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Comparações dos efeitos de sevoflurano e propofol sobre isquemia-reperfusão aguda e danos ao DNA em coelhos

Resumo

Justificativa e objetivos:

Comparar os efeitos da anestesia com sevoflurano e propofol sobre o dano oxidativo ao DNA que ocorre na isquemia de extremidade inferior e é causada pela aplicação de torniquete.

Métodos:

Foram alocados aleatoriamente em dois grupos iguais 14 coelhos da raça Nova Zelândia. Grupo S (n = 7) recebeu inalação de sevoflurano (2,5-4%) e Grupo P (n = 7) recebeu perfusão de propofol (1-2 mg·kg-1·min-1), logo após um torniquete pneumático foi colocado na extremidade inferior direita. Amostras de sangue foram coletadas antes da colocação do torniquete (fase basal), após 120 minutos de isquemia, 15 minutos após a isquemia e 120 minutos após a isquemia. Os níveis de malondialdeído (MDA) foram analisados para determinar a peroxidação de lipídios e eletroforese em gel de célula única (EGCU) foi usada para determinar o dano ao DNA.

Resultados:

Aos 15 minutos após a isquemia, os níveis de MDA no Grupo P (8,15 ± 2,61 µM) foram superiores aos da fase basal (6,26 ± 3,19 µM, p = 0,026) e dp Grupo S (4,98 ± 0,77 µM, p = 0,01). O dano causado ao DNA foi semelhante nos dois grupos, embora tenha sido maior do que na fase basal (momento da cauda 0,63 ± 0,27, intensidade da cauda 3,76 ± 1,26) no Grupo P no 15 minutos de reperfusão (momento da cauda 1,05 ± 0,45, p = 0,06; intensidade da cauda 5,33 ± 1,56, p = 0,01). O aumento no momento da cauda e a intensidade da cauda voltaram aos níveis normais nos dois grupos duas horas após o término da isquemia.

Conclusão:

Como o estresse oxidativo e o efeito genotóxico desaparecem nos estágios finais da reperfusão, concluímos que não há superioridade tanto de sevoflurano quanto de propofol em práticas de anestesia para procedimentos cirúrgicos de extremidades que envolvem o uso de torniquete.

PALAVRAS-CHAVE
Genotoxicidade; Estresse oxidativo; Propofol; Sevoflurano; Lesão de isquemia reperfusão

Abstract

Background and objectives:

The aim of this study was to compare the effects of sevoflurane and propofol anesthesia on oxidative DNA damage that occurs in low-extremity ischemia and is caused by tourniquet application.

Methods:

Fourteen New Zealand rabbits were randomly allocated into two equal groups. Group S (n = 7) received sevoflurane (2.5-4 percent) inhalation and Group P (n = 7) received a propofol infusion (1-2 mg·kg-1·min-1), after which a pneumatic tourniquet was placed on the right lower extremity. Blood samples were collected prior to tourniquet placement (baseline), 120 min after ischemia, 15 min after ischemia and 120 minutes (min) after ischemia. Malondialdehyde (MDA) levels were analyzed to determine lipid peroxidation, and single cell gel electrophoresis (SCGE) was used to determine DNA damage.

Results:

At 15 min after ischemia, the MDA levels in Group P (8.15 ± 2.61 µM) were higher than baseline (6.26 ± 3.19 µM, p = 0.026) and Group S (4.98 ± 0.77 µM, p = 0.01). DNA damage was similar in both groups, although DNA damage was higher than baseline (tail moment 0.63 ± 0.27, tail intensity 3.76 ± 1.26) in Group P at the 15th minute of reperfusion (tail moment 1.05 ± 0.45, p = 0.06; tail intensity 5.33 ± 1.56, p = 0.01). The increase in tail moment and tail intensity returned to normal levels in both groups 2 hours after the termination of ischemia.

Conclusion:

Given that oxidative stress and genotoxic effect disappear in the late stages of reperfusion, we conclude that neither sevoflurane nor propofol can be considered superior to the other in anesthesia practices for extremity surgeries involving the use of a tourniquet.

