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Eficácia analgésica perioperatória do bloqueio bilateral do plexo cervical superficial em pacientes submetidos à tireoidectomia: estudo clínico randomizado

Resumo

Introdução:

O bloqueio bilateral do plexo cervical superficial (BPCS) é um método comumente usado para analgesia em tireoidectomia. Avaliamos a eficácia analgésica do bloqueio bilateral do BPCS nos períodos intraoperatório e pós-operatório.

Materiais e métodos:

Os pacientes (n = 46) submetidos à tireoidectomia foram randomicamente separados em dois grupos para receber anestesia geral (Grupo GA; n = 23) e anestesia geral mais bloqueio bilateral do BPCS (Grupo GS; n = 23). Avaliamos a necessidade de analgésico no intraoperatório (remifentanil) e os escores VAS (Visual Analog Scale) em vários momentos no pós-operatório (após a extubação, aos 15 e 30 minutos e em 1, 2, 6, 12, 24 e 48 horas de pós-operatório). O consumo total de tramadol e paracetamol e a quantidade usada de ondansetrona foram registrados.

Resultados:

A necessidade de remifentanil no intraoperatório foi significativamente menor no Grupo GS do que no Grupo GA (p = 0,009). Os escores de dor pós-operatória foram significativamente menores no Grupo GS do que no grupo GA aos 15 (p < 0,01) e 30 (p < 0,01) minutos e em 1 (p < 0,01), 2 (p < 0,01), 6 (p < 0,01), 12 (p < 0,01) e 24 (p = 0,03) horas de pós-operatório. A necessidade de tramadol no pós-operatório foi significativamente menor no Grupo GS do que no grupo GA (p = 0,01). O número de pacientes que recebeu ondansetrona foi significativamente menor no Grupo GS do que no Grupo GA (p = 0,004).

Conclusão:

O bloqueio bilateral do BPCS com bupivacaína a 0,25% reduz a intensidade da dor pós-operatória e a dependência de opioides em pacientes submetidos à tireoidectomia.

Palavras-chave
Bloqueio do plexo cervical superficial; Tireoidectomia; Anestesia e analgesia

Abstract

Introduction:

Bilateral superficial cervical plexus block (BSCPB) is a common method used for analgesia in thyroid surgery. We investigated the analgesic efficacy of bilateral superficial cervical plexus block in the intraoperative and postoperative periods.

Materials and methods:

Patients (n = 46) undergoing thyroidectomy were randomly separated into the following 2 groups: the general anesthesia group (GA; n = 23) and the general anesthesia plus BSCPB group (GS; n = 23). The intraoperative analgesic requirement (remifentanil) and visual analog scale (VAS) score at multiple time points during the postoperative period (after extubation, at 15 , 30 minutes and 1, 2, 6, 12, 24, and 48 hours post operation) were evaluated. Total tramadol and paracetamol consumption as well as the amount of ondansetron used was recorded.

Results:

The intraoperative remifentanil requirement was significantly lower in the GS Group than in the GA Group (p= 0.009). The postoperative pain scores were significantly lower in the GS Group than in the GA Group at 15 (p< 0.01), 30 (p< 0.01) minutes, and 1 (p< 0.01), 2 (p< 0.01), 6 (p< 0.01), 12 (p< 0.01) and 24 (p= 0.03) hours. The postoperative tramadol requirement was significantly lower in the GS Group than in the GA Group (p= 0.01). The number of patients that used ondansetron was significantly lower in the GS Group than in the GA Group (p= 0.004).

Conclusion:

We concluded that BSCPB with 0.25% bupivacaine reduces the postoperative pain intensity and opioid dependency in thyroid surgery patients.

