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Ser-pessoa-idosa institucionalizada: sentido do vivido à luz da fenomenologia Heideggeriana

RESUMO

Objetivo:

desvelar o sentido de ser-pessoa-idosa vivendo em instituição de longa permanência.

Método:

pesquisa qualitativa fundamentada no pensamento de Martin Heidegger. Foram realizadas 12 entrevistas fenomenológicas com pessoas acima de 60 anos que residem em uma instituição de longa permanência para idosos na cidade de Itabuna, Bahia, Brasil.

Resultados:

as unidades de significados desveladas foram: vivência da perda progressiva de autonomia e independência; percepção da ida à instituição como trajetória circunstancial inevitável e o ser-com torna-se ser-só/ser-solitário. Após apreensão dos aspectos ônticos foi possível a compreensão hermenêutica e a construção da unidade de significação: o sentido de ser-pessoa-idosa vivendo em instituição de longa permanência.

Considerações finais:

as necessidades ontológicas, as quais atentam para o ser-pessoa-idosa seguem esquecidas. Como somos ôntico e ontológico, o cuidado limitado à instância ôntica sinaliza deficiências na institucionalização. Melhorias são necessárias para garantir a esse grupo populacional o direito de envelhecer com qualidade de vida.

Descritores:
Idoso; Institucionalização; Instituição de Longa Permanência para Idosos; Filosofia em Enfermagem; Enfermagem

ABSTRACT

Objective:

Analyze the meaning of being an elderly person living in a long-term institution.

Method:

Qualitative study based on Martin Heidegger’s thought. Twelve phenomenological interviews were conducted with people aged over 60 years living in a long-term institution for the elderly in the city of Itabuna, Bahia, Brazil.

Results:

The units of meaning identified were: experience of progressive loss of autonomy and independence, perception of living in an institution as an inevitable circumstance; and being-with becoming being-alone/being-lonely. After the identification of ontic aspects and hermeneutical understanding, the unit of meaning was constructed: meaning of being an elderly person living in a long-term institution.

Final considerations:

The ontological needs referring to being an elderly person remain forgotten. As we are ontic and ontological, limited care to the ontic instance indicates deficiencies in institutionalization. Improvements are required to ensure the right to age with quality of life to this population.

Descriptors:
Elderly; Institutionalization; Long-Term institution for the Elderly; Nursing philosophy; Nursing

RESUMEN

Objetivo:

desvelar el sentido de ser-persona-anciana viviendo en una institución de larga estadia.

Método:

investigación cualitativa con base en el pensamiento de Martin Heidegger. Se realizaron 12 entrevistas fenomenológicas con personas mayores de 60 años que residían en una institución de larga estadia para ancianos en la ciudad de Itabuna, Bahia, Brasil.

Resultados:

se obtuvieron los siguientes significados: vivir la pérdida progresiva de la autonomía e independencia; percebir la ida a la institución como un camino circunstancial inevitable y ser-con se convierte en ser-solo/estar solo. Tras aprehender los aspectos ónticos, se hizo posible la comprensión hermenéutica y la construcción de la unidad de significación: el sentido de ser-persona-anciana viviendo en institución de larga estadia.

Consideraciones finales:

las necesidades ontológicas que tienen en cuenta el ser-persona-anciana siguen olvidadas. Como somos óntico y ontológico, el cuidado limitado a la instancia óntica señala carencias en la institucionalización. Son necesarias mejoras para que les garantice a ese grupo de población el derecho al envejecimiento con calidad de vida.

