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A administração de anestesia por residentes não altera a incidência de memória da extubação traqueal: uma análise de pontuação de propensão baseada no ensino hospitalar

Resumo

Justificativa e objetivos:

A recordação da emergência da anestesia é reconhecida como um dos tipos de memória da anestesia. Excluindo a extubação planejada com o paciente acordado, acredita-se que a memória não intencional durante a extubação traqueal seja o resultado de manejo inadequado da anestesia; portanto, a incidência pode estar relacionada com a experiência dos anestesistas. Para avaliar se a incidência de memória durante a extubação traqueal está relacionada com a experiência dos anestesistas, comparamos a incidência de memória durante a extubação traqueal entre pacientes tratados por residentes de anestesia ou por anestesistas experientes.

Métodos:

Estudo retrospectivo de revisão de um registo institucional com 21.606 casos de anestesia geral, conduzido com a aprovação do Comitê de Ética. Todas as extubações traqueais foram feitas por residentes sob a supervisão de anestesistas. Para evitar o viés de canalização, a análise do índice de propensão foi usada para gerar um grupo de casos pareados (manejo por residentes) e de controles (manejo por anestesistas), obtiveram-se 3.475 pares combinados de pacientes. A incidência de memória durante a extubação traqueal foi comparada com os desfechos primários.

Resultados:

Na população não pareada, não houve diferença na incidência de memória durante a extubação traqueal entre o manejo feito por residentes e anestesistas (6,5% vs. 7,1%, p = 0,275). Mesmo após parear os escores de propensão, não observamos diferença na incidência de memória durante a extubação traqueal (7,1% vs. 7,0%, p = 0,853).

Conclusão:

Em conclusão, quando supervisionadas por um anestesista, as extubações feitas por residentes não são mais propensas a resultar em memória do que as extubações feitas por anestesistas.

PALAVRAS-CHAVE
Consciência; Extubação; Centros Médicos Acadêmicos

Abstract

Background and objectives:

The memory of emergence from anesthesia is recognized as one type of anesthesia awareness. Apart from planed awake extubation, unintentional recall of tracheal extubation is thought to be the results of inadequate anesthesia management; therefore, the incidence can be related with the experience of anesthetists. To assess whether the incidence of recall of tracheal extubation is related to anesthetists' experience, we compared the incidence of recall of tracheal extubation between patients managed by anesthesia residents or by experienced anesthetists.

Methods:

This is a retrospective review of an institutional registry containing 21,606 general anesthesia cases and was conducted with the board of ethical review approval. All resident tracheal extubations were performed under anesthetists' supervision. To avoid channeling bias, propensity score analysis was used to generate a set of matched cases (resident managements) and controls (anesthetist managements), yielding 3,475 matched patient pairs. The incidence of recall of tracheal extubation was compared as primary outcomes.

Results:

In the unmatched population, there was no difference in the incidences of recall of tracheal extubation between resident management and anesthetist management (6.5% vs. 7.1%, p = 0.275). After propensity score matching, there was still no difference in incidences of recall of tracheal extubation (7.1% vs. 7.0%, p = 0.853).

Conclusion:

In conclusion, when supervised by an anesthetist, resident extubations are no more likely to result in recall than anesthetist extubations.

