Acessibilidade / Reportar erro

O efeito de levobupivacaína intra-articular na cartilagem do ombro em doses diferentes-estudo experimental

Resumo

Justificativa e objetivo:

Neste estudo o objetivo foi examinar os efeitos histológicos e morfométricos sobre a estrutura da cartilagem da aplicação intra-articular de levobupivacaína em articulação do ombro.

Métodos:

Trinta e cinco ombros de 20 coelhos New Zealand, machos e adultos, foram usados para o estudo e divididos em cinco grupos de sete. Os grupos foram definidos como L1, L2, L3 e L4, consistiram em ombros direitos nos quais levobupivacaína a 0,25% e 0,5% foi administrada; o Grupo C, que consistiu em ombros esquerdos, foi o grupo controle; os grupos S1 e S2, que consistiram em ombros esquerdos, receberam solução salina a 0,9%. Os animais foram sacrificados no segundo e no 15º dia; as articulações glenoumerais foram avaliadas macroscopicamente e, em seguida, amostras de cartilagem foram coletadas. As amostras foram avaliadas com o escore de Mankin e histomorfometricamente. Mediu-se a espessura da cartilagem entre a camada superficial e a "linha de maré" (tidemark) e a espessura da cartilagem calcificada entre a tidemark e o osso subcondral.

Resultados:

Macroscopicamente, observou-se no 15º dia que o líquido articular havia reduzido em todos os grupos. Após a avaliação microscópica, o maior escore de Mankin (média: 3,14 ± 2,1/14) foi observado no grupo L4 (15º dia levobupivacaína a 0,5%), considerado estatisticamente significativo (p < 0,05). Nenhuma diferença estatisticamente significativa foi determinada entre os outros grupos.

Conclusões:

Histologicamente, como o maior escore de Mankin foi observado no Grupo L4, isso indica que em uma única injeção intra-articular de levobupivacaína uma concentração baixa deve ser selecionada.

Nível de evidência:

Nível 5, estudo em animais.

PALAVRAS-CHAVE
Articulação glenoumeral; Condrólise; Levobupivacaína

Abstract

Background and objectives:

In this study it was aimed to examine the histological and morphometric effects on cartilage structure of intra-articular application of levobupivacaine to the shoulder joint.

Methods:

In twenty New Zealand adult male rabbits, 35 shoulders were used for the study and prepared in 5 groups of 7. These groups were defined as Groups L1, L2, L3 and L4 which were right shoulders administered with 0.25% and 0.5% levobupivacaine, Group C which were left shoulders as the control group and Groups S1 and S2 which were left shoulders administered with 0.9% saline. On the 2nd and 15th days the animals were killed, the glenohumeral joints were evaluated macroscopically then cartilage samples were taken. These samples were evaluated with Mankin score, and histomorphometrically by measuring the thickness of the cartilage between the superficial cartilage layer and the tidemark and the thickness of calcified cartilage between the tidemark and the subchondral bone.

Results:

Macroscopically, on the 15th day the joint fluid was seen to have reduced in all the groups. After microscopic evaluation, the highest Mankin score (mean: 3.14 ± 2.1/14) was in the L4 group (15th day 0.5% levobupivacaine) and was found to be statistically significant (p < 0.05). No statistically significant difference was determined between the other groups.

Conclusions:

Histologically, as the highest Mankin score was in the L4 group, this indicates that in a single intra-articular injection of levobupivacaine a low concentration should be selected.

Level of evidence:

Level 5, animal study.

KEYWORDS
Glenohumeral joint; Chondrolysis; Levobupivacaine

Introdução

Embora atualmente haja um melhor entendimento dos mecanismos da dor e evidências de avanços no tratamento, a inadequação médica no controle da dor no período pós-operatório permanece e a maioria dos pacientes queixa-se de dor após a cirurgia.11 Rawal N. Postoperative pain treatment for ambulatory surgery. Best Pract Res Clin Anaesthesiol. 2007;21:129-48. O tratamento insuficiente da dor é um dos fatores que afetam o processo de recuperação do paciente e, por estender a permanência hospitalar, tem um efeito negativo nas taxas de morbidade e mortalidade. O objetivo mais importante no tratamento da dor no pós-operatório é proporcionar uma analgesia eficaz, sem causar qualquer efeito secundário grave. Portanto, para evitar os efeitos colaterais de doses elevadas de morfina, que é o padrão-ouro da analgesia preventiva, programas de bloqueios de nervos periféricos, de infiltração do local da ferida e de analgesia multimodal foram desenvolvidos. Nesse contexto, a injeção intra-articular é uma das técnicas mais populares.

