Acessibilidade / Reportar erro

Perda visual conversiva em pós-operatório de cirurgia de coluna: relato de caso

Resumo

Justificativa e objetivo

Pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos espinhais podem evoluir com perda visual pós-operatória. Apresentamos quadro de perda visual bilateral total em paciente que, apesar de apresentar fatores de risco clínicos e cirúrgicos para lesão orgânica, evoluiu com distúrbio visual conversivo.

Relato de caso

Masculino, 39 anos; 71 kg; 1,72 m; ASA I, admitido para realização de artrodese e discectomia em L4-L5 e L5-S1. Venóclise, cardioscopia, oximetria, PANI; indução com remifentanil, propofol e rocurônio; intubação com TOT 8,0 mm seguida por capnografia e diurese por sondagem vesical. Manutenção em anestesia venosa total alvo-controlada. Durante fixação e laminectomia, evoluiu com importante sangramento e choque hipovolêmico. Após 30 minutos obteve-se hemostasia e estabilidade hemodinâmica com infusão de noradrenalina, expansão volêmica e hemoderivados. Na UTI, evoluiu com confusão mental, fraqueza em membros e perda visual bilateral. Não foi possível identificar achados clínicos, laboratoriais ou de imagem para lesão orgânica. Evoluiu com episódios de ansiedade, labilidade emocional e distúrbio de linguagem; foi aventada hipótese de síndrome conversiva com componente visual após avaliação psiquiátrica. Apresentou melhoria total de sintomas visuais após educação e introdução de baixas doses de antipsicótico, antidepressivo e benzodiazepínico. Houve regressão dos demais sintomas com alta no décimo segundo dia pós-operatório. Encontrava-se assintomático após 60 dias.

Conclusões

Distúrbios conversivos podem apresentar diversos sinais e sintomas de origem nãoorgânica, incluindo componente visual. Destaca-se que a ocorrência desse tipo de disfunçãovisual no pós-operatório de cirurgias espinhais é evento raro e deve ser lembrado como diag-nóstico diferencial.

PALAVRAS-CHAVE
Anestesia geral; Cegueira; Transtorno conversivo; Laminectomia; Decúbito ventral

Abstract

Background and objective

Patients undergoing spinal surgeries may develop postoperative visual loss. We present a case of total bilateral visual loss in a patient who, despite having clinical and surgical risk factors for organic lesion, evolved with visual disturbance due to conversion disorder.

Case report

A male patient, 39 years old, 71 kg, 1.72 m, ASA I, admitted to undergo fusion and discectomy at L4-L5 and L5-S1. Venoclysis, cardioscopy, oximetry, NIBP; induction with remifentanil, propofol and rocuronium; intubation with ETT (8.0 mm) followed by capnography and urinary catheterization for diuresis. Maintenance with full target-controlled intravenous anesthesia. During fixation and laminectomy, the patient developed severe bleeding and hypovolemic shock. After 30 min, hemostasis and hemodynamic stability was achieved with infusion of norepinephrine, volume expansion, and blood products. In the ICU, the patient developed mental confusion, weakness in the limbs, and bilateral visual loss. It was not possible to identify clinical, laboratory or image findings of organic lesion. He evolved with episodes of anxiety, emotional lability, and language impairment; the hypothesis of conversion syndrome with visual component was raised after psychiatric evaluation. The patient had complete resolution of symptoms after visual education and introduction of low doses of antipsychotic, antidepressant, and benzodiazepine. Other symptoms also regressed, and the patient was discharged 12 days after surgery. After 60 days, the patient had no more symptoms.

Conclusions

Conversion disorders may have different signs and symptoms of non-organic origin,including visual component. It is noteworthy that the occurrence of this type of visual dysfunc-tion in the postoperative period of spinal surgery is a rare event and should be remembered asa differential diagnosis.

KEYWORDS
General anesthesia; Blindness; Conversion disorder; Laminectomy; Decubitus ventral

Introdução

Pacientes submetidos a intervenções cirúrgicas na coluna vertebral podem raramente evoluir com perda visual pós-operatória.11 Katz DA, Karlin LI. Visual field defect after posterior spine fusion. Spine. 2005;30:E83-5. Os fatores etiológicos relacionados a essas lesões têm sido descritos em sua maioria como de caráter orgânico, com identificação objetiva da lesão por meio de exame clínico e de imagem.22 Blauth CI, Arnold JV, Schulenberg WE, et al. Cerebral microembolism during cardiopulmonary bypass: retinal microvascular studies in vivo with fluorescein angiography. J Thorac Cardiovasc Surg. 1988;95:668-76.

