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A aplicação desnecessária de cateterização venosa central em pacientes cirúrgicos

Resumo

Justificativa e objetivo

No perioperatório, os médicos ocasionalmente encontram situações nas quais um cateter venoso central colocado pré-operativamente se revela desnecessário. O objetivo deste estudo retrospectivo foi identificar a colocação desnecessária de um cateter venoso central e determinar os fatores associados à colocação desnecessária de cateter venoso central.

Métodos

Com os dados da vigilância institucional de cateter venoso central no período perioperatório, analisamos 1.141 pacientes submetidos à colocação de cateter venoso central. Revisamos o registro de cateter venoso central e os prontuários médicos e alocamos os pacientes registrados entre aqueles com colocação adequada ou desnecessária de cateter venoso central, de acordo com as indicações padronizadas. Uma análise multivariada foi usada para identificar os fatores associados à colocação desnecessária de cateter venoso central.

Resultados

Em 107 pacientes, que representaram 9,38% da população global, identificamos a colocação desnecessária de cateter venoso central. A análise multivariada identificou emergências à noite ou em feriados (razão de chances [OR] 2,109; 95% de intervalo de confiança [IC 95%] 1,021-4,359), baixo risco cirúrgico (OR = 1,729; IC 95%: 1,038-2,881), curta duração da anestesia (OR = 0,961/10 min de aumento; IC 95%: 0,945-0,979) e assistência pós-operatória fora da unidade de terapia intensiva (OR = 2,197; IC 95%: 1,402-3,441), todos independentemente associados à aplicação desnecessária de cateterização. Complicações relacionadas à colocação de cateter venoso central, quando esse procedimento revelou-se desnecessário, foram frequentemente observadas (9/107), em comparação com a necessidade da execução desse procedimento (40/1.034) (p = 0,032, OR = 2,282; IC 95%: 1,076-4,842). Porém, o modelo logístico multivariável subsequente não manteve essa diferença significativa (p = 0,0536, OR = 2,1515; IC 95%: 0,988-4,526).

Conclusão

É preciso que uma análise mais cuidadosa seja feita sobre a colocação de cateter venoso central em casos de cirurgia de emergência à noite ou em feriados, durante cirurgia de baixo risco, em anestesia de curta duração ou em casos que não requeiram terapia intensiva no pós-operatório.

PALAVRAS-CHAVE
Cateter venoso central; Colocação de cateter; Aplicação desnecessária de cateter

Abstract

Background and objectives

Perioperative physicians occasionally encounter situations where central venous catheters placed preoperatively turn out to be unnecessary. The purpose of this retrospective study is to identify the unnecessary application of central venous catheter placement and determine the factors associated with the unnecessary application of central venous catheter placement.

Methods

Using data from institutional perioperative central venous catheter surveillance, we analysed data from 1,141 patients who underwent central venous catheter placement. We reviewed the central venous catheter registry and medical charts and allocated registered patients into those with the proper or with unnecessary application of central venous catheter according to standard indications. Multivariate analysis was used to identify factors associated with the unnecessary application of central venous catheter placement.

Results

In 107 patients, representing 9.38% of the overall population, we identified the unnecessary application of central venous catheter placement. Multivariate analysis identified emergencies at night or on holidays (odds ratio [OR] 2.109, 95% confidence interval [95% CI] 1.021-4.359), low surgical risk (OR = 1.729, 95% CI 1.038-2.881), short duration of anesthesia (OR = 0.961/10 min increase, 95% CI 0.945-0.979), and postoperative care outside of the intensive care unit (OR = 2.197, 95% CI 1.402-3.441) all to be independently associated with the unnecessary application of catheterization. Complications related to central venous catheter placement when the procedure consequently turned out to be unnecessary were frequently observed (9/107) compared with when the procedure was necessary (40/1034) (p = 0.032, OR = 2.282, 95% CI 1.076-4.842). However, the subsequent multivariate logistic model did not hold this significant difference (p = 0.0536, OR = 2.115, 95% CI 0.988-4.526).

