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RECURSOS HUMANOS DE ENFERMAGEM PARA A ASSISTÊNCIA À SAÚDE: ENFERMAGEM MATERNO-INFANTIL* * Trabalho em tema livre apresentado ao XXVIII Congreso Brasileiro de Enfermagem.

A previsão das populações das Grandes Regiões - N, NE, SE, Se CO - para 1979 está em torno de 119 e meio milhões de habitantes, dos quais, 103 milhões (86%) deverão receber assistência à saúde. O direito à assistência à saúde está sendo extendido a setores cada vez mais amplos da população de trabalhadores, e os programas de saúde sendo instituídos em obediência às normas do Sistema Nacional de Saúde.

Entretanto, os Governos Federal, do Distrito Federal, dos Estados e Municípios fazem face à situação crítica da enfermagem quando elaboram os planos de saúde. Um Congresso Brasileiro de Enfermagem é ocasião propícia para o livre debate de idéias que nos levem a encontrar algumas saídas para que o pessoal de enfermagem cresça, se desenvolva e assuma sua responsabilidade nos programas de saúde.

1. São apresentados neste trabalho alguns números disponíveis de pessoal de enfermagem. As Tabelas I e II, foram por nós elaboradas, tendo sido utilizados dados de 1971 e 1973 publicados no Anuário Estatístico do Brasil da Fundação IBGE, dos dois últimos anos - 1974 e 1975.

TABELA I
EMPREGOS OCUPADOS POR PESSOAL DE ENFERMAGEM NOS ESTABELECIMENTOS DE SAÚDE, 1971
TABELA II
EMPREGOS OCUPADOS POR PESSOAL RE ENFERMAGEM NOS ESTABELECIMENTOS DE SAÚDE, 1973

1.1. Observando-se os números absolutos de todos, em dois anos, isto é, de 1971 para 1973, apresentam crescimento, com exceção do números de parteiras práticas que apresentou decrescimento. Sabe-se que, de igual modo, os práticos de enfermagem diminuiram, e isto foi assinalado na nota n.º 1 das tabelas. A explicação deve ser porque não foram realizados mais os exames de habilitação para parteiras práticas nem para práticos de enfermagem; sabe-se que as normas legais no País, contidas nas Leis n.º 4.024, de 1961 e 5.692, de 1971 são de se proceder aos exames supletivos, a serem realizados sob a responsabilidade educacional final do aparelho formador de recursos humanos (vide a esse respeito o Decreto n.º 200, de 1967, atribuindo a cada setor do Governo responsabilidade própria).

2. O aspecto do emprego do enfermeiro será comentado a seguir. Os percentuais dentro do grupo de pessoal de enfermagem, apresentaram decréscimo, uma vez que em 1971 havia 7,1% e em 1973, apenas 6,9%. Merece reparo mais enfático, se for lembrado que, em 1957, no País, no estudo por amostragem, era de 8% o percentual de enfermeiros no grupo do pessoal de enfermagem, segundo o Relatório do Levantamento dos Recursos e Necessidades de Enfermagem da Associação Brasileira de Enfermagem (publicação feita em multilite, FSESP, 1959, esgotada, e com uma 2.ª impressão em preparo).

3. Os percentuais referentes ao emprego de auxiliares de enfermagem, mostram ascenção contínua. Expliquemos. No Relatório do Levantamento de Recursos e Necessidades de Enfermagem, com data de referência de 1957, o percentual de auxiliares de enfermagem no grupo do pessoal de enfermagem era de 22%. Em 1971, na Tabela I encontramos 26,7%; e na Tabela II 26,3%; por ter declinado o número de práticos de enfermagem (vide Nota n.º 1 das Tabelas I e II) é certo afirmar que o emprego de auxiliares de enfermagem cresceu sempre.

4. Os percentuais dos visitadores sanitários de 1971 e 1973 declinaram. A política deve ser mesmo de aumentar o emprego de pessoal de enfermagem com título registrado no Ministério da Educação e Cultura (MEC). Os enfermeiros, os técnicos e os auxiliares de enfermagem gradualmente poderão assumir sua parte nos programas de saúde, em lugar das categorias de enfermagem que apareceram em situações de emergência, isto é, em presença da necessidade premente e na falta de pessoal com formação em curso regular.