A administração intra-articular de anestésico local em injeção única ou infusão contínua é um método amplamente usado de controle da dor em artroplastias de ombro e joelho.22 Zeidan A, Kassem R, Nahleh N, et al. Intraarticular tramadol-bupivacaine combination prolongs the duration of postoperative analgesia after outpatient arthroscopic knee surgery. Anesth Analg. 2008;107:292-9 [Epub 19.07.08].,33 Axelsson K, Gupta A, Johanzon E, et al. Intraarticular administration of ketorolac, morphine, and ropivacaine combined with intraarticular patient-controlled regional analgesia for pain relief after shoulder surgery: a randomized, double-blind study. Anesth Analg. 2008;106:328-33 [Epub 01.01.08]. O método é usado para obter tanto analgesia no perioperatório quanto anestesia local e regional.44 Moiniche S, Mikkelsen S, Wetterslev J, et al. A systematic review of intra-articular local anesthesia for postoperative pain relief after arthroscopic knee surgery. Reg Anesth Pain Med. 1999;24:430-7.

5 Banerjee S, Pulido P, Adelson WS, et al. The efficacy of continuous bupivacaine infiltration following arthroscopic rotator cuff repair. Arthroscopy. 2008;244:397-402.

6 Barber A, Herbert A. The effectiveness of an anesthetic continuous-infusion device on postoperative pain control. Arthroscopy. 2002;18:76-81.
-77 Parker D, Streem K, Schmitz L, et al. Efficacy of continuous intra-articular bupivacaine infusion for postoperative analgesia after anterior cruciate ligament reconstruction: a double-blinded, placebo-controlled, prospective, and randomized study. Am J Sports Med. 2007;354:531-6. O anestésico local usado com mais frequência para infiltração intra-articular é a bupivacaína.88 Ballieul J, Jacobs F, Herregods S, et al. The peri-operative use of intra-articular local anesthetics: a review. Acta Anaesthesiol Belg. 2009;60:101-8. A injeção de diferentes doses de bupivacaína por via intra-articular mostrou que esse agente anestésico local é eficaz em anestesia no intraoperatório e analgesia no pós-operatório.44 Moiniche S, Mikkelsen S, Wetterslev J, et al. A systematic review of intra-articular local anesthesia for postoperative pain relief after arthroscopic knee surgery. Reg Anesth Pain Med. 1999;24:430-7.,99 Tuncer B, Babacan A, Arslan M. The pre-emptive analgesic effect of intra-articular bupivacaine in arthroscopic knee surgery. Acta Anaesthesiol Scand. 2005;49:1373-7.

10 Mauerhan R, Campbell M, Miller S, et al. Intra-articular morphine and/or bupivacaine in the management of pain after total knee arthroplasty. J Arthroplasty. 1997;12:546-52.

11 Geutjens G, Hambidge E. Analgesic effects of intraarticular bupivacaine after day-case arthroscopy. Arthroscopy. 1994;10:299-300.
-1212 Heard O, Edwards T, Ferrari D, et al. Analgesic effect of intraarticular bupivacaine or morphine after arthroscopic knee surgery: a randomized, prospective, double-blind study. Anesth Analg. 1992;74:822-6. Porém, em estudos in vitro, um efeito condrotóxico de bupivacaína associado à dose e ao tempo foi relatado, motivo pelo qual seu uso é limitado.1313 Chu R, Izzo J, Papas E, et al. In vitro exposure to 0.5% bupivacaine is cytotoxic to bovine articular chondrocytes. Arthroscopy. 2006;22:693-9.

14 Dragoo L, Korotkova T, Kanwar R, et al. The effect of local anesthetics administered via pain pump on chondrocyte viability. Am J Sports Med. 2008;36:1484-8.

15 Gomoll H, Kang W, Williams J, et al. Chondrolysis after continuous intra-articular bupivacaine infusion: an experimental model investigating chondrotoxicity in the rabbit shoulder. Arthroscopy. 2006;22:813-9.

16 Hansen B, Beck C, Beck E, et al. Postarthroscopic glenohumeral chondrolysis. Am J Sports Med. 2007;35:1628-34.
-1717 Piper S, Kim H. Comparison of ropivacaine and bupivacaine toxicity in human articular chondrocytes. J Bone Joint Surg Am. 2008;90:986-91.

Em estudos anteriores com voluntários, levobupivacaína mostrou ser tão eficaz como bupivacaína, proporciona efeito analgésico mais prolongado e forte e com menos toxicidade cardiovascular e no sistema nervoso central.1818 Foster R, Markham A. Levobupivacaine: a review of its pharmacology and use as a local anaesthetic. Drugs. 2000;59:551-79.

