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Comparação entre o videolaringoscópio King Vision e o laringoscópio Macintosh: um ensaio clínico prospectivo randomizado e controlado

Resumo

Justificativa e objetivos

Comparamos a eficiência do videolaringoscópio King Vision e do laringoscópio Macintosh, quando usados por anestesiologistas experientes em pacientes adultos com diferentes condições de intubação, em um estudo clínico prospectivo randomizado e controlado.

Métodos

Foram selecionados 388 pacientes com estado físico ASA I ou II (de acordo com a classificação da American Society of Anesthesiologists – ASA), programados para anestesia geral com intubação traqueal. Cada paciente foi intubado com ambos os laringoscópios sucessivamente, em uma ordem aleatória. A taxa de sucesso da intubação, o tempo até a melhor visibilização da glote, o tempo de intubação, o tempo de ventilação, a classificação de Cormack-Lehane (graus) e as complicações relacionadas à laringoscopia e intubação foram analisados.

Resultados e conclusões

As taxas de sucesso na intubação na primeira tentativa foram similares para o King Vision e o Macintosh (96,6% vs. 94,3%, respectivamente, p > 0,05). As médias dos tempos até a melhor visibilização da glote (IC 95% 0,5–1,4 s, p < 0,001) e de intubação (IC 95% 3–4,6 s, p < 0,001) foram maiores no King Vision. A diferença no tempo de intubação foi semelhante quando as tentativas malsucedidas de intubação foram excluídas (IC 95% 2,8–4,4 s, p < 0,001). Com base na classificação de Mallampati modificada na consulta pré-operatória, o King Vision melhorou significativamente a visibilização da glote em mais pacientes (220 pacientes, 56,7%) em comparação com o Macintosh (180 pacientes, 46,4%) (p < 0,001). Nenhum dos pacientes apresentou dessaturação periférica de oxigênio abaixo de 94%. Os anestesiologistas experientes podem obter taxas semelhantes de sucesso na primeira tentativa de intubação e de traumas das vias aéreas com ambos os laringoscópios. O King Vision requer tempos mais longos até a visibilização da glote e de intubação traqueal, mas não causa dessaturação adicional.

PALAVRAS-CHAVE
Manejo de vias aéreas; Laringoscopia direta; Intubação endotraqueal; Anestesia geral; Videolaringoscopia

Abstract

Background and objectives

We compared the efficiency of the King Vision video laryngoscope and the Macintosh laryngoscope, when used by experienced anesthesiologists on adult patients with varying intubating conditions, in a prospective randomized controlled clinical trial.

Methods

A total of 388 patients with an American Society of Anesthesiologists physical status of I or II, scheduled for general anesthesia with endotracheal intubation. Each patient was intubated with both laryngoscopes successively, in a randomized order. Intubation success rate, time to best glottic view, time to intubation, time to ventilation, Cormack–Lehane laryngoscopy grades, and complications related to the laryngoscopy and intubation were analyzed.

Results and conclusions

First pass intubation success rates were similar for the King Vision and the Macintosh (96.6% vs. 94.3%, respectively, p > 0.05). King Vision resulted in a longer average time to glottic view (95% CI 0.5–1.4 s, p < 0.001), and time to intubation (95% CI 3–4.6 s, p < 0.001). The difference in time to intubation was similar when unsuccessful intubation attempts were excluded (95% CI 2.8–4.4 s, p < 0.001). Based on the modified Mallampati class at the preoperative visit, the King Vision improved the glottic view in significantly more patients (220 patients, 56.7%) compared with the Macintosh (180 patients, 46.4%) (p < 0.001). None of the patients had peripheral oxygen desaturation below 94%. Experienced anesthesiologists may obtain similar rates of first pass intubation success and airway trauma with both laryngoscopes. King Vision requires longer times to visualize the glottis and to intubate the trachea, but does not cause additional desaturation.