KEYWORDS
Superficial cervical plexus block; Thyroidectomy; Anesthesia and analgesia

Introdução

A tireoidectomia é o procedimento mais comum feito por cirurgiões endócrinos.11 Gozal Y, Shapira SC, Gozal D, et al. Bupivacaine wound infiltration in thyroid surgery reduces postoperative pain and opioid demand. Acta Anaesthesiol Scand. 1994;38:813-5. A dor após os procedimentos de tireoidectomia pode resultar de incisões cirúrgicas no pescoço, intubação orotraqueal ou hiperextensão durante a cirurgia. A dor pós-tireoidectomia é de intensidade moderada e até 90% dos pacientes precisam de analgésicos narcóticos no primeiro dia após a cirurgia.22 Karthikeyan VS, Sistla SC, Badhe AS, et al. Randomized controlled trial on the efficacy of bilatteral superficial cervical plexus bloc in thyroidectomy. Pain Pract. 2013;13:539-46.

O controle inadequado da dor pós-operatória aumenta o nível de hormônios do estresse e a taxa de complicações perioperatórias.33 Su Y, Zhang Z, Zhang Q, et al. Analgesi cefficacy of bilateral superficial and deep cervical plexus block in patients with secondary hyperparathyroidism due to chronic renal failure. Ann Surg Treat Res. 2015;89:325-9. A anestesia geral em si é com frequência insuficiente para analgesia pós-operatória e a maioria dos pacientes requer doses adicionais.44 Kang KH, Kim BS, Kang H. The benefits of preincision ropivacaine infiltration for reducing postoperative pain after robotic bilateral axillo-breast approach thyroidectomy: a prospective, randomized, double-blind, placebo-controlled study. Ann Surg Treat Res. 2015;88:193-9.

O bloqueio dos nervos periféricos é um método simples, seguro e eficaz para analgesia pós-operatória.55 Klein SM, Greengraas RA, Steele SM, et al. A comparision of 0, 5% ropivacaine and 0, 75% ropivacaine for interscalene brachial plexus block. Anesth Analg. 1998;87:1316-9. O bloqueio do plexo cervical superficial (BPCS) é usado como analgesia pré- e pós-operatória em cirurgia cérvico-facial.66 Mukhopadhyay S, Niyogi M, Dutta M, et al. Bilateral superficial cervical plexus block with or without low-dose intravenous ketamine analgesia: effective, simple, safe, and cheap alternative to conventional general anesthesia for selected neck surgeries. Local Reg Anesth. 2012;5:1-7. O bloqueio BPCS é o bloqueio nervoso mais fácil e mais comum devido à sua aplicabilidade bilateral.77 Andrieu G, Amroni H, Robin E, et al. Analgesic efficacy of bilateral superficial cervical plexus block administered before thyroid surgery under general anaesthesia. Br J Anaesth. 2007;99:561-6.99 Steffen T, Warschkow R, Brändle M, et al. Randomized controlled trial of bilateral superficial cervical plexus block versus placebo in thyroid surgery. Br J Surg. 2010;97:1000-6. Porém, há um debate considerável sobre a aplicação do bloqueio BPCS em tireoidectomia para analgesia pós-operatória. Embora Andrieu et al.77 Andrieu G, Amroni H, Robin E, et al. Analgesic efficacy of bilateral superficial cervical plexus block administered before thyroid surgery under general anaesthesia. Br J Anaesth. 2007;99:561-6. tenham demonstrao que o bloqueio BPCS reduz a necessidade de analgésicos tanto no intraoperatório como no pós-operatório, outros estudos demonstraram que o bloqueio BPCS não tem esse efeito em tireoidectomia.1010 Eti Z, Irmak P, Gulluoglu BM, et al. Does bilateral superficial cervical plexus block decrease analgesic requirement after thyroid surgery?. Anesth Analg. 2006;102:1174-6.,1111 Herbland A, Cantini O, Reynier P, et al. The bilateral superficial cervical plexus block with 0.75% ropivacaine administrated before or after surgery does not prevent postoperative pain after total thyroidectomy. Reg Anesth Pain Med. 2006;31:31-9. A tireoidectomia apresenta alto risco de náusea e vômito no pós-operatório,1212 Sonner JM, Hynson JM, Clark O, et al. Nausea and vomiting following thyroid and parathyroid surgery. J Clin Anesth. 1997;9:398-402. e os analgésicos narcóticos aumentam esse risco.1313 Heel RC, Brogden RN, Pakes GE, et al. Nefopam: a review of its pharmacological properties and therapeutic efficacy. Drugs. 1980;19:249-67.

