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O uso de flumazenil para depressão respiratória associada ao benzodiazepínico na recuperação pós-anestésica: riscos e resultados

Resumo

Justificativa e objetivos

Determinar os fatores de risco da administração de flumazenil durante a recuperação pós-anestésica e descrever os desfechos entre os pacientes que receberam flumazenil.

Métodos

Os pacientes admitidos em sala de recuperação pós-anestésica de um grande centro universitário em setor terciário de cuidados pós-cirurgia sob anestesia geral entre 1° de janeiro de 2010 e 30 de abril de 2015 foram identificados e pareados com dois controles cada por idade, sexo e procedimento cirúrgico. Flumazenil foi administrado na fase de recuperação imediatamente após a anestesia geral, de acordo com a avaliação clínica do anestesiologista. Os dados demográficos, dos procedimentos e dos desfechos foram extraídos do registro eletrônico de saúde. A regressão logística condicional para os desenhos do estudo de caso-controle pareado em 1:2 foi usada para avaliar as características associadas ao uso de flumazenil.

Resultados

A incidência da administração de flumazenil em sala de recuperação pós-anestésica foi de 9,9 por 10.000 (95% IC: 8,4-1,6) anestesias gerais. História da apneia obstrutiva do sono (razão de chances [OR] = 2,27; IC 95%: 1,02-5,09), anestesia de longa duração (OR = 1,13; IC 95%: 1,03-1,24 por 30 minutos), uso de anestesia intravenosa total (OR = 6,09; IC de 95%: 2,60-14,25) e uso de benzodiazepínicos (OR = 8,17; IC 95%: 3,71-17,99) foram associados a risco para a administração de flumazenil. Entre os pacientes que receberam midazolam, os casos tratados com flumazenil receberam uma dose mediana mais alta (intervalo interquartil) do que os controles: 3,5 mg (2,0-4,0 mg) vs. 2,0 mg (2,0-2,0 mg), respectivamente (p < 0,001). O uso de flumazenil foi correlacionado com uma taxa maior não prevista de ventilação não invasiva com pressão positiva, permanência mais longa em sala de recuperação pós-anestésica e aumento da taxa de admissões em unidade de terapia intensiva.

Conclusão

Os pacientes que precisaram de flumazenil no pós-operatório receberam uma dose maior de benzodiazepínicos e usaram mais recursos de cuidados da saúde no pós-operatório. O uso mais conservador de benzodiazepínicos no período perioperatório pode melhorar a recuperação e o uso de recursos de cuidados da saúde no pós-operatório.

PALAVRAS-CHAVE
Flumazenil; Benzodiazepínico; Sala de recuperação pós-anestésica; Complicações pós-operatórias

Abstract

Background and objectives

The primary aim was to determine risk factors for flumazenil administration during postanesthesia recovery. A secondary aim was to describe outcomes among patients who received flumazenil.

Methods

Patients admitted to the postanesthesia recovery room at a large, academic, tertiary care facility after surgery under general anesthesia from January 1, 2010, to April 30, 2015, were identified and matched to 2 controls each, by age, sex, and surgical procedure. Flumazenil was administered in the recovery phase immediately after general anesthesia, according to the clinical judgment of the anesthesiologist. Demographic, procedural, and outcome data were extracted from the electronic health record. Conditional logistic regression, accounting for the 1:2 matched-set case-control study designs, was used to assess characteristics associated with flumazenil use.

Results

The incidence of flumazenil administration in the postanesthesia care unit was 9.9 per 10,000 (95% CI, 8.4-11.6) general anesthetics. History of obstructive sleep apnea (Odds Ratio [OR] = 2.27; 95% CI 1.02-5.09), longer anesthesia (OR = 1.13; 95% CI 1.03-1.24 per 30 minutes), use of total intravenous anesthesia (OR = 6.09; 95% CI 2.60-14.25), and use of benzodiazepines (OR = 8.17; 95% CI 3.71-17.99) were associated with risk for flumazenil administration. Among patients who received midazolam, cases treated with flumazenil received a higher median (interquartile range) dose than controls: 3.5 mg (2.0-4.0 mg) vs. 2.0 mg (2.0-2.0 mg), respectively (p < 0.001). Flumazenil use was correlated with a higher rate of unanticipated noninvasive positive pressure ventilation, longer postanesthesia care unit stay, and increased rate of intensive care unit admissions.

Conclusions

Patients who required flumazenil postoperatively had received a higher dosage of benzodiazepines and utilized more postoperative health care resources. More conservative perioperative use of benzodiazepines may improve postoperative recovery and use of health care resources.

