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Avaliação ecocardiográfica transtorácica do débito cardíaco feita por médicos da unidade de terapia intensiva em pacientes críticos sob ventilação mecânica

Resumo

Justificativa e objetivos:

A ecocardiografia transtorácica pode ser potencialmente útil para obter uma estimativa rápida, precisa e não invasiva do débito cardíaco. Avaliamos se os intensivistas não cardiologistas podem obter uma determinação precisa e reprodutível do débito cardíaco em pacientes mecanicamente ventilados e hemodinamicamente instáveis.

Métodos:

Avaliamos 25 pacientes em unidade de terapia intensiva, mecanicamente ventilados, hemodinamicamente instáveis, com cateteres de artéria pulmonar posicionados. O débito cardíaco foi calculado com a técnica de ecocardiografia transtorácica com Doppler pulsátil aplicada à via de saída do ventrículo esquerdo no corte apical (5-câmaras) por dois médicos intensivistas que receberam treinamento básico em ecocardiografia transtorácica e treinamento específico focado em Doppler, via de saída do ventrículo esquerdo e determinação da integral de tempo-velocidade.

Resultados:

A avaliação do débito cardíaco pelo ecocardiograma transtorácico foi factível em 20 dos 25 pacientes inscritos (80%) e mostrou excelente reprodutibilidade entre operadores (teste de correlação de Pearson r = 0,987; K de Cohen = 0,840). No geral, o viés médio foi de 0,03 L.min-1, com limites de concordância de -0,52 e +0,57 L.min-1. O coeficiente de correlação de concordância (ρc) foi 0,986 (95% IC 0,966-0,995) e 0,995 (95% IC 0,986-0,998) para os médicos 1 e 2, respectivamente. O valor de precisão (Cb) da mensuração de COTTE foi de 0,999 para ambos os observadores. O valor de precisão (ρ) da mensuração de COTTE foi de 0,986 e 0,995 para os observadores 1 e 2, respectivamente.

Conclusões:

Um treinamento específico focado na determinação do Doppler e VTI, adicionado ao treinamento padrão em ecocardiografia transtorácica básica, permitiu que médicos não cardiologistas da unidade de terapia intensiva obtivessem uma avaliação rápida, reprodutível e precisa do débito cardíaco instantâneo na maioria dos pacientes mecanicamente ventilados em unidade de terapia intensiva.

PALAVRAS-CHAVE
Débito cardíaco; Ecocardiografia transtorácica; Cateter de artéria pulmonar; Unidade de Terapia Intensiva

Abstract

Background and objectives:

Transthoracic echocardiography may potentially be useful to obtain a prompt, accurate and non-invasive estimation of cardiac output. We evaluated whether non-cardiologist intensivists may obtain accurate and reproducible cardiac output determination in hemodynamically unstable mechanically ventilated patients.

Methods:

We studied 25 hemodynamically unstable mechanically ventilated intensive care unit patients with a pulmonary artery catheter in place. Cardiac output was calculated using the pulsed Doppler transthoracic echocardiography technique applied to the left ventricular outflow tract in apical 5 chamber view by two intensive care unit physicians who had received a basic Transthoracic Echocardiography training plus a specific training focused on Doppler, left ventricular outflow tract and velocity-time integral determination.

Results:

Cardiac output assessment by transthoracic echocardiography was feasible in 20 out of 25 enrolled patients (80%) and showed an excellent inter-operator reproducibility (Pearson correlation test r = 0.987; Cohen's K = 0.840). Overall, the mean bias was 0.03 L.min-1, with limits of agreement -0.52 and +0.57 L.min-1. The concordance correlation coefficient (ρc) was 0.986 (95% IC 0.966-0.995) and 0.995 (95% IC 0.986-0.998) for physician 1 and 2, respectively. The value of accuracy (Cb) of COTTE measurement was 0.999 for both observers. The value of precision (ρ) of COTTE measurement was 0.986 and 0.995 for observer 1 and 2, respectively.

Conclusions:

A specific training focused on Doppler and VTI determination added to the standard basic transthoracic echocardiography training allowed non-cardiologist intensive care unit physicians to achieve a quick, reproducible and accurate snapshot cardiac output assessment in the majority of mechanically ventilated intensive care unit patients.