19 Gristwood R. Cardiac and CNS toxicity of levobupivacaine: strengths of evidence for advantage over bupivacaine. Drug Saf. 2002;25:153-63.

20 Mazoit X, Decaux A, Bouaziz H, et al. Comparative ventricular electrophysiologic effect of racemic bupivacaine, levobupivacaine, and ropivacaine on the isolated rabbit heart. Anesthesiology. 2000;93:784-92.
-2121 Burlacu L, Buggy J. Update on local anesthetics: focus on levobupivacaine. Ther Clin Risk Manag. 2008;4:381-92. No entanto, há um número limitado de estudos que avaliam o uso intra-articular de levobupivacaína em artroscopias de ombro e joelho.2222 Das A, Majumdar S, Kundu R, et al. Pain relief in day care arthroscopic knee surgery: a comparison between intra-articular ropivacaine and levobupivacaine: a prospective, double-blinded, randomized controlled study. Saudi J Anaesth. 2014;8:368-73.

23 Sahin SH, Memiş D, Celik E, et al. Postarthroscopy analgesia using intraarticular levobupivacaine and intravenous dexketoprofen trometamol. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc. 2014.
-2424 Erden A, Altinel S, Saricaoglu F, et al. Effect of intra-articular injection of levobupivacaine on articular cartilage and synovium in rats. Anaesthesist. 2012;61:420-3.

O objetivo deste estudo foi examinar, histológica e morfometricamente, os efeitos da aplicação intra-articular de levobupivacaína sobre a estrutura da cartilagem do ombro.

Material e métodos

A aprovação para o estudo foi concedida pelo Comitê de Ética em Experimentação Animal da universidade. O estudo foi feito no Laboratório de Morfologia Animal no Campus da Universidade com 20 coelhos Nova Zelândia, machos adultos, entre 12-15 meses e com peso médio de 3 kg. Com o uso de ambos os ombros dos coelhos, 35 ombros foram preparados em cinco grupos de sete. A designação dos grupos foi feita de modo cego e após o procedimento as orelhas foram etiquetadas com a letra e o número do grupo; em seguida, os animais foram alojados, dois em cada gaiola. Os ombros direitos dos coelhos foram definidos como Grupo L para receber levobupivacaína a 0,25% e 0,5%; os ombros esquerdos foram definidos como Grupo C (controle) e aqueles que receberam solução salina a 0,9% foram definidos como Grupo S.

Os grupos levobupivacaína e salina foram subdivididos no Dia 2 (levobupivacaína a 0,25% e 0,5% como grupos L1 e L2 e Grupo S1) e no Dia 15 (levobupivacaína a 0,25% e 0,5% como grupos L3 e L4 e Grupo S2) para a coleta de material de necropsia. Como não havia dados preliminares de referência, que definissem o volume capsular da articulação glenoumeral do coelho ou mostrassem como e em que dose levobupivacaína devia ser administrada aos coelhos, os estudos clínicos e experimentais de bupivacaína em coelhos foram levados em consideração e a quantidade a ser administrada foi calculada em 0,5 mL para 3 kg.1515 Gomoll H, Kang W, Williams J, et al. Chondrolysis after continuous intra-articular bupivacaine infusion: an experimental model investigating chondrotoxicity in the rabbit shoulder. Arthroscopy. 2006;22:813-9.,2525 Piper L, Kramer D, Kim T, et al. Effects of local anesthetics on articular cartilage. Am J Sports Med. 2011;39:2245-53.

Procedimento cirúrgico

Após seis horas de jejum, a sedação e a analgesia dos animais foram obtidas mediante administração intramuscular de cloridrato de xilazina (5 mg.kg-1) e cloridrato de cetamina (5 mg.kg-1). Após a preparação estéril, a articulação glenoumeral foi localizada por palpação. Com um injetor de insulina de calibre 38G, primeiro o espaço da articulação foi confirmado por aspiração do líquido intra-articular e depois o agente experimental foi injetado no espaço articular. As doses previamente definidas de levobupivacaína a 0,25% foram administradas aos ombros direitos de 10 coelhos e levobupivacaína a 0,5% aos ombros direitos dos outros 10 coelhos. NaCl a 0,9% foi administrada na dose definida para os ombros esquerdos de 10 coelhos. Os ombros dos animais foram então separados em sete grupos de cinco para a coleta de material de necropsia nos dias 2 e 15 após o procedimento.