3 Ozcan MS, Praetel C, Bhatti T, et al. The effect of body inclination during prone positioning on intraocular pressure in awake volunteers: a comparison of two operating tables. Anesth Analg. 2004;99:1152-8.

4 Johnson LJ, Arnold AC. Incidence of nonarteritic and arteritic anterior ischemic optic neuropathy: a population-based study in the state of Missouri and Los Angeles County, California. J Clin Neuroophthalmol. 1994;14:38-44.

5 Schobel GA, Schmidbauer M, Millesi W, et al. Posterior ischemic optic neuropathy following bilateral radical neck dissection. Int J Oral Maxillofac Surg. 1995;24:283-7.
-66 Newman MF, Mathew JP, Grocott HP, et al. Central nervous system injury associated with cardiac surgery. Lancet. 2006;368:694-703.

Existem, contudo, situações em que não é possível a identificação de uma causa orgânica para a perda visual.77 Bruce BB, Newman NJ. Functional visual loss. Neurol Clin. 2010;28:789-802. Nessas situações o déficit é descrito como de caráter "funcional". Esse termo visa a agregar as seguintes condições: transtorno conversivo (somatoforme), transtorno factício e de simulação.77 Bruce BB, Newman NJ. Functional visual loss. Neurol Clin. 2010;28:789-802.,88 Berg KT, Harrison AR, Lee MS. Perioperative visual loss in ocular and nonocular surgery. Clin Ophthalmol. 2010;4:531-46. Em comparação com os transtornos factícios e de simulação, os sintomas conversivos não são intencionais. Entretanto, muitas vezes essa diferenciação é difícil, necessitando da perícia de equipe de psiquiatria experiente.

Este relato visa a chamar atenção para inclusão da perda visual de origem conversiva como raro diagnóstico diferencial em casos de perda visual pós-operatória. Nesses casos, a presença de alto nível de suspeição associada à avaliação neuroftalmológica capaz de excluir presença de sinais positivos para lesão orgânica é fundamental na obtenção do diagnóstico e tratamento precoces.

Relato de caso

Paciente masculino, 39 anos; 71 kg; 1,72 m; apresentava histórico de radiculopatia com déficit motor persistente em membro inferior esquerdo, foi admitido para artrodese e discectomia dos níveis de L4-L5 e L5-S1.

Na avaliação pré-anestésica não tinha comorbidades, alergias ou cirurgias prévias. Negava uso contínuo de medicação e apresentava exames laboratoriais normais. Ressonância magnética (RM) evidenciava hérnia foraminal extrusa à esquerda nos níveis de L4-L5 e L5-S1.

Após venóclise com extracath 16 G e monitoração com cardioscopia em DII e V5, oximetria de pulso, monitor de bloqueio neuromuscular e pressão não invasiva, fez-se indução anestésica com remifentanil (0,5 mcg.kg-1.min-1), lidocaína 2% sem vasoconstritor (2 mL), propofol (4 mcg.mL-1) e rocurônio (50 mg). Intubação orotraqueal por laringoscopia direta com tubo 8,0 mm com balonete. Mantido em anestesia venosa total alvo controlada com propofol (2-2,5 mcg.mL-1) e remifentanil (0,05-0,5 mcg.kg-1.min-1). Monitoração complementar com capnografia e sondagem vesical após indução anestésica.

Paciente foi posicionado em decúbito ventral em suporte de Wilson com face apoiada em rodilha sem compressão direta dos globos oculares, sendo realizada revisão periódica do posicionamento ao longo da cirurgia.

Durante a fixação dos pedículos e laminectomia, observou-se sangramento de grande monta. Iniciada expansão volêmica com cristaloides associada a infusão de ácido aminocapróico - 5 g em 1 hora seguido de 1 g.h-1 até o fim da cirurgia. Evoluiu com choque hipovolémico hemorrágico (frequência cardíaca de 150 bpm e pressão arterial de 60 × 40 mmHg). Administrados 8.500 mL de cristaloides, dois concentrados de hemáceas e infusão de noradrenalina (0,1-0,3 mcg.kg-1.min-1), com resolução do quadro após 30 minutos. Procedimento cirúrgico com seis horas de duração e perda sanguínea total estimada em 2.000 mL. Obtida hemostasia satisfatória ao término da cirurgia. Acesso venoso central e pressão arterial invasiva realizadas apenas ao fim do procedimento, devido a posicionamento em decúbito ventral durante transoperatório.