KEYWORDS
Airway management; Direct laryngoscopy; Endotracheal intubation; General anesthesia; Video laryngoscopy

Introdução

Proteger as vias aéreas do paciente é essencial na anestesia geral. Os problemas relacionados ao manejo das vias aéreas constituem 17% das alegações finais em anestesia, a intubação difícil é a mais comum, com uma taxa de 5%.11 Cook TM, Woodall N, Harper J, et al. Major complications of airway management in the UK: results of the Fourth National Audit Project of the Royal College of Anaesthetists and the Difficult Airway Society. Part 2: intensive care and emergency departments. Br J Anaesth. 2011;106:632-42. Problemas como intubação tardia, tubo traqueal mal colocado ou traumas causados às vias aéreas são encontrados com frequência em pacientes ambulatoriais e podem causar morte ou lesão cerebral hipóxica.22 Woodall NM, Benger JR, Harper JS, et al. Airway management complications during anaesthesia, in intensive care units and in emergency departments in the UK. Curr Anaesth Crit Care. 2012;2:58-64.,33 Metzner J, Posner KL, Lam MS, et al. Closed claims’ analysis. Best Pract Res Clin Anaesthesiol. 2011;25:263-76.

A videolaringoscopia mostrou ser útil para intubação de pacientes com via aérea difícil.44 Aziz MF, Dillman D, Fu R, et al. Comparative effectiveness of the C-MAC video laryngoscope versus direct laryngoscopy in the setting of the predicted difficult airway. Anesthesiology. 2012;116:629-36. Com uma câmera e fonte de luz na ponta de sua lâmina, o videolaringoscópio King Vision (VLKV) fornece uma visão indireta da glote sem precisar alinhar os eixos (oral, faríngeo e traqueal). Isso permite considerar circunstâncias que causem menos danos aos tecidos durante a laringoscopia, leva ao uso bem-sucedido do VLKV em intubação com o paciente acordado.55 Gaszynska E, Gaszynski T. The King Vision video laryngoscope for awake intubation: series of cases and literature review. Ther Clin Risk Manag. 2014;10:475-8. Vários estudos relataram que o VLKV proporcionou vistas melhores da glote em comparação com outros laringoscópios, quando usado por aprendizes ou em estudos com manequins simulando cenários de via aérea difícil.66 Akihisa Y, Maruyama K, Koyama Y, et al. Comparison of intubation performance between the King Vision and Macintosh laryngoscopes in novice personnel: a randomized, crossover manikin study. J Anesth. 2014;28:51-7.88 Yun BJ, Brown CA, Grazioso CJ, et al. Comparison of video, optical, and direct laryngoscopy by experienced tactical paramedics. Prehosp Emerg Care. 2014;18:442-5. Contudo, ainda não está claro se esses resultados podem se traduzir em taxas mais altas de intubação bem-sucedida ou em tempo de intubação menor quando o VLKV é usado por anestesiologistas experientes.99 Asai T. Videolaryngoscopes: do they truly have roles in difficult airways?. Anesthesiology. 2012;116:515-7.,1010 Miceli L, Cecconi M, Tripi G, et al. Evaluation of new laryngoscope blade for tracheal intubation Truview EVO2: a manikin study. Eur J Anaesthesiol. 2008;25:446-9.

Este estudo teve como objetivo comparar a eficiência do uso de um VLKV com lâminas canalizadas de tamanho 3 padrão versus o uso de um laringoscópio Macintosh, em pacientes adultos com diferentes condições de intubação, programados para anestesia geral. Nos casos em que o uso da lâmina canalizada do VLKV não obteve sucesso, o laringoscópio Macintosh foi então comparado com o VLKV com o uso de uma lâmina não canalizada.

Material e métodos

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética Local (nº 2014/109) e registrado no ClinicalTrials.gov (Identificador: NCT02482870). Todos os pacientes assinaram o termo de consentimento informado antes de sua inclusão no estudo.

Todos os pacientes agendados para anestesia geral com intubação endotraqueal em um hospital universitário foram incluídos no estudo. Os critérios de exclusão foram: cirurgia de emergência; idade inferior a 18 ou superior a 60 anos; distância interincisivos < 2 cm; classificação ASA II; anquilose; osteoartrite degenerativa; massa glótica ou supraglótica (como tireoide lingual ou hipertrofia tonsilar); massas mediastinais; anomalia da orofaringe (como estenose subglótica) e ser portador de Treacher-Collins, Pierre Robin ou síndrome de Down. Os pacientes também foram excluídos se tivessem história de cirurgia, ou cirurgia programada para qualquer uma dessas condições.

