A tomada de decisão na visão dos estudantes de enfermagem

RESUMO

Objetivo:

Analisar a tomada de decisão dos estudantes de uma escola superior de enfermagem e compreender como eles tomam decisões no processo de cuidados.

Método:

Abordagem qualitativa, de carácter exploratório e descritivo, com método de estudo de caso.

Resultados:

Os seis tipos de tomada de decisão foram categorizados pelos estudantes da seguinte forma: Decisão de Comunicação (15 Unidades de Registo (UR)); Decisão de Compreensão (14 UR); Decisão de Intervenção (9 UR); Decisão de Temporização (5 UR); Decisão de Focalização (4 UR); e Decisão de Gestão (0 UR), num total de 47 URs.

Considerações finais:

Por meio da análise dos diários de aprendizagem, constatou-se que os estudantes tomam mais decisões relacionadas com a comunicação com o utente e com a compreensão da situação de cuidados do que com a decisão de agir.

Descritores:
Tomada de Decisão; Estudantes de Enfermagem; Aprendizagem; Educação em Enfermagem; Estudo de Caso

ABSTRACT

Objective:

To analyze the decision making of students from a nursing higher school and understand how they make decisions in the care process.

Method:

A qualitative study with an exploratory and descriptive approach was carried out with the case study method.

Results:

Six types of decision making were categorized by the students as follows: Decision about communication (15 record units [RU]); Decision about understanding (14 RU); Decision about intervention (9 RU); Decision about timing (5 RU); Decision about targeting (4 RU); and Decision about management (0 RU), with a total of 47 RU.

Final considerations:

Analysis of the learning diaries showed that students make more decisions regarding communication with patients and understanding of the care situation, than with the acting decision.

Descriptors:
Decision Making; Nursing Students; Learning; Nursing Education; Case Study

RESUMEN

Objetivo:

Analizar la toma de decisiones en los estudiantes de una escuela superior de enfermería, y comprender de qué modo toman decisiones en el proceso de cuidado.

Método:

Estudio de abordaje cualitativo, de carácter exploratorio y descriptivo, aplicando método de estudio de caso.

Resultados:

Los seis tipos de toma de decisiones fueron categorizados por los estudiantes de la siguiente forma: Decisión de Comunicación (15 Unidades de Registro [UR]); Decisión de Comprensión (14 UR); Decisión de Intervención (9 UR); Decisión de Temporización (5 UR); Decisión de Focalización (4 UR); y Decisión de Gestión (0 UR), sobre un total de 47 URs.

Consideraciones finales:

A través del análisis de los diarios de aprendizaje se constató que los estudiantes toman más decisiones relacionadas con la comunicación con el usuario y con la comprensión de la situación de cuidado que con la decisión de actuar.

Descriptores:
Toma de Decisiones; Estudiantes de Enfermería; Aprendizaje; Educación en Enfermería; Estudio de Caso

INTRODUÇÃO

Em Portugal, a reforma que permitiu ao ensino de enfermagem o ingresso no ensino superior criou, de uma forma automática, a assunção de que a prática de enfermagem seria beneficiada. Para além do acesso a outros âmbitos do conhecimento, a consagração das finalidades do ensino superior de desenvolvimento do espírito científico e de pensamento reflexivo permitiria aos enfermeiros uma adaptação ao mundo do trabalho e às mudanças e, simultaneamente, o fornecimento dos meios para apreenderem a realidade e para se afirmarem no meio profissional. Contudo, para que a formação superior possa revalorizar a imagem social da Enfermagem, é necessário que os enfermeiros se afirmem numa crescente autonomia em suas tomadas de decisão⁽¹⁾, no contexto de cuidados.

