Deficiência de metiltetrahidrofolato redutase e anestesia: importância de uma avaliação pré-operatória detalhada

A metilenotetrahidrofolato redutase é uma enzima importante responsável pelo metabolismo da homocisteína e do folato.¹ A deficiência dessa enzima é descrita como um distúrbio autossômico recessivo que resulta em aumento dos níveis de homocisteína no organismo, conhecido como deficiência de metilenotetrahidrofolato redutase (MTHFR).¹ Os pacientes com essa deficiência são basicamente classificados em homozigotos (menos comum) e heterozigotos (a variação mais prevalente).¹ A mutação do gene MTHFR tem capacidade limitada de usar o folato nutritivo essencial que, ao disparar uma reação em cadeia, culminaria em aterosclerose prematura e consequentes insultos isquêmicos.¹ O mecanismo completo não é totalmente compreendido, embora a hiper-homocisteinemia apresente propriedades hipercoaguláveis e tenha sido associada à disfunção endotelial. A detecção da mutação é geralmente observada após um evento trombótico inexplicável em um “paciente saudável” anteriormente. Após o diagnóstico, os membros da família devem ser orientados a fazer uma triagem genética para essa mutação.

Caso a detecção não seja feita, o paciente corre um alto risco de complicações durante e após a exposição ao óxido nitroso (N₂O). O uso de óxido nitroso é frequente em sala de cirurgia como um segundo gás e os dentistas também o usam comumente em suas clínicas. A metionina sintase é a enzima responsável pela reação que transforma a homocisteína em metionina.² O óxido nitroso inibe essa enzima, resulta em níveis elevados de homocisteína.² O acúmulo de homocisteína, conhecido como hiper-homocisteinemia, aumenta o risco de trombose venosa e arterial em até seis vezes comparado à população em geral.² Uma avaliação pré-operatória detalhada e a investigação da história médica pregressa, inclusive história familiar, são as ferramentas mais valiosas para diagnosticar uma doença rara, como a deficiência de MTHFR. Uma lesão isquêmica inesperada sem diagnóstico é bastante suspeita e o uso de óxido nitroso deve ser evitado, principalmente porque a prevalência da deficiência de MTHFR não é conhecida, mas certamente subestimada. O uso comum de N₂O deve ser revisto devido ao risco de população não diagnosticada com deficiência de MTHFR e à possível consequência devastadora de seu uso. Os pacientes devem ser acompanhados atentamente no pós-operatório, independentemente do uso ou não de N₂O, devido à suscetibilidade dos pacientes a lesões isquêmicas. Agentes voláteis, como sevoflurano e anestesia total intravenosa (Total Intravenous Anesthesia - TIVA), podem ser usados com segurança em pacientes com deficiência de MTHFR.²

Não defendemos a eliminação do óxido nitroso em sala de operação, nem sugerimos que todos os pacientes sejam geneticamente triados para a deficiência de MTHFR. A intenção desta carta é apenas lembrar a todos os profissionais de anestesia, inclusive a nós mesmos, que a avaliação pré-operatória mais importante nunca será um exame de imagem ou um resultado laboratorial caro, mas uma ótima conversa com o paciente, com vistas a um histórico médico detalhado e sempre importante.

References

• ¹
  Shay H, Frumento RJ, Bastien A. General anesthesia and methylenetetrahydrofolate reductase deficiency. J Anesth. 2007;21:493-6.
• ²
  Badner NH, Beattie WS, Freeman D, et al. Nitrous oxide-induced increased homocysteine concentrations are associated with increased postoperative myocardial ischemia in patients undergoing carotid endarterectomy. Anesth Analg. 2000;91:1073-9.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  10 Fev 2020
• Data do Fascículo
  Nov-Dec 2019

Histórico

• Publicado
  11 Out 2019