No dia da cirurgia, os pacientes alocados foram levados para a sala de cirurgia e pré-medicados com midazolam intravenoso (0,04 mg.kg−1), antes da avaliação de suas vias aéreas e mensurações antropométricas (distância tireomentoniana e esternomentoniana, classe de Mallampati modificada).1111 Ezri T, Warters RD, Szmuk P, et al. The incidence of class “zero” airway and the impact of mallampati score, age, sex, and body mass index on prediction of laryngoscopy grade. Anesth Analg. 2001;93:1073-5. A figura 1 mostra o diagrama de fluxo do estudo. A anestesia foi induzida por via intravenosa com fentanil (2 mcg.kg−1) e propofol (2 mg.kg−1), e rocurônio IV (1 mg.kg−1) foi administrado para o relaxamento muscular.

Figura 1
Diagrama de fluxo do estudo Consort.

Após a ventilação com máscara por 3 min, anestesiologistas experientes em videolaringoscopia fizeram as laringoscopias com o uso tanto do laringoscópio Macintosh quanto do VLKV com lâminas canalizadas de tamanho 3, sequencialmente. Os anestesiologistas não tinham conhecimento da avaliação pré-operatória das vias aéreas, inclusive qualquer história de intubação difícil, e determinaram a ordem dos laringoscópios ao lançar uma moeda (cara ou coroa) durante o período de pré-oxigenação. Nos casos em que a intubação com a lâmina canalizada do VLKV não foi bem-sucedida, usou-se uma lâmina não canalizada. Lâminas canalizadas e não canalizadas de tamanho 3 padrão estavam disponíveis para o VLKV, mas o laringoscopista estava livre para escolher uma lâmina adequada de qualquer tamanho para o laringoscópio Macintosh. Havia cinco laringoscopistas, com uma média de 9,8 ± 3,3 anos de experiência com laringoscópio Macintosh e 1,2 ± 0,4 ano com o VLKV.

Os desfechos primários foram o sucesso da intubação na primeira tentativa e o tempo de intubação. Os desfechos secundários foram o tempo de melhor visibilização da glote, tempo de ventilação, graus de Cormack-Lehane obtidos por cada laringoscópio e complicações relacionadas à laringoscopia e intubação. Tais complicações incluíram cortes, sangramento, danos aos dentes, laringoespasmo, broncoespasmo, dessaturação abaixo de 90% e condições de “não pode intubar” ou “não pode intubar, não pode ventilar”.

O tamanho da amostra foi calculado de acordo com os primeiros 60 pacientes que obtiveram taxas de sucesso de intubação de 91,7% e 96,7% com o laringoscópio Macintosh e o VLKV, respectivamente. Foram necessários 378 pacientes para obter um poder de 90% com um erro alfa de 0,05, mas 388 pacientes foram incluídos para compensar possíveis desistências devido a erros de registro ou administrativos.

Os dados foram analisados com o programa R versão 3.2.5 (R Foundation for Statistical Computing, Viena, Áustria). O teste de Levene foi usado para testar a normalidade das distribuições. Os dados paramétricos (tempos de melhor visibilização da glote, de intubação e de ventilação) foram expressos em média (desvio-padrão) e analisados com o teste t de Student para duas amostras. Os dados não paramétricos (idade, altura, peso, índice de massa corporal, distância tireomentoniana, distância esternomentoniana e distância interincisivos) foram expressos em mediana (IQR [intervalo]) e analisados com o teste dos postos sinalizados de Wilcoxon, que também foi usado para analisar a melhoria na visibilização da glote. Os dados categóricos (sexo, presença de apneia obstrutiva do sono e ronco, estado ASA, classe de Mallampati modificada, grau de visibilização em laringoscopia e ocorrências de complicações) foram expressos em números (porcentagem) e analisados com o teste do qui-quadrado em tabela de contingência. A correlação do grau de visibilização com as variáveis sexo, índice de massa corporal, distância tireomentoniana, distância esternomentoniana e distância interincisivos foi analisada por meio de regressão logística multivariada. Um valor de p < 0,05 foi considerado estatisticamente significativo.

Resultados

Os dados de 388 pacientes (158 mulheres, 230 homens), coletados de janeiro a junho de 2014, foram analisados. Os pacientes mostraram uma distribuição homogênea para todos os parâmetros demográficos, exceto idade; os dados demográficos estão resumidos na tabela 1.

