Acessibilidade / Reportar erro

Eficácia da pré-oxigenação usando respiração em volume corrente: uma comparação dos sistemas Mapleson A, Bain e Circular

Resumo

Justificativa:

A eficácia da pré-oxigenação depende da concentração inspirada de oxigênio, do fluxo de gases, da configuração do circuito respiratório e das características do paciente. Nossa hipótese foi que, no cenário clínico real, no qual o circuito respiratório não é preparado com 100% de oxigênio, os pacientes podem precisar de mais tempo para atingir EtO2 ≥ 90% e essa duração pode ser diferente entre vários circuitos de respiração. Avaliamos, portanto, a eficácia da pré-oxigenação com o uso dos circuitos não preparados Mapleson A, Bain e Circular com volume corrente de respiração com um fluxo de oxigênio de 5 L.min−1 e 10 L.min−1.

Métodos:

Os pacientes foram alocados aleatoriamente em um dos seis grupos, nos quais foram pré-oxigenados com o uso do circuito Mapleson A, Bain ou Circular com um fluxo de O2 de 5 L.min−1 ou 10 L.min−1. O desfecho primário de nosso estudo foi o tempo necessário para atingir EtO2 ≥ 90% com um fluxo de 5 e 10 L.min−1.

Resultados:

Com um fluxo de oxigênio de 5 L.min−1, o tempo para atingir EtO2 ≥ 90% foi significativamente maior com o circuito Bain (3,7 ± 0,67 min) do que com os circuitos Mapleson A e Circular (2,9 ± 0,6 e 3,3 ± 0,97 min, respectivamente). No entanto, com o fluxo de oxigênio de 10 L.min−1 foi significativamente menor e comparável entre os três circuitos respiratórios (2,33 ± 0,38 min com Mapleson; 2,59 ± 0,50 min com Bain e 2,60 ± 0,47 min com o Circular).

Conclusões:

Durante respiração espontânea com volume corrente normal e com um fluxo de oxigênio de 5 L.min−1, o sistema Mapleson A pode pré-oxigenar o paciente de forma ideal dentro de três minutos, enquanto os sistemas Bain e Circular requerem mais tempo. Porém, com um fluxo de O2 de 10 L.min−1, todos os três circuitos respiratórios podem pré-oxigenar o paciente de forma ideal em menos de três minutos.

PALAVRAS-CHAVE
Anestesia; Pré-oxigenação; Circuitos respiratórios; Volume corrente

Abstract

Background:

Efficacy of preoxygenation depends upon inspired oxygen concentration, its flow rate, breathing system configuration and patient characteristics. We hypothesized that in actual clinical scenario, where breathing circuit is not primed with 100% oxygen, patients may need more time to achieve EtO2 ≥ 90%, and this duration may be different among various breathing systems. We thus studied the efficacy of preoxygenation using unprimed Mapleson A, Bain's and Circle system with tidal volume breathing at oxygen flow rates of 5 L.min−1 and 10 L.min−1.

Methods:

Patients were randomly allocated into one of the six groups, wherein they were preoxygenated using either Mapleson A, Bain's or Circle system at O2 flow rate of either 5 L.min−1 or 10 L.min−1. The primary outcome measure of our study was the time taken to achieve EtO2 ≥ 90% at 5 and 10 L.min−1 flow rates.

Results:

At oxygen flow rate of 5 L.min−1, time to reach EtO2 ≥ 90% was significantly longer with Bain's system (3.7 ± 0.67 min) than Mapleson A and Circle system (2.9 ± 0.6, 3.3 ± 0.97 min, respectively). However at oxygen flow rate of 10 L.min−1 this time was significantly shorter and comparable among all the three breathing systems (2.33 ± 0.38 min with Mapleson, 2.59 ± 0.50 min with Bain's and 2.60 ± 0.47 min with Circle system).

Conclusions:

With spontaneous normal tidal volume breathing at oxygen flow rate of 5 L.min−1, Mapleson A can optimally preoxygenate patients within 3 min while Bain's and Circle system require more time. However at O2 flow rate of 10 L.min−1 all the three breathing systems are capable of optimally preoxygenating the patients in less than 3 min.