Análise macroscópica e amostragem da cartilagem

Os coelhos foram sacrificados nos dias 2 e 15 com dose elevada de agente anestésico (tiopental sódico 150 mg.kg-1) por via intraperitoneal e as articulações glenoumerais foram abertas. Após a avaliação macroscópica da superfície e da cor da cartilagem articular glenoumeral e da quantidade de líquido sinovial intra-articular, amostras de cartilagem foram coletadas da cabeça do úmero, com um trocarte afiado de 4 mm de diâmetro, que é usado para a transferência de cartilagem em cirurgia ortopédica (mosaicoplastia). A opção pelo uso não foi causar qualquer dano iatrogênico ao campo da cartilagem.

Análise histológica

As amostras coletadas de tecido da cartilagem foram colocadas em solução de formalina tamponada a 10% para exame em microscópio de luz. Após 48 horas de fixação na solução, as amostras de tecido foram descalcificadas em uma solução de descalcificação controlada, preparada em proporção de 1:1 de ácido fórmico a 8% e ácido clorídrico a 8%. Em seguida ao processo de descalcificação, as amostras de tecido foram desidratadas em uma série graduada de etanol e embebidas em parafina. As seções de 7 µm extraídas dos blocos de parafina foram coradas com hematoxilina-eosina (HE) para exame de rotina e coradas com tricromo de Gomori em uma etapa e corante de Giemsa para avaliar a matriz extracelular da cartilagem. Os cortes foram analisados e fotografados com microscopia de luz (Leica DM 3000 fotomicroscópio) para a estrutura histomorfológica.

Para mensurações histomorfométricas, as seções coradas com HE de cada animal foram selecionadas. Três campos foram aleatoriamente selecionados em cada secção e, com o uso de um micrômetro ocular em ampliação de 10×, a espessura da cartilagem entre a camada superficial da cartilagem e a tidemark (linha de maré - entre camada profunda da cartilagem e zona calcificada) e a espessura da cartilagem calcificada entre a marca de maré e o osso subcondral foram medidas. Para obter uma padronização, as mensurações foram feitas em paralelo às colunas de células da cartilagem. Em cada secção, o número de linhas de marés foi registrado. Todas as seções foram avaliadas por dois histologistas experientes, cegados para a designação grupos, de acordo com o Sistema de Graduação Histológica/Histoquímica (Histological-Histochemical Grading System [HHGS]) de Mankin e os pontos no escore de Mankin foram registrados (tabela 1).

Tabela 1
Sistema de Graduação Histológica/Histoquímica (HHGS)

Análise estatística

Todos os dados foram comparados entre os grupos separadamente, com o uso do teste de Kruskal-Wallis. A espessura da cartilagem entre a camada superficial e a linha de maré e a espessura da cartilagem calcificada entre a linha de maré e o osso subcondral foram estatisticamente analisadas com o teste Anova. Um valor-p < 0,05 foi aceito como estatisticamente significativo.

Resultados

Avaliação macroscópica

A aparência da articulação glenoumeral exposta durante a experiência foi examinada. Macroscopicamente, a superfície articular era regular e alterações anormais de cor não foram observadas em todos os grupos. O líquido sinovial intra-articular estava claro e na consistência, mas a quantidade era pequena. Quando os grupos foram comparados, observamos que o líquido intra-articular nos ombros dos coelhos que foram necropsiados no 15º foi reduzido ao que poderia ser descrito como nenhum.

Avaliação microscópica

No grupo controle (Grupo C) e nos grupos aos quais solução salina (0,5 mL) foi administrada por via intra-articular (grupos S1-2) era normal a aparência das células cartilaginosos e da estrutura das camadas superficial, média (transicional) e profunda (radial) da cartilagem hialina e da zona de cartilagem calcificada das seções de cartilagem examinadas. Observamos que a linha de maré (a linha da área de transição) estava ininterrupta e escura com corante basófilo (fig. 1, A-C).

Figura 1
Fotomicrografia da cartilagem articular dos grupos controle (a), S1 (b) e S2 (c). S, zona superficial; M, zona média; D, zona profunda; CCZ, zona de cartilagem calcificada; seta, linha de maré; HE, 10× obj; barras, 100 µm (enseada 40×, barra: 30 µm).

No grupo que recebeu levobupivacaína a 0,25% e necropsia no segundo dia (Grupo L1), observamos leve irregularidade na superfície da cartilagem, um número aumentado de linhas de maré e hipertrofia de condrócitos na camada média. No grupo que recebeu levobupivacaína a 0,5% (Grupo L2), observamos quebras dispersas na linha de maré e irregularidade nas colunas de condrócitos na camada profunda (figs. 2 A e 2 B). Houve um aumento nos escores de Mankin de ambos os grupos, em comparação com o grupo controle. Quando as características da coloração com Giemsa foram examinadas, observamos que houve uma redução na matriz extracelular da cartilagem corada em ambas as doses, em comparação com o grupo controle. Nas preparações coradas com tricromo, o grupo que recebeu levobupivacaína a 0,5% (Grupo L2) apresentou coloração na estrutura da matriz extracelular na área de cartilagem calcificada (figs. 3A-D).

