Validação de cenário de simulação clínica no manejo da hemorragia pós-parto

RESUMO

Objetivo:

Construir e validar um cenário de simulação clínica para a hemorragia pós-parto.

Método:

Pesquisa quantitativa, de desenvolvimento metodológico, realizada de maio a julho de 2016 com 22 juízes especialistas e 30 discentes. A análise foi realizada a partir da estatística descritiva, Teste Binomial e Índice de Validade de Conteúdo (CVI), considerando o CVI ≥ 80%.

Resultados:

A construção do cenário foi baseada nos objetivos de aprendizagem, fidelidade, instrumento de avaliação, atividades desenvolvidas antes do cenário e debriefing. A concordância, quanto à sua validade, foi satisfatória nos 23 itens analisados. Os itens avaliados pelos juízes tiveram CVI > 0,90; na avaliação pelos discentes, o CVI > 0,95.

Conclusão:

Considerou-se validado e adequado para capacitação e utilização pelos discentes de enfermagem. Outros estudos deverão ser realizados, a fim de testar sua eficácia na construção do conhecimento teórico e prático tanto de discentes de enfermagem quanto por enfermeiros durante a Educação Permanente.

Descritores:
Estudos de Validação; Enfermagem; Obstetrícia; Educação em Enfermagem; Treinamento por Simulação

ABSTRACT

Objective:

To construct and validate a clinical simulation setting for postpartum haemorrhage.

Method:

Quantitative research of methodological development, carried out from May to July of 2016 with 22 expert judges and 30 students. Analysis was performed from descriptive statistics, Binomial Test and Content Validity Index (CVI), considering CVI ≥ 80%.

Results:

Setting construction was based on learning objectives, fidelity, evaluation tool, pre-setting activities and debriefing. Agreement, regarding its validity, was satisfactory in the 23 items analyzed. Items evaluated by judges had CVI> 0.90; in the evaluation by students, CVI was > 0.95.

Conclusion:

It was considered validated and suitable for training and use by nursing students. Other studies should be carried out in order to test its effectiveness in the construction of theoretical and practical knowledge of both nursing students and nurses during Permanent Education.

Descriptors:
Validation Studies; Nursing; Obstetrics; Nursing Education; Simulation Training

RESUMEN

Objetivo:

Construir y validar un escenario de simulación clínica para la hemorragia posparto.

Método:

Investigación cuantitativa de desarrollo metodológico realizada de mayo a julio 2016, con 22 jueces especialistas y 30 estudiantes. El análisis fue realizado a partir de la estadística descriptiva, prueba binomial e Índice de Validez de Contenido (CVI), considerándose el CVI ≥ 80%.

Resultados:

La construcción del escenario fue baseada en los objetivos de aprendizaje, fidelidad, instrumento de evaluación, actividades desarrolladas antes del escenario y debriefing. La concordancia en cuanto su validez fue satisfactoria en los 23 ítems analizados; esos ítems evaluados por los jueces tuvieron CVI > 0,90, y en la evaluados por los discentes el CVI > 0,95.

Conclusión:

Se consideró validado y adecuado para capacitación y utilización por los alumnos de Enfermería. Otros estudios deberán ser realizados a fin de probar su eficacia en la construcción del conocimiento teórico y práctico, tanto de discentes de Enfermería como por enfermeros durante educación continuada.

Descriptores:
Estudios de Validación; Enfermería; Obstetricia; Educación en Enfermería; Entrenamiento por Simulación

INTRODUÇÃO

A hemorragia pós-parto (HPP) afeta, aproximadamente, 2% de todas as mulheres no período puerperal. A HPP está associada a, aproximadamente, um quarto de todas as mortes maternas, no mundo, e tem contribuído para a morbidade materna grave e as incapacidades prolongadas por associação à perda de sangue mais substancial, inclusive com evolução para choque e disfunção orgânica⁽¹⁾.

O enfermeiro obstetra, na maioria das vezes, é o profissional que primeiro indentifica e inicia o tratamento da HPP. Assim, o aumento na qualidade e no número das capacitações do profissional de enfermagem traduz-se em benefícios para a paciente⁽²⁾. A técnica de simulação clínica tem sido empregada como ferramenta importante de ensino e metodologia ativa a ser utilizada na formação de enfermeiros e na Educação Permanente dos profissionais de saúde. Tal técnica tem sido cada vez mais utilizada, por ser um recurso de formação desses profissionais, importante para que eles possam desenvolver competências e habilidade de comunicação, atenção à saúde, tomada de decisões e liderança, sendo imprescindíveis à resolução da situação clínica exposta⁽³⁾.

