Acessibilidade / Reportar erro

Comparação de alterações na pressão do balonete do tubo endotraqueal usando ar versus óxido nitroso nos gases anestésicos durante cirurgias abdominais laparoscópicas Estudo desenvolvido no Departamento de Anestesiologia, Topiwala National Medical College and Bai Yamunabai Laxman Nair Charitable Hospital, Mumbai, Índia.

Resumo

Justificativa e objetivos

O objetivo deste estudo foi comparar as alterações na pressão do balonete do tubo endotraqueal durante cirurgias laparoscópicas usando ar versus óxido nitroso na mistura dos gases anestésicos e observar a incidência de dor de garganta, rouquidão e disfagia no pós-operatório.

Métodos

No total, 100 pacientes agendados para cirurgia abdominal laparoscópica eletiva foram alocados em dois grupos: Grupo A (n = 50) recebeu ar e Grupo N (n = 50) recebeu óxido nitroso na mistura de gases anestésicos. Após a intubação endotraqueal, o balonete foi insuflado com ar para obter a pressão de vedação. As pressões do balonete na fase basal (pressão de vedação), aos 30 min, 60 min e 90 min foram registradas com um manômetro. A incidência de dor de garganta, rouquidão e disfagia foi observada no momento da alta da sala de recuperação pós-anestésica e 24 horas após a extubacão.

Resultados

A pressão do balonete aumentou em ambos os grupos, comparada à pressão basal. O aumento da pressão do balonete foi maior no Grupo N do que no Grupo A em todos os tempos avaliados (p < 0,001). No Grupo A, o aumento da pressão do balonete foi maior aos 90 min do que aos 30 min (p < 0,05). No Grupo N, o aumento da pressão do balonete foi maior em cada um dos tempos (30, 60 e 90 min) do que no tempo anteriormente mensurado (p < 0,05). A incidência de dor de garganta na sala de recuperação pós-anestésica foi maior no Grupo N do que no Grupo A.

Conclusão

O uso de óxido nitroso durante a laparoscopia aumenta a pressão do balonete, resulta em aumento na incidência de dor da garganta no pós-operatório. A pressão do balonete deve ser rotineiramente monitorada durante a laparoscopia sob anestesia com óxido nitroso.

PALAVRAS-CHAVE
Anestesia; Pressão do balonete endotraqueal; Laparoscopia; Óxido nitroso

Abstract

Background and objectives

The purpose of this study was to compare the endotracheal tube cuff pressure changes during laparoscopic surgeries using air versus nitrous-oxide in anesthetic gas mixture; and to observe the incidences of postoperative sore throat, hoarseness and dysphagia.

Methods

Total 100 patients scheduled for elective laparoscopic abdominal surgery were allocated into two groups. Group A (n = 50) received air while Group N (n = 50) received nitrous-oxide in anesthetic gas mixture. After endotracheal intubation, cuff was inflated with air to achieve sealing pressure. Cuff pressure at baseline (sealing pressure), 30 min, 60 min and 90 min was recorded with a manometer. Incidence of sore throat, hoarseness and dysphagia was noted at the time of discharge from post-anesthesia care unit and 24 h after extubation.

Results

Cuff pressure increased from baseline in both the groups. The increase in cuff pressure in Group N was greater than that in Group A at all time points studied (p < 0.001). Within Group A, cuff pressure increased more at 90 min than at 30 min (p < 0.05). Within Group N, increase in cuff pressure was more at each time point (30, 60 and 90 min) than its previous time point (p < 0.05). The incidence of sore throat in post-anesthesia care unit was higher in Group N than in Group A.

Conclusion

Use of nitrous-oxide during laparoscopy increases cuff pressure resulting in increased incidence of postoperative sore throat. Cuff pressure should be monitored routinely during laparoscopy with nitrous-oxide anesthesia.