A experiência brasileira com Visitadores Sanitários e Auxiliares de Enfermagem poderia ser estudada por pesquisa. Há suposição de que as ocupações que se inserem nos sistemas de ensino ficam mais depressa institucionalizadas; o título de auxiliar de enfermagem, registrado no MEC, goza do direito de validade nacional. Desse modo foi facilitada a existência da União Nacional dos Auxiliares de Enfermagem. Os Conselhos Federal e Regionais de Enfermagem têm como política de educação propiciar o aproveitamento de estudos, de modo que o auxiliar possa progredir para técnico de enfermagem. Uma vez que existe a UNAE, tornam-se praticáveis, por exemplo, a divulgação intraclasse de idéias, com debates, e a formação dos consensos resultantes, no grupo da classe. Um assunto de grande interesse como o aproveitamento de estudos, para a ascensão social vertical, está vindo por duas vias: a suplência de técnico de enfermagem e a nova classificação, na faixa de 2.º grau, do curso de auxiliar de enfermagem (Parecer do Conselho Federal de Educação de n.º 2.713, de 1974). Dificilmente visitadores sanitários socialmente ilhados em cada Estado conseguiriam esse progresso.

5. Parteiras Práticas. Comparadas as Tabelas I e II, diminuiu o emprego de parteiras práticas. Supõe-se que diminuiu seu número, em todo o país, uma vez que cessou, em outubro de 1964, a habilitação por esse modo, isto é, por exames prestados nos serviços oficiais de fiscalização da medicina (Federal e dos Estados).

Por outro lado, os cursos que existiram junto às Faculdades de Medicina (regidos pelo Decreto n.º 20.865, de 28 de dezembro de 1931) cessaram. Por esses cursos foram formadas parteiras e obstetrizes, desde o tempo do Império até a década de 1960. Houve uma substancial contribuição, para o país, dada por essas profissionais. Houve tal cessação. Ainda quanto à formação, em decorrência dos Pareceres do Conselho Federal de Educação - o último tendo sido o de n.º 163 de 1972 - somente após concluir I parte (de disciplinas básicas da área de saúde) e a II Parte (de disciplinas comuns para a formação do enfermeiro não diferenciado) a aluna pode concluir sua graduação como obstetriz (enfermeira obstetrica) . Louva-se essa solução dada, apontando-se as vantagens, de: 1) não duplicação de recursos da Universidade; 2) direitos para o profissional prosseguir estudos de mestrado e doutorado; 3) possibilidade de outra especialização, se precisar; 4) disciplina, ética e aprimoramento profissional a cargo de uma autarquia única para todas as profissões e ocupações de enfermagem; 5) possibilidade de associações sindicais unificadas; e finalmente, associação cultural única (a Associação Brasileira de Enfermagem, com a Revista Brasileira de Enfermagem e os Congressos Brasileiros de Enfermagem servindo a todos os graduados em enfermagem no país.

Em decorrência da formação em cursos que se descreveu no parágrafo anterior, não aparecem nas Tabelas I e II obstetrizes separadas. Devem estar incluídas como enfermeiros.

Dois fatos, entretanto, se impõem exigindo uma consideração mais demorada. Foi encerrada, em 1964, a habilitação - por meio dos exames nas repartições dos governos federal e estaduais - de parteiras práticas, com seu efeito provavelmente nos números respectivos das Tabelas I e II; e, ainda, ascendeu ao nível de 3.º grau, universitário o profissional denominado obstetriz ou enfermeira obstetrica. Havia, antes dessa ascensão, certa flexibilidade. No Nordeste, vários centros preparavam profissionais de nível de 1.º grau, valendo-se dos termos do Decreto n.º 20.865, de 1931. Este, em razão de ser de outra época, outra realidade, era utilizado, no país, nas áreas de demora cultural. Cessou a vigência desse Decreto.

Teria cessado a necessidade de pessoal para a assistência à mãe e à criança comparável a esses dois tipos citados no parágrafo anterior? Não cessou. São instituições inseridas na cultura. Famílias modestas, no meio rural, se ajustam a trabalhadores modestos. É por essa razão que estão surgindo trabalhos escritos, nas publicações dos Estados Unidos, México e outros países, sobre a perspectiva transcultural. O homem é o centro de nosso interesse. Como assistir melhor as populações, dentro dos recursos materiais e humanos de que dispomos, é um desafio em nossos dias.