O reconhecimento dos enfermeiros como elementos decisores foi certificado pela Ordem dos Enfermeiros (OE) no Regulamento do Perfil de Competências do Enfermeiro de Cuidados Gerais⁽²⁾, definindo a tomada de decisão como elemento orientador da prática clínica dos enfermeiros. Só pela abordagem sistémica e sistemática da tomada de decisão será possível a excelência nos cuidados de enfermagem prestados à pessoa, família ou comunidade. O campo de competências da Enfermagem assenta num prolongamento ou substituição do que os utentes dos cuidados não conseguem assegurar por si, procurando os meios mais adequados para o conseguir.

Na conjuntura atual, o foco da educação em enfermagem circunscreve-se ao desenvolvimento das competências de modo a permitir ao estudante integrar/transpor uma variedade de saberes⁽³⁾ inerentes ao cuidar. Na formação, torna-se então uma preocupação central a criação de dispositivos que interliguem diferentes modos de ensino e que promovam o desenvolvimento de várias competências, permitindo ao estudante uma crescente capacidade de intervenção sobre si e sobre o seu trabalho.

A tomada de decisão é uma das competências básicas em enfermagem. O processo cognitivo e de raciocínio que os enfermeiros utilizam na decisão dos cuidados a prestar tem ocasionado uma preocupação crescente no ensino desta competência⁽⁴⁾. A base para uma tomada de decisão eficaz começa durante a fase inicial da educação em enfermagem quando os estudantes são ensinados a fazer diagnósticos de enfermagem e a selecionar as intervenções adequadas^(5-7). Também o ensino clínico assume evidência para a aprendizagem da tomada de decisão, onde esta competência é desenvolvida e reforçada durante as experiências clínicas e transitadas para a prática clínica^(8-9).

A preocupação em compreender como os estudantes de enfermagem desenvolvem as suas competências de tomada de decisão levou-nos a uma procura da evidência e de conceitos explicativos que acompanhassem o processo de aquisição e construção das mesmas⁽¹⁰⁾. Apesar do acordo sobre a importância da tomada de decisão na educação em enfermagem^(3-9) , existem alguns desentendimentos sobre a definição e a natureza desse conceito, que pode ser devido à sua complexidade e mudança em diferentes contextos⁽⁴⁾. Com base na revisão sistemática de literatura efetuada por Thompson e Staply⁽¹¹⁾ para analisar a eficácia das intervenções educativas na promoção do julgamento e da tomada de decisão, nos currículos de enfermagem, emergiram seis tipos de decisão. São elas: intervenção; focalização; temporização; comunicação; organização de serviços, e de gestão; e experiencial, compreensiva ou hermenêutica. Esta categorização permite uma maior precisão dos termos e da sua distinção⁽¹⁰⁾.

O desenvolvimento de competências de tomada de decisão tem se tornado uma área crescente da atividade educacional em enfermagem traduzindo-se, a nível internacional, num forte impacto na investigação⁽¹¹⁾. O âmbito das pesquisas tem-se debruçado desde os métodos pedagógicos mais adequados ao ensino da tomada de decisão^{(5,8-9,12-14)}, ao tipo de raciocínio utlizado na aprendizagem da decisão sobre os cuidados a prestar^(4,7,15-17), bem como sobre o desenvolvimento dessa competência ao longo da formação⁽¹⁸⁾.

A variedade de estudos internacionais sobre competências de tomada de decisão dos estudantes de enfermagem tem tido algum reflexo em Portugal. No entanto, a escassa produção de estudos nacionais⁽¹⁹⁾, associada a uma inquietação sobre o ensino da competência de tomada de decisão, motivou-nos o desenvolvimento da temática. Isso permitir-nos-á potencializar o corpo de conhecimento e adquirir uma maior compreensão da tomada de decisão pelos estudantes de enfermagem portugueses⁽¹⁰⁾.

OBJETIVO

Analisar a tomada de decisão dos estudantes pré-finalistas e finalistas (terceiro e quarto ano, respetivamente) de uma escola superior de enfermagem e compreender como os estudantes tomavam decisões no processo de cuidados, em contextos de prática clínica⁽¹⁰⁾.