KEYWORDS
Flumazenil; Benzodiazepine; Postanesthesia care unit; Postoperative complications

Introdução

Os benzodiazepínicos são uma classe de medicamentos psicoativos usados como agentes ansiolíticos e amnésicos antes ou durante a anestesia ou como um componente da sedação consciente. A administração em excesso, a farmacodinâmica ou farmacocinética alterada e a coadministração de depressores respiratórios podem potencializar os efeitos adversos dos benzodiazepínicos. Em pacientes excessivamente sedados, flumazenil pode ser usado para antagonizar esses efeitos adversos. O flumazenil intravenoso, com efeito de pico em 6-10 minutos (min), atua como um inibidor competitivo no sítio de ligação dos benzodiazepínicos do receptor Tipo A do ácido γ-aminobutírico (GABAA). Como o tempo de ação de flumazenil é menor do que o dos benzodiazepínicos, a ressedação pode ocorrer após a dissipação do efeito da reversão inicial.

As implicações de antagonizar os efeitos dos benzodiazepínicos após a anestesia geral são ambíguas: alguns estudos associaram o uso de flumazenil a escores compostos maiores em testes de função cognitiva e à redução no tempo de recuperação, enquanto outros não relataram diferença no tempo de recuperação e em eventos adversos.11 Mathus-Vliegen EM, de Jong L, Kos-Foekema HA. Significant and safe shortening of the recovery time after flumazenil-reversed midazolam sedation. Dig Dis Sci. 2014;59:1717-25.

2 Pregler JL, Mok MS, Steen SN. Effectiveness of flumazenil on return of cognitive functions after a general anesthetic. Acta Anaesthesiol Sin. 1994;32:153-8.

3 Karakosta A, Andreotti B, Chapsa C, et al. Flumazenil expedites recovery from sevoflurane/remifentanil anaesthesia when administered to healthy unpremedicated patients. Eur J Anaesthesiol. 2010;27:955-9.

4 Liang P, Zhou C, Li KY, et al. Effect of flumazenil on sevoflurane requirements for minimum alveolar anesthetic concentration-awake and recovery status. Int J Clin Exp Med. 2014;15:673-9.
-55 Penninga EI, Graudal N, Ladekarl MB, et al. Adverse events associated with flumazenil treatment for the management of suspected benzodiazepine intoxication: a systematic review with meta-analyses of randomised trials. Basic Clin Pharmacol Toxicol. 2016;118:37-44. Além disso, embora reverta de forma confiável a sedação induzida por benzodiazepínicos, flumazenil tem efeitos complexos sobre a transmissão ventilatória central alterada pelo benzodiazepínico (restaura o volume corrente, mas não a frequência respiratória) e, paradoxalmente, diminui a resposta ventilatória à hipercarbia.66 Mora CT, Torjman M, White PF. Sedative and ventilatory effects of midazolam infusion: effect of flumazenil reversal. Can J Anaesth. 1995;42:677-84.

Ainda é limitada a informação sobre os efeitos da administração de flumazenil durante a recuperação após anestesia geral para tratar depressão respiratória ou excesso de sedação. Além disso, os resultados clínicos entre os pacientes após receber flumazenil durante a recuperação da anestesia são obscuros. O principal objetivo do presente estudo foi determinar os fatores de risco associados à administração de flumazenil durante a recuperação pós-anestesia. Um objetivo secundário foi descrever os desfechos entre os pacientes que receberam flumazenil.

Material e métodos

Este estudo foi aprovado pelo Conselho de Revisão Institucional. Apenas os pacientes que assinaram o termo de autorização para o uso de seus registros médicos em pesquisa foram incluídos (de acordo com o Estatuto de Minnesota 144.295). Um estudo de controle de casos retrospectivos foi usado para avaliar as características pré-operatórias e dos procedimentos, associadas à administração de flumazenil durante a recuperação após a anestesia geral.

População do estudo

Este estudo foi feito em um grande centro acadêmico de cuidados terciários. Os registros médicos institucionais de 1° de janeiro de 2010 a 30 de abril de 2015 foram selecionados eletronicamente para pacientes adultos que receberam flumazenil durante a fase de recuperação após terem sido submetidos à anestesia geral. Para cada paciente indexado que recebeu flumazenil, dois pacientes controles (que receberam anestesia geral durante o mesmo ano, mas não receberam flumazenil) foram identificados a partir do banco de dados eletrônico de prontuários médicos. A correspondência entre os casos e controles incluiu idade (variação de cinco anos), sexo e tipo de procedimento, de acordo com os códigos de procedimentos da Nona Revisão da Classificação Internacional de Doenças, (ICD-9).