Conclusions

More careful consideration for the application of central venous catheter is required in cases of emergency surgery at night or on holidays, during low risk surgery, with a short duration of anesthesia, or in cases that do not require postoperative intensive care.

KEYWORDS
Central venous catheter; Catheter placement; The unnecessary application of catheter

Introdução

O cateter venoso central (CVC) fornece acesso venoso confiável em várias situações médicas necessárias. As indicações habituais para a inserção de CVC incluem a necessidade de acesso venoso (inclusive a necessidade da coleta frequente de amostras de sangue), monitoramento, estimulação cardíaca, hemodiálise e terapias intravenosas administradas centralmente (por exemplo, inotrópicos, vasopressores, nutrição parenteral total, quimioterapia e antibióticos).11 Irwin RS, Rippe JM, Lisbon A, et al. Procedures, techniques and minimally invasive monitoring in intensive care medicine. 4th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer Health/Lippincott Williams & Wilkins; 2008. No entanto, a inserção de CVC está associada a riscos importantes, inclusive infecções da corrente sanguínea relacionadas ao cateter, lesões mecânicas e tromboembolismo venoso.11 Irwin RS, Rippe JM, Lisbon A, et al. Procedures, techniques and minimally invasive monitoring in intensive care medicine. 4th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer Health/Lippincott Williams & Wilkins; 2008. Mesmo assim, acreditamos que é preferível fazer a colocação de CVC com expansão das indicações durante o período perioperatório para o caso de circunstâncias imprevistas. A expansão das indicações para CVC durante períodos restritos pode ser viável do ponto de vista do tratamento de risco; no entanto, talvez precisemos reconsiderar as indicações para CVC durante o período perioperatório e levar em consideração as complicações relacionadas a ele, já que com alguma frequência as situações nas quais o CVC colocado no pré-operatório se revelaram desnecessárias ao longo da internação hospitalar.

Como o risco de resultados adversos relacionados ao CVC aumenta com o tempo, a remoção precoce de CVC que não são clinicamente justificados é uma estratégia-chave para a prevenção de eventos adversos.22 Pronovost P, Needham D, Berenholtz S, et al. An intervention to decrease catheter-related bloodstream infections in the ICU. N Engl J Med. 2006;355:2725-32.,33 Pronovost PJ, Goeschel CA, Colantuoni E, et al. Sustaining reductions in catheter related bloodstream infections in Michigan intensive care units: observational study. BMJ. 2010;340:c309. Nós propomos que uma estratégia mais promissora seja evitar precocemente a aplicação desnecessária de CVC. Para tanto, é importante determinar os fatores que distinguem a aplicação desnecessária da aplicação adequada de CVC no período perioperatório. Podemos identificar fatores associados à aplicação desnecessária de CVC se investigarmos as situações nas quais os médicos aplicaram CVC que não foram usados durante os períodos intraoperatório e pós-operatório.

Nosso instituto fez uma vigilância do uso de CVC no período perioperatório como parte do aprimoramento de nossa qualidade médica. O registro para esse serviço de vigilância é necessário em nosso instituto, com um formulário de registro a ser preenchido e enviado sempre que a colocação de CVC for feita perioperatoriamente. Com o uso desse sistema de vigilância e a revisão dos prontuários médicos de cada paciente, investigamos se os CVC colocados no período pré-operatório foram usados adequadamente de acordo com as indicações iniciais para a sua colocação. Com base nessa investigação, tentamos determinar os fatores associados às aplicações desnecessárias de CVC.

Pacientes e métodos

A aprovação para a revisão dos prontuários clínicos de pacientes submetidos à colocação de CVC durante o período perioperatório em sala de cirurgia foi obtida do Nara Medical University Institutional Review Board (n° 696 aprovado em 17/06/2013) e assinaturas em termos de consentimento informado para este estudo de observação retrospectiva foram dispensadas.