MÉTODO

Aspetos éticos

Este estudo faz parte de uma investigação sobre a aprendizagem da tomada de decisão no processo de cuidados, em contexto clínico, e teve a aprovação da Presidência da Escola Superior de Enfermagem de Lisboa (devido à inexistência de Comissão de Ética na altura), para a realização da investigação, tendo os pareceres sido positivos. O contacto prévio para obter a autorização dos estudantes para integrar o estudo e o reenvio do instrumento pelos participantes pressupõem a intenção de participação e, por esse motivo, não foi solicitada a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.

Tipo de estudo

A abordagem desta investigação é qualitativa, de carácter exploratório e descritivo. Foi utlizado o método de estudo de caso, o mais adequado à investigação em causa^(20-21), pois, segundo Stake⁽²⁰⁾, o objetivo do estudo de caso é tornar compreensível um fenómeno social complexo por meio da particularização. Todavia, na sua perspetiva, é possível fazer generalizações para outros casos, especialmente a generalização naturalista, pela aprendizagem que permite por meio das conclusões emergentes das experiencias relatadas. O estudo de caso, como estratégia metodológica, centra-se na importância da pesquisa em si e não tanto no método de investigação.

Para Yin⁽²¹⁾, o estudo de caso procura dar resposta ao ‘como’ e ao ‘porquê’ do objeto de estudo. Não se trata de uma tática para colher dados, mas de uma estratégia de pesquisa abrangente. Situa-se na investigação de um fenómeno contemporâneo no seu contexto de vida real, particularmente, quando não existe um limite claro ou evidente do fenómeno e do contexto.

Comparativamente, tanto Stake⁽²⁰⁾ como Yin⁽²¹⁾ apresentam similitudes nas características do estudo de caso, e ambos pressupõem uma transformação das questões iniciais da pesquisa ao longo de todo o percurso investigativo. Esta evolução conceptual deve estruturar toda a colheita de dados, bem como a revisão dos documentos e a análise crítica dos mesmos, em que a teoria emergente vai orientar o desenho eficaz do estudo⁽²¹⁾.

Adaptando o estudo de caso ao nosso desenho de investigação, tentou-se compreender e caracterizar como é que os estudantes estruturavam a sua tomada de decisão no processo de cuidados, em contexto clínico⁽¹⁰⁾. A preocupação em ‘como’ os estudantes de enfermagem estruturavam a sua tomada de decisão levou-nos a um estudo de caso integrado⁽²¹⁾, pela existência de um caso único (ensino da tomada de decisão no Curso de Licenciatura em Enfermagem de uma escola superior de enfermagem) e de uma unidade de análise (os estudantes)⁽¹⁰⁾.

Amostra

Os estudantes, num total de 614, foram recrutados por meio de pedido enviado pelo sistema interno de correio eletrónico, respondendo 47. Foram também informados os regentes dos respetivos ensinos clínicos no sentido de se sentirem envolvidos e envolverem os estudantes. Foram definidos como critérios de inclusão: frequentarem os ensinos clínicos do terceiro ou do quarto ano do Curso de Licenciatura em Enfermagem e acederem participar de livre vontade. As questões relativas à confidencialidade foram asseguradas, garantido o seu anonimato e a confidencialidade dos achados. A codificação destes participantes foi efetuada como 3E (Estudante do terceiro ano do CLE) e 4E (Estudante do quarto ano do CLE) e adicionado um número pela ordem como foram enviados, separadamente por cada ano da formação⁽¹⁰⁾.