Enviado para Unidade de Terapia Intensiva (UTI) entubado e em uso de noradrenalina (0,1 mcg.kg-1.min-1). No pós-operatório (PO) imediato necessitou de expansão volêmica adicional com 1.000 mL de cristaloides, um concentrado de hemácias e manutenção de baixa dose de noradrenalina. Exames laboratoriais revelaram hipocalemia e hipocalcemia; déficits que foram adequadamente corrigidos. No fim do primeiro dia PO encontrava-se estável e sem suporte de droga vasoativa, sendo extubado com sucesso. Como parte de estratégia para analgesia multimodal, foi iniciada pregabalina via oral 75 mg de 12/12 h e morfina endovenosa 10 mg de 4/4 h.

No segundo dia PO apresentou discreta confusão mental e redução da força em membros superiores e inferior esquerdo. Solicitados acompanhamento da neurologia e ressonância magnética de crânio, que não mostrou alterações anatômicas que justificassem o quadro. Optou-se pela suspensão da pregabalina e da morfina por possível associação com a alteração cognitiva.

No terceiro dia PO apresentava persistência da confusão mental, fraqueza motora e discreto grau de amnésia anterógrada. Passou a referir déficit visual total, foi solicitada avaliação oftalmológica. Ao exame, negava percepção de estímulo visual em ambos os olhos, com ectoscopia, ducção, vergência e mapeamento da retina sem alterações; pupilas com reflexo fotomotor sem alterações. Solicitada angioressonancia de crânio e doppler de carótidas, ambos sem alterações sugestivas de lesões orgânicas. Iniciado acompanhamento e tratamento fisioterápico para auxiliar em recuperação motora.

Recebeu alta da UTI no fim do terceiro dia PO com parâmetros laboratoriais dentro da normalidade e sem queixa de dor expressiva (um a dois na escala numérica verbal). No quarto dia PO evoluiu com insônia, agitação psicomotora, labilidade emocional (choroso e ansioso), desejo de alta hospitalar, distúrbio de linguagem (fala "sussurrante" e "infantilizada"), manutenção de déficits motores e persistência de déficit visual total.

Observaram-se incongruências comportamentais, tais como incapacidade de opor resistência à movimentação passiva dos membros, mas com capacidade de levantar e deambular com auxílio, acompanhar pessoas com olhar e identificar cores de objetos. Submetido a avaliação da psiquiatria, que aventou hipótese de síndrome conversiva com perda visual de origem conversiva, sendo iniciados haloperidol (0,5 mg de 12/12 h) e escitalopram (5 mg.dia-1) após orientação familiar e do paciente, que não aderiu à psicoterapia indicada pela equipe como parte do tratamento multimodal.

Evoluiu no dia seguinte com recuperação completa da acuidade visual, mantendo episódios intermitentes de ansiedade e agitação psicomotora (principalmente durante a noite) ao longo do quinto e sexto dia PO, sendo acrescentado diazepam (5 mg.noite-1).

Permaneceu internado até o décimo segundo dia PO, com recuperação progressiva dos demais sintomas conversivos. Na alta, quadro clínico resumia-se apenas a discreto déficit motor e parestesia restritos aos dermátomos de L4-S1 de membro inferior esquerdo, sintomas referidos no pré-operatório. Acompanhamento ambulatorial com psiquiatria, fisioterapia e equipe cirúrgica. Manteve uso contínuo de escitalopram (5 mg.dia-1). Após 60 dias de seguimento ambulatorial, apresentava-se sem déficit visual, cognitivo ou motor.

Discussão

Perda visual já foi descrita como complicação nos pós-operatório de diversas cirurgias, geralmente com recuperação restrita.99 Roth S, Thisted RA, Erickson JP, et al. Eye injuries after non ocular surgery; a study of 60,965 anesthetics from 1988 to 1992. Anesthesiology. 1996;85:1020-7.,1010 Shmygalev S, Heller AR. Perioperative visual loss after nonocular surgery. Anaesthesist. 2011;60:683-94. Contudo, sua ocorrência é rara com incidência de até 0,2% após cirurgias espinhais.88 Berg KT, Harrison AR, Lee MS. Perioperative visual loss in ocular and nonocular surgery. Clin Ophthalmol. 2010;4:531-46.