Assim, o uso da simulação clínica apresenta-se enquanto estratégia de ensino viável para preparar discentes e profissionais no cenário da prática assistencial. Pode-se utilizá-la, inclusive, no ambiente acadêmico e hospitalar. A simulação permite que os profissionais de saúde identifiquem comportamentos que necessitam de melhorias, ao oferecer a oportunidade de praticar e desenvolver habilidades em um ambiente não ameaçador, longe de atendimento ao paciente, uma vez que o estresse e a ansiedade podem aumentar as chances de erro não aceitáveis na prática real. Técnicas referentes à reanimação e à estabilização devem ser dominadas para prática hospitalar com objetivo de melhorar o desempenho de discentes e profissionais⁽⁴⁾. A simulação clínica na Enfermagem Obstétrica melhorou a prestação de cuidados à população vulnerável, e contribuiu na redução das taxas de morbidade e mortalidade associadas à pré-eclâmpsia e eclampsia ou outras emergências⁽⁵⁾.

Na assistência da HPP, os treinamentos que utilizam a simulação clínica melhoraram as estimativas de perda de sangue em tempo real e permitiram aos discentes a detecção e tratamento precoce, pois evitam subestimação da perda sanguínea e que o tratamento seja adiado⁽³⁾. Esta metodologia de ensino também tem mostrado potencial na gestão de urgência com pré-eclâmpsia e eclampsia. Ela afeta positivamente a eficácia dos enfermeiros no tratamento dessa urgência obstétrica, além de sugerir que a gestão de outras emergências obstétricas de alto risco e baixa incidência também podem ser melhoradas⁽⁵⁾.

Nesse sentido, a construção de um roteiro de simulação clínica no manejo da HPP é capaz de fortalecer a relação teoria/prática e contribuir na formação de enfermeiros mais críticos e reflexivos, desenvolvendo competências e habilidades no atendimento à mulher com HPP. Para tal, faz-se necessária a validação de um cenário de simulação, por juízes especialistas e público-alvo, pois é preciso garantir que o mesmo tenha integridade, reprodutividade e esteja alinhado com os padrões recomendados para a construção do cenário de simulação clínica.

OBJETIVO

Construir e validar cenário de simulação clínica para a HPP.

MÉTODOS

Aspectos éticos

Seguiram-se os preceitos éticos estabelecidos pela Resolução nº 466/2012 e 506/16, do Conselho Nacional de Saúde, de modo que a proposta do estudo foi apreciada e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos da Universidade Federal de Pernambuco.

Desenho, local do estudo e período

Trata-se de uma pesquisa metodológica para construção e validação de um cenário de simulação clínica no manejo da HPP, realizado no período de maio a julho de 2016. O cenário de simulação foi construído após levantamento dos conteúdos a partir da literatura, e foi baseada no julgamento de juízes especialistas e público-alvo que analisaram a representatividade do conteúdo e a adequação do mesmo⁽⁶⁾.

População ou amostra, critérios de inclusão e exclusão

Os critérios estabelecidos para seleção dos juízes foram adaptados a partir dos propostos por Fehring. Foram selecionados os juízes cujo perfil profissional era compatível com uma pontuação mínima de 7 pontos⁽⁷⁾. Critérios: possuir doutorado em enfermagem ou áreas afins = 4; Mestrado em Enfermagem ou áreas afins = 4; dissertação na área de saúde da mulher/obstetrícia/simulação = 1; artigos publicados em uma das áreas citadas = 2; prática assistencial ou docência em uma das áreas = 2; e especialização na área de saúde da mulher/obstetrícia = 2. Todos os juízes tinham no mínimo a especialização.

A amostra foi determinada pelo uso da fórmula para cálculo amostral baseado em proporção⁽⁸⁾. O tamanho da amostra foi calculado a partir da fórmula: N= Zα². P (1-P)/ e². Onde: N= tamanho da amostra; P= proporção dos juízes (85%); e= diferença proporcional aceitável em relação ao que seria esperado (15%); Zα= 1,96 (confiança desejada 95%); obtendo uma amostra final de 22 especialistas/discentes. Ao todo, participaram 22 juízes e 30 discentes do curso de enfermagem/UFPE.

A seleção dos juízes foi por conveniência, realizada pela Plataforma Lattes do currículo de pesquisadores, disponível no portal Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Os critérios de inclusão dos discentes foram: ter cursado a disciplina de enfermagem em saúde da mulher, ter 18 anos ou mais. Os critérios de exclusão foram: discentes com formação em áreas afins que possibilite um preparo prévio no manejo da HPP. O critério de escolha ocorreu pela utilização da amostragem não probabilística intencional⁽⁶⁾.