Cenário do estudo

Os diários de aprendizagem e as notas de campo efetuados pelos estudantes nos ensinos clínicos do terceiro e do quarto ano serviram de objeto de análise para o estudo como forma de relato sobre as situações vividas na prática clínica^(10,22). Os estudos qualitativos envolvem uma variedade de material empírico, tais como a experiência pessoal e a introspeção, entre outros, que descreve a rotina e os momentos problemáticos vivenciados, bem como os seus significados na vida individual de cada participante⁽²³⁾. O que, neste estudo de caso específico, permitiu uma visão por dentro das situações de aprendizagem centradas no processo de cuidados, na pessoa cuidada e na pessoa do cuidador, vivenciadas pelos estudantes⁽¹⁰⁾.

Os registos foram elaborados pelos estudantes de acordo com as solicitações dos documentos orientadores específicos, sem nenhuma interferência nossa enquanto investigador^(10,24). Não foi incluída a orientação do docente responsável pelo ensino clínico para, dessa forma, não desvirtuar o relato do estudante⁽²²⁾, na primeira pessoa, sobre as suas vivências. O conteúdo de análise incidiu sobre as perspetivas dos estudantes no processo de cuidados e não sobre os cuidados em si^(10,24).

A autenticidade deste tipo de informação documental⁽²²⁾ foi certificada pelos docentes responsáveis pelos ensinos clínicos que enviaram a maioria dos documentos. Os restantes foram recebidos através do correio eletrónico pessoal e foram validados com os docentes regentes dos ensinos clínicos, assegurando a sua autenticidade. Os dados foram recolhidos entre fevereiro e agosto de 2010⁽¹⁰⁾.

Análise dos dados

Durante o tratamento e análise dos dados, houve uma constante reformulação e uma necessidade permanente de se recorrer aos documentos como meio de respeitar o sentido dos discursos. Os documentos foram sujeitos a uma análise minuciosa, num processo moroso e em simultâneo, como é característico numa análise de dados, na investigação qualitativa^(10,25-26).

Para a perceção dos estudantes, pré-finalistas e finalistas, sobre a tomada de decisão foi utilizada a análise documental de diários de aprendizagem e de notas de campo realizadas em ensino clínico⁽²²⁾.

Os diários de aprendizagem e as notas de campo dos estudantes foram categorizados de acordo com caracterização de Thompson e Staply⁽¹¹⁾ sobre os diversos tipos de tomada de decisão para obter uma compreensão mais completa e holística^(10,23,26). Pretendeu-se, com estas observações adicionais, reformular a interpretação do investigador⁽²⁰⁾ e proceder à clarificação de possíveis desvios de orientação teórica desde o início do estudo^(10,21).

Numa investigação qualitativa, é imprescindível que o investigador se envolva com os objetos e acontecimentos de modo a avaliar o seu valor como dados⁽¹⁰⁾. Dessa forma, a análise documental foi organizada sistematizadamente e traduziu-se na passagem dos documentos principais, em bruto (diários de aprendizagem e notas de campo), para um documento secundário, representação do primeiro (análise resultante das experiências vividas pelos estudantes)^(10,25). Procurou-se, de uma forma indutiva, por meio da reflexão sobre os dados e da problemática teórica, desenvolver uma descrição que abrangesse o máximo de instâncias sobre a aprendizagem da tomada de decisão no processo de cuidados^(10,24). A categorização surgiu posteriormente, estruturando o processo analítico e tornando compreensível o que os dados revelavam^(10,26). O processo manual de divisão em unidades manejáveis, de síntese, de procura de padrões, de descoberta dos aspetos importantes teve como modelo a análise de conteúdo^(10,25).

RESULTADOS

Os estudantes, num total de 614, apresentavam uma média de idade de 26,9 anos, sendo 459 do género feminino, ou seja, 74,8% da população total. Dos 614 estudantes, participaram 37 do terceiro ano, com 130 diários de aprendizagem e 10 do quarto ano com 40 registos (incluindo notas de campo e diários de aprendizagem), num total de 47 estudantes e de 170 registos (Quadro 1).