Figura 2
Fotomicrografia da cartilagem articular dos grupos L1 (a) e L2 (b). (a) Seta grossa, irregularidade na superfície da cartilagem; estrelas, hipertrofia dos condrócitos na camada média; setas, linha de maré. (b) D, organização irregular dos condrócitos na camada profunda; setas, interrupções na marca da maré, HE, 10× obj, barras: 100 µm.
Figura 3
Coloração da matriz extracelular da cartilagem articular dos grupos C (a), L1 (b), L2 (c e d). (a) Seta, linha de maré; estrelas, coloração normal da matriz extracelular; CCZ, zona de cartilagem calcificada; h, margens do canal; v, canal de Valkmann. (b e c) Estrelas, redução na coloração da matriz extracelular da cartilagem, Giemsa. (d) Estrelas, estrutura da matriz extracelular na área de cartilagem calcificada, tricromo de Gomori, 10× obj, barras: 100 µm.

No grupo que recebeu levobupivacaína a 0,25% e necropsia no 15º dia (Grupo L3) houve irregularidade na superfície da cartilagem e hipocelularidade e no grupo que recebeu levobupivacaína a 0,5% (Grupo L4) houve aumento do número de linhas de maré e redução do número de células nas camadas média e profunda (fig. 4). Quando as características das colorações com Giemsa e tricromo foram examinadas, observamos que houve uma redução na coloração da matriz extracelular da cartilagem em ambas as doses, em comparação com o grupo controle, e fissuras que se estendiam da superfície até a região média transicional foram observadas. Nos preparados corados com tricromo, o Grupo L3 apresentou coloração reduzida da matriz extracelular na área da cartilagem superficial e hipocelularidade. No Grupo L4, coloração foi observada na estrutura da matriz extracelular na área da cartilagem calcificada (fig. 5). Um aumento foi observado no escore de Mankin em ambos os grupos, em comparação com o grupo controle, e o maior escore foi observado no Grupo L4 (p < 0,05) (figs. 4 e 5) (tabelas 1 e 2).

Figura 4
Fotomicrografia da cartilagem articular dos grupos L3 (a) e L4 (b). S, zona superficial; M, zona média; D, zona profunda; CCZ, zona de cartilagem calcificada; setas, linha de maré; estrelas, hipocelularidade; seta grossa, irregularidade da superfície, HE, 10× obj, barras: 100 µm (enseada: várias marcas de marés, 40× obj, barra: 30 µm).
Figura 5
Fotomicrografia da cartilagem articular dos grupos L3 (a) e L4 (b e c). (a e b) CCZ, zona de cartilagem calcificada; setas, várias marcas de marés; estrelas, redução na coloração da matriz extracelular da cartilagem; seta grossa, fissuras superficiais, Giemsa, 10× obj., barras: 100 µm. (c) Estrelas, área de cartilagem calcificada mostrando coloração da matriz extracelular; BM, medula óssea, tricromo de Gomori, 10× obj., barras: 100 µm.
Tabela 2
Dados histopatológicos e análise estatística dos grupos

O escore de Mankin foi maior nos grupos L1, L2 e L3 do que nos grupos controle e S1 e a diferença foi estatisticamente significativa (p < 0,05). O escore de Mankin do Grupo S1 foi semelhante ao do grupo controle. Ao exame histológico do Grupo S2, o escore de Mankin foi estatisticamente alto, em comparação com o do grupo controle (p < 0,05).

Não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos na comparação dos valores médios da espessura da cartilagem entre a camada superficial e a linha de maré e da espessura da cartilagem calcificada entre a linha de maré e o osso subcondral (p > 0,05).

Não houve diferença estatisticamente significativa na comparação entre os grupos de estudo e controle quanto ao número de linhas de maré (p > 0,05).

Discussão

Embora a administração de anestesia local por via intra-articular no período perioperatório seja vista como segura, há muitos estudos recentes que examinaram os efeitos dos anestésicos locais sobre a cartilagem articular.1313 Chu R, Izzo J, Papas E, et al. In vitro exposure to 0.5% bupivacaine is cytotoxic to bovine articular chondrocytes. Arthroscopy. 2006;22:693-9.

14 Dragoo L, Korotkova T, Kanwar R, et al. The effect of local anesthetics administered via pain pump on chondrocyte viability. Am J Sports Med. 2008;36:1484-8.