Devido provavelmente ao conhecimento incompleto de sua etiologia, nem sempre é possível a identificação inequívoca de um fator causal.1111 Kawaguchi M, Hayashi H, Kurita N, et al. Postoperative visual disturbances after nonophthalmic surgery. Masui. 2009;58:952-61.,1212 Grover V, Jangra K. Perioperative vision loss: a complication to watch out. J Anaesthesiol Clin Pharmacol. 2012;28:11-6. Entretanto, as principais condições orgânicas implicadas em sua patogênese são: isquemia retiniana,22 Blauth CI, Arnold JV, Schulenberg WE, et al. Cerebral microembolism during cardiopulmonary bypass: retinal microvascular studies in vivo with fluorescein angiography. J Thorac Cardiovasc Surg. 1988;95:668-76.,33 Ozcan MS, Praetel C, Bhatti T, et al. The effect of body inclination during prone positioning on intraocular pressure in awake volunteers: a comparison of two operating tables. Anesth Analg. 2004;99:1152-8. neuropatia óptica isquêmica anterior e posterior44 Johnson LJ, Arnold AC. Incidence of nonarteritic and arteritic anterior ischemic optic neuropathy: a population-based study in the state of Missouri and Los Angeles County, California. J Clin Neuroophthalmol. 1994;14:38-44.,55 Schobel GA, Schmidbauer M, Millesi W, et al. Posterior ischemic optic neuropathy following bilateral radical neck dissection. Int J Oral Maxillofac Surg. 1995;24:283-7. e cegueira cortical.66 Newman MF, Mathew JP, Grocott HP, et al. Central nervous system injury associated with cardiac surgery. Lancet. 2006;368:694-703. O déficit visual pode ser uni ou bilateral, ocorrer em diversos graus de intensidade, acometendo indistintamente ambos os sexos. Os principais fatores de risco identificados são: cirurgias prolongadas, anemia, hipotensão arterial, hipóxia, aterosclerose, hipervolemia e compressão ocular direta.1313 Lee L, Roth S, Todd M, et al. Risk factor associated with ischemic optic neuropathy after spinal fusion surgery. Anesthesiology. 2012;116:15-24.,1414 Apfelbaum JL, Roth S, Connis RT, et al. Practice advisory for perioperative visual loss associated with spine surgery: an updated report by the American Society of Anesthesiologists Task Force on Perioperative Visual Loss. Anesthesiology. 2012;116:274-85. Algumas medicações usadas no perioperatório podem levar a alterações visuais, a exemplo dos anticonvulsivantes e opioides. Contudo, nesses casos, tende a ocorrer melhora mediante suspensão destas drogas.1515 Toth C. Pregabalin: latest safety evidence and clinical implications for the management of neuropathic pain. Ther Adv Drug Saf. 2014;5:38-56.

Apesar deste paciente apresentar fatores de risco para perda visual orgânica (sangramento com hipotensão, cirurgia prolongada e grande reposição volêmica),1313 Lee L, Roth S, Todd M, et al. Risk factor associated with ischemic optic neuropathy after spinal fusion surgery. Anesthesiology. 2012;116:15-24.,1414 Apfelbaum JL, Roth S, Connis RT, et al. Practice advisory for perioperative visual loss associated with spine surgery: an updated report by the American Society of Anesthesiologists Task Force on Perioperative Visual Loss. Anesthesiology. 2012;116:274-85. não foi possível identificar lesão tecidual em sua avaliação oftalmológica, exames laboratoriais ou de imagem. Vale ressaltar que algumas dessas alterações necessitam de dias a semanas para se expressar. Contudo, certos aspectos do quadro clínico deste doente (labilidade emocional, distúrbio de linguagem, fraqueza motora não relacionada ao nível cirúrgico e perda visual com particularidades incongruentes) chamaram atenção para a hipótese de síndrome conversiva.