Tabela 1
Características basais e variáveis antropométricas dos pacientes

Intubação bem-sucedida na primeira tentativa

A tabela 2 mostra as taxas de sucesso da intubação na primeira tentativa. Resumidamente, a diferença entre as taxas de insucesso dos laringoscópios durante a primeira tentativa não foi estatisticamente significativa. Os dados sobre os pacientes que não puderam ser intubados com o laringoscópio Macintosh ou o VLKV com lâmina canalizada são apresentados na tabela 3. Resumidamente, em casos de insucesso na intubação, o tempo médio de intubação com a lâmina não canalizada foi significativamente menor, em comparação tanto com a lâmina canalizada quanto com o laringoscópio Macintosh (p < 0,001 em ambos os casos). Não houve impossibilidade de intubação em qualquer dos pacientes com pelo menos um dos laringoscópios.

Tabela 2
Desfechos primários e secundários
Tabela 3
Intubação bem-sucedida e tempo de intubação nos pacientes que não puderam ser intubados com qualquer dos laringoscópios do estudo

Tempos de melhor visibilização da glote, de intubação e de ventilação

Os tempos de melhor visibilização da glote, de intubação e de ventilação (período apneico total) são apresentados na tabela 2. Para o laringoscópio Macintosh, o tempo de visibilização da glote foi menor em 250 (64,4%) de 388 pacientes, o tempo de intubação foi menor em 288 pacientes (74,2%) e a duração da apneia foi menor em 286 pacientes (73,7%), com um período apneico total significativamente menor em comparação com o VLKV. Nenhum paciente permaneceu em apneia por mais de 107s. Quando as tentativas malsucedidas de intubação com ambos os laringoscópios foram excluídas, o tempo de intubação com ambos os laringoscópios foi semelhante (tabela 2) (p = 0,068).

Graus de visibilização na laringoscopia obtidos para cada laringoscópio

As figuras 2 e 3 mostram as melhorias na visibilização da glote com o laringoscópio Macintosh e o VLKV, respectivamente. Com o laringoscópio Macintosh, o grau de visibilização melhorou para a maioria dos pacientes com Mallampati modificado classes I e II, mas permaneceu o mesmo para a maioria daqueles com classes III e IV (fig. 2). Com o VLKV, no entanto, a maioria dos pacientes melhorou o grau de visibilização (fig. 3). Uma comparação da Classificação de Lehane (CL) obtida com ambos os laringoscópios é apresentada na figura 4, mostra que o VLKV obteve uma melhoria significativa da visibilização da glote em comparação com o laringoscópio Macintosh (IC de 95% −0,95 a −0,67, p < 0,001). A CL não apresentou forte correlação com a classificação modificada de Mallampati em qualquer dos laringoscópios. A distância esternomentoniana foi a única variável antropométrica a fornecer uma correlação significativa entre as classificações de Lehane e de Mallampati.

Figura 2
Representação gráfica da classificação de Mallampati e dos graus de visibilização em laringoscopia de Cormack-Lehane correspondentes obtidos com o Macintosh.
Figura 3
Representação gráfica da classificação de Mallampati e dos graus de visibilização em laringoscopia de Cormack-Lehane obtidos com o King Vision.
Figura 4
Representação gráfica de melhoria na visibilidade da glote obtida com o King Vision em comparação com o Macintosh.

Complicações relacionadas à laringoscopia e intubação

As complicações foram restritas a pequenos cortes nos lábios, afetaram quatro pacientes com o laringoscópio Macintosh e seis com o VLKV. Não houve incidentes de broncoespasmo, dessaturação abaixo de 94% ou situação de “não ventila, não intuba”. A saturação média do oxigênio periférico foi de 95,8% ± 1%.

Discussão

Sabe-se que o grau de visibilização em laringoscopia aumenta com a classificação de Mallampati.1111 Ezri T, Warters RD, Szmuk P, et al. The incidence of class “zero” airway and the impact of mallampati score, age, sex, and body mass index on prediction of laryngoscopy grade. Anesth Analg. 2001;93:1073-5. Este estudo demonstrou que apesar de estar associado a um tempo prolongado de intubação, o VLKV melhora significativamente o grau de visibilização, comparado ao laringoscópio Macintosh, com uma taxa semelhante de intubação bem-sucedida na primeira tentativa e um nível similar de dessaturação. O ponto forte deste estudo é que ele avaliou o desempenho de ambos os laringoscópios em pacientes reais com condições variáveis de intubação e forneceu uma comparação pareada de seus desempenhos.

