Acessibilidade / Reportar erro

Bloqueio neuroaxial após anestesia local para manejo de complicação de vertebroplastia percutânea durante vertebroplastia

Resumo

Vertebroplastia percutânea é um procedimento intervencionista relativamente seguro, simples e comumente feito para tratar fraturas por compressão vertebral. No entanto, as complicações graves relacionadas ao procedimento são raramente relatadas, incluindo embolia pulmonar, infecção grave, paraplegia e a ocorrência de uma nova fratura em vértebra adjacente após a vertebroplastia. Complicações agudas são geralmente associadas ao procedimento. Apresentamos o caso de bloqueio neuroaxial, feito após anestesia local com 8 mL de prilocaína a 2%, em uma mulher de 68 anos, submetida à vertebroplastia percutânea após fratura osteoporótica na vértebra L1 devido a trauma. De acordo com nossa pesquisa, este é o primeiro caso na literatura.

PALAVRAS-CHAVE
Bloqueio neuraxial; Vertebroplastia percutânea; Vértebra; Fratura

Abstract

Percutaneous vertebroplasty is a relatively safe, simple and commonly performed interventional procedure for the management of vertebral compression fractures. However, serious complications are rarely reported in the procedure. Those are pulmonary embolism, severe infection, paraplegia and an occurrence of a new fracture in an adjacent vertebra after vertebroplasty. Acute complications are generally associated with the procedure. We present the case of neuraxial anesthesia, developed after local anesthesia with 8 mL of 2% prilocaine, in a 68-year-old woman who underwent percutaneous vertebroplasty after an osteoporotic collapsed fracture in the L1 vertebra due to trauma. To our knowledge, this is the first case in the literature.

KEYWORDS
Neuraxial anesthesia; Percutaneous vertebroplasty; Vertebra; Fracture

Introdução

Vertebroplastia percutânea (VP) é um procedimento relativamente seguro, simples e comumente feito para o tratamento de fraturas por compressão vertebral; porém, complicações sérias foram relatadas, incluindo embolia pulmonar,11 Chen HL, Wong CS, Ho ST, et al. A lethal pulmonary embolism during percutaneous vertebroplasty. Anesth Analg. 2002;95:1060-2. infecção grave,22 Lin WC, Lee CH, Chen SH, et al. Unusual presentation of infected vertebroplasty with delayed cement dislodgment in an immunocompromised patient: case report and review of literature. Cardiovasc Intervent Radiol. 2008;31(Suppl. 2):231-5. paraplegia33 Lee BJ, Lee SR, Yoo TY. Paraplegia as a complication of percutaneous vertebroplasty with polymethylmethacrylate: a case report. Spine (Phila Pa 1976). 2002;27:E419-22. e a ocorrência de uma nova fratura em vértebra adjacente após a vertebroplastia.44 Aquarius R, Homminga J, Verdonschot N, et al. The fracture risk of adjacent vertebrae is increased by the changed loading direction after a wedge fracture. Spine (Phila Pa 1976). 2011;36:E408-12. Na maioria das vezes, as complicações agudas estão relacionadas a procedimentos cirúrgicos, como vazamento de cimento ósseo, infecção e fratura ao longo da trajetória da cânula de vertebroplastia.55 McArthur N, Kasperk C, Baier M, et al. 1150 kyphoplasties over 7 years: indications, techniques, and intraoperative complications. Orthopedics. 2009;32:90.,66 Tanigawa N, Kariya S, Komemushi A, et al. Cement leakage in percutaneous vertebroplasty for osteoporotic compression fractures with or without intravertebral clefts. AJR Am J Roentgenol. 2009;193:W442-5.

Apresentamos um caso raro de anestesia neuraxial em combinação com anestesia local durante VP com o uso de uma abordagem transpedicular.

Relato de caso

Paciente do sexo feminino, 68 anos, 75 kg, admitida no Setor de Emergência do Hospital da Faculdade de Medicina da Universidade Akdeniz com dores nas costas devido a trauma por queda em casa. A paciente apresentava fratura osteoporótica com colapso da vértebra L1, que foi tratada de forma conservadora com repouso, cinta e medicamentos analgésicos. Ao exame de acompanhamento na terceira semana a dor não havia diminuído e uma radiografia direta mostrou que mais de 50% da vértebra L1 fraturada estava em colapso em comparação com a vértebra adjacente superior (fig. 1). VP foi recomendada para a paciente.