A síndrome conversiva caracteriza-se por sintomas neurológicos sem correlação com doença neurológica, mas que causa desconforto ou prejuízo funcional ao doente.1616 American Psychiatric Association. Diagnostic and statistical manual of mental disorders (DSM-5®). American Psychiatric Pub; 2013. Pacientes jovens, do sexo feminino e com baixo nível socioeconômico são os mais susceptíveis; na população geral estima-se incidência de 4 a 12/100.000 habitantes.1717 Carson A, Stone J, Hibberd C, et al. Disability, distress, and unemployment in neurology outpatients with symptoms "unexplained by organic disease". J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2011;82:810-3. Depressão, ansiedade e conflitos interpessoais frequentemente agravam os sintomas, que podem ser compostos por convulsões de origem não epiléptica, fraqueza, paralisia, desordens do movimento, distúrbios de linguagem, sintomas cognitivos e sintomas sensitivos.1818 Stone J, Carson A, Sharpe M. Functional symptoms and signs in neurology: assessment and diagnosis. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2005;76:i2-12.

Dentre os sintomas sensitivos, a perda visual conversiva é relativamente comum e pode incluir borramento visual, diplopia, nistagmo, defeitos de campo visual e completa perda visual.88 Berg KT, Harrison AR, Lee MS. Perioperative visual loss in ocular and nonocular surgery. Clin Ophthalmol. 2010;4:531-46.,1818 Stone J, Carson A, Sharpe M. Functional symptoms and signs in neurology: assessment and diagnosis. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2005;76:i2-12.,1919 Sharpe M, Walker J, Williams C, et al. Guided self-help for functional (psychogenic) symptoms: a randomized controlled efficacy trial. Neurology. 2011;77:564-72. O diagnóstico de perda visual de origem conversiva precisa ser corroborado por exame oftalmológico que demonstre de modo inequívoco função visual normal, além de avaliação psiquiátrica que descarte presença de transtorno factício ou de simulação para ganhos secundários:88 Berg KT, Harrison AR, Lee MS. Perioperative visual loss in ocular and nonocular surgery. Clin Ophthalmol. 2010;4:531-46. conforme ocorrido neste caso.

Quadros conversivos no pós-operatório são eventos incomuns, mas que apresentam bom prognóstico quando adequadamente diagnosticados e tratados. Já foram descritos após grande variedade de procedimentos cirúrgicos, tanto na população adulta quanto na pediátrica.2020 Maddock H, Carley S, McCluskey A. An unusual case of hysterical postoperative coma. Anesthesia. 1999;54:717-8.,2121 Judge A, Spielman F. Postoperative conversion disorder in a pediatric patient. Paediatr Anaesth. 2010;20:1052-4. Apesar de mais frequentemente relacionados a anestesia geral, também podem ocorrer após anestesia locorregional.2222 Chen CS, Lee AW, Karagiannis A, et al. Practical clinical approaches to functional visual loss. J Clin Neurosci. 2007;14:1-7. Neste paciente, foi um importante diagnóstico diferencial, uma vez que apenas houve melhora mediante tratamento específico para a síndrome conversiva.

O diagnóstico exige alto nível de suspeição. Diversos testes simples podem ser aplicados com o intuito de auxiliar na diferenciação de causa orgânica ou conversiva da perda visual.1818 Stone J, Carson A, Sharpe M. Functional symptoms and signs in neurology: assessment and diagnosis. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2005;76:i2-12.,2222 Chen CS, Lee AW, Karagiannis A, et al. Practical clinical approaches to functional visual loss. J Clin Neurosci. 2007;14:1-7. Contudo, nesse paciente, a aplicação destes testes clínicos foi dispensada pela psiquiatria mediante avaliação da história e do quadro clínico global do paciente que apontava fortemente para quadro conversivo.