KEYWORDS
Awareness; Airway extubation; Academic Medical Centers

Introdução

A memória ao despertar da anestesia é reconhecida como um dos tipos de consciência durante a anestesia.11 Pandit JJ, Andrade J, Bogod DG, et al. The 5th National Audit Project (NAP5) on accidental awareness during general anaesthesia: summary of main findings and risk factors. Anaesthesia. 2014;69:1089-101.,22 Palmer JHM, O'Sullivan EP, Radcliffe JJ. Chapter 10 AAGA during extubation and emergence. In: Pandit JJ, Cook TM, editors. NAP5 5th National Audit Project of The Royal College of Anaesthetists and the Association of Anaesthetists of Great Britain and Ireland. Accidental Awareness during General Anaesthesia in the United Kingdom and Ireland, London. The Royal College of Anaesthetists.; 2014. p. 84-92. Exceto nos casos de via aérea difícil, a extubação traqueal com o paciente acordado é desnecessária.33 Popat M, Mitchell V, et al. Difficult Airway Society Guidelines for the management of tracheal extubation. Anaesthesia. 2012;67:318-40. Embora como resultado de mudanças práticas na anestesia, inclusive o desenvolvimento de medicamentos de ação curta, o reforço na recuperação do paciente e a rotatividade das salas de cirurgia, ainda é razoável prever que, com mais frequência, os pacientes acordem durante o despertar da anestesia geral. Às vezes, os pacientes podem involuntariamente estar totalmente despertos durante a recuperação. Os pacientes que relataram consciência acidental durante a emergência raramente mencionaram sentir o tubo traqueal, em si, mas sentiram uma paralisia angustiante.11 Pandit JJ, Andrade J, Bogod DG, et al. The 5th National Audit Project (NAP5) on accidental awareness during general anaesthesia: summary of main findings and risk factors. Anaesthesia. 2014;69:1089-101.,22 Palmer JHM, O'Sullivan EP, Radcliffe JJ. Chapter 10 AAGA during extubation and emergence. In: Pandit JJ, Cook TM, editors. NAP5 5th National Audit Project of The Royal College of Anaesthetists and the Association of Anaesthetists of Great Britain and Ireland. Accidental Awareness during General Anaesthesia in the United Kingdom and Ireland, London. The Royal College of Anaesthetists.; 2014. p. 84-92. Portanto, a incidência de memória durante a extubação traqueal pode ser negligenciada e acontece com mais frequência do que o esperado. Takahashi et al.44 Takahashi M, Nakahashi K, Karashima Y, et al. The memory of tracheal extubation during emergence from general anesthesia. Masui (Jpn J Anesthesiol). 2001;50:613-8 [in Japanese with English abstract]. relataram que dos 1.993 pacientes cirúrgicos, 202 apresentaram memória durante a extubação traqueal. Os autores descobriram que gênero, idade e manutenção da anestesia com propofol estavam relacionados com memória durante a extubação traqueal.44 Takahashi M, Nakahashi K, Karashima Y, et al. The memory of tracheal extubation during emergence from general anesthesia. Masui (Jpn J Anesthesiol). 2001;50:613-8 [in Japanese with English abstract]. Além disso, consideraram que a memória durante a extubação traqueal contribui para a insatisfação do paciente com a anestesia.44 Takahashi M, Nakahashi K, Karashima Y, et al. The memory of tracheal extubation during emergence from general anesthesia. Masui (Jpn J Anesthesiol). 2001;50:613-8 [in Japanese with English abstract]. Portanto, sentir o tubo traqueal deve ser desagradável no momento; logo, pode ser uma experiência também desagradável durante a anestesia se a memória for explícita ou consciente. É razoável pensar que o estado de vigília acidental durante a emergência esteja relacionado à falta de preparo e conhecimento sobre a variabilidade da duração do bloqueio neuromuscular e a rapidez da cessação dos agentes voláteis mais recentes e de propofol, o que pode resultar em incompatibilidade involuntária entre o tempo de retorno da consciência e de retorno da capacidade motora e o momento da extubação traqueal.22 Palmer JHM, O'Sullivan EP, Radcliffe JJ. Chapter 10 AAGA during extubation and emergence. In: Pandit JJ, Cook TM, editors. NAP5 5th National Audit Project of The Royal College of Anaesthetists and the Association of Anaesthetists of Great Britain and Ireland. Accidental Awareness during General Anaesthesia in the United Kingdom and Ireland, London. The Royal College of Anaesthetists.; 2014. p. 84-92. Portanto, acredita-se que a memória não intencional durante a extubação traqueal seja o resultado de um manejo inadequado da anestesia; logo, a incidência pode estar relacionada com a experiência dos anestesistas. Porém, não está claro se a experiência dos anestesistas é um fator que afeta ou não a incidência de memória durante a extubação traqueal e não há estudo que tenha investigado esse fator.

Em nossa instituição, os pacientes cirúrgicos atendidos no departamento de anestesia passam por uma entrevista estruturada no pós-operatório com anestesistas experientes na clínica de consulta anestésica pós-operatória, na qual a ocorrência de eventos adversos no perioperatório é avaliada e os pacientes podem criticar o tratamento perioperatório com base no formulário de entrevista preenchido. Mediante os dados dessas entrevistas, investigamos retrospectivamente a incidência de memória durante a extubação traqueal e, posteriormente, avaliamos o impacto do manejo da anestesia por residentes de anestesiologia sobre a memória durante a extubação traqueal. Para reduzir o efeito do viés de seleção, comparamos a incidência de memória durante a extubação traqueal em pares equiparados por propensão com o manejo da anestesia por residentes ou por anestesistas experientes.