Quadro 1
Frequência dos estudantes do terceiro e quarto ano participantes e dos diários de aprendizagem e notas de campo recebidos, segundo o total de estudantes por cada ano

Estudantes	Total de estudantes por ano letivo	Estudantes participantes	Diários de aprendizagem /Notas de campo
3E	283	37	130
4E	331	10	40
Total	614	47	170

Após uma primeira leitura, conseguiu-se restringir o número de diários a serem estudados, tendo-se como critério analisar o primeiro que cada estudante tinha enviado. Sempre que se detetou que o primeiro diário de aprendizagem ou nota de campo não fornecia dados suficientes e por isso não ajudava, da melhor maneira, a compreender como o estudante estruturava a tomada de decisão, foi selecionado o seguinte ou o que fosse melhor^(10,20).

O estudo da tipologia da tomada de decisão que os estudantes descreveram nos seus registos foi baseada na categorização de Thompson e Staply⁽¹¹⁾(Quadro 2). Os autores caracterizam seis tipos de tomada de decisão - intervenção; focalização; temporização; comunicação; gestão e compreensão - que foram utilizados numa análise dos diários de aprendizagem e das notas de campo.

Quadro 2
Tipos de decisões, segundo Thompson e Staply

Tipo de decisão	Definição	Exemplo
Decisão (intervenção)	Selecionar entre intervenções.	A escolha de um colchão para um idoso que tivesse sido admitido com uma obstrução intestinal aguda.
Decisão (focalização)	Selecionar qual o utente que se beneficiaria mais com a intervenção de enfermagem.	Decidir quais os utentes que deveriam ter meias antiembólicas.
Decisão (temporização)	Selecionar a melhor altura para intervenir.	Decidir a altura para começar a educação para a saúde sobre asma a utentes com asma, recém-diagnosticados.
Decisão (comunicação)	Selecionar qual a informação a recolher e a transmitir aos utentes, familiares e à equipe de enfermagem.	Decidir como abordar a reabilitação cardíaca depois de um enfarte agudo do miocárdio num utente idoso que vivia sozinho, apesar de ter familiares que viviam próximo.
Decisão (Organização de serviços, e de gestão)	Definir ou processar a transferência de cuidados.	Decidir como organizar a transferência, para que a comunicação fosse mais eficaz.
Decisão (experiencial, compreensiva ou hermenêutica)	Interpretar sinais no processo de cuidados.	Decidir como tranquilizar um utente preocupado com uma possível paragem cardíaca depois de testemunhar uma paragem noutro utente.

⁽¹¹⁾

Verificamos que, no total dos 47 estudantes, a tomada de decisão de comunicação foi a de maior representatividade com 15 unidades de registo, seguida da tomada de decisão de compreensão com 14 unidades de registo, da tomada de decisão de intervenção com 9 unidades de registo e, por fim, da tomada de decisão de temporização e a de focalização, com 5 e 4 unidades de registo, respetivamente. É de salientar que nenhum estudante parece ter tomado decisões de gestão no âmbito dos cuidados prestados (quadro 3)⁽¹⁰⁾.

Quadro 3
Tipos de tomada de decisão dos estudantes, segundo Thompson e Staply⁽¹¹⁾

Tipo de tomada de decisão	Frequência por sub-categoria	Frequência por categoria
Decisão de intervenção	9	47
Decisão de focalização	4
Decisão de temporização	5
Decisão de comunicação	15
Decisão de gestão	0
Decisão de compreensão	14

Na categoria Decisão de Comunicação, os estudantes do terceiro ano demonstraram um nível crescente de confiança nas suas capacidades de comunicação com a equipe de enfermagem, bem como com o utente, e como incluí-los na sua tomada de decisão^(10,27).