Dois estudos anteriores nos quais paramédicos usaram laringoscópios tanto em manequins quanto em cadáveres mostraram melhoria acentuada na taxa de sucesso global de intubação com o VLKV em comparação com o laringoscópio Macintosh (100% vs. 69,7% e 91,5% vs. 64,9%, respectivamente).77 Murphy LD, Kovacs GJ, Reardon PM, et al. Comparison of the King Vision video laryngoscope with the Macintosh laryngoscope. J Emerg Med. 2014;47:239-46.,1212 Jarvis JL, McClure SF, Johns D. EMS intubation improves with King Vision video laryngoscopy. Prehosp Emerg Care. 2015;19:482-9. Em contraste, o presente estudo encontrou taxas semelhantes de sucesso de intubação global com o laringoscópio Macintosh e o VLKV (94,3% vs. 96,6%). Essa diferença marcante pode ser devida à participação de paramédicos nos estudos mencionados, enquanto nosso estudo teve a participação de laringoscopistas experientes.

Alvis et al. compararam o VLKV com o videolaringoscópio McGrath MAC e relataram uma taxa global de 89% para intubação bem-sucedida usando o VLKV com lâmina canalizada.1313 Apfelbaum JL, Hagberg CA, Caplan RA, et al. Practice guidelines for management of the difficult airwayan updated report by the American Society of Anesthesiologists Task Force on Management of the Difficult Airway. Anesthesiology. 2013;118:251-70. Essa taxa de sucesso comparativamente baixa é surpreendente, tendo em vista que tiveram a participação de pacientes cirúrgicos com intubação fácil prevista. Em contraste, os pacientes que não conseguimos intubar com a lâmina canalizada do VLKV apresentavam classificações altas de Mallampati e história de apneia obstrutiva do sono, ambas associadas à intubação difícil.1313 Apfelbaum JL, Hagberg CA, Caplan RA, et al. Practice guidelines for management of the difficult airwayan updated report by the American Society of Anesthesiologists Task Force on Management of the Difficult Airway. Anesthesiology. 2013;118:251-70.

Embora tenham conduzido um estudo com manequins, Schoettker et al. relataram tempos semelhantes de ventilação usando o VLKV.1414 Schoettker P, Corniche J. The airview study: comparison of intubation conditions and ease between the airtraq-airview and the King Vision. Biomed Res Int. 2015;2015:284142. A mediana do tempo de ventilação com o VLKV foi de 17,9 s (IQR 13,6–28,5), em comparação com os 21,2 s (15,3–29,1) registrados neste estudo. Os autores também relataram uma média de exposição ao manejo das vias aéreas (12 ± 9,9) semelhante à encontrada neste estudo, reforçando que o nível de experiência do laringoscopista é fundamental para o tempo de intubação.

Cortellazzi et al. relataram que um anestesiologia estagiário que fez cerca de 50 laringoscopias diretas bem-sucedidas precisaria fazer 76 intubações com sistema Glidescope para atingir uma taxa de probabilidade de 90% de intubação ideal.1515 Cortellazzi P, Caldiroli D, Byrne A, et al. Defining and developing expertise in tracheal intubation using a GlideScope (R) for anaesthetists with expertise in Macintosh direct laryngoscopy: an in-vivo longitudinal study. Anaesthesia. 2015;70:290-5. Em comparação com o estudo de Cortellazzi, este estudo incluiu apenas anestesiologistas experientes; portanto, não observamos tal curva de aprendizado.

A visibilização da glote e a intubação da maioria dos pacientes deste estudo ocorreram em menor tempo com o laringoscópio Macintosh. A lâmina canalizada do VLKV requer uma distância interincisivos de pelo menos 18 mm, de modo que os pacientes com uma distância interincisivos inferior a 20 mm foram excluídos do estudo. O grande corte transversal da lâmina canalizada parece ser a principal desvantagem do VLKV, especialmente em pacientes com capacidade limitada de abertura da boca.1616 Cierniak M, Timler D, Wieczorek A, et al. The comparison of the technical parameters in endotracheal intubation devices: the Cmac, the Vividtrac, the McGrath Mac and the Kingvision. J Clin Monit Comput. 2016;30:379-87.