Intervenção

Flumazenil foi administrado na fase de recuperação imediatamente após a anestesia geral. Essa fase se estendeu desde o fim do procedimento cirúrgico até a alta da Sala de Recuperação Pós-Anestesia (SRPA). A SRPA contava com enfermeiros registrados e qualificados em recuperação pós-anestesia na fase-1. Caso o parecer de um especialista fosse necessário, o anestesiologista atendente estava prontamente disponível. A administração de flumazenil foi determinada de acordo com o julgamento clínico do anestesiologista. Critérios comuns foram usados para a alta na fase-1 de recuperação,77 Aldrete JA, Kroulik D. A postanesthetic recovery score. Anesth Analg. 1970;49:924-34. juntamente com triagens adicionais para depressão respiratória.88 Gali B, Whalen FX, Schroeder DR, et al. Identification of patients at risk for postoperative respiratory complications using a preoperative obstructive sleep apnea screening tool and postanesthesia care assessment. Anesthesiology. 2009;110:869-77.,99 Gali B, Whalen FX, Gay PC, et al. Management plan to reduce risks in perioperative care of patients with presumed obstructive sleep apnea syndrome. J Clin Sleep Med. 2007;15:582-8. Além disso, um controle aceitável da náusea e um escore de dor inferior a 5 (em escala de 0 a 10, onde 10 = pior dor) eram necessários para a alta. Se os pacientes tivessem história conhecida de Apneia Obstrutiva do Sono (AOS), dispositivos de pressão positiva contínua em vias aéreas seriam usados durante a recuperação, caso indicado.

Coleta de dados

Os dados extraídos do registro eletrônico de saúde incluíram: demografia, comorbidades, variáveis perioperatórias (inclusive pós-operatório) e complicações pós-operatórias dos pacientes. As métricas coletadas incluíram: idade do paciente, sexo, índice de massa corporal, classificação da Sociedade Americana de Anestesiologistas (ASA) do estado físico, história de consumo de benzodiazepínicos ou opioides (ou ambos), doença pulmonar crônica e história de AOS ou resultados positivos para AOS em ferramenta de triagem padronizada.1010 Flemons WW. Clinical practice: obstructive sleep apnea. N Engl J Med. 2002;15:498-504.

Os registros cirúrgicos foram usados para determinar o tipo de procedimento cirúrgico. Os registros anestésicos foram revisados para: (1) técnica anestésica (anestesia geral com ou sem analgesia neuraxial); (2) tipo de anestésico (anestesia venosa total [TIVA] ou volátil); (3) duração da anestesia; (4) dose de midazolam, cetamina, bloqueadores musculares não despolarizantes, reversão com neostigmina (caso indicado) e uso de analgesia sistêmica com opioides. TIVA incluiu apenas pacientes que receberam anestesia exclusivamente intravenosa (sem agentes voláteis). As doses sistêmicas de opioides foram convertidas para doses intravenosas equivalentes de morfina, de acordo com as diretrizes publicadas.1111 Management of cancer pain. Clinical Practice Guideline No. 9. Rockville, MD: Agency for Health Care Policy and Research Publication No. 94-0592; 1994.,1212 Principles of analgesic use in the treatment of acute pain and cancer pain. 4th ed. Glenview, IL: American Pain Society; 1999. p. 45. A duração da recuperação na fase-1 foi considerada como o tempo desde a admissão na SRPA até o momento em que os critérios de alta foram atendidos. Os registros de enfermagem da SRPA foram examinados para a administração de opioides, midazolam, neostigmina, flumazenil ou naloxona e para a admissão em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) a partir da SRPA. Tempo de internação hospitalar, complicações pós-operatórias, transferência não planejada da SRPA para a UTI e mortalidade em 30 dias foram extraídos dos registros médicos.