Este estudo investigou a eficácia do bloqueio BPCS como analgésico e avaliou os escores da dor pós-operatória com a escala VAS e a necessidade dos pacientes de analgésico no pós-operatório.

Métodos

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética local (15-KAEK-055) da Faculdade de Medicina da Universidade Gaziosmanpaşa e registrado como ensaio clínico no ClinicalTrials.gov (http://www.clinicaltrials.gov) com o número de identificação: NCT02680353. Neste estudo, 46 pacientes foram submetidos a tireoidectomias eletivas no Hospital Universitário Gaziosmanpaşa de abril de 2015 a abril de 2016. Os pacientes incluídos foram aqueles submetidos à tireoidectomia eletiva sob anestesia geral com estado físico ASA I-II (de acordo com a classificação da American Society of Anesthesiologists – ASA). Foram excluídos os pacientes com contraindicação para anestesia regional, com histórico de alergia a anestésicos locais, coagulopatia e aqueles em uso crônico de ou intolerância a analgésicos opioides e os que se recusaram a participar do estudo foram excluídos.

Os 46 pacientes foram divididos aleatoriamente em dois grupos mediante o uso de números randômicos gerados por computador. Um grupo (Grupo GS) recebeu apenas anestesia geral (Grupo AG) e o outro grupo recebeu anestesia geral mais bloqueio bilateral do BPCS – após a indução da anestesia geral e antes da incisão na pele. Cada grupo continha 23 pacientes.

Após estabelecer um procedimento de monitoração padrão para anestesia geral, todos os pacientes receberam tiopental sódico (4–5 mg.kg−1), fentanil (1 µg.kg−1) e brometo de rocurônio (0,5 mg.kg−1) por via intravenosa. A anestesia foi mantida com oxigênio/ar a 50%/50%, sevoflurano e remifentanil. O remifentanil foi aplicado em concentrações de 40 µg.mL–1, as primeiras doses iniciaram em 0,1 µg.kg–1.min–1. As doses de remifentanil foram aumentadas quando a pressão arterial média ou a frequência cardíaca do paciente ficou 20% acima dos valores basais. As doses de remifentanil foram reduzidas quando a pressão arterial média ficou 20% abaixo dos valores basais ou quando a frequência cardíaca do paciente caiu abaixo de 60 bpm. O consumo médio de remifentanil no intraoperatório de todos os pacientes foi registrado. Após a cirurgia, os pacientes foram admitidos na Sala de Recuperação Pós-Anestésica (SRPA).

Após a indução da anestesia geral, os bloqueios do plexo cervical superficial foram administrados bilateralmente por um anestesiologista antes da incisão. Uma agulha de calibre 22G foi inserida no ponto médio da borda lateral do músculo esternocleidomastoideo. Com uma técnica de injeção de três pontos de referência, 10 mL de bupivacaína a 0,25% (com substituição da agulha de 2 mL, 4 mL cefálica e 4 mL caudal) foram administrados bilateralmente para bloquear os ramos do plexo (10 mL de cada lado). Após a remoção do tecido tireoidiano, 1,0 g de paracetamol foi administrado a todos os pacientes.

Após as operações, todos os pacientes foram levados à SRPA. As incidências de dor pós-operatória (inclusive os escores VAS) e de náusea e vômito foram registradas por um membro da equipe de pesquisa. Caso a intensidade da dor de um paciente, medida com a VAS (0 = nenhuma dor e 10 = pior dor imaginável) fosse superior a 4, analgesia adicional seria administrada por via intravenosa (1.000 mg de paracetamol). Caso os escores VAS dos pacientes continuassem superiores a 4, cloridrato de tramadol (1 mg.kg−1) seria administrado. Caso um paciente apresentasse náusea ou vômito, ondansetrona seria administrada. Os escores VAS dos pacientes foram avaliados aos 15 e 30 minutos e em 1, 2, 6, 12, 24 e 48 horas de pós-operatório. O consumo total de cloridrato de paracetamol e tramadol e a quantidade de ondansetrona usada foram registrados para cada paciente.