KEYWORDS
Genotoxicity; Oxidative stress; Propofol; Sevoflurane; Ischemia reperfusion injury

Introdução

O uso de torniquetes proximais é frequente em cirurgias de membros para proporcionar um campo operacional sem sangramento. Quando o oxigênio é reintroduzido no tecido isquêmico após a desinsuflação do torniquete, a presença maciça de radicais livres de oxigênio provoca a peroxidação lipídica da membrana. Esse processo desencadeia a oxidação dos ácidos graxos poli-insaturados, destrói as estruturas da membrana e produz metabolitos tóxicos, como o malondialdeído (MDA).11 Gogus N, Akan B, Bayrakci S, et al. The effects of a small-dose ketamine-propofol combination on tourniquet-induced ischemia-reperfusion injury during arthroscopic knee surgery. J Clin Anesth. 2014;26:46-51.,22 Cheng YJ, Chien CT, Chen CF. Oxidative stress in bilateral total knee replacement, under ischaemic tourniquet. J Bone Joint Surg Br. 2003;85:679-82. Esse processo desempenha um papel significativo na patogênese da lesão de reperfusão. O MDA é um aldeído de baixo peso molecular e um produto intermédio da peroxidação lipídica que tem sido frequentemente usado como um marcador da formação de radicais livres.

A formação de radicais de oxigênio induzida pela lesão de isquemia/reperfusão (I/R) causa dano oxidativo no DNA e desempenha um papel significativo na patogênese da lesão de reperfusão.33 Willy C, Dahouk S, Starck C, et al. DNA damage in human leukocytes after ischemia/reperfusion injury. Free Radic Biol Med. 2000;28:1-12.,44 Cordis GA, Maulik G, Bagchi D, et al. Detection of oxidative DNA damage to ischemic reperfused rat hearts by 8-hydroxydeoxyguanosine formation. J Mol Cell Cardiol. 1998;30:1939-44. A quantidade de informação existente sobre o dano oxidativo causado ao DNA em lesões de reperfusão induzida por torniquete é limitada, embora as drogas anestésicas e o estresse relacionado à cirurgia sejam conhecidos por causar danos celulares.55 Alleva R, Tomasetti M, Solenghi MD, et al. Lymphocyte DNA damage precedes DNA repair or cell death after orthopaedic surgery under general anaesthesia. Mutagenesis. 2003;18:423-8.

Sevoflurano e propofol são agentes voláteis e intravenosos comumente usados em anestesia. Alguns estudos clínicos e experimentais sem I/R mostraram que sevoflurano provoca danos reversíveis no DNA,55 Alleva R, Tomasetti M, Solenghi MD, et al. Lymphocyte DNA damage precedes DNA repair or cell death after orthopaedic surgery under general anaesthesia. Mutagenesis. 2003;18:423-8.,66 Karabiyik L, Sardaş S, Polat U, et al. Comparison of genotoxicity of sevoflurane and isoflurane in human lymphocytes studied in vivo using the comet assay. Mutat Res. 2001;492:99-107. embora estudos diferentes in vivo e in vitro tenham mostrado que propofol diminui o dano causado ao DNA ou não causa dano ao DNA.77 Braz MG, Magalhães MR, Salvadori DM, et al. Evaluation of DNA damage and lipoperoxidation of propofol in patients undergoing elective surgery. Eur J Anaesthesiol. 2009;26:654-60.

8 Krause TK, Jansen L, Scholz J, et al. Propofol anesthesia in children does not induce sister chromatid exchanges in lymphocytes. Mutat Res. 2003;542:59-64.
-99 Karahalil B, Yağar S, Bahadir G, et al. Diazepam and propofol used as anesthetics during open-heart surgery do not cause chromosomal aberrations in peripheral blood lymphocytes. Mutat Res. 2005;581:181-6.

Ensaios genotóxicos são comumente usados para monitorar danos no DNA. O teste do cometa (ou single cell gel electrophoresis assay - SCGE) tem sido amplamente usado em estudos in vitro e in vivo por ser um método sensível e simples para medir as quebras de cadeia simples e de cadeia dupla, sítios lábeis alcalinos, lesões oxidativas e reparos do DNA.1010 Collins AR. The comet assay for DNA damage and repair: principles, applications, and limitations. Mol Biotechnol. 2004;26:249-61.,1111 Tice RR, Agurell E, Anderson D, et al. Single cell gel/comet assay: guidelines for in vitro and in vivo genetic toxicology testing. Environ Mol Mutagen. 2000;35:206-21.