Métodos

Obtivemos a aprovação do Comitê Institucional de Revisão para a revisão dos prontuários médicos, para o acesso ao registro de dados de anestesia e para a apresentação dos resultados. A exigência de assinatura em consentimento informado foi dispensada pelo Comitê.

Tratamento do paciente no perioperatório

Não houve padronização dos métodos de indução e manutenção da anestesia, mas os métodos não foram muito diferentes porque este estudo foi conduzido em um único hospital. Pré-medicação não foi administrada. A anestesia geral foi geralmente induzida com propofol por via intravenosa (1-2,5 mg.kg-1) + fentanil (0,1-0,2 µg.kg-1) ou remifentanil (0,2-0,3 µg.kg-1.min-1) e o bloqueio neuromuscular foi obtido com rocurônio (0,6-0,9 mg.kg-1). Na maioria dos casos, a monitoração do índice bispectral (BIS) foi usada, mas a decisão sobre o uso ficou a critério do atendente. A intubação traqueal foi feita com laringoscópio Macintosh. As intubações traqueais foram feitas por residentes, sob a orientação do anestesista experiente, ou pelo anestesista experiente. O residente foi definido como graduado em medicina, com qualificação médica, em um programa de treinamento clínico obrigatório de dois anos, atualmente em rotação no departamento de anestesia (por alguns meses), ou anestesista residente em treinamento de dois anos após a formação obrigatória. No Japão, os anestesistas podem requerer o título de anestesista certificado no Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-estar após dois anos de treinamento como membro da Sociedade Japonesa de Anestesiologistas. Todos esses residentes concluíram o curso de formação com base em simulações do manejo de vias aéreas e passaram no exame prático de manejo de vias aéreas. A anestesia foi mantida com sevoflurano (1,5-2%) em mistura de 40% oxigênio e ar ou com propofol (6-10 mg.kg-1.h-1). Óxido nitroso não foi usado. Fentanil (0,1-0,2 µg.kg-1.h-1) ou remifentanil (0,1-0,2 µg.kg-1.min-1) foi usado para analgesia. Rocurônio (0,2-0,3 mg.kg-1.h-1) foi usado para bloqueio neuromuscular e sugamadex (2-4 mg.kg-1) para reversão do bloqueio neuromuscular após se avaliar o estado do bloqueio por meio de estimulador de nervos. Imediatamente após a recuperação da consciência pelos pacientes, a extubação traqueal foi feita. Exceto nos casos de via aérea difícil, a extubação em estado de vigília não foi planejada. Extubações traqueais também foram feitas por residentes sob a orientação do anestesista experiente ou pelo anestesista experiente. Nos casos tratados por residentes, os residentes informaram previamente os anestesistas experientes no fim da cirurgia através de um sistema individual de telefonia sem fio antes de o paciente emergir da anestesia. Novamente, os residentes ligaram para os anestesistas experientes para que viessem observar e julgar a possibilidade de extubação do caso. O momento para a ligação dependeu de cada situação. Ocasionalmente, a analgesia no período pós-operatório foi fornecida por via intravenosa com fentanil ou por via peridural com ropivacaína combinada com fentanil mediante dispositivo de analgesia controlada pelo paciente. Após a conclusão da anestesia, o atendente responsável preencheu o formulário para o registro institucional da anestesia, que inclui nome do atendente, nome da pessoa que fez a intubação, variáveis demográficas do paciente, informações sobre o diagnóstico final e procedimentos cirúrgicos (posteriormente categorizados em três classes com base na estratificação de risco cirúrgico modificado),55 Eagle KA, Berger PB, Calkins H, et al. ACC/AHA guideline update for perioperative cardiovascular evaluation for noncardiac surgery-executive summary a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines (Committee to Update the 1996 Guidelines on Perioperative Cardiovascular Evaluation for Noncardiac Surgery). Circulation. 2002;105:1257-67. doenças subjacentes (hipertensão arterial, diabete melito, doença coronariana, história de insuficiência cardíaca, doença pulmonar), tempos de anestesia e cirurgia, estado físico ASA, urgência da cirurgia (emergência ou eletiva), técnica de anestesia (inalatória ou intravenosa com ou sem analgesia regional), posicionamento do paciente no intraoperatório, avaliação final das vias aéreas, necessidade de transfusão, implantação de analgesia no pós-operatório, necessidade de terapia intensiva no pós-operatório e eventos adversos no intraoperatório (eventos cardíacos, hipotensão, arritmia, hipóxia etc.). O atendente encarregado do caso também acompanhou o paciente e registrou qualquer complicação, inclusive qualquer experiência desagradável durante a anestesia ao longo de vários dias de pós-operatório. Além disso, até o 14° dia de pós-operatório, os pacientes preencheram um questionário que inclui itens sobre memória durante a extubação traqueal. A incidência de memória durante a extubação traqueal foi determinada com base no relato do paciente e no registro da fase pós-anestesia. As intensidades das recordações (memória implícita ou explícita) não foram distinguidas, mas foram agrupadas e tratadas como respostas finais.