KEYWORDS
Cardiac output; Transthoracic echocardiography; Pulmonary artery catheter; Intensive Care Unit

Introdução

A avaliação do débito cardíaco (DC) pode ajudar no manejo de pacientes com hemodinâmica comprometida em unidades de emergência e terapia intensiva (UTI) e facilitar o tratamento imediato e adequado.

O uso do cateter de artéria pulmonar (CAP), no entanto, está globalmente diminuindo e a sua recomendação é somente para casos mais complexos e graves.11 Vincent JL, Pinsky MR, Sprung CL, et al. The pulmonary artery catheter: in medio virtus. Crit Care Med. 2008;36:3093-6.

2 Rajaram SS, Desai NK, Kalra A, et al. Pulmonary artery catheters for adult patients in intensive care. Cochrane Database Syst Rev. 2013;2:CD003408.
-33 Chatterjee K. The Swan-Ganz catheters: past, present, and future. A viewpoint. Circulation. 2009;119:147-52. Os últimos anos evidenciaram uma maior disponibilidade de dispositivos menos invasivos, em associação com outras variáveis hemodinâmicas substitutas para estimar o DC. A invasividade, complexidade, limitações técnicas e custos desses dispositivos, no entanto, nunca foram ponderados em relação ao benefício clínico e as indicações e o tempo adequado de aplicação permanecem incertos.11 Vincent JL, Pinsky MR, Sprung CL, et al. The pulmonary artery catheter: in medio virtus. Crit Care Med. 2008;36:3093-6.

2 Rajaram SS, Desai NK, Kalra A, et al. Pulmonary artery catheters for adult patients in intensive care. Cochrane Database Syst Rev. 2013;2:CD003408.
-33 Chatterjee K. The Swan-Ganz catheters: past, present, and future. A viewpoint. Circulation. 2009;119:147-52. O ecocardiograma transtorácico (ETT) foi proposto há décadas como um meio de obter uma determinação instantânea não invasiva do DC (DCETT).44 Coats AJ. Doppler ultrasonic measurement of cardiac output: reproducibility and validation. Eur Heart J. 1990;11(Suppl. I):49-61. Quando feita por ETT por cardiologistas experientes, a DCETT forneceu uma estimativa confiável do DC em pacientes clinicamente estáveis com insuficiência cardíaca crônica, em comparação com a avaliação do DC via CAP (DCCAP).55 Gola A, Pozzoli M, Capomolla S, et al. Comparison of Doppler echocardiography with thermodilution for assessing cardiac output in advanced congestive heart failure. Am J Cardiol. 1996;78:708-12. Algumas séries de casos publicadas em meados dos anos 90 indicaram os potenciais da técnica ecocardiográfica também em pacientes críticos.66 Dabaghi SF, Rokey R, Rivera JM, et al. Comparison of echocardiographic assessment of cardiac hemodynamics in the intensive care unit with right-sided cardiac catheterization. Am J Cardiol. 1995;76:392-5.,77 Feinberg MS, Hopkins WE, Davila-Roman VG, et al. Multiplane transesophageal echocardiographic doppler imaging accurately determines cardiac output measurements in critically ill patients. Chest. 1995;107:769-73. Apesar desses relatos iniciais positivos, essas investigações não tiveram continuidade em outros estudos ou tiveram aplicação clínica difusa, provavelmente devido ao problema de disponibilidade imediata de cardiologistas experientes em ETT nos setores de emergência e de UTI.88 Melamed R, Sprenkle MD, Ulstad VK, et al. Assessment of left ventricular function by intensivists using hand-held echocardiography. Chest. 2009;135:1416-20. Trabalhos recentes, no entanto, mostram que médicos dos setores de emergência e UTI podem proficientemente fazer exames básicos de ETT para avaliar qualitativamente a função ventricular esquerda e o estado volêmico e a responsividade após um treinamento relativamente breve na aquisição e interpretação de imagens,88 Melamed R, Sprenkle MD, Ulstad VK, et al. Assessment of left ventricular function by intensivists using hand-held echocardiography. Chest. 2009;135:1416-20.,99 Jones AE, Tayal VS, Sullivan DM, et al. Randomized, controlled trial of immediate versus delayed goal-directed ultrasound to identify the cause of nontraumatic hypotension in emergency department patients. Crit Care Med. 2004;32:1703-8. com a vantagem da disponibilidade imediata de um ETT e possibilidade de exames repetidos para avaliar a resposta às intervenções terapêuticas.1010 Marik PE, Mayo P. Certification and training in critical care ultrasound. Intensive Care Med. 2008;34:215-7.