Descriptores:
Anciano; Institucionalización; Hogares para Ancianos; Filosofía en Enfermería; Enfermería

INTRODUÇÃO

O envelhecimento acelerado das populações é uma característica comum na dinâmica demográfica em todo o mundo(11 Organização Mundial de Saúde (OMS). Resumo: relatório mundial de envelhecimento e saúde [Internet]. Genebra: OMS; 2015 [cited 2018 Sep 17]. Available from: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/186468/WHO_FWC_ALC_15.01_por.pdf;jsessionid=D20ECA236E79D0EBD13A36F51607B743?sequence=6.
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). No Brasil, o número de pessoas idosas passou de 3 milhões, em 1960, para pouco mais de 30 milhões em 2017, um aumento de 1.000% em quase 60 anos(22 Paradella R. Número de idosos cresce 18% em 5 anos e ultrapassa 30 milhões em 2017. IBGE - Agência de Notícias [Internet]. 2018 [cited 2018 Aug 21]. Available from: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/20980-numero-de-idosos-cresce-18-em-5-anos-e-ultrapassa-30-milhoes-em-2017
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), implicando em suporte social para suprir as necessidades biopsicossocioculturais e espirituais dessas pessoas.

Ao longo da história em sociedade, a família sempre foi vista como responsável pela provisão de cuidados ao familiar que envelhece. Contudo, diante das mudanças nas esferas social, cultural, institucional e econômica, acredita-se que seja cada vez mais difícil desenvolver essa função. Nesse contexto, o encaminhamento para instituição de longa permanência para idosos (ILPI) emerge como uma das estratégias de cuidado não-familiar mais adotadas nos últimos anos(33 Camarano AA, Kanso S. As instituições de longa permanência para idosos no Brasil. Rev Bras Est Pop. 2010;27(1):233-5. doi: 10.1590/S0102-30982010000100014
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).

As ILPIs são conceituadas, conforme a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 283, como “instituições governamentais ou não governamentais, de caráter residencial, destinadas a domicílio coletivo de pessoas com idade igual ou superior a 60 anos, com ou sem suporte familiar, em condição de liberdade, dignidade e cidadania”(44 Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Resolução de Diretoria Colegiada nº 283, de 26 de setembro de 2005. Aprova o Regulamento Técnico que define normas de funcionamento para as Instituições de Longa Permanência para Idosos. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília; 2005 [cited 2018 Sep 19]. Available from: http://portal.anvisa.gov.br/documents/10181/2718376/RDC_283_2005_COMP.pdf/a38f2055-c23a-4eca-94ed-76fa43acb1df
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). O modelo de atenção à saúde que orienta o funcionamento das ILPIs busca valorizar a independência, preservar a autoestima e respeitar a individualidade da pessoa idosa(55 Coimbra VSA, Silva RMCRA, Joaquim FL, Pereira ER. Gerontological contributions to the care of elderly people in long-term care facilities. Rev Bras Enferm [Internet]. 2018;71(suppl 2):912-9. doi: 10.1590/0034-7167-2017-0357
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). Apesar dos conceitos e objetivos teoricamente estabelecidos, aspectos negativos da experiência da institucionalização influenciam, implicitamente, a maioria das definições e percepções a respeito das funções de uma ILPI(66 Fagundes KVDL, Esteves MR, Ribeiro JHM, Siepierski CT, Silva JV, Mendes MA. Long stay institutions as an alternative for protecting the elderly. Rev Salud Pública. 2017;19(2):210-4. 10.15446/rsap.v19n2.41541
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).

O encaminhamento para uma ILPI pode representar para a pessoa idosa um brusco rompimento de vínculos, que contribuirá para quadros de solidão, ansiedade e tristeza. Não é raro que, após esse evento, muitos sofram com doenças do sistema nervoso e transtornos psíquicos como a depressão(77 Alves-Silva JD, Scorsolini-Comin F, Santos MA. Elderly in long-term institutions: development, living conditions and health. Psicol Reflex Crít. 2015;26(4):820-30. doi: 10.1590/S0102-79722013000400023
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8 Güths JFS, Jacob MHVM, Santos AMPV, Arossi GA, Béria JU. Sociodemographic profile, family aspects, perception of health, functional capacity and depression in institutionalized elderly persons from the north coastal region of Rio Grande do Sul, Brazil. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2017;20(2):175-85. doi: 10.1590/1981-22562017020.160058
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9 Azevedo LM, Lima HHG, Oliveira KSA, Medeiros KF, Gonçalves RG, Nunes VM, et al. Perfil sociodemográfico e condições de saúde de idosos institucionalizados. Rev Bras Pesq Saúde. 2017;19(3):16-23. doi: 10.21722/rbps.v19i3.19560
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-1010 Frade J, Barbosa P, Cardoso S, Nunes C. Depressão no idoso: sintomas em indivíduos institucionalizados e não-institucionalizados. Rev Enf Ref. 2015;serIV(4):41-9. doi: 10.12707/RIV14030
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). Quando falamos de rompimento de vínculos, não nos referimos apenas a laços familiares, mas a todo um contexto de vida. Pessoas idosas são histórias vivas, seres sociais carregados de subjetividade e de memórias coletivas dos grupos sociais aos quais pertencem, são patrimônios para a sociedade(1111 Valença TDC, Reis LA. Memória e história de vida: dando voz às pessoas idosas [Internet]. Rev Kairós. 2015 [cited 2019 Jan 24];18(2):265-81. Available from: https://revistas.pucsp.br/kairos/article/view/27001
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).