KEYWORDS
Anesthesia; Preoxygenation; Tidal volume; Breathing systems

Introdução

A pré-oxigenação com 100% de oxigênio antes da indução da anestesia, uma conduta amplamente aceita, aumenta as reservas de oxigênio do corpo e atrasa, assim, o início da dessaturação durante o período apneico após a indução da anestesia e o relaxamento muscular. Sabemos que a pré-oxigenação aumenta em 3-6 minutos o tempo seguro de apneia na maioria dos adultos saudáveis11 Weingart SD, Levitan RM. Preoxygenation and prevention of desaturation during emergency airway management. Ann Emerg Med. 2012;59:165-75.. Na maioria das vezes, para uma pré-oxigenação adequada, os pacientes precisam respirar 100% de oxigênio durante 3-5 minutos ou fazer de 4-8 inspirações profundas (capacidade vital) por 30-60 segundos, respectivamente. A eficácia da pré-oxigenação depende da concentração inspirada de oxigênio, da taxa de fluxo, da configuração do sistema de respiração e das características do paciente22 Machlin HA, Myles PS, Butters PJ, et al. End tidal oxygen measurement compared with patient factor, assessment for determining preoxygenation time. Anaesth Intensive Care. 1993;21:409-13.,33 Benumof JL. Preoxygenation: best method for both efficacy and efficiency? Anesthesiology. 1999;91:603-5.. Muitos dos trabalhos anteriores tiveram como foco as características do paciente que afetam a pré-oxigenação e diferentes métodos como ciclos respiratórios em volume corrente, quatro respirações profundas, oito respirações profundas e capacidade vital22 Machlin HA, Myles PS, Butters PJ, et al. End tidal oxygen measurement compared with patient factor, assessment for determining preoxygenation time. Anaesth Intensive Care. 1993;21:409-13.55 Nimmagada U, Salem MR, Joseph NJ, et al. Efficacy of preoxygenation using tidal volume and deep breathing techniques with and without prior maximal exhalation. Can J Anaesth. 2007;54:448-52..

Mapleson sugeriu que o grau de reinalação durante a respiração espontânea é menor com o sistema Mapleson A do que com o sistema Mapleson D. Essa diferença no grau de reinalação pode afetar a eficácia da pré-oxigenação com diferentes sistemas respiratórios66 Mapleson WW. The elimination of rebreathing in various semi-closed anaesthetic systems. Br J Anaesth. 1954;26:323-32.. Taha et al.77 Taha S, El-Khatib M, Siddik-Sayyid S, et al. Preoxygenation with the Mapleson D system requires higher oxygen flows than Mapleson A or circle systems. Can J Anaesth. 2007;54:141-5. compararam três sistemas respiratórios em voluntários saudáveis e concluíram que o sistema Mapleson A e o sistema Circular preparados com taxa de fluxo de oxigênio de 5 L.min−1 podiam pré-oxigenar adequadamente os pacientes em três minutos (min), enquanto uma taxa de fluxo de oxigênio de 10 L.min−1 foi necessária para atingir uma concentração final de oxigênio fracionado similar com o sistema Mapleson D.77 Taha S, El-Khatib M, Siddik-Sayyid S, et al. Preoxygenation with the Mapleson D system requires higher oxygen flows than Mapleson A or circle systems. Can J Anaesth. 2007;54:141-5. A monitoração da concentração final de oxigênio fracionado (EtO2) é conhecida por ser o melhor marcador para detectar a pré-oxigenação pulmonar ideal22 Machlin HA, Myles PS, Butters PJ, et al. End tidal oxygen measurement compared with patient factor, assessment for determining preoxygenation time. Anaesth Intensive Care. 1993;21:409-13.,88 Myles PS, Heap M, Langley M. Agreement between end-tidal oxygen concentration and the alveolar gas equation: pre and post cardiopulmonary bypass. Anaesth Intensive Care. 1993;21:240-1.. A nossa hipótese foi que, no cenário clínico atual, no qual os pacientes são pré-medicados e os circuitos respiratórios não são preparados com 100% de oxigênio, os pacientes podem precisar de mais tempo para atingir EtO2 ≥ 90% e esse tempo pode ser diferente entre os vários sistemas respiratórios, depende de suas configurações. Portanto, planejamos fazer este estudo com o objetivo de conhecer a eficácia da pré-oxigenação com o uso dos sistemas não preparados Mapleson A, Bain e Circular com volume corrente a taxas de fluxo de oxigênio de 5 L.min−1 e 10 L.min−1.

Material e métodos

Após obter a aprovação do Comitê de Ética de nossa instituição e os termos de consentimento informado assinados, 156 pacientes com estado físico ASA I e II, de ambos os sexos, entre 18 e 60 anos e que foram agendados para procedimento cirúrgico eletivo sob anestesia geral foram incluídos no estudo. Os pacientes que apresentaram dificuldade no ajuste da máscara, estado físico ASA III/V, anormalidade nos testes de função pulmonar (TFP), obesidade mórbida (IMC > 35 kg.m–2) e gravidez foram excluídos.