KEYWORDS
Anesthesia; Endotracheal cuff pressure; Laparoscopy; Nitrous oxide

Introdução

Atualmente, a preferência por cirurgias laparoscópicas abdominais em vez de cirurgias abertas é devida a benefícios, tais como menos dor incisional, recuperação mais rápida e permanência hospitalar menor. A anestesia geral com o uso de intubação endotraqueal e ventilação controlada é tida como uma técnica segura de anestesia para laparoscopias. Os tubos endotraqueais (TET) com balonete são usados para obter uma vedação entre o balão e a traqueia com uma pressão suficientemente alta para evitar a aspiração, mas não tão alta que impeça o fluxo sanguíneo traqueal. A isquemia da parede traqueal ocorre quando a pressão de um balonete hiperinsuflado contra essa parede excede a pressão do suprimento sanguíneo capilar. A perfusão da mucosa traqueal pode ser prejudicada quando a pressão do balonete é superior a 30 cm H2O e, consequentemente, o paciente pode apresentar dor de garganta, rouquidão e disfagia.11 Combes X, Schauvliege F, Peyrouset O, et al. Intracuff pressure and tracheal morbidity: influence of filling with saline during nitrous oxide anesthesia. Anesthesiology. 2001;95:1120-4.,22 Seegobin RD, van Hasselt GL. Endotracheal cuff pressure and tracheal mucosal blood flow: endoscopic study of effects of four large volume cuffs. Br Med J (Clin Res Ed). 1984;288:965-8. Relatou-se que a laparoscopia causa o aumento da pressão do balonete do tubo endotraqueal e dor de garganta no pós-operatório.33 Yildirim ZB, Uzunkoy A, Cigdem A, et al. Changes in cuff pressure of endotracheal tube during laparoscopic and open abdominal surgery. Surg Endosc. 2012;26:398-401. A pressão dentro do balonete também pode ser afetada pelo tipo de agente anestésico. O óxido nitroso (N2O) é conhecido por difundir-se para o interior dos balonetes.44 Stanley TH, Kawamura R, Graves C. Effects of nitrous oxide on volume and pressure of endotracheal tube cuffs. Anesthesiology. 1974;41:256-62. Há estudos que mostram que, durante a anestesia geral com N2O, a pressão dentro do balonete aumenta, causa aumento da lesão traqueal e dor de garganta.11 Combes X, Schauvliege F, Peyrouset O, et al. Intracuff pressure and tracheal morbidity: influence of filling with saline during nitrous oxide anesthesia. Anesthesiology. 2001;95:1120-4.,55 Tu HN, Saidi N, Leiutaud T, et al. Nitrous oxide increases endotracheal cuff pressure and the incidence of tracheal lesions in anesthetized patients. Anesth Analg. 1999;89:187-90. Contudo, na era moderna com ênfase na melhoria da recuperação pós-cirúrgica, o N2O continua a ser uma opção valiosa devido a seu efeito sobre a recuperação e os benefícios em anestesia geral.66 Joshi GP. Rapid recovery from ambulatory surgery: the new paradigm in ambulatory anesthesia. IARS Review Course Lectures; May 2013.

7 Peyton PJ, Chao I, Weinberg L, et al. Nitrous oxide diffusion and the second gas effect on emergence from anesthesia. Anesthesiology. 2011;114:596-602.
-88 Hopkins PM. Nitrous oxide: a unique drug of continuing importance for anaesthesia. Best Pract Res Clin Anaesthesiol. 2005;19:381-9. Além disso, nas instalações indianas, a disponibilidade de ar como o gás anestésico é limitada em muitos hospitais e casas de saúde. O N2O é um gás livremente disponível nessas instalações e, portanto, é comumente usado durante a laparoscopia. Os efeitos do uso de N2O sobre as alterações na pressão do balonete durante laparoscopias não foram estudados. O objetivo deste estudo foi avaliar as alterações na pressão do balonete do tubo endotraqueal durante a laparoscopia com ar versus N2O em anestesia geral balanceada. Objetivamos observar as incidências de queixas laringotraqueais no pós-operatório e assim avaliar a necessidade de monitorar a pressão do balonete do tubo endotraqueal durante a anestesia com N2O em laparoscopias.