Foi criado um formulário eletrônico, com auxílio da ferramenta Google Forms®, e enviado por e-mail aos juízes após contato inicial, composto por carta convite, Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e um formulário contendo: formulário de caracterização, roteiro do cenário, e formulário de validação de conteúdo e aparência. Para os discentes, os formulários estavam em formato impresso, que foram entregues e recolhidos pessoalmente pela pesquisadora. O formulário de validação foi construído pelas autoras. A avaliação realizada pelos juízes continha três categorias de domínios: objetivo, estrutura, apresentação e relevância, aquela realizada pelo público-alvo tem cinco categorias de domínio: objetivos, organização, estilo da escrita, aparência e motivação. Cada categoria foi analisada a partir da escala do tipo Likert⁽⁹⁾, com cinco níveis de respostas: concordo totalmente, concordo parcialmente, nem concordo nem discordo, discordo parcialmente, discordo totalmente.

Protocolo do estudo

Foi realizado um levantamento dos conteúdos por meio de busca na literatura de livros específicos sobre a temática, artigos científicos e recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) para prevenção e tratamento da HPP (2014)⁽¹⁾; elaboração textual do roteiro do cenário seguindo um modelo pré-estabelecido^(10-11).

Seguindo o modelo pré-construído^(10-11), o primeiro passo foi determinar o objetivo de aprendizagem. Para tal, foi estabelecido que o enfermeiro/discente pudesse conduzir adequadamente e em equipe a assistência a uma puérpera com HPP. A atividade incluiu: identificar puérperas com perdas sanguíneas maior que 500 ml, com sinais clínicos de choque hipovolêmico e/ou maior que 1000 ml, com ou sem sinais clínicos de choque hipovolêmico; ativar o protocolo de HPP; identificar e corrigir a laceração de trajeto e o útero hipotônico, causas da hemorragia; e registrar o processo de enfermagem em prontuário.

O segundo passo foi incluir na simulação um caso clínico, com as respostas fisiológicas frente a cada intervenção dos discentes. Foi utilizado um manequim de baixa fidelidade, com uso da pelve feminina que permitia a visualização da vulva e introito vaginal, ocorrendo a simulação em um local do cenário de sala de parto. Foram selecionados três participantes nomeados membros da equipe: um técnico de enfermagem e dois enfermeiros; foi estabelecido que a simulação tivesse uma duração estimada de 20 minutos, sendo classificada como de média complexidade, de acordo com a complexidade do caso clínico.

O terceiro passo, na construção do cenário, foi construído um instrumento de avaliação/resolução de problemas: após a apresentação do quadro clínico, foi solicitado aos discentes o atendimento ao paciente. Foram desenvolvidas as cenas e foram estipuladas as competências e habilidades esperadas durante a simulação. Assim, foi criado um checklist para avaliar as ações realizadas conforme: comunicação, exame físico, sinais e sintomas, monitorização e registro do processo de enfermagem, Quadro 1.