Os pacientes foram mantidos em jejum (nada por via oral) por oito horas antes da cirurgia e pré-medicados com comprimidos de diazepam (0,1 mg.kg−1) e ranitidina (150 mg) na noite anterior e na manhã da cirurgia. Com o uso de uma tabela de números randômicos gerados por computador, os pacientes foram aleatoriamente alocados em um dos seguintes seis grupos:

  • - Grupo I (M5, n = 27): Os pacientes foram pré-oxigenados com o uso do circuito Mapleson A a uma taxa de fluxo de O2 de 5 L.min−1.

  • - Grupo II (B5, n = 26): Os pacientes foram pré-oxigenados com o uso do sistema Bain a uma taxa de fluxo de O2 de 5 L.min−1.

  • - Grupo III (C5, n = 26): Os pacientes foram pré-oxigenados com o uso do sistema Circular a uma taxa de fluxo de O2 de 5 L.min−1.

  • - Grupo IV (M10, n = 25): Os pacientes foram pré-oxigenados com o uso do circuito Mapleson A a uma taxa de fluxo de O2 de 10 L.min−1.

  • - Grupo V (B10, n = 24): Os pacientes foram pré-oxigenados com o uso do sistema Bain a uma taxa de fluxo de O2 de 10 L.min−1.

  • - Grupo VI (C10, n = 28): Os pacientes foram pré-oxigenados com o uso do sistema Circular a uma taxa de fluxo de O2 de 10 L.min−1.

No centro cirúrgico, todos os pacientes foram monitorados com eletrocardiograma contínuo (ECG), pressão arterial não invasiva (PANI), saturação periférica de oxigênio (SpO2) e temperatura com o uso do monitor multicanal (Datex-Ohmeda S/5 Avance). A linha intravenosa foi estabelecida e a infusão de soro fisiológico normal foi iniciada. O fluxo de O2 foi iniciado a uma taxa de 5 ou 10 L.min−1 com o uso de um dos três sistemas respiratórios. Após 30 segundos, uma máscara facial anatômica bem ajustada foi aplicada ao paciente que foi instruído para respirar normalmente. Amostras dos gases respiratórios por fluxo lateral foram coletadas a partir de saída de amostragem posicionada ao lado da máscara. Fração inspirada de O2 (FiO2), EtO2, SpO2, frequência respiratória (FR) e concentração de dióxido de carbono no fim da expiração (EtCO2) foram registradas a cada 20 segundos com o uso de um monitor de calibração de gases (Datex Ohmeda Anesthesia).

O ponto de corte para a pré-oxigenação alveolar máxima foi definido como a concentração final de oxigênio (EtO2) ≥90% durante quatro respirações consecutivas. Os desvios médio e padrão de FiO2 e os valores de EtO2 obtidos com o sistema Mapleson A, Bain e Circular observados a cada 20 segundos foram comparados a taxas de fluxo de O2 de 5 L.min−1 e 10 L.min−1.

A medida do desfecho primário de nosso estudo foi o tempo necessário para atingir EtO2 ≥ 90% a taxas de fluxo de 5 e 10 L.min−1. Nossos desfechos secundários incluíram o tempo gasto até FiO2 atingir ≥95% nos pacientes com taxa de fluxo de cinco e 10 L.min−1, o número de pacientes que apresentou EtO2 ≥ 90% mais precocemente e frequência respiratória, EtCO2 e EtO2 em todos os tempos mensurados durante o período de estudo.

Resultados

Foram selecionados 166 pacientes para inclusão no estudo. Desses, seis pacientes não atenderam aos critérios de inclusão e quatro pacientes não assinaram o termo de consentimento para participar do estudo. Portanto, 156 pacientes foram incluídos, completaram o protocolo do estudo e foram avaliados (fig. 1).

Figura 1
Fluxograma dos participantes do estudo.

Os seis grupos eram comparáveis quanto a idade, gênero, peso, altura, índice de massa corporal (IMC) e nível de hemoglobina (tabela 1). Todos os grupos também eram comparáveis em relação às médias de frequência respiratória e EtCO2 em todos os tempos mensurados durante o período de estudo.

Tabela 1
Variáveis demográficas

Características dos grupos para FiO2

Com o uso de um fluxo de O2 de 5 L.min−1, a FiO2 do paciente aumentou para ≥ 95% em um tempo significativamente mais longo no grupo B5 em comparação com os grupos M5 e C5. No entanto, esse tempo foi comparável entre os grupos M5 e C5. Com um fluxo de O2 de 10 L.min−1, o tempo necessário para que a FiO2 aumentasse até ≥95% foi comparável em todos os três grupos (tabela 2). O tempo médio para atingir FiO2 ≥ 95% foi comparável entre os grupos M5 e M10 e entre os grupos C5 e C10. No entanto, ao comparar os grupos B5 e B10, uma diferença significativa foi observada no tempo necessário para atingir FiO2 ≥ 95% (tabela 2).

