lange A, Papenberg H, et al. Pulmonary cytokine responses during mechanical ventilation of noninjured lungs with and without end-expiratory pressure. Anesth Analg. 2008;107:1265-75. Weingarten et al. compararam os efeitos de "volume corrente baixo com aplicação de PEEP alta (12 cmH2O)" e "volume corrente alto com aplicação de ZEEP (PEEP a 0 cmH2O)" sobre os parâmetros (IL-6 e IL-8) de resposta inflamatória sistêmica e não encontraram diferenças entre os dois grupos. Porém, a oxigenação no período perioperatório do grupo "volume corrente baixo com aplicação de PEEP alta (12 cmH2O)" aumentou e a mecânica pulmonar foi muito melhor.2020 Weingarten TN, Whalen FX, Warner DO, et al. Comparison of two ventilator strategies in elderly patients undergoing major abdominal surgery. Br J Anaesth. 2010;104:16-22. Em nosso estudo, os níveis baixos de cortisol observados no pós-operatório com a aplicação de PEEP a 10 cmH2O podem estar relacionados a uma melhor oxigenação e complacência no perioperatório.

Conclusão

A partir deste estudo, acreditamos que durante a colecistectomia laparoscópica a ventilação com PEEP a 10 cmH2O aumenta a complacência e a oxigenação, não causa complicações hemodinâmicas e respiratórias e reduz a resposta ao estresse no pós-operatório.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2017

Histórico

  • Recebido
    9 Jun 2015
  • Aceito
    17 Ago 2015
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