Quadro 1
Checklist de ações na simulação de HPP, Recife, PE, Brasil, 2016

Atividades de enfermagem esperadas			Desempenho
			Realizou	Não
Comunicação	Apresentar-se à mulher e chamar ajuda		( ) Correto ( ) Incorreto	( )
	Checar e pedir registro da hora		( ) Correto ( ) Incorreto	( )
	Perguntar à paciente o que ela está sentindo		( ) Correto ( ) Incorreto	( )
	Explicar condutas à paciente		( ) Correto ( ) Incorreto	( )
	Comorbidades; Uso de Medicamento; Alergias		( ) Correto ( ) Incorreto	( )
Realizar o exame físico	Realizar a abordagem terapêutica		( ) Correto ( ) Incorreto	( )
	Realizar a inspeção da pele e mucosas		( ) Correto ( ) Incorreto	( )
	Realizar a palpação da altura uterina e tônus		( ) Correto ( ) Incorreto	( )
	Aferir os sinais vitais		( ) Correto ( ) Incorreto	( )
	Checar os tônus, tecido, trajeto e trombina		( ) Correto ( ) Incorreto	( )
Identificar os sinais e sintomas de risco para o Choque Hipovolêmico	Checar A-B-C		( ) Correto ( ) Incorreto	( )
	Atentar para queixa de boca seca e sede		( ) Correto ( ) Incorreto	( )
	Atentar para queixa de dificuldade respiratória		( ) Correto ( ) Incorreto	( )
	Identificar sonolência		( ) Correto ( ) Incorreto	( )
	Identificar pele hipocorada, fria e úmida		( ) Correto ( ) Incorreto	( )
	Verificar perfusão tissular periférica diminuída		( ) Correto ( ) Incorreto	( )
	Verificar involução uterina		( ) Correto ( ) Incorreto	( )
	Atentar para FC*: 110 bpm e PA†: 80 x 50 mm/Hg		( ) Correto ( ) Incorreto	( )
	Atentar para pulso fraco e rápido		( ) Correto ( ) Incorreto	( )
	Atentar para FR‡: 24 mov/min e SO2: 90%		( ) Correto ( ) Incorreto	( )
	Atentar para T§: 35,5 ºC		( ) Correto ( ) Incorreto	( )
	Solicitar a punção do acesso venoso e coleta sangue para exames laboratoriais		( ) Correto ( ) Incorreto	( )
	Posicionar o paciente com cabeceira ligeiramente elevada		( ) Correto ( ) Incorreto	( )
	Instalar SFII 0,9% em infusão rápida		( ) Correto ( ) Incorreto	( )
	Administrar oxigênio por cateter nasal à 3L/min		( ) Correto ( ) Incorreto	( )
Identificar os sinais e sintomas de risco para o Choque Hipovolêmico	Conduta Mecânica	Realizar massagem uterina	( ) Correto ( ) Incorreto	( )
		Realizar compressão bi manual	( ) Correto ( ) Incorreto	( )
		Esvaziar a bexiga	( ) Correto ( ) Incorreto	( )
		Revisar canal de parto	( ) Correto ( ) Incorreto	( )
	Drogas	Ocitocina 10 ¶UI, intramuscular	( ) Correto ( ) Incorreto	( )
		Ocitocina 20 ¶UI em SF, endovenoso	( ) Correto ( ) Incorreto	( )
		Manter ocitocina endovenosa	( ) Correto ( ) Incorreto	( )
		Visualizar lacerações	( ) Correto ( ) Incorreto	( )
		Realizar rafia de lacerações sangrantes	( ) Correto ( ) Incorreto	( )
Monitorização	Identificar as mudanças dos SSVV**		( ) Correto ( ) Incorreto	( )
	Realizar monitorização do quadro clínico		( ) Correto ( ) Incorreto	( )
Processo de enfermagem	Diagnóstico(s) de Enfermagem		( ) Correto ( ) Incorreto	( )
	Resultados esperados		( ) Correto ( ) Incorreto	( )
	Prescrição e Evolução de enfermagem		( ) Correto ( ) Incorreto	( )

• Nota:
• ^*
  FC- Frequência Cardíaca,
• ^†
  PA - Pressão Arterial,
• ^‡
  FR - Frequência Respiratória,
• ^§
  T - Temperatura, II SF - Soro Fisiológico,
• ^¶
  UI - Unidades Internacionais,
• ^**
  SSVV - Sinais Vitais.

O quarto passo foi estabelecer os pré-requisitos para participação na simulação e suporte, necessários aos discentes. Por se tratar de um cuidado de enfermagem específico, estabeleceu-se que, para a participação na simulação, os discentes deveriam assistir previamente a uma aula sobre o assunto e ter conhecimento da fisiologia e anatomia do trabalho de parto, parto e do puerpério imediato; ler o protocolo de tratamento para HPP; ter conhecimento dos recursos de biossegurança e dos materiais utilizados. Dois “atores” fizeram fazer parte do cenário com objetivo de auxiliar no esclarecimento da situação clínica. Um fez a voz da paciente e o outro um técnico de enfermagem que informou, quando solicitado, os sinais clínicos da paciente. Diante disso, foi elaborado um roteiro com diálogos dos atores e participante (enfermeiro) da simulação, para garantir a qualidade das informações durante o desenvolvimento do cenário, conforme mostrado no Quadro 2.

Quadro 2
Descrição das falas utilizadas na simulação de HPP. Recife, PE, Brasil, 2016

Personagem	Script
Téc. de enf.	- A paciente pariu há pouco, está deitada, um pouco cansada. O enfermeiro é chamado por conta do sangramento Expressar tranquilidade - Há sangramento ativo, sonolência, pele fria, úmida e hipocorada, perfusão tissular periférica diminuída, involução uterina a nível da cicatriz umbilical e hipotônico.
Enfermeira	Apresenta-se e questiona-se o que a paciente está se sentindo
Paciente	- Estou cansada, com a vista está escura, Ai que boca seca! Que sede! Estou sentindo falta de ar! (Paciente)
Téc. de enf.	Fornecer as seguintes informações quando perceber a avaliação desses parâmetros pelos discentes ou lhe for solicitado: - Consciente e orientada - FC*: 110 bpm - FR†: 24 irpm - Pulso fraco e rápido - PA‡: 80 x 50 mmHg - T§: 35,5ºC - Saturação: 90%
Enfermeira	Inicia protocolo de HPP
Téc. de enf.	Aguardar condutas iniciais do discente. Após alguns procedimentos dar novos dados - Consciente e orientada - FC: 112 bpm - PA 100 x 60 mmHg Após a administração de ocitocina: Que bom que útero contraiu após a ocitocina, porém o sangramento permanece. (Técnica de enfermagem) Espera um pouco raciocínio do discente. Se não partir para revisão de canal de parto: - Ainda está sangrando! (Técnica de enfermagem)
Enfermeiro	Tenta identificar outras causas de HPP II
Téc. de enf.	Após ocitocina e rafia de lacerações: - É, parece que o sangramento parou. Ainda bem! (Técnica de enfermagem) - FC: 86 bat/min - Pulso cheio e regular; - FR: 18 irpm; - PA: 90x60 mm/Hg; - T: 36ºC - Saturação: 98%
Paciente	Refere melhora
Cenário encerrado