Tabela 2
Tempo para elevação de FiO2 ≥ 95% em fluxos de 5 e 10 L.min-1 (média ± DP)

Características dos grupos para EtO2

Com o uso de um fluxo de O2 de 5 L.min−1, o tempo de pré-oxigenação até atingir o valor de EtO2 ≥ 90% foi significativamente maior no grupo B5 (p = 0,001) em comparação com o grupo M5. No entanto, não houve diferença significativa entre os grupos C5 e M5 e entre os grupos C5 e B5 na análise post-hoc das médias (tabela 3).

Tabela 3
Tempo necessário para atingir EtO2 ≥ 90% com fluxos de 5 e 10 L.min-1 (média ± DP)

Com o uso de um fluxo de O2 de 10 L.min−1, o tempo necessário para que os valores de EtO2 aumentassem para ≥ 90% foi comparável entre os três grupos na análise post-hoc (tabela 3).

Na comparação dos grupos com fluxos de O2 de 5 L.min−1 e 10 L.min−1, descobrimos que o tempo médio para atingir um valor de EtO2 ≥ 90% foi significativamente menor nos grupos com fluxo de 10 L.min−1 em comparação com aqueles com fluxo de 5 L.min−1 (tabela 3).

Na análise adicional de grupos com fluxo de O2 de 5 L.min−1 por estatísticas de log-rank, conforme representado pelo gráfico de Kaplan-Meier na figura 2, ficou óbvio que número significativamente maior de pacientes alcançou EtO2 ≥ 90% no Grupo M5 em comparação com o Grupo C5 (p = 0,007). Com o uso do sistema Mapleson A, 60% dos pacientes alcançaram EtO2 ≥ 90% aos três minutos, em comparação com apenas 17% com o sistema Bain e 23% com o sistema Circular.

Figura 2
Curva de sobrevivência de Kaplan-Meier. Pacientes atingiram EtO2 ≥ 90% a um fluxo de 5 L.min−1 (%).

Perfil de elevação de EtO2 nos grupos

EtO2 aumentou exponencialmente ao longo do tempo com os sistemas Mapleson A (r2 = 0,542), Circular (r2 = 0,569) e Bain (r2 = 0,604). As figuras 3 e 4 mostram a média (± DP) de EtO2 nos diferentes tempos de mensuração durante o período de estudo. O aumento mais significativo de EtO2 ocorreu durante os primeiros 40-80 segundos de pré-oxigenação em todos os grupos, os pacientes do Grupo M10 atingiram EtO2 ≥ 90% mais precocemente.

Figura 3
Média de EtO2 nos diferentes tempos mensurados a um fluxo de 5 L.min−1 (p < 0,05; Mapleson vs. Bain).
Figura 4
Média de EtO2 nos diferentes tempos mensurados a um fluxo de 10 L.min−1 (p > 0,05; Mapleson A vs. Circular; Mapleson A vs. Bain; Circular vs. Bain).

Discussão

Na maioria dos estudos anteriores os autores “lavaram” o sistema respiratório com 100% de oxigênio por alguns minutos antes da pré-oxigenação dos pacientes66 Mapleson WW. The elimination of rebreathing in various semi-closed anaesthetic systems. Br J Anaesth. 1954;26:323-32.,77 Taha S, El-Khatib M, Siddik-Sayyid S, et al. Preoxygenation with the Mapleson D system requires higher oxygen flows than Mapleson A or circle systems. Can J Anaesth. 2007;54:141-5.. No entanto, na prática clínica atual, observa-se que a maioria dos clínicos raramente prepara os sistemas respiratórios com 100% de oxigênio antes de iniciar a pré-oxigenação. Portanto, neste estudo prospectivo e randômico avaliamos a eficácia da pré-oxigenação de três sistemas respiratórios em relação ao tempo, sem preparar os circuitos com 100% de oxigênio. Usamos as duas taxas de fluxo de gás fresco comumente usadas, isto é, 5 L.min−1 e 10 L.min−1. O ponto de corte usado para a pré-oxigenação ideal foi EtO2 ≥ 90%, o que equivale a ≤ 5% de nitrogênio expirado (EtN2).

Como as características respiratórias dos pacientes são conhecidas por afetar o tempo necessário para uma pré-oxigenação adequada, avaliamos o perfil respiratório (frequência respiratória e EtCO2) de nossos pacientes. Descobrimos que a frequência respiratória e a EtCO2 de nossos pacientes foram comparáveis em todos os tempos mensurados durante o período de estudo. Portanto, todas as diferenças no tempo para atingir EtO2 ≥ 90% observadas em nosso estudo foram, provavelmente, devidas a diferenças na configuração do sistema respiratório.