Métodos

Este estudo prospectivo randômico, controlado e duplo-cego foi feito após obter aprovação do Comitê de Ética institucional e assinatura em termo de consentimento informado dos pacientes. Avaliamos 100 pacientes randomicamente alocados em dois grupos mediante tabela de números aleatórios gerados por computador. O Grupo A recebeu oxigênio-ar, enquanto o Grupo N recebeu oxigênio-N2O, com fornecimento de ventilação com pressão positiva intermitente (IPPV: Intermittent Positive Pressure Ventilation) para anestesia geral. Os pacientes desconheciam suas alocações nos grupos. Todos os pacientes não fumantes, entre 18 e 60 anos, de ambos os sexos, com estado físico ASA I ou II (ASA: American Society of Anesthesiologists), submetidos à cirurgia abdominal laparoscópica eletiva foram incluídos no estudo. Os critérios de exclusão foram os seguintes: pacientes obesos (IMC > 35), fumantes, pacientes com traqueotomia, pacientes com doença ou cirurgia de laringe, pacientes com intubação difícil antecipada, pacientes com história de náusea e vômito.

Após confirmar o estado de nenhuma ingestão oral, os pacientes foram colocados em posição supina na sala de operação. Todos receberam monitorização segundo recomendação da American Society of Anesthesiologists (ASA). Infusão intravenosa (IV) com solução de cristaloides foi aplicada. Os pacientes foram pré-medicados com midazolam IV (0,03 mg.kg-1) e ondansetrona IV (4 mg) foi administrada como profilaxia antiemética. Fentanil IV (2 µg.kg-1) foi administrado em seguida. Após pré-oxigenação com 100% de oxigênio por três minutos (min), a anestesia geral foi induzida com tiopentona sódica IV (5-7 mg.kg-1). O bloqueio neuromuscular foi obtido com brometo de vecurônio IV (0,1 mg.kg-1). A intubação traqueal foi feita com TET Portex® (7 mm de diâmetro interno para mulheres e 8 mm para homens) com balonete de alto volume, baixa pressão (Smiths Medical, Hythe, Reino Unido). A linha escura formada pela junção das pregas vocais e a entrada bilateral igual de ar foram confirmadas. O balonete do TET foi insuflado com ar, com a ajuda de uma seringa de 10 mL esterilizada, para obter uma vedação adequada do balonete, de modo que não houvesse vazamento audível nas pressões inspiratórias máximas. Após atingir a pressão adequada do balonete não houve manipulação durante o procedimento anestésico. Para medir a pressão do balonete, um manômetro Portex® (Smiths Medical, Hythe, Reino Unido) foi conectado ao balão-piloto do tubo endotraqueal. A pressão de vedação basal foi registrada em ambos os grupos após a intubação depois de obter a vedação adequada do balonete. Ambos os grupos receberam anestesia geral balanceada. O Grupo A recebeu oxigênio e ar (50:50) e o Grupo N recebeu oxigênio e óxido nitroso (50:50), enquanto recebiam ventilação com pressão positiva. A ventilação mecânica foi controlada e adaptada para manter a fração expirada de CO2 (ETCO2) entre 30 e 35 mmHg. Um tubo nasogástrico foi inserido nos pacientes de ambos os grupos antes da inserção do trocarte. A anestesia foi mantida com propofol IV (4-6 mg.kg-1.h-1), doses intermitentes de fentanil IV (1-2 µg.kg-1) e vecurônio IV (0,02 mg.kg-1). Os líquidos intravenosos de manutenção foram administrados de acordo com a necessidade. A pressão do balonete do tubo endotraqueal foi medida subsequentemente aos 30, 60 e 90 min após a mensuração basal em ambos os grupos por um anestesista não envolvido no estudo. No fim da cirurgia, a anestesia foi revertida com glicopirrolato IV (8 µg.kg-1) e neostigmina IV (0,05 mg.kg-1). O tubo nasogástrico foi removido. A ventilação mecânica foi mantida até os pacientes começarem a respirar espontaneamente. Após reversão total do bloqueio neuromuscular, retorno dos reflexos e da ventilação espontânea e capacidade de seguir comandos verbais, o balonete do tubo endotraqueal foi totalmente desinsuflado e os pacientes foram extubados. Antes da extubação, oxigênio a 100% foi fornecido. Os pacientes foram transferidos para a Sala de Recuperação Pós-Anestésica (SRPA) para observação. Os pacientes foram perguntados sobre dor de garganta, rouquidão e disfagia ao receberem alta da SRPA e após 24 h de extubação, por um observador independente, cegado para a alocação dos pacientes nos grupos.