• Nota:
• ^*
  FC- Frequência Cardíaca,
• ^†
  FR - Frequência Respiratória,
• ^‡
  PA - Pressão Arterial,
• ^§
  T - Temperatura, HPP II - hemorragia pós-parto.

O quinto passo do cenário foi a construção do debriefing, realizado após a simulação com todos os participantes. Foram pontuadas questões relacionadas à autoavaliação sobre o atendimento, os sentimentos frente à situação vivida, habilidades desenvolvidas, uma reflexão dos pontos positivos e oportunidades de melhorias.

Análise dos resultados e estatística

Os dados coletados na etapa de validação foram analisados pelo software IBM^® SPSS^® Statistics, versão 20.0, sendo descrita a frequência absoluta, média e Desvio Padrão. Para validação de conteúdo, o Teste Binomial⁽⁹⁾ foi aplicado para cada item do formulário, verificando a proporção de concordância entre os juízes, com uma proporção de concordância igual ou superior a 85% (P≥85%) e um nível de significância (α) de 5%. Assim, valores p maiores que 0,05 indicam a proporção de juízes que concordaram com a adequação e pertinência do cenário de simulação⁽⁸⁾.

Para análise em relação ao grau de concordância dos itens, calculou-se o Índice de Validade do Conteúdo, por meio de três equações matemáticas: I-CVI (Item-level Contente Validity Index), S-CVI/AVE (Scale-level Contente Validity Index, Averange Calculation Method) e S-CVI (Scale-level Contente Validity Index). O item que obteve média igual ou superior a 0,80 foi considerado como desejado na validação⁽⁶⁾. Para a análise da compreensão do roteiro de simulação pelos discentes, também foi realizado o cálculo do I-CVI para cada item do formulário de validação de aparência.

RESULTADOS

Com relação ao processo de validação de conteúdo, dos 22 juízes, a maioria tinha experiência assistencial em Saúde da Mulher/Obstetrícia (n=19), e experiência em docência (n=21) em instituições de ensino superior. Três possuíam experiência com simulação clínica e especialização em urgência e emergência adulto. Todos os juízes foram do sexo feminino (n=22). A média de idade foi de 45,4 anos (DP+ 9,3 anos). A média do tempo de formação foi de 35,3 anos (DP+ 7,7 anos), com tempo de atuação na docência de 7,8 anos (DP+ 8,1 anos). Dos que atuavam na assistência, todos possuíam especialização em Saúde da Mulher/Obstetrícia e Mestrado.

A concordância entre os juízes para os itens avaliados foi satisfatória. O valor-p foi >0,05 nos 23 itens, indicando a proporção de juízes concordantes com a adequação e pertinência do cenário de simulação clínica. Todos os itens das categorias objetivo, estrutura, apresentação e relevância foram satisfatoriamente avaliados. Não foi necessário ajuste no conteúdo do roteiro para alcançar os objetivos propostos.

A concordância dos itens, expressada pelo cálculo do I-CVI, separadamente, pode ser visualizada na Tabela 1. Verifica-se que o valor do I-CVI foi maior do que 0,90 em todos os itens avaliados. A média do I-CVI para o cenário de simulação clínica foi de 0,97. A proporção de concordância (S-CVI/AVE) foi acima de 0,91 para todos os juízes. O valor do S-CVI foi de 0,976 (Tabela 1).

Tabela 1
Concordância dos itens para validação de conteúdo e aparência do cenário de simulação clínica, segundo os juízes. Recife, PE, Brasil, 2016.