Figura 1
(A) Fratura aguda em L1. (B) Após três semanas de tratamento conservador.

Na avaliação pré-operatória da paciente, os exames laboratoriais, o eletrocardiograma e a radiografia dos pulmões estavam normais. Não havia doença crônica sistêmica e o estado físico da paciente foi avaliado como ASA-I, de acordo com a classificação da Sociedade Americana de Anestesiologistas (ASA). O escore da escala visual analógica (EVA) para dor no período pré-operatório era oito. Após obter a assinatura do consentimento informado, a linha de fratura foi localizada por meio de fluoroscopia com a paciente em pronação e em seguida foi aplicada a anestesia local com 8 mL de prilocaína a 2%, sob controle fluoroscópico, desde a entrada do pedículo até o tecido subcutâneo. Déficit neurológico não foi determinado após a anestesia local. Após a localização sob fluoroscopia da entrada do pedículo da vértebra fraturada, uma agulha de calibre 11G foi inserida a partir do pedículo. Quando a agulha atingiu 2/3 anterior ao corpo vertebral em vista lateral, a vista anteroposterior foi considerada e a ponta da agulha foi observada no mesmo nível que o processo espinhoso. A posição da agulha foi verificada por fluoroscopia. Naquele momento, o exame neurológico da paciente estava normal. Após confirmar a localização da ponta da agulha, 8 mL de cimento foi injetado na linha de fratura (fig. 2).

Figura 2
(A) Vista fluoroscópica no intraoperatório (AP). (B) Vista fluoroscópica no intraoperatório (lateral).

Durante e após a cimentação, o exame neurológico da paciente estava normal. Após a deposição do cimento, a paciente foi posicionada em supinação. Imediatamente após, uma perda bilateral de força (2/5) nas extremidades inferiores e déficit sensorial ocorreram, o que foi percebido pelo operador durante o exame neurológico. A pressão arterial da paciente estava em 90/50 mmHg, e foram administrados 500 mL de NaCl a 0,9%. Como a perda sensorial que estava em T10 no primeiro exame chegou a T5, a paciente foi transferida para a posição "cadeira de praia" para evitar avanço do bloqueio neuroaxial.

A paciente foi mais uma vez avaliada neurologicamente e foram observadas perda bilateral de força (0/5) nas extremidades inferiores e anestesia. Betametasona (6 mg) foi administrada por via intramuscular. A paciente foi avaliada com radiografias diretas no centro cirúrgico e não foi observado cimento no canal (fig. 3). Trinta minutos após o aparecimento do défice sensório, a pressão arterial media 110/90 mmHg e o déficit retornaram ao nível do umbigo.

Figura 3
(A) Radiografia no pós-operatório (AP). (B) Radiografia no pós-operatório (lateral).

Na avaliação da paciente por tomografia computadorizada, não foi observado cimento no canal (fig. 4). Na quarta hora de acompanhamento, o défice senso-motor foi completamente resolvido. A paciente foi mobilizada. Não observamos hipotensão ou bradicardia e não houve necessidade de medicamentos vasoativos.

Figura 4
(A e B) TC no pós-operatório.

Discussão

A vertebroplastia tem sido amplamente usada para o tratamento de fraturas por compressão do corpo vertebral (FCV) causadas por afecções variadas, incluindo hemangioma, mieloma múltiplo, metástases osteolíticas e osteoporose primária ou secundária.77 Afzal S, Dhar S, Vasavada NB, et al. Percutaneous vertebroplasty for osteoporotic fractures. Pain Physician. 2007;10:559-63. As FCV são o tipo mais comum de fraturas osteoporóticas, resultam em dor intensa nas costas, deformidade da coluna vertebral, atrofia muscular, internação prolongada e risco potencial de aumento da mortalidade.88 Shi MM, Cai XZ, Lin T, et al. Is there really no benefit of vertebroplasty for osteoporotic vertebral fractures? A meta-analysis. Clin Orthop Relat Res. 2012;470:2785-99.