Análise estatística

Os dados das variáveis contínuas foram expressos em média (DP) ou mediana (intervalo interquartil); as variáveis categóricas foram resumidas como frequência e porcentagem. A regressão logística condicional, que levou em consideração o desenho do estudo de casos e controles pareados 1:2, foi usada para avaliar as características potencialmente associadas à administração de flumazenil. Índice de massa corporal, duração da anestesia e dose de opioide no intraoperatório foram modelados como variáveis contínuas; todas as outras características foram modeladas como variáveis nominais. Os desfechos com a administração de flumazenil foram avaliados como variáveis explicativas para as comparações univariadas; métodos para duas amostras (teste t ou teste da soma das classificações, conforme apropriado) foram usados para as variáveis contínuas e o teste exato de Fisher foi usado para as variáveis categóricas. Embora não ajustados para comparações múltiplas, valores-p bicaudais foram relatados. Um valor-p inferior a 0,05 foi considerado significativo. As análises foram feitas com o software estatístico SAS versão 9.2 (SAS Institute Inc.).

Resultados

Demografia

Foram submetidos à anestesia geral e admitidos em SRPA durante o período do estudo 152.197 pacientes. Desses, 151 receberam flumazenil, o que ocasionou uma incidência da administração de flumazenil de 9,9 por 10.000 (IC de 95% 8,4-11,6) anestesias gerais na SRPA. Dos 151 pacientes que receberam flumazenil, 20 não autorizaram a pesquisa para revisão de seus registros médicos e, portanto, foram excluídos das análises subsequentes.

Análise

A tabela 1 resume o pareamento apropriado entre os casos indexados e os controles por idade, sexo e tipo de procedimento. As comparações univariáveis e a modelagem multivariável ajustada dos fatores clínicos basais e do curso intraoperatório dos casos e controles são apresentadas na tabela 2. Na análise multivariada ajustada, história de AOS, duração anestésica mais longa, manutenção da anestesia com TIVA e uso de benzodiazepínicos foram associados ao aumento da administração de flumazenil (tabela 2). A análise de subgrupos mostrou que os pacientes mantidos com TIVA receberam uma dose média maior de midazolam e uma dose mediana menor de opioides (tabela 2). Do subconjunto de pacientes (casos e controles) que receberam midazolam, aqueles tratados com flumazenil receberam doses médias superiores de midazolam em comparação com os controles: 3,5 mg (2,0-4,0 mg) vs. 2,0 mg (2,0-2,0 mg) (p < 0,001).

Tabela 1
Variáveis pareadas para pacientes que receberam flumazenil durante a recuperação da anestesia e controles pareadosa a Dados contínuos expressos em média (DP); dados categóricos em número de pacientes (porcentagem da amostra).
Tabela 2
Potenciais fatores de risco para receber flumazenil durante a recuperação da anestesiaa a Dados contínuos expressos em média (DP) ou como mediana (intervalo interquartil); dados categóricos em número de pacientes (porcentagem da amostra).

Desfechos

Os cursos pós-operatórios da fase-1 para casos e controles estão resumidos na tabela 3. A administração de flumazenil foi correlacionada com uma incidência maior de ventilação com pressão positiva não invasiva naqueles sem AOS, permanência mais longa em SRPA e aumento da taxa de internação em UTI.

Tabela 3
Desfechos pós-operatórios entre pacientes tratados com flumazenil e controles pareados

Discussão

Como esperado, a principal descoberta deste estudo foi que a administração mais liberal de midazolam foi associada ao aumento das taxas de administração de flumazenil. As associações adicionais incluíram história (ou triagem) de AOS e dois componentes de cuidados perioperatórios: uso de TIVA para manutenção anestésica e duração anestésica mais longa. A administração de flumazenil foi infrequente, mas comparável ao nosso relato anterior da incidência da administração de naloxona durante a fase-1 de recuperação de 2,5 por 1.000 (IC de 95% 7-6,5) anestésicos.1313 Oderda GM, Said Q, Evans RS, et al. Opioid-related adverse drug events in surgical hospitalizations: impact on costs and length of stay. Ann Pharmacother. 2007;41:400-6.,1414 Weingarten TN, Chong EY, Schroeder DR, et al. Predictors and outcomes following naloxone administration during Phase I anesthesia recovery. J Anesth. 2016;30:116-22. Os pacientes tratados com flumazenil precisaram de mais recursos de assistência médica, como manifestado pelo tempo mais longo de recuperação da anestesia na fase-1, aumento da necessidade não prevista de ventilação com pressão positiva não invasiva e taxas mais altas de internações em UTI.