O tamanho da amostra foi calculado com base em um estudo99 Braz JR, Navarro LH, Takata IH, et al. Endotracheal tube cuff pressure: need for precise measurement. Sao Paulo Med J. 1999;117:243-7. pelo método da diferença entre médias com 90% de poder e 5% de erro α. O tamanho mínimo da amostra por grupo foi de 30 indivíduos. Decidimos que o tamanho de nossa amostra seria de 50 indivíduos por grupo. A análise de dados foi feita com o uso do software SPSS versão 15. Os dados quantitativos foram expressos em média, desvio-padrão (DP), mediana e intervalo interquartil (IQR: Inter Quartile Range); a comparação entre os grupos do estudo foi feita com o uso do teste t pareado ou teste de Mann-Whitney, de acordo com os resultados do teste de normalidade. A análise de variância de medidas repetidas foi usada para comparar as variáveis entre os grupos em cada tempo de mensuração e a análise post hoc foi feita com o teste de Turkey. A tabela de frequência e porcentagem foi usada para as variáveis qualitativas e a associação entre os grupos do estudo foi avaliada com o teste do Qui-quadrado.

Um valor de p inferior a 0,05 foi considerado significativo.

Resultados

Cada grupo continha 50 pacientes. Os grupos eram comparáveis quanto a idade, sexo e procedimentos cirúrgicos (tabela 1). As pressões dos balonetes para ambos os grupos são apresentadas na figura 1. Os eventos adversos pós-operatórios são apresentados na tabela 2.

Tabela 1
Dados demográficos

Figura 1
Comparação das alterações da pressão do balonete em relação aos valores basais nos diferentes tempos de mensuração nos grupos do estudo. Símbolos semelhantes representam diferença significativa entre dois tempos de mensuração dentro de um grupo (p < 0,05). **: representa diferença significativa entre o Grupo A e o Grupo N em um determinado tempo de mensuração (p < 0,001).

Tabela 2
Porcentagem da incidência de complicações pós-operatórias nos grupos do estudo

Discussão

O propósito do balonete de um tubo endotraqueal é proporcionar vedação entre o tubo e a parede traqueal. Essa vedação garante a ventilação com pressão positiva, evita vazamentos de gás e também a passagem de conteúdo faríngeo para a traqueia. Porém, uma pressão elevada do balonete pode causar danos, compromete a perfusão da mucosa traqueal. Uma pressão do balonete entre 20-30 cm H2O é aceita como uma variação ideal que poderia evitar a aspiração sem prejudicar o fluxo sanguíneo da mucosa traqueal.1010 Sengupta P, Sessler DI, Maglinger P, et al. Endotracheal tube cuff pressure in three hospitals, and the volume required to produce an appropriate cuff pressure. BMC Anesthesiol. 2004;4:8.

Comparado aos valores basais, nossos dados mostram que houve um aumento da pressão do balonete em ambos os grupos. Isso pode ser explicado pelo aumento induzido pela laparoscopia na pressão do balonete do tubo endotraqueal. Estudos demonstraram que o pneumoperitônio e o resultante aumento da pressão das vias aéreas durante a laparoscopia aumentam a pressão do balonete e a ocorrência de dor de garganta no pós-operatório.33 Yildirim ZB, Uzunkoy A, Cigdem A, et al. Changes in cuff pressure of endotracheal tube during laparoscopic and open abdominal surgery. Surg Endosc. 2012;26:398-401.,1111 Geng G, Hu J, Huang S. The effect of endotracheal tube cuff pressure change during gynecological laparoscopic surgery on postoperative sore throat: a control study. J Clin Monit Comput. 2015;29:141-4. Nos estudos mencionados acima, o aumento da pressão do balonete foi observado poucos minutos após a obtenção do pneumoperitônio, mas a comparação das mudanças na pressão do balonete entre os grupos nos diferentes tempos de mensuração não foi feita. Em nosso estudo, embora N2O não tenha sido usado no Grupo A, a pressão do balonete aumentou com o passar do tempo. O aumento da pressão do balonete aos 90 min foi maior do que aos 30 min no Grupo A (p < 0,05) (fig. 1). Um estudo futuro é desejável para compreender melhor os possíveis mecanismos do aumento da pressão do balonete durante a laparoscopia, especialmente quando a duração do procedimento é prolongada.