Tal parece estar de acordo com a experiência clínica e consequente aquisição de competências que o estudante neste nível de formação detém, tornando-o capaz de aplicar/transferir os saberes adquiridos⁽³⁾ na sua interação com os utentes⁽¹³⁾:

Por me sentir inseguro, decidi, no início, abordar utentes que aparentemente pudessem revelar uma maior predisposição para falar comigo, que me permitissem, nesta fase inicial, perder alguns dos medos que me atormentavam. (3E-3)

Comecei por pedir autorização à cliente para ‘quebrar o gelo’, conversar com ela sobre a gravidez e a sua evolução. (3E-8)

Os estudantes do quarto ano do curso conseguiram envolver, com confiança, outros profissionais de saúde e o utente nas suas discussões acerca dos cuidados a prestar^(10,27), sugerido pelo raciocínio cognitivo que estes estudantes conseguiram fazer, auxiliando-os na comunicação, no trabalho de equipe e na interação social como os outros⁽⁷⁾:

Procurei validar a informação que ia fornecendo e incentivar o utente a colocar dúvidas. (4E-1)

Sobre a categoria Decisão de Compreensão, quando o estudante é capaz de reconhecer as diferenças entre os utentes, começa a compreender as diferentes decisões clínicas que o enfermeiro realiza^(10,14-15). Esta aprendizagem parece assentar na compreensão que o estudante vai desenvolvendo não só sobre a situação clínica de cuidados, mas também sobre o valor que esta tem para o utente⁽¹³⁾, como refere um estudante:

Achei que aquele momento era um momento ‘deles’, o momento dos pais se despedirem do filho [...] Achei que não seria o momento para entrar no quarto, uma vez que seria a primeira vez que o casal me iria ver, para eles seria uma pessoa ‘estranha’, uma vez que nunca tinha tido nenhum outro contato com eles. (3E-2)

Reconhecendo que o contexto clínico é mais do que a soma das partes, o estudante ganha uma grande compreensão do que precisa para decidir sobre os cuidados a prestar ao utente⁽⁸⁾, ao conseguir identificar os sentimentos do utente diante a situação^(10,13)

Depois de refletir sobre este assunto, cheguei à conclusão de que se trata não tanto de uma questão sobre se é ou não benéfico que se ouçam os batimentos, mas é mais uma questão de descansar as grávidas e profissionais de saúde. (3E-29)

Relativamente à Decisão de Intervenção, no terceiro ano, os estudantes começam a tomar decisões de intervenção, autonomamente, quando encontram situações simples^(10,27). Resultado que vai ao encontro da capacitação desenvolvida, integrada e aplicada das várias dimensões da tomada de decisão do estudante, tanto a nível cognitivo, como emocional, como interpessoal⁽¹³⁾:

Decidi ficar, em vez de seguir a enfermeira. (3E-15)

Nesse momento eu e uma das minhas colegas corremos para ir buscar o carro e a garrafa de oxigénio. (3E-1)

Os estudantes do quarto ano começam a envolver-se em decisões de intervenção clínica mais complexas, embora muitas das suas decisões sejam tomadas em colaboração com a equipe de enfermagem ou com o tutor clínico, e não de uma forma independente^(10,27). Esse tipo de tomada de decisão sugere uma recetividade à experiência do utente numa perspetiva holística da informação clínica colhida⁽¹³⁾:

Este facto levou-me a dirigir-me ao senhor fazendo esta avaliação tentando não o acordar. (4E-9)

No que diz respeito à Decisão de Temporização, alguns estudantes parecem conseguir calcular qual o melhor momento para desenvolver as intervenções de enfermagem aos utentes a quem prestam cuidados^(10-11). Tal implica um conhecimento do utente, bem como uma priorização das suas intervenções face às necessidades de cuidados, traduzindo-se numa adequação das intervenções de enfermagem a realizar^(10,13):

Pensei então que agora seria o momento certo para prosseguir a conversa. (3E-7)

A priorização dos cuidados de enfermagem não está especificamente relacionada com uma tomada de decisão sobre cuidados de emergência, mas sempre que se seleciona o melhor momento para intervir⁽¹¹⁾, prevenindo complicações⁽¹³⁾:

