Acessibilidade / Reportar erro

Precisão de um smartphone para testar a luz de laringoscópio e uma auditoria de nossos laringoscópios usando as normas da ISO

Resumo

Justificativa e objetivo:

O laringoscópio é uma ferramenta essencial na prática anestésica. A laringoscopia direta é um momento crucial e uma luz inadequada do laringoscópio pode levar a consequências catastróficas. De acordo com nossas pesquisas, a luz do laringoscópio é avaliada de forma subjetiva e acreditamos que uma avaliação mais precisa deve ser feita. Nosso objetivo foi comparar a precisão de um smartphone com a de um luxímetro. Depois, fizemos uma auditoria de nossos laringoscópios em sala de operação.

Métodos:

Estudo pragmático com o uso como desfecho primário da precisão de um smartphone em comparação com a de um luxímetro. Subsequentemente, fizemos uma auditoria tanto no luxímetro quanto com o smartphone de todos os laringoscópios e lâminas prontos para uso em nossas salas de cirurgia, usando as normas da International Organization for Standardization (ISO).

Resultados:

Para o desfecho primário não encontramos diferença significativa entre os dispositivos. Nossa auditoria mostrou que apenas dois em 48 laringoscópios satisfizeram as normas da ISO. Ao comparar as mensurações entre o luxímetro e o smartphone, não encontramos diferença significativa.

Discussão:

Idealmente, todos os laringoscópios deviam funcionar conforme previsto. Acreditamos que todos os laringoscópios devem ser submetidos a um teste prático, mas confiável e objetivo, antes de serem usados. Nossos resultados sugerem que o smartphone foi preciso o suficiente para ser usado como um luxímetro para testar a luz do laringoscópio. Os resultados da auditoria, que mostraram apenas 4% de conformidade com as normas da ISO corroboram os de outros estudos.

Conclusão:

O smartphone testado tem precisão suficiente para fazer a medição de luz em laringoscópios. Acreditamos que esse é um passo adiante na execução de uma verificação objetiva de rotina da luz do laringoscópio.

PALAVRAS-CHAVE
Laringoscópio; Laringoscopia; Luz; Precisão; Smartphone; Luxímetro

Abstract

Background and objectives:

Laryngoscope is a key tool in anesthetic practice. Direct laryngoscopy is a crucial moment and inadequate laryngoscope's light can lead to catastrophic consequences. From our experience laryngoscope's light is assessed in a subjective manner and we believe a more precise evaluation should be used. Our objective is to compare the accuracy of a smartphone compared to a lux meter. Secondly we audited our Operating Room laryngoscopes.

Methods:

We designed a pragmatic study, using as primary outcome the accuracy of a smartphone compared to the lux meter. Further we audited with both the lux meter and the smartphone all laryngoscopes and blades ready to use in our Operating Rooms, using the International Standard form the International Organization for Standardization.

Results:

For primary outcome we found no significant difference between devices. Our audit showed that only 2 in 48 laryngoscopes complied with the ISO norm. When comparing the measurements between the lux meter and the smartphone we found no significant difference.

Discussion:

Ideally every laryngoscope should perform as required. We believe all laryngoscopes should have a practical but reliable and objective test prior to its utilization. Our results suggest the smartphone was accurate enough to be used as a lux meter to test laryngoscope's light. Audit results showing only 4% comply with the ISO standard are consistent with other studies.

Conclusion:

The tested smartphone has enough accuracy to perform light measurement in laryngoscopes. We believe this is a step further to perform an objective routine check to laryngoscope's light.

KEYWORDS
Laryngoscope; Laryngoscopy; Light; Accuracy; Smartphone; Lux meter

Justificativa e objetivo

O laringoscópio é uma ferramenta fundamental na prática de anestesia. A laringoscopia direta é um momento crucial e uma luz inadequada do laringoscópio pode levar a consequências catastróficas. De acordo com nossas pesquisas, a luz do laringoscópio é avaliada de forma subjetiva e acreditamos que uma avaliação mais precisa deve ser feita. Existem alguns estudos que avaliaram a luz de laringoscópios e os resultados mostram que a luz é insuficiente na maioria dos laringoscópios testados.11 Baker PA, McQuoid S, Thompson JM, et al. An audit of laryngoscopes and application of a new ISO standard. Paediatr Anaesth. 2011;21:428-34.,22 Volsky PG, Murphy MK, Darrow DH. Laryngoscope illuminance in a tertiary children's hospital: implications for quality laryngoscopy. JAMA Otolaryngol Head Neck Surg. 2014;140:603-7.

Em uma pequena pesquisa informal feita em nosso departamento de anestesia e centro cirúrgico descobrimos que a luz do laringoscópio é uma reclamação frequente. Nosso objetivo foi comparar a precisão de um smartphone com a de um luxímetro e depois testamos nossos laringoscópios de sala de operação. Nossa hipótese era que um smartphone tem uma precisão semelhante à de um luxímetro. Além disso, também testamos todos os laringoscópios prontos para uso em todas as salas de operações.

Métodos

Fizemos um projeto de estudo pragmático para testar a precisão da luz de um smartphone com o uso de um luxímetro como referência. Subsequentemente, testamos nossos laringoscópios prontos para uso em salas de operações.