Diante disso, um estudo ancorado em uma abordagem fenomenológica com esse segmento populacional é relevante, pois a dinâmica de envelhecimento no Brasil, juntamente com o crescente número de pessoas idosas em ILPIs, impõe-nos o desafio de compreendê-las em sua dimensão existencial e subjetiva, a fim de assegurar encaminhamentos pertinentes às necessidades desse grupo.

Considerando que o ser do homem não consiste em uma simples presença no mundo(1212 Heidegger M. Ser e tempo. 10ª ed. Petrópolis: Vozes; 2015.), a pesquisa traz como objeto de estudo o sentido de ser-pessoa-idosa que vive em ILPI e justifica-se pela necessidade de alcançar o ontológico e compreender o ser-aí e o ser-no-mundo da pessoa idosa institucionalizada, mediante o desvelamento do sentido de ser. Desse modo, será possível definir estratégias sensíveis, efetivas e atualizadas de cuidado à pessoa idosa vivendo a institucionalização. Delineou-se como questão investigadora: qual o sentido de ser-pessoa-idosa vivendo em uma instituição de longa permanência para idosos?

OBJETIVO

Desvelar o sentido de ser-pessoa-idosa vivendo em instituição de longa permanência.

MÉTODO

Aspectos éticos

O estudo respeitou os preceitos éticos da Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, que dispõe sobre as pesquisas que envolvem seres humanos(1313 Ministério da Saúde (BR). Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Aprova as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos e revoga as Resoluções CNS n. 196/96, 303/2000 e 404/2008. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília; 2012 [cited 2018 Sep 18]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cns/2013/res0466_12_12_2012.html
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). Antes da construção das informações e início das entrevistas, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi apresentado a todos os participantes, a fim de formalizar o aceite de participação no estudo, informar sobre os riscos e benefícios, bem como sobre a garantia de anonimato e a possibilidade de desistência em qualquer momento da entrevista, sem que isso lhe causasse danos ou prejuízos. Para a preservação das identidades, cada participante escolheu o nome de uma flor ou planta que mais lhe agradava. Utilizamos a palavra escolhida como respectivos codinomes. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal da Bahia, sob parecer nº 1.813.613.

Tipo de estudo

Trata-se de um estudo fenomenológico de abordagem heideggeriana, fundamentado na obra Ser e tempo(1212 Heidegger M. Ser e tempo. 10ª ed. Petrópolis: Vozes; 2015.), norteado pela ferramenta COREQ(1414 Tong A, Sainsbury P, Craig J. Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ): a 32-item checklist for interviews and focus groups. Int J Qual Health Care. 2007;19(6):349-57. doi: 10.1093/intqhc/mzm042
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). Foi adotada uma forma de reflexão que possibilita olhar as coisas como se manifestam à consciência, sem explicações ou justificativas, mas com interrogações e descrições que procuram captar sua essência e significado em si mesmo(1515 Sebold LF, Locks MOH, Hammerschmidt KSA, Fernandez DLR, Tristão FR, Girondi JBR. Heidegger's hermeneutic circle: a possibility for interpreting nursing care. Texto Contexto Enferm. 2017;26(4):e2830017. doi: 10.1590/0104-07072017002830017
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). O artigo originou da tese de doutorado intitulada O sentido de ser-pessoa-idosa vivendo em instituição de longa permanência à luz da fenomenologia heideggeriana.