Coleta de dados

Os dados foram coletados entre janeiro de 2009 e dezembro de 2013, período que totalizou 21.606 casos de anestesia. Os critérios de exclusão para o estudo atual (e as razões para a consequente redução de pacientes elegíveis) foram os seguintes: (1) casos sem anestesia geral (n = 2.588); (2) casos com ausência de respostas no questionário pós-operatório ou incapazes de responder devido a distúrbio da disfunção cognitiva (n = 2.285); (3) pacientes < 15 anos (n = 1.525); (4) uso de dispositivos supraglóticos (n = 494); (5) casos com pós-traqueostomia, submetidos à traqueostomia ou admitidos intubados (n = 497); (6) casos considerados como de via aérea difícil porque a extubação em estado de vigília foi geralmente feita em tais casos (n = 366); (7) casos sem dados completos (n = 1.037) (fig. 1).

Figura 1
Fluxograma de inclusão e exclusão dos pacientes.

Análise estatística

As variáveis contínuas foram expressas em média ± desvio padrão (DP) quando normalmente distribuídas ou em mediana e intervalo interquartil (IQR) quando não paramétricas. As variáveis categóricas foram expressas em número de pacientes e frequências (%). Os resultados dos pacientes tratados por residentes ou anestesistas experientes foram comparados com o uso dos 11.529 pacientes iniciais. Para a taxa global de incidência, o teste exato de Fisher foi usado para estimar a razão de chance (OR) e o intervalo de confiança (IC) de 95% da incidência (tratamento por residentes vs. anestesistas experientes).

Em seguida, para evitar o viés de canalização, usamos a análise do escore de propensão para gerar um conjunto de casos pareados (tratamento por residentes) e de controles (tratamento por anestesistas). Por fim, 4.579 pacientes foram excluídos da análise. Um escore de propensão foi gerado para cada paciente a partir de um modelo de regressão logística multivariada com base nas covariáveis que incluiu os itens dos dados dos registros institucionais, tais como as variáveis demográficas do paciente, risco cirúrgico, doenças subjacentes, tempos de anestesia e cirurgia, estado físico ASA, urgência da cirurgia, técnica de anestesia, posicionamento do paciente no intraoperatório, necessidade de transfusão, implantação de analgesia no pós-operatório e eventos adversos no intraoperatório e as variáveis independentes, com tipo de tratamento (por residentes vs. anestesistas experientes) como uma variável dependente binária. Como sugerido por uma revisão de pesquisas estatísticas sobre o desenvolvimento do escore de propensão, usamos uma abordagem iterativa estruturada para refinar esse modelo com o objetivo de atingir um equilíbrio das covariáveis entre os pares equiparados.66 Austin PC. Propensity-score matching in the cardiovascular surgery literature from 2004 to 2006: a systematic review and suggestions for improvement. J Thorac Cardiovasc Surg. 2007;134:1128-35. O equilíbrio das covariáveis foi medido com a diferença padronizada, na qual uma diferença absoluta de < 0,1 foi aceita como um desequilíbrio significativo das covariáveis.77 Austin PC, Grootendorst P, Anderson GM. A comparison of the ability of different propensity score models to balance measured variables between treated and untreated subjects: a Monte Carlo study. Stat Med. 2007;26:734-53. Equiparamos os pacientes com um algoritmo ganancioso de correspondência (greedy-matching algorithm) com compasso de calibre 0,001 do escore de propensão estimado. Uma relação de correspondência de 1:1 foi usada. Esse procedimento resultou em 3.475 pacientes tratados por residentes com propensão pareada de 3.475 pacientes tratados por anestesistas experientes. Para a inferência estatística, os métodos responsáveis pela natureza pareada das amostras foram usados. Para a taxa global de incidência, o teste de Cochran-Mantel-Haenszel, estratificado para o par equiparado, foi usado para estimar a razão de chance e o IC de 95% de incidência (tratamento por residentes vs. anestesistas experientes). As análises foram computadas com R (versão 3.0.3, R Foundation for Statistical Computing, Viena, Áustria). Um valor de p < 0,05 foi considerado estatisticamente significativo.