Com o uso dos valores médios do escore de dor (6,9 ± 1,7) do estudo feito por Gozal et al.11 Gozal Y, Shapira SC, Gozal D, et al. Bupivacaine wound infiltration in thyroid surgery reduces postoperative pain and opioid demand. Acta Anaesthesiol Scand. 1994;38:813-5. como no grupo controle, e presumindo uma redução de 20% nos valores do escore de dor após a feitura de um bloqueio do plexo cervical superficial com erro Tipo I de 0,05 e poder de 0,80, o tamanho da amostra foi calculado em 23 indivíduos para cada grupo. Os dados qualitativos foram expressos em números ou porcentagens e os dados quantitativos em média e desvio-padrão. O teste de Kolmogorov-Smirnov foi usado para analisar a distribuição dos dados. Nesse contexto, os testes paramétricos foram aplicados aos dados com distribuição normal, enquanto os dados sem distribuição normal foram analisados com os testes não paramétricos. O teste do qui-quadrado e o teste U de Mann-Whitney foram usados para analisar os dados qualitativos e quantitativos. A análise de todos os dados foi feita com o programa Statistical Package for the Social Sciences versão 20.0 (SPSS Inc, Chicago, IL). A significância estatística foi aceita como p < 0,05.

Resultados

Os dados demográficos, os tempos de cirurgia e anestesia, o grau de dificuldade da intubação (GDI), a classificação de Cormack-Lehane (CL), a escala de catastrofização da dor (ECD), o índice de massa corporal (IMC) e a história de tabagismo dos dois grupos estão resumidos na tabela 1. Como mostra a tabela 1, diferenças significativas não foram encontradas entre os dois grupos.

Tabela 1
Parâmetros gerais nos dois grupos

Comparamos o consumo total de analgésicos nos dois grupos, inclusive o consumo de tramadol, paracetamol e remifentanil. Conforme mostrado na tabela 2, diferenças significativas foram observadas entre os grupos quanto à necessidade total de tramadol, paracetamol e remifentanil (p < 0,01, p = 0,002 e p = 0,009, respectivamente).

Tabela 2
Consumo total de analgésicos nos dois grupos

A tabela 3 mostra que o número de pacientes em uso de tramadol e ondansetrona foi significativamente diferente entre os grupos (p < 0,05). A necessidade de ondansetrona e tramadol durante as primeiras 24 horas pós-tireoidectomia foi significativamente menor no Grupo GS comparada ao Grupo GA (p = 0,004 e p < 0,001, respectivamente).

Tabela 3
Número de pacientes em uso de tramadol e ondansetrona nos dois grupos

Analisamos o escore VAS pós-cirúrgico nos dois grupos. Os resultados mostraram que os escores VAS aos 15 e, 30 minutos e em 1, 2, 6, 12 e 24 horasapós a cirurgia foram significativamente menores no Grupo GS do que no Grupo GA (p < 0,05) porém não houve diferença significativa entre os grupos quanto ao escore VAS 48 horas após a cirurgia (p = 0,622) (tabela 4).

Tabela 4
Escore VAS dos pacientes

Discussão

Este estudo demonstrou que o bloqueio bilateral do BPCS com anestesia geral reduziu a dor e o consumo de analgésico no pós-operatório dos pacientes submetidos à tireoidectomia comparados aos pacientes que receberam apenas anestesia geral. O bloqueio bilateral do BPCS em combinação com a anestesia geral pode reduzir a necessidade de analgésico nos períodos intraoperatório e pós-operatório.1414 Zhao SZ, Chung F, Hanna DB, et al. Dose–response relationship between opioid use and adverse effects after ambulatory surgery. J Pain Symptom Manage. 2004;28:35-46.