Portanto, desenhamos este estudo para avaliar se os intensivistas não cardiologistas podem obter uma determinação do DC bastante precisa e reprodutível em pacientes sob ventilação mecânica hemodinamicamente instáveis.

Material e métodos

O estudo foi feita em uma UTI com 14 leitos de um hospital universitário, de acordo com os princípios descritos na Declaração de Helsinque. A aprovação ética para este estudo (Comitê de Ética n° CE44/11) foi fornecida pelo Comitê de Ética Institucional do Hospital Universitário Maggiore della Carità. Assinatura em termo de consentimento informado foi obtida antes da inclusão no estudo de cada paciente inscrito. Consideramos elegível qualquer paciente de UTI com idade ≥ 18 anos e CAP já colocado para fins clínicos. Os critérios de exclusão foram a priori (1), (a) pacientes com arritmias ou (b) doença valvar aórtica moderada ou grave conhecida e, durante a avaliação do ETT (2), (a) janela acústica inadequada, (b) detecção de doença valvular aórtica moderada ou grave desconhecida, (c) detecção de regurgitação valvular tricúspide moderada ou grave desconhecida.

O ETT foi feita por dois médicos de UTI que já haviam recebido um treinamento básico (curso de três horas de ETT seguido de seis horas de manejo prático e 50 avaliações de ETT supervisionadas), ministrado por um cardiologista especialista em ultrassonografia, focado em imagens ecocardiográficas padronizadas e identificação de achados patológicos e valvares relevantes. Além disso, foram submetidos a um treinamento específico focado em Doppler contínuo e pulsátil, via de saída do ventrículo esquerdo (Left Ventricular Outflow Tract - LVOT) e integral da velocidade-tempo (Velocity-Time Integral - VTI) (curso de cinco horas seguido de seis horas de manejo prático). Antes do início do estudo, ambos os médicos de UTI fizeram no mínimo 25 avaliações supervisionadas de VTI e LVOT com sucesso; portanto, ambos haviam completado sua curva de aprendizado e estavam aptos a avaliar corretamente tanto LVOT quanto VTI, como certificado pelo especialista em ultrassonografia cardíaca.