Tratamento perioperatório dos pacientes e vigilância de CVC

Os métodos de indução e manutenção da anestesia e a intubação traqueal ficaram a critério do operador. Normalmente, a anestesia geral foi induzida com propofol intravenoso (1-2,5 mg.kg-1) com adição de fentanil (0,1-0,2 µg.kg-1) e/ou remifentanil (0,2-0,3 µg.kg-1.min-1). A intubação traqueal foi feita sob laringoscopia e facilitada por rocurônio (0,6-0,9 mg.kg-1). Após a indução da anestesia, a colocação de CVC foi feita quando considerada necessária. A avaliação pré-operatória do paciente foi feita pelo anestesiologista de plantão responsável pela consulta pré-anestesia. A aplicação de CVC foi discutida e mais ou menos determinada naquele momento. Porém, a determinação final sobre a aplicação de CVC era geralmente decidida mediante discussão entre os médicos presentes, inclusive anestesistas e cirurgiões. Em caso de anestesiologista residente, a determinação final sobre a aplicação de CVC era feita depois de consultar um anestesiologista sênior. Normalmente, os anestesiologistas tinham prioridade para julgar a indicação para aplicação de CVC na maioria dos casos porque grande parte dos motivos para uma indicação aceitável de aplicação estava diretamente relacionada ao manejo intraoperatório. O local de abordagem para a colocação de CVC dependia da preferência do operador ou do tipo de cirurgia; porém, o local mais comum era a veia jugular direita. Ocasionalmente, a veia femoral ou cubital era usada. De acordo com o protocolo institucional para CVC, a colocação de CVC era feita com a técnica guiada por referências anatômicas, juntamente com imagens dos vasos pré-adquiridas com ultrassom; contudo, a colocação de CVC guiada por ultrassom em tempo real também foi feita, de acordo com a preferência do operador. Após a conclusão da anestesia, o operador encarregado preenchia o formulário para o serviço de vigilância de CVC perioperatório, que foi projetado para ajudar a melhorar a prática de aplicação de CVC e evitar complicações adicionais. Esse formulário inclui o nome do operador, nome do médico que fez a colocação de CVC, motivo da colocação (monitoração de pressão venosa central, nutrição parenteral, administração de medicamentos, infusão rápida contra sangramento maciço, alternativas para cateterismo periférico difícil, vias para dispositivos cardíacos), local de abordagem, número de lumes do cateter, uso de ultrassom, número de tentativas de inserção, variáveis demográficas do paciente, informações sobre o diagnóstico final e procedimentos cirúrgicos (posteriormente categorizados em três classes com base na estratificação de risco cirúrgico modificada),44 Eagle KA, Berger PB, Calkins H, et al. ACC/AHA guideline update for perioperative cardiovascular evaluation for noncardiac surgery - executive summary a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines (Committee to Update the 1996 Guidelines on Perioperative Cardiovascular Evaluation for Noncardiac Surgery). Circulation. 2002;105:1257-67. doenças subjacentes (hipertensão, diabete melito, doença arterial coronariana, história de insuficiência cardíaca, doença pulmonar), duração da anestesia e cirurgia, estado físico ASA, urgência da cirurgia (emergência ou eletiva), posicionamento do paciente no intraoperatório, necessidade de transfusão, necessidade de terapia intensiva no pós-operatório e eventos adversos relacionados à colocação do CVC (punção arterial, formação de hematoma, arritmia, outras).