Durante a pré-oxigenação, a configuração dos diferentes sistemas respiratórios não afeta apenas a EtO2 atingida, o que é representativo da concentração de oxigênio alveolar, mas também afeta o aumento da FiO2. Portanto, estudamos o aumento da FiO2 no paciente juntamente com o aumento da EtO2.

Os resultados do nosso estudo mostraram que com um fluxo de O2 de 5 L.min−1 o tempo necessário para o aumento da FiO2 ≥95% foi significativamente maior com o uso do sistema Bain, em comparação com os sistemas Mapleson A e Circular. Isso pode ser explicado pelo maior grau de reinalação com o uso do sistema Bain nesse fluxo de O2. Preparamos os sistemas respiratórios antes de iniciar a pré-oxigenação. Portanto, em comparação com estudos anteriores, nossos resultados mostraram um tempo relativamente mais longo para que a FiO2 apresentasse aumento ≥ 95%. Nossos achados também sugeriram que o sistema respiratório Mapleson A foi mais eficaz em comparação com os outros dois sistemas de pré-oxigenação em pacientes que respiravam espontaneamente em fluxo de O2 de 5 L.min−1.

Não houve diferença significativa no tempo de pré-oxigenação com o uso dos sistemas não preparados Mapleson A, Bain ou Circular com fluxos de O2 de 10 L.min−1. Com um fluxo de O2 de 10 L.min−1, o tempo para atingir EtO2 ≥ 90% foi significativamente menor do que o tempo para atingir EtO2 ≥ 90% a um fluxo de O2 de 5 L.min−1. Isso pode ser devido a menos reinalação com taxas de fluxo maiores.

Taha et al.77 Taha S, El-Khatib M, Siddik-Sayyid S, et al. Preoxygenation with the Mapleson D system requires higher oxygen flows than Mapleson A or circle systems. Can J Anaesth. 2007;54:141-5. também compararam a pré-oxigenação em 13 voluntários saudáveis com os sistemas Mapleson A, Circular e Bain a taxas de fluxo de O2 de 5 L.min−1 e 10 L.min−1. Os autores concluíram que, com um fluxo de oxigênio de 5 L.min−1, a pré-oxigenação foi comparável entre os sistemas Mapleson A e Circular em relação ao tempo; porém, o sistema Bain exigiu um tempo significativamente mais longo. A taxa de fluxo de O2 de 10 L.min−1 é necessária para obter EtO2 semelhante com o sistema Bain88 Myles PS, Heap M, Langley M. Agreement between end-tidal oxygen concentration and the alveolar gas equation: pre and post cardiopulmonary bypass. Anaesth Intensive Care. 1993;21:240-1.. Esses resultados foram quase semelhantes aos de nosso estudo, exceto que, em nosso estudo, a um fluxo de O2 de 5 L.min−1, os sistemas Bain e Circular foram comparáveis entre si e significativamente inferiores ao sistema Mapleson A. Isso pode ser devido a diferenças na metodologia dos estudos. Taha et al.77 Taha S, El-Khatib M, Siddik-Sayyid S, et al. Preoxygenation with the Mapleson D system requires higher oxygen flows than Mapleson A or circle systems. Can J Anaesth. 2007;54:141-5. “lavaram” os sistemas respiratórios com 100% de O2 antes de aplicar as máscaras aos pacientes, o que não foi feito em nosso estudo.

O tempo mais prolongado para EtO2 ≥ 90% com o sistema Bain a 5 L.min−1 pode ser atribuído ao maior grau de reinalação com o seu uso. Durante a ventilação espontânea consciente, a pausa expiratória do paciente pode ser curta; portanto, o fluxo de O2 de 5 L.min−1 pode não ser suficientemente alto para liberar os gases expirados a jusante antes da próxima inspiração. A reinalação é conhecida por ter um efeito de amortecimento tanto no aumento de qualquer novo gás inalado quanto na remoção do gás preexistente. Portanto, a reinalação dos gases expirados atrasa a remoção do nitrogênio dos pulmões. De fato, a reinalação de gás alveolar expirado ocorre a menos que o fluxo de gases frescos (FGF) seja pelo menos duas a três vezes a ventilação minuto do paciente33 Benumof JL. Preoxygenation: best method for both efficacy and efficiency? Anesthesiology. 1999;91:603-5.,66 Mapleson WW. The elimination of rebreathing in various semi-closed anaesthetic systems. Br J Anaesth. 1954;26:323-32.. O aumento da taxa de fluxo de O2 para 10 L.min−1 melhora a FiO2 e a EtO2 obtidas do sistema Bain. O grau de reinalação, como monitorado pela FiO2, com o uso dos diferentes sistemas respiratórios em anestesia, pode afetar a remoção do nitrogênio exalado da capacidade residual funcional (CRF) e, portanto, explicar nossos resultados referentes à pré-oxigenação por diferentes sistemas respiratórios, como evidenciado pela EtO2 do paciente.