Para cada paciente, DCCAP foi determinado com um cateter Swan-Ganz (Edwards Lifesciences, Irvine, CA, EUA) como a média de três medidas consecutivas de termodiluição (IntelliVue MX700, Philips, Holanda) pelo médico assistente. As medidas foram postergadas quando ocorreram alterações na hemodinâmica que exigiram intervenção (ou seja, administração de líquidos ou mudança na terapia vasoativa). Imediatamente após a avaliação do DCCAP, os dois investigadores, cegados um para o outro e para os valores do DCCAP, fizeram o ETT sequencialmente com um dispositivo portátil de uso em nossa UTI (MyLab 30 CV, Esaote, Itália), de acordo com uma sequência aleatória predeterminada. Tanto o DCCAP quanto o DCETT foram medidos com o paciente em posição supina ou semirreclinada. A determinação do DCETT foi obtida pelo método LVOT, de acordo com a técnica originalmente proposta por Dubin et al.1111 Dubin J, Wallerson DC, Cody RJ, et al. Comparative accuracy of Doppler echocardiographic methods for clinical stroke volume determination. Am Heart J. 1990;120:116-23. Resumidamente, a LVOT foi medida em sístole a partir da vista do eixo longo paraesternal logo abaixo da inserção das cúspides aórticas e a área foi então calculada de acordo para a fórmula πr 2 (fig. 2A). Três mensurações foram calculadas. A velocidade do fluxo da LVOT foi medida por Doppler de onda pulsada a partir da visão apical de cinco câmaras. O volume da amostra foi posicionado no meio da via de saída imediatamente abaixo das cúspides aórticas e as integrais da velocidade-tempo, registradas ao longo de cinco ciclos cardíacos consecutivos e digitalizadas com o uso da convenção de ponta (fig. 2B). O DC foi então calculado automaticamente, de acordo com a fórmula VTI × LVOT área × FC, onde VTI é a integral da velocidade-tempo, LVOT é a área transversal da via de saída do ventrículo esquerdo e FC indica a média da frequência cardíaca instantânea de cinco ciclos cardíacos consecutivos, no curso da fase expiratória. Avaliamos tanto a concordância entre observadores quanto à correlação entre ETT e CAP. A correlação de Pearson foi usada para avaliar a concordância dos valores do DCETT obtidos pelos dois operadores para cada paciente. Um coeficiente de correlação > 0,8 com p < 0,05 foi considerado como indicativo de reprodutibilidade adequada. Além disso, o K de Cohen também foi calculado, conforme indicado ao comparar a mesma mensuração feita por dois ou mais operadores. A análise de Bland-Altman foi feita plotando para cada paciente a diferença entre os valores do DCCAP e as medidas correspondentes do DCETT obtidas individualmente pelos dois médicos de UTI.1212 Bland JM, Altman DG. Statistical methods for assessing agreement between two methods of clinical measurement. Lancet. 1986;1:307-10. Calculamos ainda os limites de concordância entre as duas técnicas, conforme proposto por Critchley et al.1313 Critchley LA, Critchley JA. A meta-analysis of studies using bias and precision statistics to compare cardiac output measurement techniques. J Clin Monit Comput. 1999;15:85-91. De acordo com os mesmos autores, avaliamos a concordância do ETT referente ao DCCAP com o coeficiente de correlação de concordância (ρc), que também permite determinar a precisão através do fator de correção de viés (Cb) e através do coeficiente de correlação de Pearson (ρ).1313 Critchley LA, Critchley JA. A meta-analysis of studies using bias and precision statistics to compare cardiac output measurement techniques. J Clin Monit Comput. 1999;15:85-91.

Figura 1
Fluxo de pacientes no estudo (UTI: unidade de terapia intensiva; CAP: cateter de artéria pulmonar).

Figura 2
Mensurações ecocardiográficas de um paciente representativo. A figura mostra: (A) mensuração do diâmetro da LVOT nas cúspides da válvula aórtica por meio da visão do eixo longo paraesternal (indicada por seta amarela) e (B) mensuração da integral de velocidade-tempo com o uso da visão apical de cinco câmaras (indicada como FVIA em nosso ultrassonógrafo). RV, ventrículo direito; VE, ventrículo esquerdo; LA, átrio esquerdo; LVOT, via de saída do ventrículo esquerdo; FVIA, integral de velocidade-fluxo (aorta).

Resultados

Durante o período de quatro meses do estudo, 25 pacientes dos 289 internados em UTI preencheram os critérios de inclusão. Desses 25 pacientes, dois foram excluídos a priori (um por fibrilação atrial de alta frequência ventricular e um por estenose aórtica grave conhecida) e três (um com pneumotórax esquerdo parcial após cirurgia torácica e dois com doença pulmonar obstrutiva crônica grave) devido à janela acústica inadequada, conforme indicado pelos dois operadores. Portanto, 20 pacientes (80%) foram incluídos na análise (fig. 1). Todos os pacientes foram submetidos à ventilação mecânica controlada por volume, a pressão expiratória final positiva (PEEP) variou entre 5-20 cm H2O, e receberam infusão sedativa contínua. Inotrópicos e/ou vasopressores foram administrados a todos os pacientes para tratamento de instabilidade hemodinâmica associada ao choque cardiogênico (cinco pacientes), síndrome do desconforto respiratório agudo (sete pacientes) e choque séptico (oito pacientes) (tabela 1).

Tabela 1
Características dos pacientes no momento da inscrição

A tabela 2 mostra para cada paciente, da esquerda para a direita, as determinações individuais do DCETT de cada operador, a média desses dois valores e as medidas correspondentes do DCCAP. O valor de r da correlação entre as determinações do DCETT pelos dois operadores foi de 0,98 e o K de Cohen de 0,84, indicou boa reprodutibilidade interobservadores.