Itens Avaliados	Concordância			p*	P†	I-CVI‡
	Sim	Nulo	Não
Objetivo
Os conteúdos estão coerentes com o objetivo do cenário de simulação clínica	22	0	0	1,000	1,000	1,00
Objetivos de aprendizagem estão claros e concisos	22	0	0	1,000	1,000	1,00
O conteúdo do cenário facilita o pensamento crítico	22	0	0	1,000	1,000	1,00
As informações apresentadas estão cientificamente corretas	21	0	1	0,972	0,954	0,95
Há uma sequência lógica de conteúdo proposto	21	0	1	0,972	0,954	0,95
As informações apresentadas no cenário abrangem bem o conteúdo sobre HPP§	21	0	1	0,972	0,954	0,95
As informações/conteúdos são importantes para a qualidade da assistência prestada	22	0	0	1,000	1,000	1,00
O objetivo do cenário convida/instiga mudanças de comportamento e atitude dos discentes	21	0	1	0,972	0,954	0,95
Estrutura e Apresentação
O roteiro do cenário é apropriado para os estudantes de enfermagem	22	0	0	1,000	1,000	1,00
A linguagem utilizada é de fácil compreensão pelos discentes	22	0	0	1,000	1,000	1,00
O cenário possui visual atraente que mantém a atenção do discente	20	1	1	0,863	0,909	0,91
Os dados estão apresentadas de maneira estruturada e objetiva	22	0	0	1,000	1,000	1,00
A forma de apresentação do cenário contribui para o aprendizado dos discentes	22	0	0	1,000	1,000	1,00
Contém quatro evidências pelo menos para confirmar um diagnóstico altamente preciso	21	0	1	0,972	0,954	0,95
Detalhes contextuais fornecem pistas com base em resultados desejados	21	0	1	0,972	0,954	0,95
O perfil da paciente fornece dados suficientes para a realização de um julgamento clínico	22	0	0	1,000	1,000	1,00
As páginas ou seções parecem organizadas	20	0	2	0,863	0,909	0,91
Relevância
O cenário permite a transferência de conhecimento em relação ao manejo da HPP	22	0	0	1,000	1,000	1,00
O tema retrata aspectos-chave que devem ser reforçados	22	0	0	1,000	1,000	1,00
O modelo permite a transferência e generalização do aprendizado a diferentes contextos	20	1	1	0,863	0,909	0,91
O roteiro do cenário propõe a construção de conhecimento	22	0	0	1,000	1,000	1,00
Pode ser usado por profissionais de saúde/ou educadores	22	0	0	1,000	1,000	1,00
O cenário de simulação clínica no manejo da HPP pode circular no meio científico da área	22	0	0	1,000	1,000	1,00
S-CVI II						0,976

• Nota:
• ^*
  I-CVI- Item-Level Content Validity Índex,
• ^†
  HHP- hemorragia pós-parto,
• ^‡
  S-CVI - Scale-Level Content Validity Index

Na validação de aparência com o público-alvo, participaram 30 discentes, com idade entre 20 a 46 anos (média=23,8 anos) e todos tinham concluído o sétimo período do curso de graduação em Enfermagem. Todos os itens obtiveram I-CVI acima de 0,95. A proporção de relevância (S-CVI/AVE) foi igual ou superior a 0,95 para todos os discentes. O valor do S-CVI foi de 0,995, conforme Tabela 2.

Tabela 2
Concordância dos itens para validação de aparência do cenário de simulação clínica, segundo o público-alvo. Recife, PE, Brasil, 2016.

Itens Avaliados	Concordância			I-CVI*
	Sim	Nulo	Não
Objetivo
O cenário atende ao objetivo proposto	30	0	0	1,00
Ajuda na qualidade do aprendizado sobre HPP†	30	0	0	1,00
O cenário está adequado para ser usado por vocês neste momento	30	0	0	1,00
Organização
O título é atraente e indica o conteúdo do cenário	30	0	0	1,00
O tamanho do título e do conteúdo nos tópicos estão adequados	29	0	1	0,97
Os tópicos têm sequência lógica	30	0	0	1,00
Há coerência entre os objetivos e conteúdo do cenário	30	0	0	1,00
Estilo da escrita
A escrita está clara e objetiva	30	0	0	1,00
O texto é interessante	30	0	0	1,00
O vocabulário é acessível	30	0	0	1,00
Há associação do tema de cada secção ao texto correspondente	30	0	0	1,00
O estilo da redação corresponde ao nível de conhecimento de vocês	30	0	0	1,00
Aparência
As páginas e secção parecem organizadas	30	0	0	1,00
A aparência do cenário está simples e clara	30	0	0	1,00
O conteúdo do cenário é atrativo	30	0	0	1,00
O conteúdo apresenta-se expressivo e suficiente	30	0	0	1,00
Motivação
O cenário é apropriado para o perfil dos discentes de graduação	29	0	1	0,97
O conteúdo se apresenta de forma lógica e atrativa	30	0	0	1,00
A interação é convidada pelos textos e sugere ações	29	0	1	0,97
Instiga à mudanças de comportamento e atitude durante a assistência	30	0	0	1,00
O cenário propõe novo conhecimento para os discentes	30	0	0	1,00
S-CVI‡				0,976