Determinação da aplicação desnecessária de CVC

Os motivos considerados justificáveis para CVC estão na tabela 1.55 Trick WE, Vernon MO, Welbel SF, et al. Unnecessary use of central venous catheters: the need to look outside the intensive care unit. Infect Control Hosp Epidemiol. 2004;25:266-8.,66 Yamamoto Y, Shimada K, Sakamoto Y, et al. Preoperative identification of intraoperative blood loss of more than 1,500 mL during elective hepatectomy. J Hepatobiliary Pancreat Sci. 2011;18:829-38. Mesmo nos casos em que os critérios iniciais foram satisfeitos, a colocação de CVC foi considerada injustificada se, eventualmente, o cateter não fosse usado corretamente. No entanto, a colocação de CVC foi considerada justificada se, eventualmente, o cateter fosse usado corretamente, mesmo por outro motivo. Os procedimentos de aplicação de CVC foram divididos em aplicação adequada e aplicação desnecessária após a revisão do registro de CVC e dos prontuários médicos. Um dos autores (KU) julgou inicialmente cada colocação de CVC e cada julgamento foi revisado pelos autores SI ou MK.

Tabela 1
Indicação aceitável da colocação de CVC e determinação da aplicação desnecessária de CVC

Manejo dos dados

Os dados foram coletados entre janeiro de 2009 e dezembro de 2013, período durante o qual houve 21.606 casos de anestesia, com 1.731 registros de aplicação de CVC pelo serviço de vigilância. No entanto, os casos que incluíram cirurgia cardiovascular foram excluídos da análise de dados porque CVC foram invariavelmente colocados e usados de acordo com o protocolo de anestesia institucional, e não de acordo com o da preferência do operador. Pacientes com menos de 15 anos também foram excluídos porque nenhum protocolo de CVC para pediatria havia sido estabelecido em nosso instituto. Por fim, os critérios de exclusão para o presente estudo e as consequentes reduções de pacientes elegíveis são apresentados na figura 1.

Figura 1
Diagrama de fluxo para inclusão e exclusão de pacientes.

Análise estatística

Análise univariada foi usada para identificar os fatores candidatos, associados à aplicação desnecessária de CVC. As seguintes variáveis candidatas foram selecionadas: demografia do paciente; comorbidades pré-operatórias; quem fez a cateterização (estagiário ou anestesiologista - estagiário foi definido como indivíduo graduado em medicina com uma qualificação médica em programa de treinamento clínico obrigatório de dois anos, atualmente em rotação no departamento de anestesia por alguns meses, ou estagiário anestesiologista em programa de treinamento de dois anos após o treinamento obrigatório); duração da anestesia e cirurgia; posicionamento do paciente; risco cirúrgico categorizado em baixo (baixo risco) ou alto (risco intermediário e alto), com base na estratificação de risco cirúrgico modificada; sítio cirúrgico; emergência à noite ou em feriado; admissão em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) no pós-operatório e necessidade de transfusão. Os fatores explicativos com associação univariada significativa (p < 0,20) com a aplicação desnecessária de CVC foram usados para construir um modelo de regressão logística multivariável de entrada forçada, expressos em razões de chance (OR: odds ratio) ajustadas com intervalos de confiança (IC) de 95%. As interações entre as variáveis foram pesquisadas sistematicamente e a colinearidade foi considerada quando r ou rho > 0,8 pela matriz de correlação com base nos coeficientes de Pearson ou Spearman. A discriminação do modelo final para a aplicação desnecessária de CVC foi avaliada com o teste de razão de verossimilhança. A calibração do modelo foi testada com o método estatístico Hosmer-Lemeshow. A área sob a curva característica de operação do receptor (ROC: Receiver Operating Characteristic) foi calculada para uso como uma ferramenta descritiva para medir o viés do modelo. Por fim, a taxa de complicações relacionadas à aplicação de CVC foi comparada entre a aplicação desnecessária e adequada de CVC. Com relação a essa análise, mais fatores de confusão devem estar relacionados com a complicação relacionada à colocação de CVC. Portanto, um modelo de regressão logística multivariável de entrada forçada foi aplicado a essa análise. A construção do modelo foi feita da mesma maneira. Os dados são expressos em média e DP para a distribuição normal ou em mediana e intervalo interquartil (IQR) para a distribuição não Gaussiana. A comparação de duas médias foi feita com o teste t de Student, a comparação de duas medianas com o teste U de Mann-Whitney e a comparação de duas proporções com o método exato de Fisher. Usamos o programa estatístico MedCalc (Versão 14.12.0, MedCalc Software bvba, Ostend, Bélgica) para fazer todas as análises neste estudo.