Cenário do estudo

A pesquisa foi realizada em uma ILPI localizada no sul da Bahia, na cidade de Itabuna, no período de janeiro a agosto de 2018. De origem filantrópica, foi fundada em abril de 1988 e, atualmente, é mantida por doações da comunidade, pela aposentadoria de pessoas idosas residentes, pelo programa “Sua nota é um show de solidariedade”, da Secretaria do Trabalho e Ação Social (Setras) e por um repasse do governo do Estado para a prefeitura de Itabuna.

Com 30 anos de atividades, a ILPI tornou-se referência para o acolhimento e cuidado a pessoas idosas em condições de vulnerabilidade, abrigando atualmente 98 pessoas, oriundas de vários municípios da região sul da Bahia. A relevância social que a instituição adquiriu para Itabuna e região justifica a sua escolha para o estudo.

Participantes do estudo

Participaram do estudo 12 pessoas institucionalizadas, com idade igual ou superior a 60 anos. Os critérios de inclusão adotados foram: 1. Pessoas idosas moradoras da instituição por um período mínimo de quatro meses, tempo considerado suficiente para que a pessoa idosa atribua significados e significações às experiências vividas antes e após a institucionalização; 2. Condições cognitivas e de expressão da linguagem oral preservadas, avaliadas através da aplicação do miniexame do estado mental (Meem).

O Meem é considerado o instrumento de rastreio cognitivo mais utilizado no mundo. Trata-se de um teste neuropsicológico que verifica, de maneira simplificada, fácil e rápida, o estado cognitivo de pessoas adultas e idosas(1616 Melo DM, Barbosa AJG. O uso do Mini-Exame do Estado Mental em pesquisas com idosos no Brasil: uma revisão sistemática. Ciênc Saúde Colet. 2015;20(12):3865-76. doi: 10.1590/1413-812320152012.06032015
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).

Por se tratar de um estudo fenomenológico, não nos preocupamos com números, mas sim com a profundidade da compreensão e da discussão das informações construídas(1717 Reis CCA, Sena ELS, Menezes TMO. Experiences of family caregivers of hospitalized elderlies and the experience of intercorporeality. Esc Anna Nery. 2016;20(3):e20160070. doi: 10.5935/1414-8145.20160070
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). A etapa de campo foi desenvolvida junto ao movimento analítico e, portanto, as entrevistas foram suspensas quando o conhecimento desvelado se mostrou suficiente para responder o objetivo delineado e desvelar o fenômeno em investigação.

Coleta e organização dos relatos

Utilizou-se como técnica para construção das informações a entrevista fenomenológica, a qual busca acessar o vivido do ser humano, compreender experiências e desvelar os sentidos e significados de ser-no-mundo(1818 Guerrero-Castañeda RF, Prado ML, Kempfer SS, Ojeda-Vargas MG. Momentos del proyecto de investigación fenomenológica en enfermería. Index Enferm [Internet]. 2017 [cited 2019 Jan 24];26(1-2):67-71. Available from: http://scielo.isciii.es/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1132-12962017000100015&lng=es
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).

A entrevista fenomenológica consiste em diálogo aberto entre duas pessoas, em que o fenômeno é transmitido através dos discursos, que são resgatados pelo próprio participante através de uma experiência vivida ou que vivencia no presente. Dessa forma, o que é resgatado pelos participantes é o próprio discurso já processado por eles, e que foi estruturado com base no que o fenômeno é para si próprio, ou seja, as vivências que estão codificadas e armazenadas na consciência(1919 Guerrero-Castañeda RF, Menezes TMO, Ojeda-Vargas MG. Characteristics of the phenomenological interview in nursing research. Rev Gaúcha Enferm. 2017;38(2):e67458. doi: 10.1590/1983-1447.2017.02.67458
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).