15 Gomoll H, Kang W, Williams J, et al. Chondrolysis after continuous intra-articular bupivacaine infusion: an experimental model investigating chondrotoxicity in the rabbit shoulder. Arthroscopy. 2006;22:813-9.

16 Hansen B, Beck C, Beck E, et al. Postarthroscopic glenohumeral chondrolysis. Am J Sports Med. 2007;35:1628-34.
-1717 Piper S, Kim H. Comparison of ropivacaine and bupivacaine toxicity in human articular chondrocytes. J Bone Joint Surg Am. 2008;90:986-91.,2525 Piper L, Kramer D, Kim T, et al. Effects of local anesthetics on articular cartilage. Am J Sports Med. 2011;39:2245-53.

26 Dogan N, Erdem F, Erman Z, et al. The effects of bupivacaine and neostigmine on articular cartilage and synovium in the rabbit knee joint. J Int Med Res. 2004;32:513-9.

27 Baker F, Walsh M, Byrne P, et al. In vitro assessment of human chondrocyte viability after treatment with local anaesthetic, magnesium sulphate or normal saline. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc. 2011;19:1043-6.

28 Gungor I, Yilmaz A, Ozturk M, et al. Bupivacaine and levobupivacaine induce apoptosis in rat chondrocyte cell cultures at ultra-low doses. Eur J Orthop Surg Traumatol. 2014;24:291-5.
-2929 Molinos J, Garcia M, Corrales A, et al. Effect of levobupivacaine on articular chondrocytes: an in-vitro investigation. Eur J Anaesthesiol. 2014. Estudos anteriores foram orientados a chamar a atenção de ortopedistas e anestesiologistas para o potencial dano que poderia ocorrer na cartilagem articular com o uso de aplicação intra-articular de anestesia local, isoladamente ou com outros medicamentos e como injeção única ou infusão contínua. Como um dos resultados de uma análise conduzida por Piper et al., sobre a condrotoxicidade de anestésicos locais, relatou-se que as doses elevadas devem ser evitadas e que os resultados de uma única injeção intra-articular não eram esclarecedores e havia necessidade de estudos adicionais.2525 Piper L, Kramer D, Kim T, et al. Effects of local anesthetics on articular cartilage. Am J Sports Med. 2011;39:2245-53.

Em um estudo conduzido por Baker et al., o efeito in vitro em 24 horas de doses diferentes de bupivacaína, ropivacaína e levobupivacaína foi avaliado em cultura de condrócitos humanos e os autores relataram que um aumento significativo do nível de danos aos condrócitos foi observado nos grupos com doses elevadas de anestésico local. Relatou-se que o efeito condrotóxico foi dependente da dose.2727 Baker F, Walsh M, Byrne P, et al. In vitro assessment of human chondrocyte viability after treatment with local anaesthetic, magnesium sulphate or normal saline. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc. 2011;19:1043-6. De forma semelhante, em um estudo conduzido por Güngör et al., diferentes concentrações de bupivacaína e levobupivacaína foram adicionadas a culturas de células cartilaginosas de ratos e, após 48 horas, relatou-se que o efeito condrotóxico foi dependente da dose.2828 Gungor I, Yilmaz A, Ozturk M, et al. Bupivacaine and levobupivacaine induce apoptosis in rat chondrocyte cell cultures at ultra-low doses. Eur J Orthop Surg Traumatol. 2014;24:291-5. No presente estudo, em paralelo com esses dois estudos mencionados, observamos que nos grupos que receberam diferentes concentrações de levobupivacaína em injeção intra-articular única, tanto no segundo quanto no décimo quinto dia, a cartilagem foi afetada.

O escore de Mankin foi significativamente alto no Grupo L4. Diferentemente dos estudos anteriores, ao exame histológico, o Grupo L4 apresentou formação de fissuras que se estendiam para a camada média transicional, aparência hipocelular, irregularidade na linha de maré, grau leve e moderado de perda da coloração na matriz extracelular da cartilagem. Como pareceu haver uma degeneração maior da cartilagem articular, pensamos que o efeito condrotóxico poderia persistir ao longo do tempo. Considerando que o dano à cartilagem pode ser desenvolvido ao longo do tempo com o uso de levobupivacaína intra-articular, esse achado também mostra a necessidade de usá-la em dose baixa. Corroborando os achados de nosso estudo, Molinos et al. consideraram que o efeito condrotóxico de levobupivacaína foi dependente do tempo e, após artroplastia total de joelho, colheram amostras de cartilagem humana que foram expostas por 15, 30 e 60 min à levobupivacaína a 0,5; bupivacaína a 0,5% e soro fisiológico a 0,5% em culturas de células. O maior efeito condrotóxico observado ocorreu após uma hora de exposição à levobupivacaína.2929 Molinos J, Garcia M, Corrales A, et al. Effect of levobupivacaine on articular chondrocytes: an in-vitro investigation. Eur J Anaesthesiol. 2014.