No presente estudo comparamos os efeitos de sevoflurano e propofol em danos causados ao DNA em um modelo de isquemia de extremidade inferior induzida por torniquete. Para o objetivo do estudo, o fator de estresse cirúrgico foi eliminado, os níveis de MDA foram medidos para determinar a peroxidação lipídica e o SCGE foi usado para determinar o dano no DNA.

Métodos

O Comitê de Ética local forneceu a aprovação para o estudo. O estudo foi conduzido no Laboratório de Pesquisa Experimental da Universidade de Gazi de modo semelhante ao modelo de I/R aguda descrito por Hardy et al.1212 Hardy SC, Homer-Vanniasinkam S, Gough MJ. The triphasic pattern of skeletal muscle blood flow in reperfusion injury: an experimental model with implications for surgery on the acutely ischaemic lower limb. Eur J Vasc Surg. 1990;4:587-90. Usamos 14 coelhos da raça Nova Zelândia, de sete meses e 3,5 kg em média. Os padrões descritos no Guide for the Care and Use of Laboratory Animals foram aplicados durante o estudo.1313 Institute of Laboratory Animal Research, Commission on Life Sciences, National Research Council. Guide for the care and use of laboratory animals. Washington, DC: The National Academies Press; 1996.

Uma linha arterial e outra venosa foram inseridas nas orelhas externas de todos os sujeitos testados durante a amostragem e para infusão de solução salina isotônica, respectivamente. Amostras de sangue foram colhidas na fase basal e pressão arterial invasiva foi monitorada (fig. 1). Parâmetros hemodinâmicos da pressão arterial invasiva, frequência cardíaca, frequência respiratória, saturação periférica de oxigênio (SpO2) (Nihon Cohden, Life Scope BSM-5135K, Japão) e índice bispectral (BIS) (Bispectral Index Monitor Model 2000, Aspect Medical Systems, Inc., Newton, MA, EUA) foram registrados em intervalos de 15 minutos (min) durante o procedimento. Após a depilação, sondas pediátricas foram usadas para monitorar o BIS (Aspect Medical Systems, Inc., Norwood, EUA). Durante o estudo, o BIS foi mantido a 50 ± 10% e 5 mL.kg-1.h-1 de solução salina isotônica foram infundidos durante o procedimento.

Figura 1
Infusão de propofol, cateterismo intravenoso e intra-arterial.

Os coelhos foram aleatoriamente distribuídos em dois grupos de sete cada. No Grupo S, a anestesia foi induzida com sevoflurano a 7-8% via inalação e o Grupo P recebeu infusão de 1-2 mg.kg-1.min-1 de propofol (figs. 1-2). Um nível adequado de indução foi determinado pelo desaparecimento de movimentos oculares e do reflexo da córnea, além de manter o BIS < 60%. A anestesia foi mantida por meio da inalação de sevoflurano a 2,5-4% no Grupo S e por meio da infusão de propofol (1-2 mg.kg-1.min-1) no Grupo P. Uma mistura de gás foi administrada via máscara facial com a uma taxa de fluxo de 4 L.min-1 (Dameca, Dinamarca). A respiração espontânea foi mantida para atingir uma saturação de O2 de ≥ 95%. Ambos os grupos foram completamente contidos por bandagem elástica a partir da extremidade direita e um torniquete foi colocado com aplicação de 200 mmHg de pressão (manguito pediátrico nº 2, De Royal, Powell, TN, EUA). O torniquete foi aplicado por 120 minutos.

Figura 2
Aplicação da máscara da mistura de gás e sonda do BIS.

Amostras de sangue foram coletadas como amostras de referência, 1 min antes da desinsuflação do torniquete (ADT) e 15 e 120 min depois da desinsuflação do torniquete (DDT-15 e DDT-120, respectivamente).

Determinação do malondialdeído

Um dos métodos mais usados para indicar a presença de radicais livres de oxigênio é a determinação do MDA como um índice de peroxidação lipídica. Durante o estudo, descobrimos que a redução dos níveis de MDA avaliada sobre as reações do ácido tiobarbitúrico (TBA) era uma indicação indireta da redução dos radicais livres de oxigênio. O nível plasmático de MDA foi medido com o método colorimétrico com base na reação do TBA com o MDA.1414 Templar J, Kon SP, Milligan TP, et al. Increased plasma malondialdehyde levels in glomerular disease as determined by a fully validated HPLC method. Nephrol Dial Transplant. 1999;14:946-51.