A EtO2 aumentou exponencialmente ao longo do tempo durante a pré-oxigenação com os três sistemas respiratórios e o aumento máximo foi observado nos primeiros 40-80 segundos de pré-oxigenação. Esse aumento exponencial da EtO2 é equivalente e reflete a remoção exponencial do nitrogênio durante o período de pré-oxigenação.

Este estudo mostra que a taxa de FGF é um fator significativo para determinar a velocidade da pré-oxigenação bem-sucedida; quanto maior for a taxa de fluxo de O2, mais rápida será a pré-oxigenação. Na prática clínica, o FGF elevado também reduziria a descarga de ar de qualquer máscara facial mal ajustada e ajudaria na pré-oxigenação precoce.

Machlin et al.22 Machlin HA, Myles PS, Butters PJ, et al. End tidal oxygen measurement compared with patient factor, assessment for determining preoxygenation time. Anaesth Intensive Care. 1993;21:409-13. sugeriram que a EtO2 deveria ser usada para determinar o sucesso da pré-oxigenação. A EtO2 não é invasiva e mede diretamente o conteúdo de O2 nos pulmões. A pré-oxigenação bem-sucedida é definida como EtO2 ≥ 90%, o que equivale a ≤ 5% de EtN2. Relatou-se que a maioria dos anestesiologistas não usa EtO2 para monitorar a eficácia da pré-oxigenação, com o uso, em vez disso, de outros fatores, como um período de pré-oxigenação de três minutos (min) ou a saturação arterial de oxigênio. Rassam et al.99 Rassam S, Stacey M, Morris S. How do you preoxygenate your patient? Int J Obstet Anesth. 2005;14:79. também sugeriram que um FGF elevado, com uma vedação hermética da máscara com vistas a uma EtO2 ≥ 90%, deveria ser usado para pré-oxigenar efetivamente os pacientes.

O sucesso da pré-oxigenação depende da respiração espontânea com 100% de O2 para desnitrogenar a CRF dos pulmões e aumentar as reservas de O2. Dillon e Darsie1010 Nimmagadda U, Salem MR, Joseph NJ, et al. Efficacy of preoxygenation with tidal volume breathing: comparison of breathing systems. Anesthesiology. 2000;93:694-8. recomendaram a administração de 100% de oxigênio por 5 min antes da indução de anestesia para evitar a dessaturação após a indução.

No sistema Mapleson A, a válvula APL está localizada proximalmente ao paciente e o FGF é entregue na extremidade da máquina perto do balão reservatório. Essa configuração diminui a reinalação durante a respiração espontânea. Enquanto no sistema Bain, a válvula APL está localizada distalmente, próxima ao balão reservatório, e o FGF é entregue proximalmente ao paciente, o que aumenta a reinalação devido à mistura do FGF com os gases expirados durante a pausa expiratória da respiração. O grau de reinalação que ocorre com o sistema Bain depende, até certo ponto, do padrão da respiração; quanto mais longa for a pausa expiratória, mais eficiente será o sistema de segregação de gás fresco do gás expirado. Com uma frequência respiratória lenta, um tempo suficiente é obtido para preencher o tubo próximo ao paciente com fluxo de gás fresco e diminui assim a reinalação.

O sistema Circular tem um volume de circuito quase igual a CRF de um paciente adulto; portanto, quanto maior for o volume interno do sistema respiratório, maior será a diferença entre as concentrações inspiradas e entregues. O tamanho do recipiente é o determinante mais importante do volume interno do sistema Circular. Assim, durante a pré-oxigenação com o sistema Circular, o nitrogênio deve ser “lavado” tanto do sistema respiratório quanto dos pulmões do paciente. Em nosso estudo, não lavamos os sistemas de respiração com 100% de oxigênio. Isso pode explicar a pré-oxigenação tardia nos pacientes com sistema Circular e baixa taxa de fluxo de oxigênio.