Resultados

Analisamos os dados de 1.141 pacientes; 107 (9,38% da população total) receberam a colocação desnecessária de CVC. Nenhum julgamento inicial para a aplicação desnecessária de CVC foi rejeitado. Portanto, eventualmente, os cateteres julgados não foram usados adequadamente mesmo por outra razão justificada. A tabela 2 mostra os motivos iniciais para a aplicação desnecessária e adequada de CVC. Os motivos para a aplicação de CVC foram semelhantes (p = 0,13); porém, 107 cateteres não foram usados corretamente após a inserção, conforme a colocação do CVC, com base no motivo da colocação.

Tabela 2
Razões iniciais para a aplicação desnecessária e adequada de CVC

Os dados e as características perioperatórias do paciente foram comparados entre pacientes em ambas as categorias (tabela 3). A análise univariada indicou baixa estatura, baixo peso, sexo feminino, estado físico ASA de alto grau, presença de doença coexistente, emergência à noite ou em feriado, grau de risco cirúrgico, pequena quantidade de sangramento intraoperatório, cirurgia sem sangue, curta duração da anestesia e da cirurgia e os casos sem admissão em UTI no pós-operatório foram todos extraídos como candidatos associados à aplicação desnecessária de cateterismo para a próxima análise multivariada. Encontramos colinearidade entre a duração da anestesia e da cirurgia (r > 0,99) e entre o estado físico ASA e a presença de doença coexistente (rho = 0,831). Portanto, a duração da cirurgia e o estado físico ASA foram removidos das variáveis candidatas. Não observamos colinearidade entre a duração da cirurgia e o risco cirúrgico (rho = 0,422) e entre a duração da anestesia e o risco cirúrgico (rho = 0,412). A análise multivariada identificou emergência à noite ou em feriado (OR 2,109, IC de 95% 1,021-4,357), baixo risco cirúrgico (OR = 1,729, IC de 95% 1,038-2,881), curta duração da anestesia (OR = 0,961 por aumento de 10 min, IC de 95% 0,945-0,979) e casos sem admissão em UTI no pós-operatório (OR = 2,1997, IC de 95% 1,402-3,441) como independentemente associados à aplicação desnecessária de cateterismo (tabela 4). A discriminação dos modelos finais avaliados pelo teste de razão de verossimilhança foi significativa para essas variáveis (p < 0,001). A análise de Hosmer-Lemeshow sugeriu uma calibração aceitável (p = 0,592). O modelo explicativo baseado nessas variáveis teve uma área sob a curva ROC de 0,730 (IC de 95% 0,703-0,7575).

Tabela 3
Resultados da análise univariada
Tabela 4
Resultados da análise multivariada

Um cálculo do poder post hoc foi feito para esse modelo de regressão logística multivariável de entrada forçada com o uso de dez variáveis. Seguimos os métodos-padrão para estimar o tamanho da amostra para a regressão logística multivariável, com pelo menos dez desfechos necessários para cada variável independente incluída.77 Peduzzi P, Concato J, Kemper E, et al. A simulation study of the number of events per variable in logistic regression analysis. J Clin Epidemiol. 1996;49:1373-9. Com a incidência da aplicação desnecessária de cateterização central de 107:1.141 (9,38%) nessa população, seriam necessárias 1.066 operações de cateterização central para fazer corretamente uma regressão logística multivariável com dez variáveis, o que demonstra que o tamanho de nossa amostra foi suficiente para construir o modelo.