Neste estudo, a escala VAS foi escolhida como método de avaliação da dor por ser sensível e simples.1515 Myles PS, Williams DL, Hendrata M, et al. Patient satisfaction after anesthesia and surgery. Br J Anaesth. 2000;84:6-10. Ao comparar os escores VAS médios dos pacientes em repouso, descobrimos que os escores do Grupo GS no pós-operatório foram significativamente menores do que os do Grupo GA. Não houve diferença significativa entre os grupos 48 horas após a cirurgia (tabela 4). A despeito das técnicas modernas de analgesia, a intensidade da dor sentida pelos pacientes nas primeiras horas de pós-operatório foi significativa.1616 Kalmovich LM, Cote V, Sands N, et al. Thyroidectomy: exactly how painful is it?. J Otolaryngol Head Neck Surg. 2010;39:277-83.

Em um estudo conduzido por Kale et al.,1717 Kale S, Aqqarwal S, Shastri V, et al. Evaluation of the analgesic effect of bilateral superficial cervical plexus block for thyroid surgery: a comparison of pre surgical with post surgical block. Indian J Surg. 2015;77:1196-200. 60 pacientes de tireoidectomia foram divididos em três grupos: pacientes que não receberam bloqueio, pacientes que receberam bloqueio bilateral do BPCS no pré-operatório e pacientes que receberam bloqueio bilateral do BPCS no pós-operatório. Os escores VAS (0–10) dos três grupos foram avaliados em repouso, durante a movimentação do pescoço e durante as ações de fala e deglutição. Os escores VAS mais baixos foram observados nos grupos que receberam bloqueios nas primeiras 48 horas e os mais altos, no grupo que não recebeu bloqueio. Observou-se que o bloqueio bilateral do BPCS feito antes ou após a cirurgia diminui significativamente a dor dos pacientes após a tireoidectomia e a necessidade de opioides.1818 Gürkan Y, Taş Z, Toker K. Ultrasound guided bilateral cervical plexus block reduces postoperative opioid consumption following thyroid surgery. J Clin Monit Comput. 2015;29:579-84.

No presente estudo, os escores VAS em repouso foram significativamente menores no Grupo GS (com bloqueio) do que no Grupo GA (controle). No estudo conduzido por Shis, os escores VAS dos pacientes que receberam o bloqueio bilateral do BPCS foram inferiores aos dos pacientes sem bloqueio por até 24 horas após a tireoidectomia.1919 Shih ML, Duh QY, Hsieh CB, et al. Bilateral superficial cervical plexus block combined with general anesthesia administered in thyroid operations. World J Surg. 2010;34:2338-43. Em nosso estudo, os escores VAS do Grupo GS foram menores do que os do Grupo GA nas primeiras 24 horas. Esse resultado demonstra que a combinação do bloqueio bilateral do BPCS com anestesia geral proporcionou uma analgesia mais eficaz do que a anestesia geral sozinha. Além disso, os escores VAS no pós-operatório do grupo controle (AG) aos 15 e 30 minutos e 1 hora após o procedimento foram superiores a 4. Os pacientes que receberam anestesia geral sentiram níveis intermediários de dor no período pós-operatório que exigiram tratamento com opioides.