Método SCGE (teste do cometa)

O teste do cometa seguiu os protocolos descritos por Singh et al.1515 Singh NP, McCoy MT, Tice RR, et al. A simple technique for quantitation of low levels of DNA damage in individual cells. Exp Cell Res. 1988;175:184-91. e Tice et al.1616 Tice RR, Andrews PW, Hirai O, et al. The single cell gel (SCG) assay: an electrophoretic technique for the detection of DNA damage in individual cells. Adv Exp Med Biol. 1991;283:157-64. com algumas modificações. O método SCGE examina o dano no DNA e seus mecanismos de reparo em diferentes condições experimentais. Os linfócitos normais têm um núcleo arredondado de aspecto claro em seu interior e menos denso nas laterais. Adquire bordas de aparência irregular juntamente com o início da migração de fragmentos de DNA para fora do núcleo. Os linfócitos assumem a forma de um cometa à medida que o dano aumenta; logo, o nome "teste do cometa". A depender da gravidade do dano, o aspecto microscópico da célula estende-se do centro para a periferia. A intensidade da cauda, quanto à fluorescência, ao comprimento e ao momento, foi avaliada com o uso de um sistema informatizado de análise de imagem.

Análise estatística

A análise dos dados foi feita com o programa SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) para Windows, versão 15.0. As alterações relacionadas ao tempo intragrupos e de acordo com os valores de controle foram comparadas com o teste t pareado e o teste de Wilcoxon e as comparações entre os grupos foram feitas com os testes t de Student e U de Mann-Whitney. Os dados foram expressos em média ± DP e um valor de p < 0,05 foi considerado significativo.

Resultados

MDA

Os níveis de MDA não apresentaram diferença estatisticamente significativa em comparação com os valores basais no Grupo S. No Grupo P, os níveis de MDA em DDT-15 foram superiores aos valores basais (8,15 ± 2,61 µM; p = 0,026). Ao mesmo tempo, esse valor foi significativamente superior ao do Grupo S (4,98 ± 0,77 µM) em DDT-15 (p = 0,01) (tabela 1, fig. 3).

Tabela 1
Níveis de MDA (µM) [média ± DP (min-max)]
Figura 3
Níveis de MDA (média ± DP) (*p = 0,026, comparação com valores basais; p = 0,01, comparação com o Grupo P. ADT: antes da desinsuflação do torniquete; DDT: depois da desinsuflação do torniquete).

Avaliação de danos no DNA

Não houve diferença significativa nos níveis basais, ADT, DDT-15 e DDT-120 entre os grupos (tabela 2). Os aumentos no momento da cauda (p = 0,031) e na intensidade da cauda (p = 0,029) no Grupo S em ADT foram estatisticamente significativos em comparação com os valores basais (tabela 2). Os aumentos no momento da cauda (p = 0,006) e na intensidade da cauda (p = 0,01) do Grupo P em DDT-15 foram superiores aos valores basais (tabela 2). Não houve diferença significativa entre os grupos S e P em todos os tempos mensurados.

Tabela 2
Momento da cauda, comprimento da cauda e intensidade da cauda, em 50 células [média ± DP (min-max)]

Discussão

Nossos achados indicam que não há superioridade de sevoflurano ou de propofol quanto à prevenção do estresse oxidativo e da genotoxicidade que resultam de lesões de I/R induzidas por torniquete.

Um torniquete proximal é frequentemente usado em cirurgia de membros para fornecer um sítio cirúrgico sem sangramento. O garroteamento provoca alterações metabólicas que dependem do tempo de insuflação do torniquete e da técnica anestésica.1717 Kam PC, Kavanagh R, Yoong FF. The arterial tourniquet: pathophysiological consequences and anaesthetic implications. Anaesthesia. 2001;56:534-45. Um intervalo de tempo entre 1-3 h de insuflação é considerado seguro. Portanto, optamos por um período de 2 h de aplicação do torniquete no presente estudo.