Tabela 2
Valores do débito cardíaco determinado pelo ecocardiograma transtorácico e pelo cateter de artéria pulmonar

A figura 3 mostra o gráfico de Bland-Altman das diferenças entre os valores de DCCAP e DCETT obtidos pelos dois operadores. No geral, o viés médio foi de 0,03 L.min-1, com limites de concordância de -0,52 e + 0,57 L.min-1. O coeficiente de correlação de concordância (ρc) foi de 0,986 (IC 95% 0,966-0,995) e 0,995 (IC 95% 0,986-0,998) para os observadores 1 e 2, respectivamente. O valor de precisão (Cb) da mensuração do DCETT foi de 0,999 para ambos os observadores. O valor de precisão (ρ) da mensuração do DCETT foi de 0,986 e 0,995 para os observadores 1 e 2, respectivamente. Com base nos valores do DCETT obtidos pelos dois operadores, o limite de concordância previsto foi de 11%, definitivamente abaixo do limite de 30% identificado por Critchley et al. para definir concordância aceitável.1313 Critchley LA, Critchley JA. A meta-analysis of studies using bias and precision statistics to compare cardiac output measurement techniques. J Clin Monit Comput. 1999;15:85-91.

Figura 3
Gráfico de Bland-Altman das diferenças entre DCETT e DCCAP. Os valores de DCETT são obtidos com o cálculo da média das determinações dos dois observadores. DCETT, débito cardíaco determinado com ecocardiografia transtorácica; DCCAP, débito cardíaco determinado com cateter de artéria pulmonar; DP, desvio padrão.

Discussão

O principal achado de nosso estudo é que os médicos não cardiologistas de UTI que receberam treinamento relativamente breve sobre a determinação do Doppler e VTI, além do treinamento padrão em ETT básico, foram capazes de estimar com precisão o DC dos pacientes em UTI sob ventilação mecânica.

Atualmente, o uso do CAP está acentuadamente em declínio. As indicações específicas para a monitoração via CAP em UTI continuam a ser o diagnóstico e tratamento de insuficiência ventricular direita aguda e hipertensão pulmonar, a falha no desmame de origem cardíaca11 Vincent JL, Pinsky MR, Sprung CL, et al. The pulmonary artery catheter: in medio virtus. Crit Care Med. 2008;36:3093-6. e após cirurgia cardíaca.1414 Jacka MJ, Cohen MM, To T, et al. The appropriateness of the pulmonary artery catheter in cardiovascular surgery. Can J Anaesth. 2002;49:276-82. O CAP também continua a ser indicado em pacientes internados em UTI com insuficiência cardíaca grave que precisam de terapia com inotrópicos, vasopressores e/ou vasodilatadores.33 Chatterjee K. The Swan-Ganz catheters: past, present, and future. A viewpoint. Circulation. 2009;119:147-52. Porém, os pacientes de UTI em situação menos complexa sem alguma das indicações acima mencionadas para a monitoração do CAP também podem apresentar instabilidade hemodinâmica. Nesses pacientes, a adição de uma avaliação instantânea e não invasiva do DC pode ser valiosa para a escolha adequada entre líquidos e agentes inotrópicos ou vasoativos. Vale ressaltar que o ETT fornece informações que não se limitam à avaliação do DC e podem estar associadas à monitoração invasiva também em pacientes mais graves.