O desfecho primário foi a precisão da iluminância do smartphone para a mensuração em comparação com o luxímetro. A hipótese nula foi que não haveria diferença entre as mensurações do aparelho e as do luxímetro.

Antes de fazer o estudo, obtivemos aprovação institucional. Dois protocolos distintos foram estabelecidos, um para testar a precisão do smartphone comparada com a do luxímetro e outro para testar os laringoscópios.

Para testar a precisão da iluminância do smartphone para a mensuração usamos como fonte de luz uma lâmpada fluorescente branca (Osram Licht AG®) com um graduador da intensidade da luz (dimmer) para produzir diferentes intensidades de luz. O smartphone usado para testar a precisão foi um Motorola® Moto G XT1068 e o controle foi um luxímetro (HDE® LX-1010B). A Motorola foi contatada e disse que devíamos esperar 80% de precisão em uma variação de 5 a 10.000 lux, enquanto o luxímetro indica 95% de precisão em uma variação de 0-50.000.

Como o ponto de corte da norma ISO é 500 lux,33 International Organisation for Standardisation ISO 7376:2009 (E). Anaesthetic and respiratory equipment - laryngoscopes for tracheal intubation. 2nd ed; 2009. p. 1-34. nós arbitrariamente decidimos definir 20 intensidades de luz de 50 a 1.000 lux em incrementos de 50 lux. Para definir cada intensidade de luz, nós graduamos a lâmpada com dimmer em um quarto escuro e medimos a iluminância com o luxímetro até obter o valor esperado. Essa mensuração foi feita em uma sala sem luz externa que não fosse a da lâmpada e com o sensor do luxímetro a 20 mm da lâmpada. Após definir a intensidade desejada da luz com o dimmer e controlá-la com o luxímetro, o sensor de luz do smartphone (posição previamente conhecida a partir de especificações técnicas) foi colocado no mesmo lugar que o sensor do luxímetro e o valor da iluminância foi medido com um aplicativo específico. A partir do momento em que o aplicativo do smartphone é aberto, uma leitura contínua dos valores brutos obtidos do sensor de luz do smartphone é feita pelo aplicativo e os valores são exibidos no visor do smartphone. Para reduzir o potencial viés de usar e desconhecer um aplicativo codificado para medir a luz do sensor do smartphone, nós programamos o aplicativo Android™ e publicamos seu código-fonte online.44 https://github.com/diogodh/Lux/.
https://github.com/diogodh/Lux/...

Repetimos a mensuração do smartphone três vezes para cada intensidade de luz testada (com o luxímetro como controle) e, em seguida, calculamos o valor médio.

Os resultados da comparação da precisão do smartphone nas intensidades de luz especificadas foram avaliados com o teste t de Student para amostras pareadas com um valor-p de 0,05 (IBM® SPSS® Estatistics 22).

Para testar nossos laringoscópios, usamos como referência a norma padrão internacional da International Organization for Standardization (ISO 7376:2009), que especifica iluminância mínima de 500 lux após 10 minutos (min) para os laringoscópios de lâmina curva, medida a 20 mm a partir da ponta do laringoscópio.33 International Organisation for Standardisation ISO 7376:2009 (E). Anaesthetic and respiratory equipment - laryngoscopes for tracheal intubation. 2nd ed; 2009. p. 1-34.

Para fazer nossos testes, construímos um dispositivo capaz de manter o laringoscópio imóvel, de modo que a luz da ponta do laringoscópio ficasse a 20 mm do sensor do luxímetro, como exigido pela norma da ISO. Nosso dispositivo também conseguiu proteger o sensor do luxímetro da luz externa, mesmo com as mensurações feitas em uma sala escura. Para fazer o teste, medimos a iluminância com o mesmo luxímetro (HDE® LX-1010B).

Todas as mensurações foram feitas no mesmo dia e nossa amostra foi constituída por todos os laringoscópios prontos para uso de 14 salas de operações. Todos os laringoscópios testados, das marcas Welch Allyn® ou Heine®, eram reusáveis, operados com bateria e com lâmpada de xênon no cabo. As lâminas eram curvas (Macintosh) de tamanhos três a cinco. Testamos cada combinação de lâmina e cabo prontos para uso em cada uma das salas de operações e fizemos 48 testes.

As mensurações foram feitas com o laringoscópio (cabo e lâmina) no dispositivo construído e o registro do valor do luxímetro no décimo minuto depois de ligado. Os dados das mensurações foram analisados com o programa SPSS® Statistics 22 da IBM®.

Resultados

Para o desfecho primário, calculamos a média das três mensurações feitas com o smartphone e a comparamos com o valor do luxímetro. Não constatamos diferença significativa entre os dispositivos; t(19) = -1,489, p > 0,05. A diferença média entre as mensurações foi -0,35 lux com um desvio padrão de 1,05118 lux. Os resultados são apresentados na figura 1.

Figura 1
Diferença nos valores do smartphone em relação aos do controle.