Nosso estudo também mostra que o aumento da pressão do balonete foi maior no Grupo N que no Grupo A em todos os tempos de mensuração do estudo (p < 0,001) (fig. 1). Além disso, no Grupo N, a pressão do balonete aumentou significativamente a cada 30 min durante o procedimento (p < 0,05). Portanto, a pressão do balonete no grupo óxido nitroso apresentou uma tendência mais ascendente do que a pressão do balonete no Grupo A (fig. 1). Esse aumento excessivo da pressão do balonete no Grupo N pode ser explicado pela permeabilidade do balonete ao N2O. A relação entre anestesia com N2O e aumento da pressão arterial foi demonstrada por muitos estudos.11 Combes X, Schauvliege F, Peyrouset O, et al. Intracuff pressure and tracheal morbidity: influence of filling with saline during nitrous oxide anesthesia. Anesthesiology. 2001;95:1120-4.,44 Stanley TH, Kawamura R, Graves C. Effects of nitrous oxide on volume and pressure of endotracheal tube cuffs. Anesthesiology. 1974;41:256-62.,55 Tu HN, Saidi N, Leiutaud T, et al. Nitrous oxide increases endotracheal cuff pressure and the incidence of tracheal lesions in anesthetized patients. Anesth Analg. 1999;89:187-90.,99 Braz JR, Navarro LH, Takata IH, et al. Endotracheal tube cuff pressure: need for precise measurement. Sao Paulo Med J. 1999;117:243-7.,1212 Braz JR, Volney A, Navarro LH, et al. Does sealing endotracheal tube cuff pressure diminish the frequency of postoperative laryngotracheal complaints after nitrous oxide anesthesia?. J Clin Anesth. 2004;16:320-5. O ar no balonete do tubo endotraqueal contém nitrogênio, que tem baixa solubilidade no sangue. A solubilidade bem maior do N2O no sangue provoca um gradiente de pressão maior entre o sangue e o balonete cheio de ar. A difusão do óxido nitroso para dentro do balonete é mais rápida do que a difusão do nitrogênio para fora do balonete. Isso aumenta o volume e a pressão do balonete. Portanto, a laparoscopia induziu o aumento da pressão do balonete em ambos os grupos do estudo, mas o uso de N2O no Grupo N causou um aumento excessivo da pressão do balonete nesse grupo e uma diferença significativa na pressão do balonete entre os dois grupos.

O efeito do aumento da pressão do balonete sobre as complicações laringotraqueais foi considerado no pós-operatório. Neste estudo, a incidência tanto de rouquidão quanto de disfagia foi semelhante entre os dois grupos. Esses sintomas podem não ter relação com a pressão elevada do balonete.11 Combes X, Schauvliege F, Peyrouset O, et al. Intracuff pressure and tracheal morbidity: influence of filling with saline during nitrous oxide anesthesia. Anesthesiology. 2001;95:1120-4. No entanto, ambos os grupos sentiram dor de garganta na SRPA (12% no Grupo A, 32% no Grupo N). Essa incidência foi maior no Grupo N que no Grupo A (p < 0,05). A incidência de dor de garganta após 24 horas (h) foi baixa e similar em ambos os grupos. A maior incidência de dor de garganta na SRPA no Grupo N pode ser explicada pelo aumento significativo da pressão do balonete devido à difusão do N2O para dentro do balonete. O efeito do aumento da pressão do balonete induzido por N2O sobre erosões da mucosa traqueal e dor de garganta pós-operatória foi demonstrado por um estudo feito em 2001.11 Combes X, Schauvliege F, Peyrouset O, et al. Intracuff pressure and tracheal morbidity: influence of filling with saline during nitrous oxide anesthesia. Anesthesiology. 2001;95:1120-4. Avaliamos o efeito da pressão do balonete sobre as complicações laringotraqueais quando há combinação de laparoscopia e anestesia com N2O. De acordo com nossos dados, a ocorrência de dor de garganta em laparoscopia aumenta significativamente quando N2O é usado para anestesia.