O ETT ganhou espaço na UTI e hoje é considerado uma ferramenta valiosa para avaliar a função ventricular esquerda, mesmo quando feito por intensivistas com um treinamento relativamente breve; além disso, alguns consideram o ETT como uma abordagem de primeira linha para a avaliação inicial da insuficiência hemodinâmica em UTI e para avaliar a responsividade a líquidos.1515 Vieillard-Baron A, Slama M, Cholley B, et al. Echocardiography in the intensive care unit: from evolution to revolution?. Intensive Care Med. 2008;34:243-9. De acordo com algumas séries de casos publicadas há quase duas décadas que indicam o ETT para estimar com precisão o DC quando feita por cardiologistas experientes,55 Gola A, Pozzoli M, Capomolla S, et al. Comparison of Doppler echocardiography with thermodilution for assessing cardiac output in advanced congestive heart failure. Am J Cardiol. 1996;78:708-12. nossos resultados indicam que o ETT oferece a possibilidade de atingir uma estimativa satisfatória do DC em pacientes sob ventilação mecânica para os quais o uso de CAP ou outras formas de monitoramento menos invasivos não são viáveis nem estritamente indicados. Vale ressaltar que nossos resultados foram obtidos por intensivistas após um treinamento relativamente breve, estenderam-se para pacientes em UTI ventilados mecanicamente os achados de um estudo anterior no qual o DCETT foi determinado por dois médicos de emergência, que haviam recebido anteriormente um treinamento de 20 horas por um especialista em ultrassonografia cardíaca em pacientes não críticos.1616 Dinh VA, Ko HS, Rao R, et al. Measuring cardiac index with a focused cardiac ultrasound examination in the ED. Am J Emerg Med. 2012;30:1845-51. Enquanto nesse estudo anterior os valores do DCETT determinados pelos dois médicos de setor de emergência foram comparados com aqueles obtidos por dois ultrassonografistas cardíacos certificados;1616 Dinh VA, Ko HS, Rao R, et al. Measuring cardiac index with a focused cardiac ultrasound examination in the ED. Am J Emerg Med. 2012;30:1845-51. em nosso estudo, comparamos o DCETT diretamente com o DCCAP.

Embora um treinamento adequado seja considerado essencial para uma tomada de decisão clínica baseada em ETT bem-sucedido,1010 Marik PE, Mayo P. Certification and training in critical care ultrasound. Intensive Care Med. 2008;34:215-7. há pouco consenso sobre o número de exames de ultrassonografia cardíaca a serem feitos pelos médicos de UTI antes de obter um treinamento apropriado. Um currículo básico e elementos de treinamento necessários para os médicos de UTI foram propostos por Mazraeshahi et al.,1717 Mazraeshahi RM, Farmer JC, Porembka DT. A suggested curriculum in echocardiography for critical care physicians. Crit Care Med. 2007;35:S431-3. que consideram 10-20 questionamentos bem-sucedidos adequados para atingir a competência processual na maioria das patologias aórticas.1717 Mazraeshahi RM, Farmer JC, Porembka DT. A suggested curriculum in echocardiography for critical care physicians. Crit Care Med. 2007;35:S431-3. No presente estudo, os dois médicos de UTI envolvidos, já treinados e experientes em ETT básico, receberam um treinamento específico para a determinação de LVOT e VTI, inclusive um mínimo de 25 avaliações bem-sucedidas. De acordo com o trabalho anterior, nossos resultados indicam que esse treinamento específico, bastante limitado, é adequado para fazer um ETT voltado para o objetivo, como a avaliação quantitativa do DC.1616 Dinh VA, Ko HS, Rao R, et al. Measuring cardiac index with a focused cardiac ultrasound examination in the ED. Am J Emerg Med. 2012;30:1845-51.

Embora a determinação do DCETT tenha sido aplicada com sucesso em pacientes com fibrilação atrial crônica não internados em UTI,55 Gola A, Pozzoli M, Capomolla S, et al. Comparison of Doppler echocardiography with thermodilution for assessing cardiac output in advanced congestive heart failure. Am J Cardiol. 1996;78:708-12. preferimos excluir os pacientes com arritmias para evitar interferência devido às variações notáveis entre os volumes sistólicos consecutivos no AVC. Também foram excluídos os pacientes portadores de valvopatias aórticas, que podem prejudicar a análise quantitativa da velocidade do Doppler, consequente às mudanças no perfil espacial da velocidade instantânea do fluxo sanguíneo. Além das arritmias, que dificultam a obtenção de uma VTI média representativo, e da valvopatia aórtica, que dificulta a análise quantitativa da velocidade do Doppler, a aplicabilidade do ETT na estimativa do DC em pacientes críticos pode ser restrita pela difícil obtenção da janela acústica adequada, devido à posição supina, ventilação mecânica e alterações pulmonares e/ou da parede torácica.