O uso de benzodiazepínicos, especificamente midazolam, como parte da indução da anestesia geral é comum na prática contemporânea. Contudo, exceto por uma diminuição potencialmente favorável do tempo de recuperação na fase-1 referente à propriedade antiemética,1515 Grant MC, Kim J, Page AJ, et al. The effect of intravenous midazolam on postoperative nausea and vomiting: a meta-analysis. Anesth Analg. 2016;122:656-63.,1616 Ahn EJ, Kang H, Choi GJ, et al. The effectiveness of midazolam for preventing postoperative nausea and vomiting: a systematic review and meta-analysis. Anesth Analg. 2016;122:664-76. os efeitos de midazolam na fase-1 da recuperação não receberam ampla atenção na literatura médica. Algumas evidências mostraram que midazolam está associado a um tempo maior de recuperação na fase-1, a episódios de hipoxemia em pacientes cirúrgicos idosos1717 Fredman B, Lahav M, Zohar E, et al. The effect of midazolam premedication on mental and psychomotor recovery in geriatric patients undergoing brief surgical procedures. Anesth Analg. 1999;89:1161-6. e à sedação pós-operatória em adultos mais jovens submetidos a cirurgias ambulatoriais.1818 Richardson MG, Wu CL, Hussain A. Midazolam premedication increases sedation but does not prolong discharge times after brief outpatient general anesthesia for laparoscopic tubal sterilization. Anesth Analg. 1997;85:301-5. Observamos anteriormente que midazolam apresentava uma tendência de associação com o aumento da taxa de episódios de depressão respiratória durante a recuperação da anestesia.1919 Weingarten TN, Bergan TS, Narr BJ, et al. Effects of changes in intraoperative management on recovery from anesthesia: a review of practice improvement initiative. BMC Anesthesiol. 2015;15:54. Também observamos que doses mais elevadas de midazolam durante a anestesia espinhal foram associadas ao aumento das taxas de depressão respiratória durante a recuperação da anestesia.2020 Weingarten TN, Jacob AK, Njathi CW, et al. Multimodal analgesic protocol and postanesthesia respiratory depression during phase I recovery after total joint arthroplasty. Reg Anesth Pain Med. 2015;40:330-6.

A associação entre TIVA e aumento do risco para receber flumazenil foi inesperada. Essa taxa maior de eventos respiratórios ou de excesso de sedação ocorreu a despeito do uso substancialmente menor de opioides em pacientes submetidos à TIVA. Deduzimos que essa relação mostra que os pacientes anestesiados com TIVA receberam midazolam com mais frequência e em doses mais altas do que os anestesiados com agentes voláteis inalatórios. Embora o motivo de uma administração maior de midazolam com TIVA não possa ser determinado retrospectivamente, pode ser que seja devido, em parte, à necessidade de garantir amnésia por preocupação com a incidência maior de recall com TIVA do que com um anestésico volátil balanceado.2121 Errando CL, Sigl JC, Robles M, et al. Awareness with recall during general anaesthesia: a prospective observational evaluation of 4001 patients. Br J Anaesth. 2008;101:178-85. Outra explicação possível é que a eliminação de agentes inalatórios com a respiração pode mais previsivelmente levar à recuperação anestésica em comparação com a polifarmácia que às vezes é usada durante a TIVA.

Também inesperada foi a associação entre a duração anestésica mais longa e a administração de flumazenil. Logicamente, uma duração anestésica mais longa permitiria que os efeitos do benzodiazepínico administrado durante a indução anestésica diminuíssem e, portanto, fossem protetores. Não está claro por que a relação oposta foi observada, mas pode ser por causa dos efeitos cumulativos de um anestésico com meia-vida mais longa na fase-1 da recuperação.

Mais recursos foram necessários para o atendimento de pacientes tratados com flumazenil em comparação com os controles correspondentes. Portanto, reduzir a necessidade da administração de flumazenil deve ter um efeito favorável na eficiência da prática perioperatória. Observamos previamente que a eficiência na SRPA foi aprimorada e que o tempo na fase-1 de recuperação reduziu com uma iniciativa de prática que incluiu menos administração perioperatória de midazolam.1919 Weingarten TN, Bergan TS, Narr BJ, et al. Effects of changes in intraoperative management on recovery from anesthesia: a review of practice improvement initiative. BMC Anesthesiol. 2015;15:54. Isso sugere que uma administração mais conservadora de benzodiazepínicos no período perioperatório pode melhorar os desfechos no pós-operatório imediato. Nossas observações de que TIVA, tempo mais longo de cirurgia e história (ou triagem positiva) de AOS estavam associados ao aumento da administração de flumazenil pode ajudar os anestesiologistas a avaliarem o risco individual e supervisionarem o uso de midazolam. Felizmente, os pacientes que receberam flumazenil não apresentaram prolongamento das internações hospitalares ou aumento das taxas de eventos adversos, diferentemente dos pacientes que precisaram da administração de naloxona durante a anestesia na fase-1.1313 Oderda GM, Said Q, Evans RS, et al. Opioid-related adverse drug events in surgical hospitalizations: impact on costs and length of stay. Ann Pharmacother. 2007;41:400-6.,1414 Weingarten TN, Chong EY, Schroeder DR, et al. Predictors and outcomes following naloxone administration during Phase I anesthesia recovery. J Anesth. 2016;30:116-22.