A isquemia/reperfusão resulta na produção de espécies (tóxicas) reativas de oxigênio (ERO) nos órgãos. A isquemia reduz a atividade das enzimas de defesa celular contra as ERO e a reperfusão e a introdução de oxigênio perturba ainda mais o delicado equilíbrio dos oxidantes/antioxidantes.1818 McCord JM. Free radicals and myocardial ischemia: overview and outlook. Free Radic Biol Med. 1988;4:9-14. A mensuração dos níveis de MDA é o marcador mais sensível para determinar o grau de peroxidação lipídica.1919 Budic I, Pavlovic D, Kocic G, et al. Biomarkers of oxidative stress and endothelial dysfunction after tourniquet release in children. Physiol Res. 2011;60(Suppl. 1):S137-45.,2020 Budic I, Pavlovic D, Kitic D, et al. Tourniquet-induced ischemia-reperfusion injuries during extremity surgery at children's age: impact of anesthetic chemical structure. Redox Rep. 2013;18:20-6. A sensibilidade atinge seu nível mais alto entre o quinto e o 20º minutos após a desinsuflação do torniquete.22 Cheng YJ, Chien CT, Chen CF. Oxidative stress in bilateral total knee replacement, under ischaemic tourniquet. J Bone Joint Surg Br. 2003;85:679-82. Em nosso estudo, o aumento observado nos níveis de MDA foi maior no grupo propofol 15 min após a desinsuflação do torniquete do que no grupo sevoflurano. Observamos que a supressão da peroxidação lipídica foi melhor no grupo sevoflurano durante o período inicial de reperfusão em comparação com o grupo propofol.

Budic et al. demonstraram que a anestesia venosa total com propofol e técnicas de anestesia regional proporcionou uma melhor defesa antioxidante e reduziu a disfunção endotelial em comparação com a anestesia geral inalatória com sevoflurano durante a aplicação do torniquete em cirurgia pediátrica de extremidades.1919 Budic I, Pavlovic D, Kocic G, et al. Biomarkers of oxidative stress and endothelial dysfunction after tourniquet release in children. Physiol Res. 2011;60(Suppl. 1):S137-45.,2020 Budic I, Pavlovic D, Kitic D, et al. Tourniquet-induced ischemia-reperfusion injuries during extremity surgery at children's age: impact of anesthetic chemical structure. Redox Rep. 2013;18:20-6. Arnaoutoglou et al. relataram que propofol pode ter propriedades antioxidantes em cirurgias ortopédicas que requerem a aplicação de torniquete, mas o uso de sevoflurano requer estudos adicionais.2121 Arnaoutoglou H, Vretzakis G, Souliotis D, et al. The effects of propofol or sevoflurane on free radical production after tourniquet induced ischemia-reperfusion injury during knee arthroplasty. Acta Anaesthesiol Belg. 2007;58:3-6. Alguns autores demonstraram que as concentrações plasmáticas de propofol conseguem inibir a peroxidação lipídica na variação em que é clinicamente usado em anestesia.2222 Aarts L, van der Hee R, Dekker I, et al. The widely used anesthetic agent propofol can replace alpha-tocopherol as an antioxidant. FEBS Lett. 1995;357:83-5. Braz et al., entretanto, usaram doses clínicas de propofol (concentração plasmática: 2-4 µg.mL-1) em cirurgias eletivas sem I/R e mostraram que propofol não diminui a peroxidação lipídica.77 Braz MG, Magalhães MR, Salvadori DM, et al. Evaluation of DNA damage and lipoperoxidation of propofol in patients undergoing elective surgery. Eur J Anaesthesiol. 2009;26:654-60. Esses e vários outros autores acreditam que apenas as concentrações mais elevadas de propofol podem mostrar atividade de eliminação de radicais livres.77 Braz MG, Magalhães MR, Salvadori DM, et al. Evaluation of DNA damage and lipoperoxidation of propofol in patients undergoing elective surgery. Eur J Anaesthesiol. 2009;26:654-60.,2323 Green TR, Bennett SR, Nelson VM. Specificity and properties of propofol as an antioxidant free radical scavenger. Toxicol Appl Pharmacol. 1994;129:163-9. Semelhantemente ao estudo realizado por Braz et al., descobrimos que propofol não diminuiu a peroxidação lipídica; porém, ao contrário de outros estudos, não fizemos cirurgia, e sim isquemia por 120 min. Embora os níveis plasmáticos de propofol não tenham sido medidos em nosso estudo, aumentos nos níveis de MDA foram observados no 15º minuto de reperfusão no grupo propofol.