Cálculo do tamanho da amostra

Por fim, fizemos um cálculo do tamanho da amostra. Assumimos uma incidência de 10% de memória durante a extubação traqueal com base em relato anterior.44 Takahashi M, Nakahashi K, Karashima Y, et al. The memory of tracheal extubation during emergence from general anesthesia. Masui (Jpn J Anesthesiol). 2001;50:613-8 [in Japanese with English abstract]. Estimamos que 973 pacientes em cada grupo eram necessários para obter um poder de 95% para detectar uma diferença de 5% na incidência de memória durante a extubação traqueal (com uma incidência global de 10%) entre o tratamento por residentes e por anestesistas experientes, com um erro tipo I de 0,05. Portanto, podemos dizer que o tamanho da amostra foi suficiente para detectar uma diferença no resultado.

Resultados

A mediana (IQR) dos anos de experiência foi de 1,8 (1-2,7) para os residentes e de 13 (9-18) para os anestesistas experientes. Memória durante a extubação traqueal foi observada em 773 de 11.529 pacientes, o que resulta em 6,7% da taxa global de incidência. Não houve paciente com memória durante a extubação traqueal que tenha resultado em graves sequelas psicológicas. As características clínicas dos dois grupos (pacientes tratados por residentes e pacientes tratados por anestesistas experientes) com base nos 11.529 pacientes são apresentadas na tabela 1. Muitas das variáveis eram semelhantes entre os grupos (diferença padronizada < 0,1) antes da equiparação. Porém, as variáveis que incluíram peso, sexo, estado físico ASA, presença de doença coexistente e casos de emergência apresentaram desequilíbrio, uma das quais foram fatores que influenciam a memória durante a extubação traqueal relatados anteriormente. Os resultados dos pacientes estão resumidos na tabela 2. A incidência de memória durante a extubação traqueal não diferiu entre extubação traqueal feita por residentes e por anestesistas experientes (6,5% vs. 7,1%).

Tabela 1
Características clínicas dos dois grupos de estudo não pareados
Tabela 2
Resultados dos pacientes antes da equiparação

As características clínicas dos dois grupos pareados (pacientes extubados por residentes e por anestesistas experientes) extraídas pela análise de propensão são apresentadas na tabela 3. De acordo com a diferença padronizada, o equilíbrio das covariáveis entre os pares equiparados foi confirmado. Os resultados dos pacientes estão resumidos na tabela 4. A incidência de memória durante a extubação traqueal não diferiu entre extubação traqueal feita por residentes e extubação traqueal feita por anestesistas experientes após a equiparação da propensão (7,1% vs. 7,0%).

Tabela 3
Características clínicas dos dois grupos de estudo após equiparação do escore de propensão
Tabela 4
Resultados dos pacientes após equiparação de propensão

Discussão

A incidência de memória durante a extubação traqueal não diferiu entre os casos de manejo da anestesia por residentes e por anestesistas experientes. Este estudo sugere que os pacientes recebem atendimento médico igual em relação à possível experiência desagradável durante a extubação traqueal e emergência em hospitais universitários porque os residentes são devidamente treinados antes de participar do controle da anestesia e são atentamente supervisionados por anestesistas experientes durante todo o processo de despertar da anestesia.