• Nota: N*I-CVI- Item-Level Content Validity Índex,
• ^†
  HHP- hemorragia pós-parto,
• ^‡
  S-CVI - Scale-Level Content Validity Index

Para o aprimoramento do cenário de simulação, foram consideradas as sugestões emitidas pelos juízes, referentes aos aspectos clínicos. As modificações realizadas referiram-se aos sinais clínicos, o que tornou o caso clínico mais claro e, por consequência, facilitou também o pensamento crítico e o julgamento clínico do discente. Por exemplo, o termo “sangramento” foi adicionado para reforçar que, além da hipotonia uterina, havia laceração do trajeto; a descrição do útero hipotônico foi adicionada à involução uterina lenta, com o objetivo de fortalecer o diagnóstico de hipotonia uterina; foi incluída uma terceira avaliação da mulher para demonstrar a evolução do quadro após as condutas tomadas pelos discentes. Os discentes referiram:

Ótima forma de aprender o conteúdo e fixar o assunto (Margarida); Uma forma dinâmica de apresentar o assunto, tornando o aprendizado mais fácil, interessante e nos preparando para profissão (Tulipa); Achei super interessante, pois é um método de fixação do tema, que foge dos slides convencionais (Rosa).

A análise quantitativa da avaliação de conteúdo e aparência por juízes especialistas, deste cenário de simulação, S-CVI atingiu 0,976, e a média do I-CVI foi de 0,975. Na avaliação de aparência por discentes de enfermagem, S-CVI atingiu 0,995, e a média do I-CVI foi de 0,99, ou seja, maior que 0,80.

DISCUSSÃO

As mortes decorrentes da HPP são causadas por atrasos na identificação e por diagnóstico delas. Para reduzir a morbimortalidade materna, é necessário que as equipes sejam capacitadas a intervir precocemente⁽¹⁾. Assim, a construção de uma simulação clínica sobre HPP levará conhecimento de forma dinâmica e interativa, com intuito de provocar reflexões que levem à mudança de comportamentos de discentes/profissionais quando expostos a tal situação na prática assistencial.

O impacto da capacitação por meio de simulações clínicas é significativo para reduzir a mortalidade materna, pois assegura que todos os profissionais que atendem às mulheres durante o parto têm oportunidade de aprender as competências e habilidades necessárias para gerenciamento da HPP⁽¹²⁾. A utilização da simulação clínica no contexto do ensino demanda critérios bem planejados e estruturados, com metodologia adequada, profissionais capacitados e recursos eficientes para que os objetivos estabelecidos sejam alcançados. Levando em consideração a construção do cenário do estudo, etapas semelhantes foram utilizadas na construção de um cenário para gerenciamento da HPP no Reino Unido, cujas fases do desenvolvimento foram: seleção do simulador e do ambiente, determinação da duração da simulação, construção de um estudo de caso e um instrumento de avaliação, que foi aplicado antes e após a simulação. No entanto, tal cenário que foi construído sistematicamente não teve seu conteúdo validado⁽¹³⁾.

Para o sucesso da simulação, é importante que o cenário esteja baseado nos objetivos de aprendizagem⁽¹⁴⁾. Quando os objetivos da estratégia de ensino e do cenário estão bem delimitados e claros, pode-se oportunizar ao discente um cenário clínico com informações consistentes que suprimirão as lacunas na prática. Esta clareza permitirá um resultado final com um melhor desempenho dos futuros profissionais e, consequentemente, uma melhor assistência⁽⁵⁾. Neste estudo, o primeiro passo no desenvolvimento do cenário foi determinar o objetivo de aprendizagem.

Assim, a definição dos objetivos e conteúdos, de maneira clara e definida no cenário de simulação, permitiu que o profissional de saúde identificasse as ações que necessitam de aprimoramentos, ao oferecer oportunidade de praticar e desenvolver habilidades, em um ambiente seguro, longe de atendimento ao paciente. Reduzem-se, então, o estresse e a ansiedade, que aumentam as chances de erro⁽⁴⁾.

É necessário estabelecer diretrizes para simulação clínica, uma vez que poucas evidências existem atualmente para orientar docentes que optem por utilizar esta metodologia de ensino⁽¹⁵⁾. Contudo, existe uma preocupação crescente quanto à construção dos cenários para a prática simulada, já que a ausência de um roteiro pedagógico para a construção ocasiona uma ameaça na eficácia da simulação clínica. Para expressar realismo, o cenário foi construído para representar uma sala de parto, conforme identificado em outros estudos que ou utilizaram a própria sala de parto ou desenvolveram a simulação em um ambiente muito semelhante ao real^(2-3,13).