Além disso, a forma elíptica da LVOT poderia levar a um cálculo impreciso da área da LVOT entre dois observadores devido a diferentes mensurações do diâmetro. No entanto, em nosso estudo, a concordância interobservador e a correlação entre DCETT e DCCAP foram muito altas.

Por fim, tentamos evitar o risco de variações no volume sistólico secundárias às interações cardiopulmonares, selecionamos os cinco ciclos cardíacos durante a fase expiratória do ventilador. Não podemos excetuar, entretanto, que alguns dos ciclos cardíacos comuns realmente ocorreram durante a fase de insuflação. Compartilhamos com todos os estudos que usaram essa técnica essa possível limitação, que apresenta uma possibilidade maior de ocorrer em pacientes com atividade respiratória espontânea, nos quais a frequência respiratória não pode ser controlada. Apesar dessas limitações técnicas, o DCETT foi viável na grande maioria dos pacientes sob ventilação mecânica, pois ambos os observadores conseguiram determiná-lo em 80% dos pacientes. Notavelmente, o DCETT também foi viável em cinco pacientes com PEEP ≥ 15 cm H2O.

Nossos dados confirmam os relatos recentes. Em 55 pacientes de UTI com choque e que recebiam ventilação mecânica, Bergenzaun et al. obtiveram imagens de ETT aceitáveis em mais de 90% dos exames.1818 Bergenzaun L, Gudmundsson P, Ohlin H, et al. Assessing left ventricular systolic function in shock: evaluation of echocardiographic parameters in intensive care. Crit Care. 2011;15:R200. Amiel et al. em 94 pacientes de UTI, 63% dos quais eram ventilados mecanicamente, encontraram fração de ejeção do ventrículo esquerdo impossível de determinar em apenas 10 indivíduos.1919 Amiel JB, Grumann A, Lheritier G, et al. Assessment of left ventricular ejection fraction using an ultrasonic stethoscope in critically ill patients. Crit Care. 2012;16:R29. Dinh et al. conseguiram determinar LVOT, VTI e DC em 97 de 100 pacientes não graves em um setor de emergência.1616 Dinh VA, Ko HS, Rao R, et al. Measuring cardiac index with a focused cardiac ultrasound examination in the ED. Am J Emerg Med. 2012;30:1845-51.

Pode-se argumentar que a importância do nosso estudo é limitada pelo número relativamente pequeno de pacientes. Deve-se considerar, no entanto, que para os objetivos de nossa investigação uma amostra de 14 pacientes seria suficiente para obter um coeficiente de correlação de 0,8 com um poder de 0,95 e um erro alfa de 0,05. Como incluímos na análise de dados 20 pacientes e obtivemos valores de r muito mais altos, o risco de erro Tipo II é muito improvável.

Embora para o propósito deste estudo incluíssemos apenas pacientes internados em UTI com hemodinâmica seriamente instável que requer monitoramento invasivo, acreditamos que o ETT não deva ser considerado como um substituto para o CAP ou outras formas de monitoramento em pacientes mais graves, mas sim como um meio de estender a avaliação do DC em pacientes hipotensos para os quais a monitorização hemodinâmica é inviável, indisponível, não estritamente indicada ou temporariamente contraindicada. É importante ressaltar que, como a monitoração hemodinâmica, em si, não garante um melhor resultado, a menos que seja parte de um plano terapêutico adequado, o DCETT também pode ser usado dentro de um esquema específico de tratamento para a instabilidade hemodinâmica.2020 Pinsky MR, Vincent JL. Let us use the pulmonary artery catheter correctly and only when we need it. Crit c Care Med. 2005;33:1119-22.

Sumário

Um treinamento específico focado na determinação do Doppler e VTI, adicionado ao treinamento padrão em ETT básico, permitiu que médicos não cardiologistas de UTI obtivessem uma avaliação do DC, reprodutível, rápida e precisa na maioria dos pacientes em UTI sob ventilação mecânica.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2019

Histórico

  • Recebido
    16 Jan 2018
  • Aceito
    4 Set 2018
  • Publicado
    6 Out 2018
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