Complicações relacionadas à colocação desnecessária de CVC foram frequentemente observadas em comparação com a colocação necessária de CVC (p = 0,032, OR = 2,282, IC de 95% 1,076-4,842) (tabela 5). A complicação mais comum foi punção arterial (39,2%), seguida de formação de hematoma (19,6%) e arritmia (11,8%) (tabela 5). No entanto, a análise multivariada, inclusive idade, gênero e aplicação desnecessária de cateterismo como variáveis candidatas, mostrou que nenhuma variável estava independentemente associada a complicações relacionadas à colocação de CVC (tabela 6). A colocação de CVC por estagiário ou com o uso de ultrassom não foi extraída da análise univariada de complicações relacionadas ao CVC como candidata para esse modelo. A discriminação do modelo final avaliado pelo teste de razão de verossimilhança foi significante (p < 0,0159). Além disso, a estatística de Hosmer-Lemeshow não rejeitou o ajuste do modelo de regressão logística (p = 0,2325). Cálculos do poder post hoc foram feitos para esse modelo de regressão logística multivariável de entrada forçada com o uso de três variáveis no modelo. Seguimos os métodos-padrão para estimar o tamanho da amostra para a regressão logística multivariada, com pelo menos dez desfechos necessários para cada variável independente incluída.77 Peduzzi P, Concato J, Kemper E, et al. A simulation study of the number of events per variable in logistic regression analysis. J Clin Epidemiol. 1996;49:1373-9. Com uma incidência de complicações de 4,29% (49:1.141) na população estudada, seriam necessários 699 pacientes para fazer adequadamente a regressão logística multivariada. Isso demonstra que os tamanhos de nossas amostras foram suficientes para construir os modelos.

Tabela 5
Complicações relacionadas à colocação de CVC e itens de complicações
Tabela 6
Resultados da análise multivariada para complicação do CVC

Discussão

Este estudo descobriu que os casos de cirurgia de emergência durante a noite ou em feriados, de cirurgias de baixo risco, com curta duração da anestesia e sem internação em UTI no pós-operatório foram todos propensos à aplicação desnecessária de CVC, o que significa que as cateterizações não foram adequadamente usadas durante a internação hospitalar. Além disso, descobrimos que os procedimentos para essas aplicações desnecessárias de CVC tendiam a apresentar uma taxa maior de complicações relacionadas ao CVC, embora nenhuma associação óbvia com complicações relacionadas ao CVC tenha sido encontrada na análise multivariada subsequente.

Descobriu-se que a admissão em UTI cirúrgica nos fins de semana estava associada ao aumento da taxa de mortalidade hospitalar.88 Ensminger SA, Morales IJ, Peters SG, et al. The hospital mortality of patients admitted to the ICU on weekends. Chest. 2004;126:1292-8. Sugeriu-se que as mortes geralmente ocorrem fora dos horários habituais, à noite, quando o quadro de funcionários está reduzido ou a equipe médica está mais cansada.99 Seward E, Greig E, Preston S, et al. A confidential study of deaths after emergency medical admission: issues relating to quality of care. Clin Med. 2003;3:425-34. Portanto, a equipe médica de plantão tende a aplicar com antecedência medidas preventivas excessivas, inclusive pedido de hemoderivados, colocação de várias linhas intravenosas, de linha arterial e de CVC no período pré-operatório para compensar a falta de pessoal durante a noite e nos feriados. Embora esses preparativos em excesso possam proporcionar uma sensação de segurança em relação à assistência aos pacientes quando o quadro de funcionários está reduzido, observamos que o excesso de medidas preventivas resulta em desperdício de recursos médicos e prejudica as estratégias de manejo de riscos, pode resultar em aumentos de complicações relacionadas ao CVC, como as observadas neste estudo.