Estudos observacionais sugerem como primeira linha no tratamento de distúrbios conversivos a educação do paciente quanto ao seu diagnóstico, sempre em busca de se criar uma aliança terapêutica e agregar equipe multidisciplinar.1818 Stone J, Carson A, Sharpe M. Functional symptoms and signs in neurology: assessment and diagnosis. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2005;76:i2-12.,2323 Aybek S, Hubschmid M, Mossinger C, et al. Early intervention for conversion disorder: neurologists and psychiatrists working together. Acta Neuropsychiatr. 2013;25:52-6. Além disso, terapia cognitivo-comportamental e fisioterapia motora, essa última na presença de déficit motor, podem trazer benefícios como tratamento de segunda linha quando o esclarecimento do doente é insuficiente.2424 Goldstein LH, Chalder T, Chigwedere C, et al. Cognitive-behavioral therapy for psychogenic nonepileptic seizures: a pilot RCT. Neurology. 2010;74:1986-94.,2525 Czarnecki K, Thompson JM, Seime R, et al. Functional movement disorders: successful treatment with a physical therapy rehabilitation protocol. Parkinsonism Relat Disord. 2012;18:247-51. Contudo, não é raro haver refratariedade a essas medidas conservadoras nos casos mais graves; nessa situação, sugere-se como terceira linha o emprego de agentes farmacológicos. Os antidepressivos são de uso mais comum,2626 Voon V, Lang AE. Antidepressant treatment outcomes of psychogenic movement disorder. J Clin Psychiatry. 2005;66:1529-34. embora existam relatos do uso efetivo de outras classes de fármacos, como antipsicóticos, anticonvulsivantes e sedativos.2727 Oulis P, Kokras N, Papadimitriou GN, et al. Adjunctive low-dose amisulpride in motor conversion disorder. Clin Neuropharmacol. 2009;32:342-3.

28 Messina A, Fogliani AM. Valproate in conversion disorder: a case report. Case Rep Med. 2010;2010:1-3.
-2929 Stone J, Hoeritzauer I, Brown K, et al. Therapeutic sedation for functional (psychogenic) neurological symptoms. J Psychosom Res. 2014;76:165-8.

Pela gravidade dos sintomas visuais e por recusa a aderir a terapia cognitivo comportamental, optou-se neste caso pelo início imediato de associação medicamentosa com antipsicótico e antidepressivo em baixas doses, para efeito imediato, e manutenção do antidepressivo como proposta de terapia de médio prazo.2626 Voon V, Lang AE. Antidepressant treatment outcomes of psychogenic movement disorder. J Clin Psychiatry. 2005;66:1529-34.

27 Oulis P, Kokras N, Papadimitriou GN, et al. Adjunctive low-dose amisulpride in motor conversion disorder. Clin Neuropharmacol. 2009;32:342-3.

28 Messina A, Fogliani AM. Valproate in conversion disorder: a case report. Case Rep Med. 2010;2010:1-3.
-2929 Stone J, Hoeritzauer I, Brown K, et al. Therapeutic sedation for functional (psychogenic) neurological symptoms. J Psychosom Res. 2014;76:165-8. A recuperação total deste doente está de acordo com a maioria dos relatos nos quais ocorreu diagnóstico e tratamento específicos para a síndrome conversiva.

Perda visual conversiva no PO de cirurgia espinhal é um quadro ainda não descrito. O relato deste caso teve a intenção de alertar os profissionais envolvidos no perioperatório desse tipo de cirurgia para a possibilidade dessa rara ocorrência. Alto nível de suspeição e envolvimento de equipe multiprofissional (anestesiologia, neurologia, oftalmologia, psiquiatria, psicologia, fisioterapia e enfermagem) são pontos-chave para diagnóstico precoce e tratamento eficaz deste tipo de doença, que em geral apresenta bom prognóstico.