Visto que o F. estava a dormir e que a administração de antibioterapia é muitas vezes dolorosa, o que se confirmava no caso desta criança, o ideal seria tentar dar a medicação sem o acordar, informando a mãe do procedimento que se iria realizar. (3E-17)

Na Decisão de Focalização, só por meio do conhecimento do utente, quer pela forma como habitualmente reage às situações de cuidado, quer pela compreensão do utente enquanto pessoa^(9,13), é possível ao estudante decidir a sua intervenção na procura do maior benefício para o utente^(10-11). Aprender a decidir parece implicar também um saber centralizar-se nos cuidados a prestar para além dos aspetos clínicos da situação⁽²⁸⁾:

Decidi não enfocar a minha intervenção na explicação do possível problema cardíaco da bebé, enfocando sim na parte mais relacional. (3E-25)

Sempre que ia ao quarto deles, falava e brincava com o T e tentava ir ganhando a confiança do H […] aproximei-me mais do H e comecei a perguntar quais os brinquedos que tinha ali em cima da cama. Ele foi respondendo e fomos começando a brincar. (3E-19)

Nas decisões que tomaram, os estudantes incidiram primordialmente nas de comunicação e de compreensão, seguidas pelas de intervenção⁽¹¹⁾, não se destacando diferenças em relação ao ano de formação.

DISCUSSÃO

A tomada de decisão tem uma natureza experimental e de desenvolvimento que legitima o seu ensino na educação em enfermagem⁽⁹⁾. Ensinar a decidir deve atender à complexidade crescente dos contextos dos cuidados e promover a capacidade do estudante de raciocinar sobre as alterações da situação clínica, tendo em conta o contexto⁽³⁾ e a centralidade do utente e da família no processo de cuidados. É cada vez mais exigido, a nível profissional, que os enfermeiros tenham competências de tomada de decisão para proporcionar cuidados seguros e eficientes aos utentes⁽⁹⁾.

Os estudantes de enfermagem têm expectativas quanto a demonstrar competências de tomada de decisão durante o seu processo educativo, mais especificamente na prática clínica⁽¹⁰⁾. Expectativas que, para serem correspondidas, têm de ser subsidiadas pelo ensino e pela aprendizagem dessas competências durante o curso de formação em enfermagem⁽⁹⁾, embora as competências da tomada de decisão no processo de cuidados sejam desenvolvidas no contexto da prática clínica^(8,10).

Compreender como os estudantes tomam decisões torna possível uma maior adequação da educação de enfermagem, maximizando as situações de aprendizagem baseada numa evidência científica que deve suportar toda a prática^(4-5,7,9). Nesse sentido, procurámos analisar como os estudantes tomavam decisões e quais as decisões que tomavam, por meio dos seus registos dos diários de aprendizagem e de notas de campo elaboradas em ensino clínico.

Em destaque, emergiu a tomada de decisão relacionada com a comunicação com o utente, como que a subsidiar toda a intervenção do estudante de enfermagem nas relações interpessoais que tem de estabelecer com os utentes, com os pares e toda a restante equipe de saúde⁽⁷⁾. No âmbito legal, do mesmo modo, a Ordem dos Enfermeiros preconiza que o enfermeiro de cuidados gerais deverá desenvolver competências de comunicação e relação interpessoal^(2,10).