A formação de radicais de oxigênio induzida por isquemia/reperfusão causa rupturas nos filamentos de DNA e desempenha um papel importante na patogênese da reperfusão. A eletroforese em gel de célula única (teste do cometa) é um método simples, sensível e rápido para estimar danos no DNA.1010 Collins AR. The comet assay for DNA damage and repair: principles, applications, and limitations. Mol Biotechnol. 2004;26:249-61. Muitos estudos mostraram que o dano induzido pela I/R ao DNA pode ser investigado em leucócitos periféricos de humanos com o uso do teste do cometa alcalino modificado.33 Willy C, Dahouk S, Starck C, et al. DNA damage in human leukocytes after ischemia/reperfusion injury. Free Radic Biol Med. 2000;28:1-12.,2424 Karahalil B, Polat S, Senkoylu A, et al. Evaluation of DNA damage after tourniquet-induced ischaemia/reperfusion injury during lower extremity surgery. Injury. 2010;41:758-62. Após a isquemia, danos genotóxicos foram detectados em leucócitos periféricos de humanos, o que essencialmente leva à libertação de quantidades substanciais de radicais de oxigênio e outros agentes reativos.1010 Collins AR. The comet assay for DNA damage and repair: principles, applications, and limitations. Mol Biotechnol. 2004;26:249-61. Em nosso estudo, usamos esse método para analisar o dano causado por agentes anestésicos ao DNA.

Há poucos estudos sobre o dano oxidativo ao DNA devido à I/R induzida por torniquete. Esses estudos avaliaram os efeitos da isquemia ocasionada pelo torniquete sobre a indução de dano ao DNA com o teste do cometa em leucócitos periféricos.33 Willy C, Dahouk S, Starck C, et al. DNA damage in human leukocytes after ischemia/reperfusion injury. Free Radic Biol Med. 2000;28:1-12.,2424 Karahalil B, Polat S, Senkoylu A, et al. Evaluation of DNA damage after tourniquet-induced ischaemia/reperfusion injury during lower extremity surgery. Injury. 2010;41:758-62. Willy et al. observaram que os efeitos no DNA foram mais acentuados aos 5-30 min após a liberação do torniquete e que, depois, diminuíram durante 2 h, mas não retornaram aos valores basais pré-isquemia; isso sugere que a I/R induz efeitos genotóxicos em leucócitos de humanos, provavelmente em resposta ao estresse oxidativo durante a reperfusão.33 Willy C, Dahouk S, Starck C, et al. DNA damage in human leukocytes after ischemia/reperfusion injury. Free Radic Biol Med. 2000;28:1-12.

Alguns estudos demonstraram que materiais genéticos podem ser danificados com o uso de anestésicos halogenados, avaliados com a metodologia de eletroforese em gel de célula única.55 Alleva R, Tomasetti M, Solenghi MD, et al. Lymphocyte DNA damage precedes DNA repair or cell death after orthopaedic surgery under general anaesthesia. Mutagenesis. 2003;18:423-8.,66 Karabiyik L, Sardaş S, Polat U, et al. Comparison of genotoxicity of sevoflurane and isoflurane in human lymphocytes studied in vivo using the comet assay. Mutat Res. 2001;492:99-107.,2525 Sardaş S, Karabiyik L, Aygün N, et al. DNA damage evaluated by the alkaline comet assay in lymphocytes of humans anaesthetized with isoflurane. Mutat Res. 1998;418:1-6. Karabiyik et al. usaram esse método para avaliar danos no DNA de pacientes que receberam anestesia com sevoflurano e isoflurano. Os autores concluíram que ambos os agentes causam danos reversíveis no DNA, mas que não existe uma diferença significativa entre os fármacos a esse respeito.66 Karabiyik L, Sardaş S, Polat U, et al. Comparison of genotoxicity of sevoflurane and isoflurane in human lymphocytes studied in vivo using the comet assay. Mutat Res. 2001;492:99-107. Propofol difere dos anestésicos voláteis por não apresentar efeitos mutagênicos in vitro ou in vivo.77 Braz MG, Magalhães MR, Salvadori DM, et al. Evaluation of DNA damage and lipoperoxidation of propofol in patients undergoing elective surgery. Eur J Anaesthesiol. 2009;26:654-60.,99 Karahalil B, Yağar S, Bahadir G, et al. Diazepam and propofol used as anesthetics during open-heart surgery do not cause chromosomal aberrations in peripheral blood lymphocytes. Mutat Res. 2005;581:181-6. Braz et al. usaram uma versão alcalina da eletroforese em gel de célula única e relataram que propofol não induz danos ao DNA em leucócitos.77 Braz MG, Magalhães MR, Salvadori DM, et al. Evaluation of DNA damage and lipoperoxidation of propofol in patients undergoing elective surgery. Eur J Anaesthesiol. 2009;26:654-60. Além disso, propofol não induziu permuta de cromatídeos irmãos (SCE) em linfócitos de crianças88 Krause TK, Jansen L, Scholz J, et al. Propofol anesthesia in children does not induce sister chromatid exchanges in lymphocytes. Mutat Res. 2003;542:59-64. e não aumentou as aberrações cromossômicas em pacientes de cirurgia cardíaca.99 Karahalil B, Yağar S, Bahadir G, et al. Diazepam and propofol used as anesthetics during open-heart surgery do not cause chromosomal aberrations in peripheral blood lymphocytes. Mutat Res. 2005;581:181-6.