Como a lâmina canalizada tem um túnel estreito, pré-carregamos o tubo endotraqueal com um estilete pré-moldado, como feito anteriormente em estudos similares.77 Murphy LD, Kovacs GJ, Reardon PM, et al. Comparison of the King Vision video laryngoscope with the Macintosh laryngoscope. J Emerg Med. 2014;47:239-46. Durante todo o estudo, a maior parte do tempo foi gasta com a inserção da lâmina canalizada do VLKV na boca e com o alinhamento da extremidade do tubo endotraqueal pré-carregado à traqueia. Essa observação está de acordo com o artigo de Miceli et al., no qual a visibilização da glote através dos videolaringoscópios foi obtida com um ângulo indireto, requereu que o tubo endotraqueal fosse preparado com um ângulo mais estreito ou após a visibilização da glote, o que pode prolongar o tempo de intubação.1010 Miceli L, Cecconi M, Tripi G, et al. Evaluation of new laryngoscope blade for tracheal intubation Truview EVO2: a manikin study. Eur J Anaesthesiol. 2008;25:446-9.

Embora o tempo médio gasto com o VLKV não seja clinicamente significativo (apenas 1 s durante a laringoscopia e 4 s durante as tentativas de intubação), sua lâmina canalizada representou um obstáculo significativo ao seu uso. No caso de 13 pacientes que não puderam ser intubados com a lâmina canalizada do VLKV, o tempo de intubação foi similar e até um pouco melhor com a lâmina não canalizada do VLKV, em comparação com o laringoscópio Macintosh.

Alvis et al. também relataram que as mesmas dificuldades foram observadas ao introduzir a lâmina canalizada do VLKV na boca do paciente e passar o tubo através da lâmina canalizada dentro da abertura da glote.1717 Alvis BD, Hester D, Watson D, et al. Randomized controlled trial comparing the McGrath MAC video laryngoscope with the King Vision video laryngoscope in adult patients. Minerva Anestesiol. 2016;82:30-5. Os anestesiologistas participantes deste estudo eram bem mais experientes (cada um deles com experiência de mais de 5.000 intubações com o laringoscópio Macintosh e mais de 300 intubações com o VLKV), em comparação com o estudo conduzido por Alvis et al. (residentes em anestesiologia com experiência de mais de 100 intubações); porém, observamos as mesmas dificuldades. Nossa opinião é que a lâmina canalizada do VLKV não é um instrumento útil.

É notável o contraste entre esses dados e os resultados encontrados por Akihisa et al., que avaliaram intubações feitas por enfermeiros com o uso do VLKV (com lâminas canalizadas e não canalizadas) e o laringoscópio Macintosh em modelos de vias aéreas.66 Akihisa Y, Maruyama K, Koyama Y, et al. Comparison of intubation performance between the King Vision and Macintosh laryngoscopes in novice personnel: a randomized, crossover manikin study. J Anesth. 2014;28:51-7. Os autores ministraram um curso limitado de intubação com laringoscopia direta e VLKV a enfermeiros sem experiência prévia em intubação traqueal e observaram um tempo significativamente maior para a intubação e uma taxa menor de sucesso com a lâmina não canalizada. Esses achados contrastantes enfatizam a importância da experiência do laringoscopista ao avaliar a eficiência de dois dispositivos para o manejo das vias aéreas.1818 Asai T, Saito T, Okuda Y. In reply: efficacy of a new videolaryngoscope; what we should assess?. J Anesth. 2013;27:474-5. Essas descobertas sugerem que a lâmina canalizada pode ser útil em casos de emergência quando anestesiologistas experientes não estão disponíveis.

O tamanho de nossa amostra foi calculado de acordo com os dados obtidos dos primeiros 60 participantes, a diferença na taxa de sucesso de intubação foi a única variável considerada. Isso pode explicar por que uma diferença clinicamente insignificante no tempo de intubação resultou em uma significância estatística tão grande nos outros desfechos mensurados.

Como a intubação de cada paciente foi feita sequencialmente com ambos os laringoscópios, pode-se argumentar que a primeira laringoscopia poderia ter dado uma vantagem ao segundo laringoscópio. Para minimizar esse efeito, optamos por randomizar a ordem dos dispositivos em vez de aplicar cada laringoscópio aos diferentes pacientes, pois acreditamos que a comparação pareada desses laringoscópios em pacientes reais com anatomias variáveis das vias aéreas é importante.