Neste estudo, o CVC não foi usado com mais frequência em pacientes que receberam cuidados pós-operatórios fora da UTI. Relatou-se que os pacientes que receberam cuidados fora da UTI tinham muito mais probabilidade de estar com CVC não clinicamente justificado.55 Trick WE, Vernon MO, Welbel SF, et al. Unnecessary use of central venous catheters: the need to look outside the intensive care unit. Infect Control Hosp Epidemiol. 2004;25:266-8. Nesse relato, os autores sugeriram que, após a transferência do paciente da UTI para a unidade regular, os CVC podem permanecer no lugar desnecessariamente. No entanto, descobrimos que alguns membros da equipe de plantão fizeram a colocação de CVC em casos limítrofes que poderiam precisar de cuidados em UTI; porém, quando os pacientes não foram admitidos em UTI, a maioria dos CVC permaneceu no lugar sem ser usada. Relatou-se que os médicos do departamento de medicina geral com frequência desconhecem a presença de CVC em pacientes hospitalizados, enquanto os médicos de tratamento intensivo são mais propensos a estar cientes da presença desses cateteres.1010 Chopra V, Govindan S, Kuhn L, et al. Do clinicians know which of their patients have central venous catheters? A multicenter observational study. Ann Intern Med. 2014;161:562-7. No entanto, parece ser um problema de logística em nossa instituição que os CVC dos pacientes que são transferidos para a enfermaria permaneçam no local sem ser usados e sem que o pessoal das enfermarias tenha conhecimento de sua presença. Considerando que um dos pilares importantes da segurança no atendimento médico é antecipar situações, pode ser preferível colocar um CVC em um caso limítrofe ou pouco esclarecido, mesmo que não seja usado, do que não colocá-lo e inesperadamente ter que tratar de um caso instável agudo sem o cateter. Portanto, a solução nesse caso deve ser uma melhor documentação e comunicação, e não retirar os CVC no período intraoperatório de pacientes que provavelmente precisarão deles. Da mesma forma, esse procedimento pode ser aplicável a cirurgias de emergência durante a noite ou em feriados.

Propõe-se que um ótimo gerenciamento de líquidos é crucial em pacientes submetidos à cirurgia prolongada e de grande porte. No entanto, o regime ótimo de líquidos no perioperatório para cirurgia não cardíaca de grande porte não está claro.1111 Lobo SM, Ronchi LS, Oliveira NE, et al. Restrictive strategy of intraoperative fluid maintenance during optimization of oxygen delivery decreases major complications after high-risk surgery. Crit Care. 2011;15:R226. Recentemente, recomendou-se que o gerenciamento de líquidos seja feito de acordo com a terapia intraoperatória alvo-direcionada, embora essa recomendação permaneça em debate.1111 Lobo SM, Ronchi LS, Oliveira NE, et al. Restrictive strategy of intraoperative fluid maintenance during optimization of oxygen delivery decreases major complications after high-risk surgery. Crit Care. 2011;15:R226.

12 Pestaña D, Espinosa E, Eden A, et al. Perioperative goal-directed hemodynamic optimization using noninvasive cardiac output monitoring in major abdominal surgery: a prospective, randomized, multicenter, pragmatic trial: POEMAS Study (PeriOperative goal-directed thErapy in Major Abdominal Surgery). Anesth Analg. 2014;119:579-87.
-1313 Futier E, Constantin JM, Petit A, et al. Conservative vs. restrictive individualized goal-directed fluid replacement strategy in major abdominal surgery: a prospective randomized trial. Arch Surg. 2010;145:1193-200. Para fornecer terapia intraoperatória alvo-direcionada, a maioria dos protocolos usa a monitoração de pressão venosa central, saturação venosa de oxigênio central e apoio com agentes vasoativos ou inotrópicos, o que requer a presença de CVC. Em nosso instituto, o protocolo-padrão recomenda o manejo da anestesia de acordo com a terapia intraoperatória alvo-direcionada para cirurgia prolongada e de grande porte. Além disso, a literatura diz claramente que a colocação de CVC e a mensuração direta da pressão venosa central são frequentemente feitas em paciente submetido a cirurgia de grande porte.1414 Schrodeder B, Barbeito A, Bar-Yosef S, et al. Cardiovascular monitoring. In: Miller RD, editor. Miller's anesthesia. 8th ed. Philadelphia: Elsevier; 2015. p. 1345-95. Por outro lado, a cirurgia de pequeno porte e de curta duração nem sempre requer CVC. Portanto, é razoável que tenhamos encontrado aplicações desnecessárias de CVC feitas com mais frequência em casos de baixo risco e curta duração da anestesia. Em outras palavras, a aplicação desnecessária de CVC pode ser o resultado de uma superestimação da duração ou do risco dos casos. Para avaliar essa suposição, pode ser importante observar as diferenças entre a duração e sangramento da cirurgia estimados no pré-operatório e a duração real da cirurgia. Infelizmente, no entanto, os registros relativos à estimativa pré-operatória da duração e sangramento da cirurgia não estão disponíveis.