De acordo com Alleva et al., é difícil avaliar in vivo se a principal causa do dano celular é devida aos anestésicos ou ao estresse cirúrgico. Esses autores avaliaram a genotoxicidade em pacientes submetidos à anestesia com sevoflurano e não encontraram alterações significativas no DNA após 15 min de indução da anestesia antes da cirurgia.55 Alleva R, Tomasetti M, Solenghi MD, et al. Lymphocyte DNA damage precedes DNA repair or cell death after orthopaedic surgery under general anaesthesia. Mutagenesis. 2003;18:423-8. Em um estudo recente, Braz et al. relataram que os pacientes submetidos a pequenas cirurgias sob anestesia geral com sevoflurano e isoflurano inalatórios ou com propofol não apresentaram quebras nos filamentos de DNA ou sítios álcali-lábeis em linfócitos periféricos.2626 Braz MG, Braz LG, Barbosa BS, et al. DNA damage in patients who underwent minimally invasive surgery under inhalation or intravenous anesthesia. Mutat Res. 2011;726:251-4. De forma semelhante, eliminamos o fator de estresse cirúrgico em nosso estudo e nossos resultados também foram contrários aos de outros estudos. Em nosso estudo, os níveis de intensidade e de momento da cauda (indicadores de danos no DNA) aumentaram gradualmente em ambos os grupos em comparação com os níveis basais. No grupo sevoflurano, o dano causado ao DNA aumentou aos 120 minutos de isquemia; em contraste, o dano causado ao DNA foi mais acentuado no início do período de reperfusão e esse aumento foi paralelo ao aumento dos níveis de MDA. Esses achados podem indicar a incapacidade de propofol de suprimir o estresse oxidativo de modo eficiente. No grupo sevoflurano, o aumento do dano causado ao DNA antes da reperfusão ratifica a propriedade genotóxica de sevoflurano. A diferença entre os grupos desapareceu aos 120 minutos de reperfusão.

Conclusões

Este estudo de I/R experimental mostrou que sevoflurano pode controlar a peroxidação lipídica melhor do que propofol. Doses mais elevadas de propofol (em comparação com a dose clínica) podem ser necessárias para evitar a peroxidação lipídica. Devido à falta de diferença entre os dois anestésicos em estágios tardios de reperfusão, acreditamos que não há superioridade tanto de sevoflurano quanto de propofol para prevenir a genotoxicidade relacionada ao estresse oxidativo em cirurgias de extremidades que envolvem o uso de torniquete. Sabe-se que todos os anestésicos têm efeitos secundários nocivos; portanto, é importante escolher de forma apropriada um agente que tenha o efeito colateral menos tóxico. A esse respeito, podemos dizer que mais estudos sobre a genotoxicidade relacionada ao estresse oxidativo são necessários.

Limitações

A avaliação dos danos causados ao DNA a partir de amostras do tecido local (músculo etc.) e a mensuração dos níveis plasmáticos de propofol permitiriam mais estudos informativos. Essas podem ser consideradas como as limitações de nosso estudo.

  • Financiamento
    Universidade de Gazi - Projetos de Pesquisa em Ciência.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2017

Histórico

  • Recebido
    29 Maio 2015
  • Aceito
    17 Ago 2015
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