A perfusão da mucosa das vias respiratórias é prejudicada quando a pressão do balonete ultrapassa 30 cm H2O.22 Seegobin RD, van Hasselt GL. Endotracheal cuff pressure and tracheal mucosal blood flow: endoscopic study of effects of four large volume cuffs. Br Med J (Clin Res Ed). 1984;288:965-8. Em nosso estudo, 16 pacientes do Grupo N e seis pacientes do Grupo A apresentaram dor de garganta na SRPA. Desses, a pressão do balonete de 30 cmH2O foi excedida em 13 pacientes do Grupo N e quatro pacientes do Grupo A. O efeito de manter baixa a pressão do balonete durante a anestesia sobre a redução da incidência de dor de garganta pós-operatória foi demonstrado em alguns estudos.1313 Suzuki N, Kooguchi K, Mizobe T, et al. Postoperative hoarseness and sore throat after tracheal intubation: effect of a low intracuff pressure of endotracheal tube and the usefulness of cuff pressure indicator. Masui. 1999;48:1091-5.,1414 Mandoe H, Nikolajsen L, Lintrup U, et al. Sore throat after endotracheal intubation. Anesth Analg. 1992;74:897-900. Nosso estudo indica que a pressão do balonete deve ser monitorada continuamente e diminuída caso exceda 30 cmH2O durante laparoscopias, especialmente quando N2O é usado.

Embora existam preocupações quanto à distensão intestinal intraoperatória, condições operacionais e emese pós-operatória quando N2O é usado durante laparoscopias, estudos demonstraram que N2O não tem efeitos clínicos em termos de distensão intestinal e dificuldades técnicas durante colecistectomias laparoscópicas.1515 Abballe C, Camaioni D, Mascaro A, et al. Anesthesia for laparoscopic cholecystectomy: the use of nitrous oxide in the anesthetic mixture. G Chir. 1993;14:493-5.,1616 Taylor E, Feinstein R, White PF, et al. Anesthesia for laparoscopic cholecystectomy: is nitrous oxide contraindicated?. Anesthesiology. 1992;76:541-3. Além disso, o aumento da incidência de náusea e vômito no pós-operatório causada por N2O pode ser prevenido com o uso de antieméticos profiláticos e manutenção com propofol.88 Hopkins PM. Nitrous oxide: a unique drug of continuing importance for anaesthesia. Best Pract Res Clin Anaesthesiol. 2005;19:381-9.,1717 Fernández-Guisasola J, Gómez-Arnau JI, Cabrera Y, et al. Association between nitrous oxide and the incidence of postoperative nausea and vomiting in adults: a systematic review and meta-analysis. Anaesthesia. 2010;65:379-87. N2O tem benefícios como analgesia efetiva, redução da incidência de consciência intraoperatória e da necessidade de anestésicos mais potentes e, portanto, limita os efeitos colaterais cardiorrespiratórios.88 Hopkins PM. Nitrous oxide: a unique drug of continuing importance for anaesthesia. Best Pract Res Clin Anaesthesiol. 2005;19:381-9.,1818 Schönherr ME, Hollmann MW, Graf B. Nitrous oxide. Sense or nonsense for today's anaesthesia. Anaesthesist. 2004;53:796-812. Considerando esses benefícios e a livre disponibilidade do N2O nas instalações Indianas, seu uso é comum durante laparoscopias. Nosso estudo identifica a necessidade de monitoração intraoperatória da pressão do balonete nessa área.