A parteira curiosa, que ainda está sendo vista como recurso humano de muitas populações, tende a desaparecer. Suas filhas estão para ser mantidas na escola até os 14 anos de idade.

Preparar, nos cursos técnicos de enfermagem e nos exames de suplência a esse nível as novas trabalhadoras modestas, para a assistência sanitária nos meios rurais, habilitadas para a assistência à saúde da mãe e da criança, inserida na rede de supervisão concatenada de medicina e enfermagem a exemplo do que já existe em algumas unidades sanitárias, poderia ser um plano a ser estudado. Para os planos, e a seguir, para os programas, os elementos de todas as áreas formadoras e utilizadoras, terão que se integrar, para que haja a multiplicação desses recursos humanos de enfermagem materno- infantil.

6. Finalmente, vejam-se os percentuais referentes ao emprego do atendente. Nas Tabelas I e IIhá aumento do percentual, isto é, eles eram 62% do grupo do pessoal de enfermagem em 1971 e em 1973 passaram a ser 64%. Veja-se: houve, no mesmo período, declínio no percentual do emprego de enfermeiros e práticos de enfermagem. Não é bom sinal. Deverá haver aumento gradual de enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem alterando justamente o emprego do atendente, alterando-o no sentido de diminuição. Isto é o que está recomendado no Plano Decenal de Saúde para as Américas, em vigor. Se o emprego de atendentes se circunscrevesse ao objetivo de dar-lhes as tarefas próprias para seu nível de preparo (o preparo freqüentemente tem sido pouco cuidado, e geralmente seu grau de cultura geral é baixo) os percentuais não seriam esses, porque é sabido que a assistência de enfermagem nos estabelecimentos focalizados não tem a maioria de suas ações em nível de atendente.

Afigura-se alarmante, para as populações atendidas, esses percentuais de 62 e 64%, referidos. Pense-se na segurança das ações de enfermagem desempenhadas, em sua maioria, por pessoas que poderão ter boa vontade, porém, em números espantosos, estão tentando fazer o que não sabem fazer. O resultado tem incluído casos de dedicação e acerto, mas tem também incluído casos tais como, por exemplo, recém-nascidos que perecem com hemorragias internas ocasionadas por tratamento errado de enfermagem; pacientes com insucesso, após ato cirúrgico de alto nível médico, a seguir com atenção de enfermagem inadequada, óbitos por infecções hospitalares evitáveis. Todos nós enfermeiros com experiência no meio hospitalar e nas demais instituições de saúde conhecemos a triste realidade aqui exemplificada.

O Brasil, todos esperamos, deve vir a ser desenvolvido, econômica e socialmente. Por socialmente queremos significar em suas instituições sociais. Estas existem ao surgirem do cadinho dos processos sociais. Dentre as instituições de saúde, reconhecidamente, necessitam de mudanças as categorias ocupacionais de enfermagem, os serviços, os cursos, em suas necessidades de serem sistêmicos e em outros aspectos. Para haver tais mudanças, amplos setores da enfermagem devem contribuir: com pesquisa e com reflexões sobre dados da realidade da enfermagem. É o que se intenta fazer, nesta comunicação.

7. CONCLUSÃO

A Associação Brasileira de Enfermagem, por ter realizado, com ajuda financeira e apoio técnico da Fundação Rockefeller, o levantamento nacional dos recursos e necessidades de enfermagem, deu uma grande contribuição social. A pesquisa foi útil para se alterarem normas legais de enfermagem, nos anos subsequentes. Hoje é também de valor para saber-se de que modo progride a enfermagem quanto a emprego de seu pessoal. O presente trabalho efetua comparações do referido emprego, não só quanto ao ano de 1957, mas quanto aos dados referentes a 1971 e 1973 que são os mais recentes obtidos do Anuário Estatístico do Brasil, dos anos de 1971 e 1973. Os resultados dessa verificação são de diminuição do percentual referente ao emprego de enfermeiros incidindo sobre o grupo dos que exercem enfermagem; houve aumento do emprego de auxiliares de enfermagem, à custa da diminuição do emprego de atendentes de 1957 a 1971; houve também, em 1973, aumento do emprego de atendentes. O quadro total, comparado com as metas do Plano Decenal de Saúde para as Américas, indica urgente necessidade de medidas para adequar a formação e emprego do pessoal de enfermagem ao Plano Decenal de Saúde para as Américas e, mais precisamente, aos planos de saúde do País.