Baraka et al.1111 Baraka A, Brandstater B, Muallam M, et al. Rebreathing in a double T-piece system. Br J Anaesth. 1969;41:47-53. mostraram que, em crianças com respiração espontânea, o FGF igual a um volume minuto pode prevenir de forma adequada a reinalação de CO2 com o uso do sistema respiratório Mapleson A. Em contraste, um FGF igual a dois volumes minutos é necessário para eliminar a reinalação de CO2 ao usar o sistema respiratório Mapleson D. Kain et al.1212 Kain ML, Nunn JF. Fresh gas economics of the Magill circuit. Anesthesiology. 1968;29:964-74. demonstraram que em pacientes adultos que usam o sistema Mapleson A um FGF equivalente ao volume minuto de ventilação alveolar pode prevenir adequadamente a reinalação. Russel et al.1313 Russel GN, Smith CL, Snowden SL, et al. Preoxygenation and parturient patient. Anaesthesia. 1987;42:346-51. estudaram a pré-oxigenação com sistema Circular com fluxos de O2 de 5 L.min−1, 10 L.min−1 e 15 L.min−1 em 20 pacientes agendadas para cesariana eletiva e concluíram que um fluxo de O2 ≥10 L.min−1 foi necessário para a pré-oxigenação ideal das pacientes.

Estudos anteriores investigaram a pré-oxigenação em subconjuntos específicos de indivíduos, tais como voluntários saudáveis, grávidas e pacientes com obesidade mórbida1313 Russel GN, Smith CL, Snowden SL, et al. Preoxygenation and parturient patient. Anaesthesia. 1987;42:346-51.1515 Berthoud MC, Peacock JE, Reilly CS. Effectiveness of preoxygenation in morbidly obese patients. Br J Anaesth. 1991;67:464-6.. Os indivíduos receberam instruções sobre técnicas como respiração de volume corrente ou quatro respirações profundas ou oito respirações profundas e tempo necessário para a pré-oxigenação como dois, três ou cinco minutos. Nenhum dos estudos anteriores comparou diferentes sistemas respiratórios e diferentes taxas de fluxo de O2. Em vez disso, concentraram-se na comparação das técnicas de respiração profunda e volume corrente, no contexto de uma taxa fixa de fluxo de oxigênio em um subconjunto particular de pacientes. Várias técnicas e regimes foram recomendados para fazer a pré-oxigenação. Por muitos anos, a respiração tradicional de volume corrente por 3-5 minutos foi comumente praticada. Na verdade, estudos feitos por Gold et al., Goldenberg et al. e Gambee et al.1616 Gold MI, Duarte I, Muravchick S. Arterial oxygenation in conscious patients after 5 minutes and after 30 seconds of oxygen breathing. Anesth Analg. 1981;60:313-5.1818 Gambee MA, Hertzka RE, Fisher DM. Preoxygenation techniques: comparison of three minutes and four breaths. Anesth Analg. 1987;66:468-70. mostraram que não houve diferença significativa entre a PaO2 alcançada com 3-5 minutos de respiração em volume corrente e quatro respirações profundas por 30 segundos. Chong et al.1919 Chong JL, Chin EY, Chan SY, et al. Denitrogenation in pregnant women. Singapore Med J. 1990;31:327-30. compararam respirações em capacidade vital rápida e respiração em volume corrente e concluíram que as respirações em capacidade vital não resultaram em desnitrogenação efetiva. Os autores recomendaram que pelo menos três minutos de respiração em volume corrente deveriam ser usados para a pré-oxigenação. A maioria desses estudos foi feita com o uso do sistema Circular, com muito poucos estudos com o uso dos sistemas Mapleson A e Bain e a maioria deles preparou os sistemas com uma descarga de100% de oxigênio antes da pré-oxigenação44 Nimmagadda U, Chiravuri SD, Salem MR, et al. Preoxygenation with tidal volume and deep breathing techniques: the impact of duration of breathing and fresh gas flow. Anesth Analg. 2001;92:1337-41.,1414 Chiron B, Laffon M, Ferrandiere M, et al. Standard preoxygenation versus two rapid techniques in pregnant patients. IJOA. 2004;13:11-4.,2020 Norris MC, Kirkland MR, Torjman SMC, et al. Denitrogenation in pregnancy. Can J Anaesth. 1989;36:523-5..

Para acomodar as respirações em capacidade vital, os pesquisadores usaram sistemas respiratórios modificados ou novos em estudos anteriores com respiração profunda44 Nimmagadda U, Chiravuri SD, Salem MR, et al. Preoxygenation with tidal volume and deep breathing techniques: the impact of duration of breathing and fresh gas flow. Anesth Analg. 2001;92:1337-41.,55 Nimmagada U, Salem MR, Joseph NJ, et al. Efficacy of preoxygenation using tidal volume and deep breathing techniques with and without prior maximal exhalation. Can J Anaesth. 2007;54:448-52.,1414 Chiron B, Laffon M, Ferrandiere M, et al. Standard preoxygenation versus two rapid techniques in pregnant patients. IJOA. 2004;13:11-4.. Escolhemos usar a respiração em volume corrente para a pré-oxigenação em nosso estudo. Nosso objetivo foi usar equipamento padrão de acordo com a prática clínica de rotina, de modo que nossos resultados seriam geralmente aplicáveis.