Como mencionado na seção Métodos, permitimos que os residentes avaliassem o tempo para a extubação porque os residentes foram suficientemente treinados e capacitados antes de participar do controle da anestesia. Contudo, presumimos que a incompatibilidade de tempo durante o processo de emergência da anestesia poderia aumentar devido à falta de experiência clínica, mas não de conhecimento ou formação, o que resultaria em aumento da incidência de memória durante a extubação traqueal. Além disso, também esperávamos que a inexperiência afetasse o processo de extubação, que poderia levar mais tempo do que no caso dos anestesistas experientes. Ao contrário de nossa hipótese, a incidência de memória durante a extubação traqueal não aumentou nos casos de manejo da anestesia por residentes. A razão para esse resultado pode ser porque os residentes entraram em contato com os anestesistas experientes antes do esperado e a supervisão apropriada do processo de emergência e da extubação não resultou em procedimentos muito complexos. Nesse caso, precisamos declarar de antemão que, infelizmente, tal desacordo não pode ser avaliado retrospectivamente em nosso banco de dados de registro de anestesia porque o banco de dados não inclui tais informações.

Ocasionalmente, a memória durante a extubação traqueal e emergência da anestesia pode ser reconhecida como uma espécie de consciência acidental durante a anestesia geral.11 Pandit JJ, Andrade J, Bogod DG, et al. The 5th National Audit Project (NAP5) on accidental awareness during general anaesthesia: summary of main findings and risk factors. Anaesthesia. 2014;69:1089-101.,22 Palmer JHM, O'Sullivan EP, Radcliffe JJ. Chapter 10 AAGA during extubation and emergence. In: Pandit JJ, Cook TM, editors. NAP5 5th National Audit Project of The Royal College of Anaesthetists and the Association of Anaesthetists of Great Britain and Ireland. Accidental Awareness during General Anaesthesia in the United Kingdom and Ireland, London. The Royal College of Anaesthetists.; 2014. p. 84-92. A maioria dos pacientes que relataram consciência acidental durante a emergência raramente mencionou sentir o tubo traqueal em si, mas relatou sentir uma paralisia angustiante.11 Pandit JJ, Andrade J, Bogod DG, et al. The 5th National Audit Project (NAP5) on accidental awareness during general anaesthesia: summary of main findings and risk factors. Anaesthesia. 2014;69:1089-101.,22 Palmer JHM, O'Sullivan EP, Radcliffe JJ. Chapter 10 AAGA during extubation and emergence. In: Pandit JJ, Cook TM, editors. NAP5 5th National Audit Project of The Royal College of Anaesthetists and the Association of Anaesthetists of Great Britain and Ireland. Accidental Awareness during General Anaesthesia in the United Kingdom and Ireland, London. The Royal College of Anaesthetists.; 2014. p. 84-92. Não pudemos distinguir os pacientes que relataram memória durante a extubação traqueal daqueles com paralisia angustiante ou daqueles sem paralisia angustiante por meio dos dados das entrevistas após a anestesia. Também não pudemos distinguir os pacientes que relataram memória durante a extubação traqueal daqueles que a sentiram como uma experiência desagradável ou não. Levando em consideração que nosso protocolo de prática facilitou o uso de um estimulador de nervos e que não houve paciente com memória durante a extubação traqueal que tenha resultado em problema psicológico grave, pelo menos durante esse período de acompanhamento, pode parecer que a chamada "extubação acordado" foi feita de forma não intencional em nossos casos, embora a verdade permaneça desconhecida devido à falta de fontes de dados. De qualquer forma, relatou-se que a memória durante a extubação traqueal contribui para a insatisfação do paciente com a anestesia.44 Takahashi M, Nakahashi K, Karashima Y, et al. The memory of tracheal extubation during emergence from general anesthesia. Masui (Jpn J Anesthesiol). 2001;50:613-8 [in Japanese with English abstract]. Além disso, há um relato de caso no qual a memória de eventos durante a emergência da anestesia resultou em graves sequelas psicológicas.88 Ho AM. 'Awareness' and 'recall' during emergence from general anaesthesia. Eur J Anaesthesiol. 2001;18:623-5. Portanto, é importante informar os pacientes sobre a possibilidade de memória do tubo nas vias aéreas ou dificuldade em mover-se ou respirar nesse momento antes da administração da anestesia geral.22 Palmer JHM, O'Sullivan EP, Radcliffe JJ. Chapter 10 AAGA during extubation and emergence. In: Pandit JJ, Cook TM, editors. NAP5 5th National Audit Project of The Royal College of Anaesthetists and the Association of Anaesthetists of Great Britain and Ireland. Accidental Awareness during General Anaesthesia in the United Kingdom and Ireland, London. The Royal College of Anaesthetists.; 2014. p. 84-92.