References

  • 1
    Katz DA, Karlin LI. Visual field defect after posterior spine fusion. Spine. 2005;30:E83-5.
  • 2
    Blauth CI, Arnold JV, Schulenberg WE, et al. Cerebral microembolism during cardiopulmonary bypass: retinal microvascular studies in vivo with fluorescein angiography. J Thorac Cardiovasc Surg. 1988;95:668-76.
  • 3
    Ozcan MS, Praetel C, Bhatti T, et al. The effect of body inclination during prone positioning on intraocular pressure in awake volunteers: a comparison of two operating tables. Anesth Analg. 2004;99:1152-8.
  • 4
    Johnson LJ, Arnold AC. Incidence of nonarteritic and arteritic anterior ischemic optic neuropathy: a population-based study in the state of Missouri and Los Angeles County, California. J Clin Neuroophthalmol. 1994;14:38-44.
  • 5
    Schobel GA, Schmidbauer M, Millesi W, et al. Posterior ischemic optic neuropathy following bilateral radical neck dissection. Int J Oral Maxillofac Surg. 1995;24:283-7.
  • 6
    Newman MF, Mathew JP, Grocott HP, et al. Central nervous system injury associated with cardiac surgery. Lancet. 2006;368:694-703.
  • 7
    Bruce BB, Newman NJ. Functional visual loss. Neurol Clin. 2010;28:789-802.
  • 8
    Berg KT, Harrison AR, Lee MS. Perioperative visual loss in ocular and nonocular surgery. Clin Ophthalmol. 2010;4:531-46.
  • 9
    Roth S, Thisted RA, Erickson JP, et al. Eye injuries after non ocular surgery; a study of 60,965 anesthetics from 1988 to 1992. Anesthesiology. 1996;85:1020-7.
  • 10
    Shmygalev S, Heller AR. Perioperative visual loss after nonocular surgery. Anaesthesist. 2011;60:683-94.
  • 11
    Kawaguchi M, Hayashi H, Kurita N, et al. Postoperative visual disturbances after nonophthalmic surgery. Masui. 2009;58:952-61.
  • 12
    Grover V, Jangra K. Perioperative vision loss: a complication to watch out. J Anaesthesiol Clin Pharmacol. 2012;28:11-6.
  • 13
    Lee L, Roth S, Todd M, et al. Risk factor associated with ischemic optic neuropathy after spinal fusion surgery. Anesthesiology. 2012;116:15-24.
  • 14
    Apfelbaum JL, Roth S, Connis RT, et al. Practice advisory for perioperative visual loss associated with spine surgery: an updated report by the American Society of Anesthesiologists Task Force on Perioperative Visual Loss. Anesthesiology. 2012;116:274-85.
  • 15
    Toth C. Pregabalin: latest safety evidence and clinical implications for the management of neuropathic pain. Ther Adv Drug Saf. 2014;5:38-56.
  • 16
    American Psychiatric Association. Diagnostic and statistical manual of mental disorders (DSM-5®). American Psychiatric Pub; 2013.
  • 17
    Carson A, Stone J, Hibberd C, et al. Disability, distress, and unemployment in neurology outpatients with symptoms "unexplained by organic disease". J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2011;82:810-3.
  • 18
    Stone J, Carson A, Sharpe M. Functional symptoms and signs in neurology: assessment and diagnosis. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2005;76:i2-12.
  • 19
    Sharpe M, Walker J, Williams C, et al. Guided self-help for functional (psychogenic) symptoms: a randomized controlled efficacy trial. Neurology. 2011;77:564-72.
  • 20
    Maddock H, Carley S, McCluskey A. An unusual case of hysterical postoperative coma. Anesthesia. 1999;54:717-8.
  • 21
    Judge A, Spielman F. Postoperative conversion disorder in a pediatric patient. Paediatr Anaesth. 2010;20:1052-4.
  • 22
    Chen CS, Lee AW, Karagiannis A, et al. Practical clinical approaches to functional visual loss. J Clin Neurosci. 2007;14:1-7.
  • 23
    Aybek S, Hubschmid M, Mossinger C, et al. Early intervention for conversion disorder: neurologists and psychiatrists working together. Acta Neuropsychiatr. 2013;25:52-6.
  • 24
    Goldstein LH, Chalder T, Chigwedere C, et al. Cognitive-behavioral therapy for psychogenic nonepileptic seizures: a pilot RCT. Neurology. 2010;74:1986-94.
  • 25
    Czarnecki K, Thompson JM, Seime R, et al. Functional movement disorders: successful treatment with a physical therapy rehabilitation protocol. Parkinsonism Relat Disord. 2012;18:247-51.
  • 26
    Voon V, Lang AE. Antidepressant treatment outcomes of psychogenic movement disorder. J Clin Psychiatry. 2005;66:1529-34.
  • 27
    Oulis P, Kokras N, Papadimitriou GN, et al. Adjunctive low-dose amisulpride in motor conversion disorder. Clin Neuropharmacol. 2009;32:342-3.
  • 28
    Messina A, Fogliani AM. Valproate in conversion disorder: a case report. Case Rep Med. 2010;2010:1-3.
  • 29
    Stone J, Hoeritzauer I, Brown K, et al. Therapeutic sedation for functional (psychogenic) neurological symptoms. J Psychosom Res. 2014;76:165-8.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2018

Histórico

  • Recebido
    1 Fev 2015
  • Aceito
    3 Mar 2015
Sociedade Brasileira de Anestesiologia R. Professor Alfredo Gomes, 36, 22251-080 Botafogo RJ Brasil, Tel: +55 21 2537-8100, Fax: +55 21 2537-8188 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: bjan@sbahq.org