Nosso estudo apresenta algumas limitações. Primeiro, o grau de bloqueio neuromuscular não foi medido no momento da intubação. Isso poderia ter impacto em eventos laringofaríngeos pós-operatórios. Demonstrou-se que o uso de um relaxante melhora a qualidade da intubação traqueal e diminui a rouquidão pós-operatória e as sequelas em pregas vocais.1919 Mencke T, Echternach M, Kleinschmidt S, et al. Laryngeal morbidity and quality of tracheal intubation: a randomized controlled trial. Anesthesiology. 2003;98:1049-56. Embora a monitoração neuromuscular melhore as condições de intubação, a intubação traqueal na intensidade máxima do bloqueio neuromuscular não foi associada a uma redução de lesões das pregas vocais.2020 Mencke T, Echternach M, Plinkert PK, et al. Does the timing of tracheal intubation based on neuromuscular monitoring decrease laryngeal injury?. A randomized, prospective, controlled trial. Anesth Analg. 2006;102:306-12. Segundo, a posição do paciente não foi levada em consideração porque vários tipos de procedimentos laparoscópicos estavam envolvidos neste estudo. A pressão do balonete do tubo endotraqueal é afetada pelas mudanças no posicionamento do paciente. Wu et al. descobriram que a pressão do balonete aumenta em laparoscopia com o posicionamento da cabeça para baixo.2121 Wu CY, Yeh YC, Wang MC, et al. Changes in endotracheal tube cuff pressure during laparoscopic surgery in head-up or head-down position. BMC Anesthesiol. 2014;14:75. Descobriu-se também que mudanças clinicamente relevantes na pressão do balonete ocorrem com diferentes posicionamentos do corpo de pacientes criticamente doentes que recebem ventilação mecânica.2222 Lizy C, Swinnen W, Labeau S, et al. Cuff pressure of endotracheal tubes after changes in body position in critically ill patients treated with mechanical ventilation. Am J Crit Care. 2014;23:e1-8. Terceiro, a pressão intra-abdominal e as pressões das vias aéreas não foram monitoradas. O pneumoperitônio reduz a complacência do sistema respiratório e aumenta a pressão das vias aéreas.2323 Rauh R, Hemmerling TM, Rist M, et al. Influence of pneumoperitoneum and patient positioning on respiratory system compliance. J Clin Anesth. 2001;13:361-5. Um estudo mostrou que esse aumento induzido pelo pneumoperitônio na pressão das vias aéreas aumenta a pressão do balonete, o que está associado a uma incidência maior de dor de garganta pós-operatória.1111 Geng G, Hu J, Huang S. The effect of endotracheal tube cuff pressure change during gynecological laparoscopic surgery on postoperative sore throat: a control study. J Clin Monit Comput. 2015;29:141-4. Nossos dados sugerem que a pressão do balonete e a incidência de dor de garganta pós-operatória aumentam significativamente quando N2O é usado durante laparoscopias. Porém, a pressão das vias aéreas e a pressão intra-abdominal não foram observadas no momento da mensuração da pressão do balonete. Quarto, a intensidade das complicações pós-operatórias não foi mensurada. Porém, mesmo que a intensidade da dor de garganta possa variar, a sua ocorrência não deve ser negligenciada devido à associação com lesões traqueais subjacentes causadas pela pressão excessiva do balonete.11 Combes X, Schauvliege F, Peyrouset O, et al. Intracuff pressure and tracheal morbidity: influence of filling with saline during nitrous oxide anesthesia. Anesthesiology. 2001;95:1120-4.

Conclusão

O aumento induzido pela laparoscopia na pressão do balonete do tubo endotraqueal é exagerado pelo N2O. O uso de N2O na mistura de gás anestésico durante laparoscopias está associado ao aumento progressivo da pressão do balonete, resulta em aumento da incidência de dor de garganta pós-operatória. A monitoração da pressão do balonete deve ser feita rotineiramente durante laparoscopias com o uso de N2O para anestesia.

Registro do estudo

O estudo não foi registrado no Clinical Trials registry.

  • Estudo desenvolvido no Departamento de Anestesiologia, Topiwala National Medical College and Bai Yamunabai Laxman Nair Charitable Hospital, Mumbai, Índia.