A eficácia do bloqueio bilateral do BPCS na redução do consumo de opioides após tireoidectomia é uma questão em debate. No presente estudo, as quantidades consumidas de tramadol e paracetamol no pós-operatório foram significativamente mais baixas no Grupo GS do que no Grupo GA. Tekgül et al.2020 Tekgül ZT, Gönüllü M, Şimşek E, et al. Retrospective evaluation of the efficacy of superficial cervical block on the postoperative use of tramadol in thyroid surgery under general anesthesia. Türkiye Klinikleri J Med Sci. 2012;32:394-8. também avaliaram os efeitos da aplicação do bloqueio bilateral do BPCS sobre a necessidade de tramadol no pós-operatório. Os autores aplicaram 10 mL de levobupivacaína a 0,5% bilateralmente (com técnicas de três pontos de referência) e descobriram que o grupo com bloqueio precisou de menos tramadol do que o grupo controle. Herbland et al.1111 Herbland A, Cantini O, Reynier P, et al. The bilateral superficial cervical plexus block with 0.75% ropivacaine administrated before or after surgery does not prevent postoperative pain after total thyroidectomy. Reg Anesth Pain Med. 2006;31:31-9. conduziram um estudo prospectivo, randômico e duplo-cego que incluiu 111 pacientes. Os autores incluíram um grupo controle que não recebeu bloqueio e dois grupos que receberam bloqueio com ropivacaína a 0,75% (um grupo no período pré-operatório e um grupo no período pós-operatório). Os escores de dor, o consumo de morfina e a necessidade de opioides no intraoperatório foram semelhantes entre os grupos. A feitura do bloqueio bilateral do BPCS com apenas duas injeções pode não ter bloqueado o ramo transverso do plexo cervical, o que resulta em aumento da dor para o paciente. No presente estudo, todos os ramos do plexo foram bloqueados com técnicas de injeção em três pontos de referência, o que reduziu o consumo de opioides no intraoperatório e no pós-operatório.

Andrieu et al.77 Andrieu G, Amroni H, Robin E, et al. Analgesic efficacy of bilateral superficial cervical plexus block administered before thyroid surgery under general anaesthesia. Br J Anaesth. 2007;99:561-6. usaram o bloqueio bilateral do BPCS para tireoidectomia em um estudo controlado duplo-cego. Os autores dividiram os pacientes em três grupos e aplicaram bloqueios com solução salina, ropivacaína a 0,487% e clonidina mais ropivacaína a 0,487%. O uso intraoperatório de sufentanil foi significativamente menor no grupo que recebeu ropivacaína e clonidina do que nos outros dois grupos. Em estudo semelhante, Karthikeyan et al.22 Karthikeyan VS, Sistla SC, Badhe AS, et al. Randomized controlled trial on the efficacy of bilatteral superficial cervical plexus bloc in thyroidectomy. Pain Pract. 2013;13:539-46. usaram bupivacaína a 0,25% em vez de ropivacaína. O consumo de analgésicos, os escores VAS e o consumo de fentanil no intraoperatório foram significativamente menores no grupo que recebeu o bloqueio bilateral do BPCS do que no grupo que não recebeu esse bloqueio. Nosso estudo também descobriu que o uso de remifentanil no intraoperatório foi significativamente menor no grupo com bloqueio que no grupo sem bloqueio.

Sonner et al.1212 Sonner JM, Hynson JM, Clark O, et al. Nausea and vomiting following thyroid and parathyroid surgery. J Clin Anesth. 1997;9:398-402. relataram que 54% de seus pacientes apresentaram náusea e vômito após procedimentos de tireoidectomia. Permanecer imóvel por 24 horas após a cirurgia pode aumentar a náusea e o vômito.2121 Daour R. Thyroidectomie sans drainage. Chirurgie. 1997;12:408-10. Os opioides são necessários para tratar a dor na maioria dos pacientes, apesar da aplicação de analgésicos anti-inflamatórios não esteroides; os opioides também podem aumentar a frequência de náusea e vômito no pós-operatório.2222 Alanoğlu Z, İltar IG, Eyigün H, et al. The effects of sevoflurane, isoflurane and total intravenous anesthesia with propofol on postoperative nause and vomiting in trioidectomy surgery. Turkiye Klinikleri J Med Sci. 2003;23:378-85.

Conforme relatado anteriormente por Cai et al.,2323 Cai HD, Lin CZ, Yu CX, et al. Bilateral superficial cervical plexus block reduces postoperative nausea and vomiting and early postoperative pain after thyroidectomy. J Int Med Res. 2012;40:1390-8. o bloqueio bilateral do BPCS reduz a náusea e o vômito de forma significativa no pós-operatório. Relatou-se que o uso de antiemético foi de 8% e 45% nos grupos com bloqueio e controle, respectivamente, provavelmente causado por um consumo maior de tramadol no grupo controle.