O excesso de sedação pós-operatória proveniente da administração de benzodiazepínicos foi considerado por outros pesquisadores. Mais especificamente, para eliminar os elementos do excesso de sedação pós-operatória, alguns sugeriram o uso planejado de flumazenil após a anestesia; porém, o efeito clínico desse tratamento preventivo é controverso. Alguns autores relataram escores compostos mais elevados para a função cognitiva com a administração de flumazenil após anestesia geral mantida com midazolam e fentanil,22 Pregler JL, Mok MS, Steen SN. Effectiveness of flumazenil on return of cognitive functions after a general anesthetic. Acta Anaesthesiol Sin. 1994;32:153-8. redução significativa do tempo de recuperação após sedação consciente com midazolam11 Mathus-Vliegen EM, de Jong L, Kos-Foekema HA. Significant and safe shortening of the recovery time after flumazenil-reversed midazolam sedation. Dig Dis Sci. 2014;59:1717-25. e recuperação mais rápida após anestesia com sevoflurano-remifentanil.33 Karakosta A, Andreotti B, Chapsa C, et al. Flumazenil expedites recovery from sevoflurane/remifentanil anaesthesia when administered to healthy unpremedicated patients. Eur J Anaesthesiol. 2010;27:955-9. Em contraste, outros não relataram diferença no tempo de recuperação com a reversão de flumazenil após sevoflurano-sufentanil, apesar de uma reversão parcial dos efeitos hipnóticos44 Liang P, Zhou C, Li KY, et al. Effect of flumazenil on sevoflurane requirements for minimum alveolar anesthetic concentration-awake and recovery status. Int J Clin Exp Med. 2014;15:673-9. e uma associação com eventos adversos do tratamento com flumazenil por suspeita de intoxicação por benzodiazepínico (overdose).55 Penninga EI, Graudal N, Ladekarl MB, et al. Adverse events associated with flumazenil treatment for the management of suspected benzodiazepine intoxication: a systematic review with meta-analyses of randomised trials. Basic Clin Pharmacol Toxicol. 2016;118:37-44.

A natureza retrospectiva do desenho do estudo tem várias limitações inerentes, inclusive um potencial para a obtenção de dados incompletos e um potencial para vieses que afetam a seleção dos controles, o que limita sua capacidade preditiva. Além disso, a administração de flumazenil foi usada como marcador para depressão respiratória ou excesso de sedação exigindo intervenção e pode ser um substituto imperfeito. Possivelmente, casos de menor gravidade foram tratados com métodos mais conservadores e, portanto, não foram identificados com nossa coleta de dados. Outra fonte de viés é que a decisão de administrar flumazenil foi deixada a critério do anestesiologista atendente. Consequentemente, este estudo pode ter subestimado a taxa verdadeira de sedação pós-operatória associada ao benzodiazepínico ou de depressão respiratória. Também há limitações para o uso rotineiro de aparelhos de pressão positiva individuais para o diagnóstico de AOS e a implantação desses aparelhos individuais durante a recuperação da anestesia. Isso introduz uma limitação na interpretação do registro de ventilação imprevista com pressão positiva não invasiva para o tratamento da depressão respiratória na SRPA. Por fim, o desenho pareado deste estudo impediu uma avaliação das potenciais associações com idade, sexo ou tipo de cirurgia.

Conclusão

Descobriu-se que a administração de flumazenil durante a recuperação anestésica é um marcador de depressão respiratória secundária ao uso maior de benzodiazepínicos. A necessidade para a administração de flumazenil foi associada à história de AOS, TIVA e maior duração anestésica e resultou em taxas mais altas de ventilação imprevista com pressão positiva não invasiva, mais tempo em sala de recuperação e aumento das taxas de internação em UTI. O uso reduzido de benzodiazepínicos no perioperatório, especialmente durante TIVA, pode diminuir a necessidade de intervenções com flumazenil no pós-operatório e o uso de recursos no atendimento médico.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2018

Histórico

  • Recebido
    12 Maio 2017
  • Aceito
    27 Dez 2017
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