As causas para a maior tendência de complicações relacionadas à aplicação desnecessária de CVC são desconhecidas. Esse resultado pode ser uma coincidência. No entanto, gostaríamos de enfatizar que as complicações relacionadas ao CVC podem ocorrer com certa probabilidade, independentemente de a aplicação de CVC ser necessária ou não. As complicações relacionadas à aplicação desnecessária de CVC implicam que acabamos por fornecer aos pacientes apenas a exposição ao risco de complicações. Os formulários entregues indicaram apenas complicações de curto prazo, como punção arterial, formação de hematoma, arritmia induzida por cateterismo etc. A infecção da corrente sanguínea relacionada ao cateter (ICSRC) é uma das principais complicações relacionadas ao CVC. Infelizmente, neste estudo, não investigamos a incidência dessa complicação. No entanto, não é despropositado pensar que a aplicação desnecessária de CVC pode aumentar a incidência de ICSRC porque a equipe médica tende a prestar menos atenção aos cateteres não usados.1010 Chopra V, Govindan S, Kuhn L, et al. Do clinicians know which of their patients have central venous catheters? A multicenter observational study. Ann Intern Med. 2014;161:562-7.

Há algumas limitações neste estudo. Devido ao caráter de observação de coorte do estudo, existe a possibilidade de termos ignorado importantes fatores de confusão relacionados à aplicação desnecessária de CVC. Primeiro, fizemos um estudo de acompanhamento com base nos prontuários médicos para investigar se os CVC colocados no pré-operatório foram usados corretamente. Por esse motivo, nossa determinação de aplicação desnecessária ou adequada de CVC dependia da precisão da documentação médica. Além disso, o registro do uso de CVC neste estudo é um sistema de autodeclaração das complicações relacionadas ao CVC; a declaração das complicações requer que o médico responsável considere o incidente como relacionado à colocação de CVC. Contudo, observamos que as complicações usadas para a análise dos dados neste estudo são muito claras e, portanto, há pouca preocupação sobre o sistema de autodeclaração. Por fim, nosso estudo representa uma auditoria da prática clínica em uma única instituição e nossos achados podem não ser generalizáveis para a prática da anestesiologia como um todo.

Em conclusão, descobrimos que cerca de 10% das práticas de CVC feitas em sala de operação eram consequentemente desnecessárias. A cirurgia de emergência durante os turnos da noite ou fins de semana e os casos não tratados em UTI no pós-operatório parecem ter aplicação desnecessária de CVC com mais frequência. Além disso, os casos de cirurgia de baixo risco ou os casos submetidos à anestesia de curta duração podem não precisar da aplicação de CVC em sala de cirurgia. Portanto, sugerimos uma consideração cuidadosa antes da aplicação de CVC em situações como as mencionadas acima.

Agradecimentos

Este estudo foi apresentado em parte na 61ª Reunião Anual da Sociedade Japonesa de Anestesiologistas, Yokohama, Japão, 15 a 17 de maio de 2014. Foi apoiado apenas pela fonte departamental. Nenhum financiamento externo e nenhum interesse concorrente a declarar.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2018

Histórico

  • Recebido
    25 Fev 2017
  • Aceito
    1 Jan 2018
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