Conclusão

Este estudo mostra que com respiração normal espontânea em volume corrente a um fluxo de oxigênio de 5 L.min−1 o sistema Mapleson A pode pré-oxigenar o paciente de forma ideal em três minutos, enquanto os sistemas Bain e Circular requerem mais tempo. Contudo, a um fluxo de O2 de 10 L.min−1, os três sistemas respiratórios são capazes de pré-oxigenar os pacientes de forma ideal em menos de três minutos.

References

  • 1
    Weingart SD, Levitan RM. Preoxygenation and prevention of desaturation during emergency airway management. Ann Emerg Med. 2012;59:165-75.
  • 2
    Machlin HA, Myles PS, Butters PJ, et al. End tidal oxygen measurement compared with patient factor, assessment for determining preoxygenation time. Anaesth Intensive Care. 1993;21:409-13.
  • 3
    Benumof JL. Preoxygenation: best method for both efficacy and efficiency? Anesthesiology. 1999;91:603-5.
  • 4
    Nimmagadda U, Chiravuri SD, Salem MR, et al. Preoxygenation with tidal volume and deep breathing techniques: the impact of duration of breathing and fresh gas flow. Anesth Analg. 2001;92:1337-41.
  • 5
    Nimmagada U, Salem MR, Joseph NJ, et al. Efficacy of preoxygenation using tidal volume and deep breathing techniques with and without prior maximal exhalation. Can J Anaesth. 2007;54:448-52.
  • 6
    Mapleson WW. The elimination of rebreathing in various semi-closed anaesthetic systems. Br J Anaesth. 1954;26:323-32.
  • 7
    Taha S, El-Khatib M, Siddik-Sayyid S, et al. Preoxygenation with the Mapleson D system requires higher oxygen flows than Mapleson A or circle systems. Can J Anaesth. 2007;54:141-5.
  • 8
    Myles PS, Heap M, Langley M. Agreement between end-tidal oxygen concentration and the alveolar gas equation: pre and post cardiopulmonary bypass. Anaesth Intensive Care. 1993;21:240-1.
  • 9
    Rassam S, Stacey M, Morris S. How do you preoxygenate your patient? Int J Obstet Anesth. 2005;14:79.
  • 10
    Nimmagadda U, Salem MR, Joseph NJ, et al. Efficacy of preoxygenation with tidal volume breathing: comparison of breathing systems. Anesthesiology. 2000;93:694-8.
  • 11
    Baraka A, Brandstater B, Muallam M, et al. Rebreathing in a double T-piece system. Br J Anaesth. 1969;41:47-53.
  • 12
    Kain ML, Nunn JF. Fresh gas economics of the Magill circuit. Anesthesiology. 1968;29:964-74.
  • 13
    Russel GN, Smith CL, Snowden SL, et al. Preoxygenation and parturient patient. Anaesthesia. 1987;42:346-51.
  • 14
    Chiron B, Laffon M, Ferrandiere M, et al. Standard preoxygenation versus two rapid techniques in pregnant patients. IJOA. 2004;13:11-4.
  • 15
    Berthoud MC, Peacock JE, Reilly CS. Effectiveness of preoxygenation in morbidly obese patients. Br J Anaesth. 1991;67:464-6.
  • 16
    Gold MI, Duarte I, Muravchick S. Arterial oxygenation in conscious patients after 5 minutes and after 30 seconds of oxygen breathing. Anesth Analg. 1981;60:313-5.
  • 17
    Goldberg ME, Norris MC, Larijani GE, et al. Preoxygenation in the morbidly obese: a comparison of two techniques. Anesth Analg. 1989;8:520-2.
  • 18
    Gambee MA, Hertzka RE, Fisher DM. Preoxygenation techniques: comparison of three minutes and four breaths. Anesth Analg. 1987;66:468-70.
  • 19
    Chong JL, Chin EY, Chan SY, et al. Denitrogenation in pregnant women. Singapore Med J. 1990;31:327-30.
  • 20
    Norris MC, Kirkland MR, Torjman SMC, et al. Denitrogenation in pregnancy. Can J Anaesth. 1989;36:523-5.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2018

Histórico

  • Recebido
    12 Ago 2016
  • Aceito
    27 Set 2017
Sociedade Brasileira de Anestesiologia R. Professor Alfredo Gomes, 36, 22251-080 Botafogo RJ Brasil, Tel: +55 21 2537-8100, Fax: +55 21 2537-8188 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: bjan@sbahq.org