Dieudonne et al.88 Dieudonne N, Gomola A, Bonnichon P, et al. Prevention of postoperative pain after thyroid surgery: a double-blind randomized study of bilateral cervical plexus blocks. Anesth Analg. 2001;92:1538-42. relataram que o bloqueio bilateral do BPCS com bupivacaína a 0,25% mais epinefrina e bupivacaína sem epinefrina no início do período pós-operatório diminuiu a intensidade da dor durante as primeiras 2 horas de pós-operatório e diminuiu a necessidade de opioides, comparado à anestesia geral isolada. Relatou-se que a feitura do bloqueio após a cirurgia aumentou a necessidade de analgésico na sala de recuperação pós-cirúrgica devido à ação lenta da bupivacaína (> 20 minutos). Epinefrina foi adicionada para aumentar a duração efetiva da analgesia para bloqueios feitos no pós-operatório imediato. Os autores concluíram que o bloqueio bilateral do BPCS não forneceu tratamento ideal para a analgesia no pós-operatório e que a analgesia deve ser complementada com abordagens multimodais. Em nosso estudo, fizemos o bloqueio bilateral do BPCS antes da incisão e após a intubação para atuar como analgesia tanto no intraoperatório quanto no pós-operatório. Dois terços dos pacientes do grupo GS não precisaram de opioides, requereram apenas 3 g de paracetamol por dia para tratar efetivamente sua dor. Com base nesses resultados, sugerimos que o bloqueio bilateral do BPCS bem executado, combinado com paracetamol, é um método eficiente para analgesia.

Suren et al.2424 Suren M, Okan I, Gokbakan AM, et al. Factors associated with the pain catastrophizing scale and validation in a sample of the Turkish population. Turk J Med Sci. 2014;44:104-8. forneceram formulários sobre a Escala de Catastrofização da Dor (ECD) com 13 perguntas que totalizavam 52 pontos a 121 mulheres e 136 homens submetidos a cirurgias eletivas nessa clínica. Analisou-se a correlação dos dados demográficos na ECD com as características clínicas da população turca. Desamparo, ampliação e ruminação foram os três subgrupos da ECD turca. Os escores da ECD, isso nesse estudo foram compatíveis com os achados da literatura. Nos formulários, 165 pacientes foram solicitados a fornecer uma pontuação (de 0 a 10) antes da punção do acesso vascular. Uma correlação positiva foi encontrada entre a dor sentida durante a punção do acesso vascular e a ECD, sugeriu que os médicos devem estar atentos à dor pós-operatória em pacientes com altos níveis de dor durante a colocação do acesso vascular. Os escores da ECD também tendem a ser altos em pacientes do sexo feminino e pacientes com dor crônica.2525 Suren M, Kaya Z, Gokbakan M, et al. The role of pain catastrophizing score in the prediction of veni puncture pain severity. Pain Pract. 2014;14:245-51. Em nosso estudo, os valores VAS no pós-operatório diferiram entre os grupos, mas não houve diferença estatisticamente significativa entre os escores da ECD nos dois grupos. Os níveis da VAS mais baixos no Grupo GS do que no Grupo GA podem indicar que a dor presumida pode ser diminuída com o uso de um método analgésico eficiente.

A preferência pelo bloqueio bilateral do BPCS neste estudo teve como base a eficiência de sua analgesia e o fato de poder ser aplicado bilateralmente. Complicações associadas ao bloqueio, como hematoma, lesão nervosa ou infecção, não foram observadas nos pacientes. Esses achados corroboram a alegação de que o bloqueio bilateral do BPCS é um método de baixo risco com taxas baixas das complicações relacionadas.

Em conclusão, o bloqueio bilateral do BPCS é um método eficiente e de fácil aplicação que diminui a necessidade dos pacientes de analgésicos durante e após a tireoidectomia. Como benefício adicional, o bloqueio bilateral do BPCS diminui a necessidade do uso de antiemético no tratamento de náusea e vômito após a tireoidectomia.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    Sep-Oct 2019

Histórico

  • Recebido
    1 Jul 2018
  • Aceito
    29 Jun 2019
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