Em metanálise de VP, taxas baixas de complicações de 0,4-3,8% foram relatadas,99 Lee MJ, Dumonski M, Cahill P, et al. Percutaneous treatment of vertebral compression fractures: a meta-analysis of complications. Spine (Phila Pa 1976). 2009;34:1228-32. porém o procedimento não é isento de riscos. Complicações raras, mas graves, foram observadas durante a aplicação de VP, tais como embolia pulmonar; perfuração cardíaca; extravasamento de cimento para o espaço epidural; vazamento de cimento para regiões paraespinhal, intradisco ou sistema venoso; infecção ou fraturas de vértebras adjacentes.

Na literatura, não há relato de paciente que tenha desenvolvido anestesia do neuroeixo associada à anestesia local durante VP. O significado disso é que uma lesão neurológica associada ao guia usado durante o procedimento pode ser confundida com uma lesão neurológica que pode ocorrer após o vazamento do cimento para o canal e uma segunda operação, como cirurgia aberta, é necessária. O diagnóstico diferencial certamente deve ser feito para as complicações acima mencionadas que podem surgir após a VP e para outras lesões neurológicas que podem ocorrer durante a VP. Caso ocorra déficit neurológico durante a VP e esse evento seja considerado associado à anestesia local, o nível de anestesia neuroaxial pode estar aumentado e as complicações associadas ao aumento do nível devem ser mantidas em mente. O paciente deve ser cuidadosamente monitorado e um especialista em anestesia certamente deve avaliar o paciente.

Conclusão

Segundo nossa pesquisa, este é o primeiro caso de anestesia neuroaxial devido à anestesia local após VP descrito na literatura. Se não houver cimento dentro do canal, a anestesia neuroaxial deve ser mantida em mente. Nesse aspecto, o agente radiopaco pode ser útil antes da injeção do anestésico local para confirmar o local da ponta da agulha e prevenir uma anestesia neuroaxial involuntária.

References

  • 1
    Chen HL, Wong CS, Ho ST, et al. A lethal pulmonary embolism during percutaneous vertebroplasty. Anesth Analg. 2002;95:1060-2.
  • 2
    Lin WC, Lee CH, Chen SH, et al. Unusual presentation of infected vertebroplasty with delayed cement dislodgment in an immunocompromised patient: case report and review of literature. Cardiovasc Intervent Radiol. 2008;31(Suppl. 2):231-5.
  • 3
    Lee BJ, Lee SR, Yoo TY. Paraplegia as a complication of percutaneous vertebroplasty with polymethylmethacrylate: a case report. Spine (Phila Pa 1976). 2002;27:E419-22.
  • 4
    Aquarius R, Homminga J, Verdonschot N, et al. The fracture risk of adjacent vertebrae is increased by the changed loading direction after a wedge fracture. Spine (Phila Pa 1976). 2011;36:E408-12.
  • 5
    McArthur N, Kasperk C, Baier M, et al. 1150 kyphoplasties over 7 years: indications, techniques, and intraoperative complications. Orthopedics. 2009;32:90.
  • 6
    Tanigawa N, Kariya S, Komemushi A, et al. Cement leakage in percutaneous vertebroplasty for osteoporotic compression fractures with or without intravertebral clefts. AJR Am J Roentgenol. 2009;193:W442-5.
  • 7
    Afzal S, Dhar S, Vasavada NB, et al. Percutaneous vertebroplasty for osteoporotic fractures. Pain Physician. 2007;10:559-63.
  • 8
    Shi MM, Cai XZ, Lin T, et al. Is there really no benefit of vertebroplasty for osteoporotic vertebral fractures? A meta-analysis. Clin Orthop Relat Res. 2012;470:2785-99.
  • 9
    Lee MJ, Dumonski M, Cahill P, et al. Percutaneous treatment of vertebral compression fractures: a meta-analysis of complications. Spine (Phila Pa 1976). 2009;34:1228-32.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2017

Histórico

  • Recebido
    9 Jun 2014
  • Aceito
    16 Jul 2014
Sociedade Brasileira de Anestesiologia R. Professor Alfredo Gomes, 36, 22251-080 Botafogo RJ Brasil, Tel: +55 21 2537-8100, Fax: +55 21 2537-8188 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: bjan@sbahq.org