Em nosso estudo, a observação macroscópica de redução do líquido sinovial em todos os grupos de estudo, incluindo solução salina, nos levou a considerar que a nutrição reduzida da cartilagem devido à diluição do líquido pode ser o efeito tóxico de levobupivacaína e esse efeito ficaria mais evidente na fase tardia. A cartilagem hialina, que reveste a superfície das articulações sinoviais, é uma estrutura avascular que depende do líquido sinovial para prover as necessidades metabólicas. Qualquer líquido injetado no espaço articular pode mudar a composição do líquido sinovial ou diluí-lo e, nesse caso, a nutrição da cartilagem articular é interrompida. Como a cartilagem articular do joelho é espessa e a cavidade intra-articular é ampla, há uma possibilidade menor de prejudicar a nutrição da cartilagem articular que poderia ocorrer devido à pressão e à diluição do líquido. Devido à estrutura anatômica e histológica da cartilagem articular do ombro, acredita-se que uma única injeção intra-articular com dose elevada de anestésico local poderia causar um dano maior a essa articulação.

Como nenhuma diferença estatisticamente significativa foi observada nas medidas das camadas da cartilagem em comparação com as do grupo controle, pode-se pensar que não houve alteração referente à espessura das camadas da cartilagem. Os valores foram semelhantes aos relatados na literatura em estudos que avaliaram a camada calcificada da cartilagem.3030 Wang F, Ying Z, Duan X, et al. Histomorphometric analysis of adult articular calcified cartilage zone. J Struct Biol. 2009;168:359-65.

Embora a principal limitação de nosso estudo tenha sido a escolha de um modelo animal que não representa a situação clínica, pois lidamos com ombros lesionados ou com patologias, o estudo demonstrou que, em injeção intra-articular única de levobupivacaína, uma concentração baixa e quantidade pequena do total de líquido intra-articular devem ser preferidas, considerando os efeitos condrotóxicos a longo prazo.

Conclusão

Embora estudos adicionais devam ser feitos para recomendações finais, de acordo com o nosso estudo, a abordagem clínica com dose única de levobupivacaína administrada por via intra-articular deve incluir doses baixas para artroscopia de ombro.