A tomada de decisão situada na compreensão da situação de cuidados surgiu também com notoriedade na forma como os estudantes tomavam decisões. Presume-se que a relação entre este tipo de tomada de decisão e o desenvolvimento do pensamento crítico⁽²⁹⁾ seja próxima, já que as estratégias de raciocínio utilizadas ao analisar os dados e ao interpretá-los promovem um julgamento clínico⁽⁴⁾. Na evolução de raciocínio que o estudante vai fazendo ao longo do curso, tal contribuirá para a análise crítica que faz sobre os acontecimentos e, consequentemente, melhora a sua compreensão⁽¹⁰⁾. Subjacente a cada tomada de decisão está o nível de conhecimento dos estudantes. A articulação do conhecimento teórico com os cuidados de enfermagem ao utente, indicando um desenvolvimento compreensivo dos seus problemas ou necessidades⁽⁷⁾, possibilita ao estudante tomar decisões sobre situações de cuidados⁽¹⁰⁾. Quando aumentaram o seu conhecimento clínico, os estudantes conseguiram transmitir novos conhecimentos de enfermagem, priorizar intervenções de enfermagem e tomar decisões sobre situações de cuidados^(10,18).

Reconhecendo que os estudantes tomam menos alguns tipos de decisões⁽¹¹⁾ relacionadas com a focalização, a temporização e a gestão do processo de cuidados, reforça-se a necessidade de investigar o que leva os estudantes a centrarem-se mais numas decisões que em outras, como determinam que necessitam de tomar uma decisão e como respondem quando é requerido um cuidado de enfermagem a um utente^(10,16).

Limitações do estudo

As limitações do estudo assentam na inexistência de informação oral dos estudantes e de observação participante sobre o modo como os estudantes tomavam as decisões no processo de cuidados, em contexto clínico. Num futuro estudo, seria importante abranger os estudantes dos quatro anos do curso para uma compreensão mais abrangente e profunda. A triangulação de investigadores foi outro aspeto a que não foi possível dar resposta, para permitir a aferição dos resultados por outros que tivessem tido acesso à mesma realidade.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou política pública

Este estudo sobre os tipos de tomada de decisão que os estudantes realizam (e as que não realizam) pode induzir os formadores de enfermagem a reavaliar se o currículo fornece os meios necessários para facilitar o desenvolvimento da tomada de decisão e se os estudantes são estimulados a participar na tomada de todo o tipo de decisões. Conhecer os modos de resposta da tomada de decisão do estudante diante das situações clínicas com que são confrontados possibilita o trabalho pedagógico no sentido da promoção de uma aprendizagem compensadora.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nos últimos anos, tem existido uma preocupação crescente com a tomada de decisão do estudante de enfermagem essencialmente em âmbito internacional, mas com pouca representatividade em Portugal. A importância atribuída pela investigação em todo o mundo parece ter alguma influência na que se vai desenvolvendo em território nacional.

A aprendizagem da tomada de decisão na escola superior de enfermagem em estudo parece estar de acordo com a evidência científica consultada. Pelo que foi descrito sobre as decisões que tomavam no processo de cuidados durante os vários ensinos clínicos, os estudantes parecem tomar mais decisões relacionadas com a comunicação com o utente e com a compreensão da situação de cuidados do que com a decisão de agir.

Destaca-se a relevância do conhecimento para a integração e articulação dos saberes possibilitando a compreensão da situação de cuidados. As relações interpessoais emergem como outro dos pilares determinantes na forma como o estudante aprende a tomar decisões, em que a comunicação é uma das dimensões desta intervenção de enfermagem. A iniciativa para a intervenção sugere ser uma das áreas que necessita ser mais desenvolvida no curso de licenciatura em enfermagem.

Para efetivar uma aprendizagem ativa da tomada de decisão dos estudantes de enfermagem, promotora do desenvolvimento crítico, um dos paradigmas do ensino superior, torna-se necessário analisar o desenho curricular em enfermagem, bem como as estratégias pedagógicas que lhe dão suporte.

AGRADECIMENTOS

O nosso agradecimento aos estudantes que disponibilizaram os diários de aprendizagem e as notas de campo, valioso contributo para o trabalho que desenvolvemos.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  19 Ago 2019
• Data do Fascículo
  Jul-Aug 2019

Histórico

• Recebido
  10 Maio 2018
• Aceito
  09 Set 2018