Há duas revisões recentes que compararam videolaringoscopia e laringoscopia direta em pacientes adultos que precisaram de intubação traqueal eletiva.1919 Lewis SR, Butler AR, Parker J, et al. Videolaryngoscopy versus direct laryngoscopy for adult patients requiring tracheal intubation: a cochrane systematic review. Br J Anaesth. 2017;119:369-83.,2020 Pieters BMA, Mass EHA, Knape JTA, et al. Videolaryngoscopy vs. direct laryngoscopy use by experienced anaesthetists in patients with known difficult airways: a systematic review and meta-analysis. Anaesthesia. 2017;72:1532-41. Ambas as revisões concluíram que os videolaringoscópios são úteis para a intubação de pacientes com via aérea difícil.

A primeira revisão incluiu estudos que compararam qualquer tipo de videolaringoscópio com o laringoscópio Macintosh.1919 Lewis SR, Butler AR, Parker J, et al. Videolaryngoscopy versus direct laryngoscopy for adult patients requiring tracheal intubation: a cochrane systematic review. Br J Anaesth. 2017;119:369-83. Em 64 ensaios clínicos randomizados, as taxas de intubações bem-sucedidas dos laringoscópios foram semelhantes em comparação com o Macintosh; porém, o C-MAC apresentou melhor desempenho que o Macintosh. A revisão menciona que a análise foi prejudicada por definições heterogêneas sobre a experiência dos laringoscopistas e tempos relatados para a intubação traqueal. A revisão definiu “operador experiente” como a realização de pelo menos 20 intubações com videolaringoscópio e identificou 47 ensaios clínicos nos quais anestesiologistas experientes fizeram laringoscopias. Porém, não havia dados sobre o número de intubações feitas pelos operadores em metade desses ensaios clínicos; enquanto a outra metade forneceu informações simbólicas como “experiente” ou “usuário rotineiro de videolaringoscópio”. A experiência dos operadores variou entre 10 e 300 e “treinamento com manequim” e “especialista”. Além disso, há um ensaio clínico que excluiu pacientes com classificação de Mallampati superior a II2121 Troy AM, Hutchinson RC, Easy WR, et al. Tracheal intubating conditions using propofol and remifentanil target-controlled infusions. Anaesthesia. 2002;57:1204-7. e outro que excluiu pacientes com grau de Cormack-Lehane superior a I.2222 Carassiti M, Zanzonico R, Cecchini S, et al. Force and pressure distribution using Macintosh and GlideScope laryngoscopes in normal and difficult airways: a manikin study. Br J Anaesth. 2012;108:146-51. Embora os resultados da revisão corroborem nossos achados, essa heterogeneidade entre os ensaios clínicos mostra que os resultados dependem das condições de intubação e da experiência do laringoscopista.

A segunda revisão selecionou nove ensaios clínicos, inclusive pacientes com suspeita de via aérea difícil e anestesiologistas experientes.2020 Pieters BMA, Mass EHA, Knape JTA, et al. Videolaryngoscopy vs. direct laryngoscopy use by experienced anaesthetists in patients with known difficult airways: a systematic review and meta-analysis. Anaesthesia. 2017;72:1532-41. Embora nenhum dos ensaios clínicos incluídos tenha comparado VLKV e Macintosh, essa revisão é mais comparável ao nosso estudo porque incluiu ensaios clínicos que compararam videolaringoscopia com laringoscopia direta para o mesmo paciente. A revisão corrobora nossa conclusão de que a visibilização da glote melhora com os videolaringoscópios.

Conclusão

Este estudo prospectivo constatou que anestesiologistas experientes podem obter taxas semelhantes de sucesso na primeira tentativa de intubação e de traumas das vias aéreas com o VLKV e o laringoscópio Macintosh. O VLKV é inferior ao laringoscópio Macintosh em termos de tempo até a melhor visibilização da glote e tempo de intubação, mas isso não causa dessaturação clinicamente significativa. A lâmina não canalizada do VLKV pode ser útil nos casos em que ambos os laringoscópios falhem na intubação do paciente.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2018

Histórico

  • Recebido
    23 Ago 2017
  • Aceito
    16 Abr 2018
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