Nos testes feitos, apenas dois em 48 laringoscópios apresentaram uma iluminância mínima de 500 lux (fig. 2). A média de iluminância foi de 212,48 lux com um desvio padrão de 114,810 lux. Os intervalos interquartis foram Q1 = 112,25, Q2 = 189,00 e Q3 = 300,50 lux.

Figura 2
Iluminância do laringoscópio.

Ao comparar as mensurações entre o luxímetro e o smartphone (fig. 3) não encontramos diferença significativa; t(47) = -0,831, p > 0,05; com uma diferença média de -0,167 lux e desvio padrão de 1,389 lux.

Figura 3
Diferença nos valores do smartphone em relação aos do laringoscópio.

Discussão

A laringoscopia é uma das técnicas mais frequentes e importantes feitas por anestesiologistas na prática diária e, idealmente, todos os laringoscópios deveriam funcionar como o exigido. Acreditamos que cada laringoscópio deveria ser submetido a um teste prático, mas confiável e objetivo, antes do uso. Nossos resultados sugerem que os smartphones podem ser confiáveis para testar a iluminância dos laringoscópios.

Em nossos testes, encontramos uma diferença média entre o luxímetro e o smartphone inferior a 1 lux. Como o principal objetivo era saber se a luz tem uma potência mínima de 500 lux, acreditamos que nosso smartphone conseguiu executar essa tarefa com precisão.

Os resultados de nossos testes mostram conformidade de apenas 4% com a norma da ISO e são consistentes com os de outros estudos.11 Baker PA, McQuoid S, Thompson JM, et al. An audit of laryngoscopes and application of a new ISO standard. Paediatr Anaesth. 2011;21:428-34.,22 Volsky PG, Murphy MK, Darrow DH. Laryngoscope illuminance in a tertiary children's hospital: implications for quality laryngoscopy. JAMA Otolaryngol Head Neck Surg. 2014;140:603-7. Acreditamos que testes regulares devem ser feitos e atitudes tomadas para corrigir essa situação. Não abordamos em nosso estudo qual era o problema em cada um dos laringoscópios.

Embora a Motorola® tenha dito que deveríamos esperar uma precisão de 80% na variação de 5 a 10.000, acreditamos que esse é um valor conservador porque nosso smartphone foi bem mais preciso.

Identificamos algumas limitações em nosso estudo. Nem todos os smartphones têm um sensor de luz e, mesmo naqueles que têm, a precisão pode ser variável e sua posição pode ser difícil de encontrar. Cada smartphone deve ser testado quanto à exatidão antes de ser usado. Existem diferentes aplicativos para medir os valores de luz e, para reduzir esse viés, nós desenhamos e publicamos o seu código-fonte. O luxímetro usado foi o melhor possível; porém, estamos cientes de que há luxímetros bem mais precisos, embora acreditamos que nosso luxímetro tenha sido suficientemente preciso. As mensurações de 50 a 1.000 lux em intervalos de 50 lux foram definidas arbitrariamente. Como os nossos testes foram pragmáticos para todos os laringoscópios prontos para uso, em alguns casos o mesmo laringoscópio foi testado com duas lâminas diferentes.

Conclusões

Propomos que um smartphone pode ser preciso o suficiente para classificar a luz do laringoscópio como adequada para a laringoscopia. Nossa conclusão é que o smartphone testado tem uma precisão suficiente para medir a luz de laringoscópios. Como cada smartphone pode ter um sensor de luz diferente, essa conclusão não pode ser generalizada.

No futuro, mais estudos são necessários para testar outros dispositivos como os smartphones e para entender se fazer um teste da luz do laringoscópio antes de cada uso pode ter uma influência positiva na laringoscopia e nos resultados do paciente. Há também necessidade de estudos para entender a origem do problema de os laringoscópios não estarem de acordo com a norma da ISO.

Acreditamos que esse poderia ser um passo adiante na feitura de um teste objetivo de rotina da luz do laringoscópio.

  • Reconhecimentos
    Esta pesquisa não recebeu qualquer fundo ou doação específica de qualquer agência de subvenção do setor público, comercial ou de setores sem fins lucrativos.

References

  • 1
    Baker PA, McQuoid S, Thompson JM, et al. An audit of laryngoscopes and application of a new ISO standard. Paediatr Anaesth. 2011;21:428-34.
  • 2
    Volsky PG, Murphy MK, Darrow DH. Laryngoscope illuminance in a tertiary children's hospital: implications for quality laryngoscopy. JAMA Otolaryngol Head Neck Surg. 2014;140:603-7.
  • 3
    International Organisation for Standardisation ISO 7376:2009 (E). Anaesthetic and respiratory equipment - laryngoscopes for tracheal intubation. 2nd ed; 2009. p. 1-34.
  • 4
    https://github.com/diogodh/Lux/
    » https://github.com/diogodh/Lux/

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2017

Histórico

  • Recebido
    29 Maio 2016
  • Aceito
    20 Jul 2016
Sociedade Brasileira de Anestesiologia R. Professor Alfredo Gomes, 36, 22251-080 Botafogo RJ Brasil, Tel: +55 21 2537-8100, Fax: +55 21 2537-8188 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: bjan@sbahq.org