References

  • 1
    Combes X, Schauvliege F, Peyrouset O, et al. Intracuff pressure and tracheal morbidity: influence of filling with saline during nitrous oxide anesthesia. Anesthesiology. 2001;95:1120-4.
  • 2
    Seegobin RD, van Hasselt GL. Endotracheal cuff pressure and tracheal mucosal blood flow: endoscopic study of effects of four large volume cuffs. Br Med J (Clin Res Ed). 1984;288:965-8.
  • 3
    Yildirim ZB, Uzunkoy A, Cigdem A, et al. Changes in cuff pressure of endotracheal tube during laparoscopic and open abdominal surgery. Surg Endosc. 2012;26:398-401.
  • 4
    Stanley TH, Kawamura R, Graves C. Effects of nitrous oxide on volume and pressure of endotracheal tube cuffs. Anesthesiology. 1974;41:256-62.
  • 5
    Tu HN, Saidi N, Leiutaud T, et al. Nitrous oxide increases endotracheal cuff pressure and the incidence of tracheal lesions in anesthetized patients. Anesth Analg. 1999;89:187-90.
  • 6
    Joshi GP. Rapid recovery from ambulatory surgery: the new paradigm in ambulatory anesthesia. IARS Review Course Lectures; May 2013.
  • 7
    Peyton PJ, Chao I, Weinberg L, et al. Nitrous oxide diffusion and the second gas effect on emergence from anesthesia. Anesthesiology. 2011;114:596-602.
  • 8
    Hopkins PM. Nitrous oxide: a unique drug of continuing importance for anaesthesia. Best Pract Res Clin Anaesthesiol. 2005;19:381-9.
  • 9
    Braz JR, Navarro LH, Takata IH, et al. Endotracheal tube cuff pressure: need for precise measurement. Sao Paulo Med J. 1999;117:243-7.
  • 10
    Sengupta P, Sessler DI, Maglinger P, et al. Endotracheal tube cuff pressure in three hospitals, and the volume required to produce an appropriate cuff pressure. BMC Anesthesiol. 2004;4:8.
  • 11
    Geng G, Hu J, Huang S. The effect of endotracheal tube cuff pressure change during gynecological laparoscopic surgery on postoperative sore throat: a control study. J Clin Monit Comput. 2015;29:141-4.
  • 12
    Braz JR, Volney A, Navarro LH, et al. Does sealing endotracheal tube cuff pressure diminish the frequency of postoperative laryngotracheal complaints after nitrous oxide anesthesia?. J Clin Anesth. 2004;16:320-5.
  • 13
    Suzuki N, Kooguchi K, Mizobe T, et al. Postoperative hoarseness and sore throat after tracheal intubation: effect of a low intracuff pressure of endotracheal tube and the usefulness of cuff pressure indicator. Masui. 1999;48:1091-5.
  • 14
    Mandoe H, Nikolajsen L, Lintrup U, et al. Sore throat after endotracheal intubation. Anesth Analg. 1992;74:897-900.
  • 15
    Abballe C, Camaioni D, Mascaro A, et al. Anesthesia for laparoscopic cholecystectomy: the use of nitrous oxide in the anesthetic mixture. G Chir. 1993;14:493-5.
  • 16
    Taylor E, Feinstein R, White PF, et al. Anesthesia for laparoscopic cholecystectomy: is nitrous oxide contraindicated?. Anesthesiology. 1992;76:541-3.
  • 17
    Fernández-Guisasola J, Gómez-Arnau JI, Cabrera Y, et al. Association between nitrous oxide and the incidence of postoperative nausea and vomiting in adults: a systematic review and meta-analysis. Anaesthesia. 2010;65:379-87.
  • 18
    Schönherr ME, Hollmann MW, Graf B. Nitrous oxide. Sense or nonsense for today's anaesthesia. Anaesthesist. 2004;53:796-812.
  • 19
    Mencke T, Echternach M, Kleinschmidt S, et al. Laryngeal morbidity and quality of tracheal intubation: a randomized controlled trial. Anesthesiology. 2003;98:1049-56.
  • 20
    Mencke T, Echternach M, Plinkert PK, et al. Does the timing of tracheal intubation based on neuromuscular monitoring decrease laryngeal injury?. A randomized, prospective, controlled trial. Anesth Analg. 2006;102:306-12.
  • 21
    Wu CY, Yeh YC, Wang MC, et al. Changes in endotracheal tube cuff pressure during laparoscopic surgery in head-up or head-down position. BMC Anesthesiol. 2014;14:75.
  • 22
    Lizy C, Swinnen W, Labeau S, et al. Cuff pressure of endotracheal tubes after changes in body position in critically ill patients treated with mechanical ventilation. Am J Crit Care. 2014;23:e1-8.
  • 23
    Rauh R, Hemmerling TM, Rist M, et al. Influence of pneumoperitoneum and patient positioning on respiratory system compliance. J Clin Anesth. 2001;13:361-5.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2018

Histórico

  • Recebido
    16 Nov 2016
  • Aceito
    15 Jan 2018
Sociedade Brasileira de Anestesiologia R. Professor Alfredo Gomes, 36, 22251-080 Botafogo RJ Brasil, Tel: +55 21 2537-8100, Fax: +55 21 2537-8188 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: bjan@sbahq.org