References

  • 1
    Rawal N. Postoperative pain treatment for ambulatory surgery. Best Pract Res Clin Anaesthesiol. 2007;21:129-48.
  • 2
    Zeidan A, Kassem R, Nahleh N, et al. Intraarticular tramadol-bupivacaine combination prolongs the duration of postoperative analgesia after outpatient arthroscopic knee surgery. Anesth Analg. 2008;107:292-9 [Epub 19.07.08].
  • 3
    Axelsson K, Gupta A, Johanzon E, et al. Intraarticular administration of ketorolac, morphine, and ropivacaine combined with intraarticular patient-controlled regional analgesia for pain relief after shoulder surgery: a randomized, double-blind study. Anesth Analg. 2008;106:328-33 [Epub 01.01.08].
  • 4
    Moiniche S, Mikkelsen S, Wetterslev J, et al. A systematic review of intra-articular local anesthesia for postoperative pain relief after arthroscopic knee surgery. Reg Anesth Pain Med. 1999;24:430-7.
  • 5
    Banerjee S, Pulido P, Adelson WS, et al. The efficacy of continuous bupivacaine infiltration following arthroscopic rotator cuff repair. Arthroscopy. 2008;244:397-402.
  • 6
    Barber A, Herbert A. The effectiveness of an anesthetic continuous-infusion device on postoperative pain control. Arthroscopy. 2002;18:76-81.
  • 7
    Parker D, Streem K, Schmitz L, et al. Efficacy of continuous intra-articular bupivacaine infusion for postoperative analgesia after anterior cruciate ligament reconstruction: a double-blinded, placebo-controlled, prospective, and randomized study. Am J Sports Med. 2007;354:531-6.
  • 8
    Ballieul J, Jacobs F, Herregods S, et al. The peri-operative use of intra-articular local anesthetics: a review. Acta Anaesthesiol Belg. 2009;60:101-8.
  • 9
    Tuncer B, Babacan A, Arslan M. The pre-emptive analgesic effect of intra-articular bupivacaine in arthroscopic knee surgery. Acta Anaesthesiol Scand. 2005;49:1373-7.
  • 10
    Mauerhan R, Campbell M, Miller S, et al. Intra-articular morphine and/or bupivacaine in the management of pain after total knee arthroplasty. J Arthroplasty. 1997;12:546-52.
  • 11
    Geutjens G, Hambidge E. Analgesic effects of intraarticular bupivacaine after day-case arthroscopy. Arthroscopy. 1994;10:299-300.
  • 12
    Heard O, Edwards T, Ferrari D, et al. Analgesic effect of intraarticular bupivacaine or morphine after arthroscopic knee surgery: a randomized, prospective, double-blind study. Anesth Analg. 1992;74:822-6.
  • 13
    Chu R, Izzo J, Papas E, et al. In vitro exposure to 0.5% bupivacaine is cytotoxic to bovine articular chondrocytes. Arthroscopy. 2006;22:693-9.
  • 14
    Dragoo L, Korotkova T, Kanwar R, et al. The effect of local anesthetics administered via pain pump on chondrocyte viability. Am J Sports Med. 2008;36:1484-8.
  • 15
    Gomoll H, Kang W, Williams J, et al. Chondrolysis after continuous intra-articular bupivacaine infusion: an experimental model investigating chondrotoxicity in the rabbit shoulder. Arthroscopy. 2006;22:813-9.
  • 16
    Hansen B, Beck C, Beck E, et al. Postarthroscopic glenohumeral chondrolysis. Am J Sports Med. 2007;35:1628-34.
  • 17
    Piper S, Kim H. Comparison of ropivacaine and bupivacaine toxicity in human articular chondrocytes. J Bone Joint Surg Am. 2008;90:986-91.
  • 18
    Foster R, Markham A. Levobupivacaine: a review of its pharmacology and use as a local anaesthetic. Drugs. 2000;59:551-79.
  • 19
    Gristwood R. Cardiac and CNS toxicity of levobupivacaine: strengths of evidence for advantage over bupivacaine. Drug Saf. 2002;25:153-63.
  • 20
    Mazoit X, Decaux A, Bouaziz H, et al. Comparative ventricular electrophysiologic effect of racemic bupivacaine, levobupivacaine, and ropivacaine on the isolated rabbit heart. Anesthesiology. 2000;93:784-92.
  • 21
    Burlacu L, Buggy J. Update on local anesthetics: focus on levobupivacaine. Ther Clin Risk Manag. 2008;4:381-92.
  • 22
    Das A, Majumdar S, Kundu R, et al. Pain relief in day care arthroscopic knee surgery: a comparison between intra-articular ropivacaine and levobupivacaine: a prospective, double-blinded, randomized controlled study. Saudi J Anaesth. 2014;8:368-73.
  • 23
    Sahin SH, Memiş D, Celik E, et al. Postarthroscopy analgesia using intraarticular levobupivacaine and intravenous dexketoprofen trometamol. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc. 2014.
  • 24
    Erden A, Altinel S, Saricaoglu F, et al. Effect of intra-articular injection of levobupivacaine on articular cartilage and synovium in rats. Anaesthesist. 2012;61:420-3.
  • 25
    Piper L, Kramer D, Kim T, et al. Effects of local anesthetics on articular cartilage. Am J Sports Med. 2011;39:2245-53.
  • 26
    Dogan N, Erdem F, Erman Z, et al. The effects of bupivacaine and neostigmine on articular cartilage and synovium in the rabbit knee joint. J Int Med Res. 2004;32:513-9.
  • 27
    Baker F, Walsh M, Byrne P, et al. In vitro assessment of human chondrocyte viability after treatment with local anaesthetic, magnesium sulphate or normal saline. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc. 2011;19:1043-6.
  • 28
    Gungor I, Yilmaz A, Ozturk M, et al. Bupivacaine and levobupivacaine induce apoptosis in rat chondrocyte cell cultures at ultra-low doses. Eur J Orthop Surg Traumatol. 2014;24:291-5.
  • 29
    Molinos J, Garcia M, Corrales A, et al. Effect of levobupivacaine on articular chondrocytes: an in-vitro investigation. Eur J Anaesthesiol. 2014.
  • 30
    Wang F, Ying Z, Duan X, et al. Histomorphometric analysis of adult articular calcified cartilage zone. J Struct Biol. 2009;168:359-65.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2017

Histórico

  • Recebido
    26 Maio 2015
  • Aceito
    17 Ago 2015
Sociedade Brasileira de Anestesiologia R. Professor Alfredo Gomes, 36, 22251-080 Botafogo RJ Brasil, Tel: +55 21 2537-8100, Fax: +55 21 2537-8188 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: bjan@sbahq.org