8. RECOMENDAÇÕES

8.1. Considerando que foi constatado um decréscimo no percentual de emprego de enfermeiros no País, de 1957 a 1973; considerando que o mercado de trabalho para enfermeiros está em expansão, contudo a oferta de profissionais acha-se muito insuficiente. A expansão é conseqüência do aumento de oferecimento de serviços pelo Ministério da Previdência e Assistência Social.

8.1a) Recomenda ao Ministério da Previdência Social que estude a possibilidade de criar um programa nacional de bolsas de estudo que leve em consideração os retornos, representados pelo trabalho prestado por estudantes de enfermagem durante seus estágios normais do curso. As bolsas de estudo beneficiariam inicialmente cerca de 700 alunos de enfermagem por ano, ou seja a estimativa de cerca de um terço dos alunos de enfermagem iniciantes do país.

8.1b) Às Confederações Nacionais do Comércio e da Indústria que divulguem a possibilidade de empresas entrarem em comunicação com o Conselho Federal e Conselhos Regionais de Enfermagem para que firmem convênios a fim de doarem bolsas de estudo para formação de pessoal de enfermagem, gozando das vantagens de desconto em dobro de imposto de renda.

8.1c) Ao Ministro da Educação e Cultura que estude a possibilidade de incrementar os recursos para tornar de maior vulto os programas da CAPES e do DAU ora sendo executados com eficácia para a pós-graduação e graduação de enfermeiros.

8.1d) Aos Reitores das Universidades (estaduais) no Pará, Ceará, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná que, a exemplo do que ocorre nas Universidades Federais, estudem a possibilidade de incrementar: 1) as matrículas de enfermeiras docentes de enfermagem nos cursos de pós-graduação existentes no País e 2) as vagas e matrículas nos seus cursos de graduação de enfermeiros.

8.2. Considerando que para cumprir os Planos Setoriais o país necessita de enfermeiros, técnicos de enfermagem e auxiliares de enfermagem em número muito grande e que necessita desenvolver as ações com perspectiva integrada não só para formar tais recursos humanos como para criar-lhes os empregos respectivos.

8.2a) Recomenda aos Ministros da Saúde e da Previdência e Assistência Social que estudem a possibilidade de obter criação e ampliação do número de cargos e empregos de enfermeiros, enfermeiras obstétricas, técnicos de enfermagem e auxiliares de enfermagem, com níveis de vencimentos e salários condizentes com suas responsabilidades e utilidade social.

8.2b) Ao Conselho Federal de Educação que estude a possibilidade de alterar o Currículo Mínimo dos cursos de graduação de enfermagem e obstetrícia, integrando a parte de Habilitações na 2.ª Parte - profissional - do curso, de modo unificado.

Ao Conselho Federal de Enfermagem que ao determinar as especializações de enfermeiros e técnicos dê o destaque devido às especializações obstétricas e pediátrica.

8.2c) Aos serviços de enfermagem dos estabelecimentos hospitalares, ambulatoriais e de saúde pública todos especializados para assistência obstétrica, pediátrica ou saúde materno-infantil que envidem esforços na política de empregos para diminuir o percentual de atendentes e aumentar os de enfermeiro, obste-triz ou enfermeira obstetra, técnico de enfermagem e auxiliar de enfermagem; e na política educacional, para obter o progresso de atendentes e demais categorias de pessoal de enfermagem, por meio de matrícula nas escolas do sistema formador de enfermagem.

  • DOURADO, H.G. - Recursos humanos de enfermagem para a assistência à saúde: enfermagem materno-infantil. Rev. Bras. Enf.; DF, 30:162-167, 1977.
  • *
    Trabalho em tema livre apresentado ao XXVIII Congreso Brasileiro de Enfermagem.

BIBLIOGRAFIA

  • 1
    Associação Brasileira de Enfermagem - Relatório de Levantamento de Recursos e Necessidades de Enfermagem, Rio de Janeiro, 1959.
  • 2
    BRASIL, Anuário Estatístico do Brasil, Rio de Janeiro, Fundação IBGE, 1974.
  • 3
    BRASIL, Anuário Estatístico do Brasil, Rio de Janeiro, Fundação IBGE. 1975.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 1977
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