Há várias limitações neste estudo que merecem discussão. Há um interesse crescente sobre o uso de métodos baseados em escore de propensão em estudos observacionais para estimar os efeitos dos tratamentos. O escore de propensão é definido como a probabilidade condicional de designar um indivíduo para um determinado protocolo de tratamento considerando um vetor de covariáveis mensuradas.99 D'Agostino RB. Propensity score methods for bias reduction in the comparison of a treatment to a non-randomized control group. Stat Med. 1998;17:2265-81.,1010 Rubin DB, Estimating causal effects from large data sets using propensity scores. Ann Intern Med. 1997;127:757-63. Para minimizar o efeito do viés de seleção nos resultados, usamos o escore de propensão correspondente para as características clínicas para reduzir a distorção causada por fatores de confusão. Contudo, este foi um estudo retrospectivo; portanto, as variáveis não mensuradas ainda podem confundir os resultados. Usamos dados do registro institucional de anestesia que inclui apenas a informação mínima essencial sobre cada caso, e não os detalhes precisos. Portanto, não obtivemos muitas das variáveis que poderiam ter afetado a memória durante a extubação traqueal. Porém, nossas práticas anestésicas foram relativamente constantes durante o período de amostragem, de modo que os efeitos das variáveis não mensuradas provavelmente foram mínimos. Dados sobre a função neuromuscular durante a extubação traqueal também não estavam disponíveis, um determinante importante de experiência desagradável durante a emergência da anestesia.11 Pandit JJ, Andrade J, Bogod DG, et al. The 5th National Audit Project (NAP5) on accidental awareness during general anaesthesia: summary of main findings and risk factors. Anaesthesia. 2014;69:1089-101.,22 Palmer JHM, O'Sullivan EP, Radcliffe JJ. Chapter 10 AAGA during extubation and emergence. In: Pandit JJ, Cook TM, editors. NAP5 5th National Audit Project of The Royal College of Anaesthetists and the Association of Anaesthetists of Great Britain and Ireland. Accidental Awareness during General Anaesthesia in the United Kingdom and Ireland, London. The Royal College of Anaesthetists.; 2014. p. 84-92. Mas os anestesistas experientes devem ter supervisionado atentamente o processo de emergência. Assim, supõe-se que a capacidade motora durante a extubação traqueal foi equivalente, tanto no tratamento por residentes quanto no tratamento por anestesistas experientes. A incidência de memória durante a extubação traqueal neste estudo (773:11.529) foi consideravelmente maior em comparação com o relato do 5th National Audit Project (1:69.200 ou 1:35.000).22 Palmer JHM, O'Sullivan EP, Radcliffe JJ. Chapter 10 AAGA during extubation and emergence. In: Pandit JJ, Cook TM, editors. NAP5 5th National Audit Project of The Royal College of Anaesthetists and the Association of Anaesthetists of Great Britain and Ireland. Accidental Awareness during General Anaesthesia in the United Kingdom and Ireland, London. The Royal College of Anaesthetists.; 2014. p. 84-92. Acreditamos que a razão pode ser porque não distinguimos recordação de memória implícita ou explícita. Um estudo japonês anterior, que usou o mesmo questionário sobre o tratamento da anestesia, relatou quase a mesma taxa de incidência (10,1%).44 Takahashi M, Nakahashi K, Karashima Y, et al. The memory of tracheal extubation during emergence from general anesthesia. Masui (Jpn J Anesthesiol). 2001;50:613-8 [in Japanese with English abstract]. Não houve administração de pré-medicação neste estudo, o que pode explicar a incidência relativamente elevada de consciência. Finalmente, um número considerável de pacientes foi excluído do estudo. Porém, os pacientes excluídos não podem ter afetado os resultados porque a exclusão foi feita de acordo com os critérios objetivos e os dados que faltaram foram pelo menos randomizados.

Conclusão

Quando supervisionadas por um anestesista, as extubações feitas por residentes não são mais propensas a resultar em recordação que as extubações feitas por anestesista.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    15 Dez 2015
  • Aceito
    23 Fev 2016
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