No processo de construção do cenário, foram considerados aspectos para motivar a leitura e o aprendizado dos discentes. O cenário pode ser considerado bem elaborado e realístico quando possibilita ao sujeito uma avaliação física, treino de habilidades técnicas e pensamento crítico em relação à situação simulada. Assim, conforme observado em uma lista de avaliação de desempenho em simulação clínica, desenvolvida com base em habilidades técnicas, conhecimentos e gestão em equipes⁽²⁾. Diante disso, os juízes foram questionados quanto à estrutura e apresentação do roteiro. Todos concordaram com a adequação do material para graduandos, em relação também à clareza da linguagem utilizada e apresentação e organização dos dados (I-CVI=1,00).

A concordância dos juízes sobre a construção de conhecimento, a partir do roteiro do cenário, foi satisfatória, o que mostrou estar adequada à utilização do mesmo na construção de conhecimentos sobre HPP. Todos os discentes concordaram totalmente que o cenário propõe conhecimento sobre a temática por meio do uso de metodologia ativa. É essencial que o discente perceba a relevância e a aplicação do que está sendo ensinado e sinta-se atraído pelo material educativo. O material deve despertar interesse em conhecer algo, ao remeter a situações reais e significativas para a vida profissional⁽⁸⁾.

Todos os juízes e discentes concordaram que o cenário pode ser usado por profissionais de saúde ou educadores durante capacitações sobre HPP. Capacitações periódicas com simulação clínica melhoram a realização da compressão uterina bimanual e melhora significativamente a precisão da estimativa de perda sanguínea⁽¹²⁾. É importante salientar que a simulação clínica é um recurso a ser utilizado na Educação Permanente do enfermeiro também. Além disso, o enfermeiro adquire habilidades necessárias para prestar assistência à pacientes obstétricas em situações críticas. O profissional de saúde deve atentar às necessidades do seu público-alvo, com o uso de meios lúdicos e realistas que favoreçam o interesse e entendimento da temática. Assim, no processo de comunicação escrita, a elaboração textual deve estar adequada ao nível educacional e cultural do público-alvo a ser beneficiado pelo material educativo construído^(15-16).

Com relação ao processo de validação de conteúdo e aparência deste estudo, o mesmo foi realizado por meio de um instrumento com três categorias de domínios: objetivo, estrutura, apresentação e relevância. Outro estudo realizou a validação de um instrumento de avaliação de simulação clínica por meio da relevância, clareza e viabilidade. O instrumento foi construído em formato de lista de verificação composta por 20 itens que contínham informações vitais, comunicação, feedback e comportamentos de comunicação⁽¹⁵⁾.

A validação de conteúdo proporcionou o reconhecimento científico do cenário de simulação, a partir do julgamento de juízes especialistas, conforme observado em outro estudo⁽¹⁵⁾. Os juízes concordaram que o conteúdo do cenário promove a construção de conhecimento e consideraram adequado o método para o uso por profissionais de saúde e de educação. A coerência entre o conteúdo e o objetivo do cenário teve escore satisfatório, tal qual a sequência lógica do conteúdo proposto, fato indicativo de que informações contidas no cenário são apropriadas. Além disto, a concordância com as informações contidas no cenário abrangem bem o conteúdo e são importantes para a qualidade da assistência prestada⁽¹⁷⁾.

Limitações do estudo

Houve como limitação deste estudo a dificuldade dos juízes em responder em tempo hábil.

Contribuições para a área da Enfermagem, Saúde ou Política Pública

Capacitações, baseadas em simulação clínica, fazem parte de uma abordagem proativa e adequada para reduzir erros e riscos na Obstetrícia, melhorando o trabalho em equipe e oportunizando aos discentes uma multiplicidade de competências e habilidades para melhorar seu desempenho.

Além do mais, por se tratar de uma estratégia educacional, viabilizará aos educadores uma forma inovadora para troca de conhecimentos com estudantes e profissionais de saúde, propiciará a construção e reconstrução do saber, por trazer oportunidades de aprendizado, e contribuirá para o avanço da educação.

CONCLUSÃO

O cenário de simulação clínica validado foi relevante e se apresentou como novo material de ensino das atividades junto aos discentes de enfermagem na disciplina Saúde da Mulher/Obstetrícia, com o objetivo de motivar discentes no processo de ensino aprendizagem, fortalecer a relação teoria/prática, contribuir na formação de enfermeiros mais críticos e reflexivos, e desenvolver competências e habilidades no atendimento à mulher com HPP. No entanto, outros estudos deverão ser realizados, a fim de testar a eficácia no aumento de conhecimento teórico e prático tanto de discentes de enfermagem quanto por enfermeiros durante Educação Permanente.

• FOMENTO
  Não houve instituição de fomento.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  27 Jun 2019
• Data do Fascículo
  May-Jun 2019

Histórico

• Recebido
  13 Abr 2018
• Aceito
  08 Fev 2019