Para a coleta, inicialmente, foi feito um movimento de aproximação com o campo, chamado de ambientação – etapa de preparação fundamental em pesquisas fenomenológicas. Heidegger refere que, para chegarmos à essência do fenômeno é necessário exercer, com segurança, um modo conveniente de acesso, ou, em outras palavras, um ponto de partida conveniente(1212 Heidegger M. Ser e tempo. 10ª ed. Petrópolis: Vozes; 2015.).

Para cada pessoa idosa, foram planejadas, em média, cinco visitas: quatro de ambientação e uma para a realização da entrevista fenomenológica. As visitas de ambientação foram oportunidades para estabelecer intersubjetividades com a pessoa idosa, mediante conversas informais que incluíram a apresentação do estudo e convite para participação. Nesse momento, foi possível, ainda, compreender a dinâmica de funcionamento da ILPI e da rotina de cada pessoa idosa para identificar os melhores dias e horários de realização das entrevistas.

As entrevistas aconteceram no próprio cenário do estudo, em espaço reservado, que garantisse a privacidade e o sigilo das informações. Todas foram realizadas no turno vespertino, pois a intensa rotina de cuidados do turno matutino (café da manhã, banhos e curativos) poderia interferir/interromper as entrevistas.

Um gravador digital foi utilizado para garantir a possibilidade de transcrição fidedigna e interpretação das informações, além de um diário de campo para anotar dados complementares, percepções e descrição de cada encontro e entrevista realizada. O tempo das visitas dependia da disposição de cada pessoa idosa, não havendo limites. A gravação mais curta possui 12 minutos e a mais longa, 35 minutos.

Análise dos relatos

Após a realização das entrevistas, foi feita a análise compreensiva das vivências através do movimento analítico-hermenêutico heideggeriano. Tal estratégia não consente a compreensão imediata do ser-pessoa-idosa-institucionalizada. Foi necessário que dois momentos metódicos se estabelecessem para que as facetas da dimensão existencial do cotidiano vivido pelos participantes do estudo fossem desveladas.

O primeiro momento metódico é resultado da compreensão vaga e mediana e chama-se instância ôntica(1212 Heidegger M. Ser e tempo. 10ª ed. Petrópolis: Vozes; 2015.,2020 Braga TBM, Farinha MG. Heidegger em busca de sentido para a existência humana. Rev Abordagem Gestalt [Internet]. 2017 [cited 2019 Jan 25];23(1):65-73. Available from: https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=5921968
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). Iniciou-se no momento da transcrição e leitura das informações construídas. Essa etapa permitiu construir um discurso fenomenológico, a partir da identificação de estruturas essenciais e significados expressos pelos participantes do estudo. As experiências transmitidas pelos entes que as vivenciaram partilharam sentidos e informações de seus próprios interiores(2121 Oliveira ALB, Menezes TMO. The meaning of religion/religiosity for the elderly. Rev Bras Enferm. 2018;71(suppl 2):770-6 [Thematic Issue; Health of the Elderly]. doi: 10.1590/0034-7167-2017-0120
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). Portanto, foram transcritas de maneira fiel ao que foi dito, de modo que não se perdessem expressões e singularidades manifestadas por cada pessoa idosa entrevistada.

O segundo momento é denominado instância ontológica. Representa a compreensão interpretativa ou hermenêutica, que desvela um quem desconhecido, o sentido do ser(1212 Heidegger M. Ser e tempo. 10ª ed. Petrópolis: Vozes; 2015.). Esse movimento permitiu “transformar” as unidades de significado em unidade de significação. Interpretar é o mostrar-se do fenômeno no seu em si mesmo. Em outras palavras, os significados expressos a partir da compreensão vaga e mediana levam ao sentido, aquilo em que se sustenta a interpretação, um existencial que está por detrás, que se localiza na dimensão ontológica do fenômeno(2222 Peixoto AJ, Holanda AF, (Orgs.). Fenomenologia do cuidado e do cuidar. Curitiba: Juruá; 2011.). Esse movimento permitiu a apreensão da unidade de significação: o sentido de ser-pessoa-idosa vivendo em ILPI.

RESULTADOS

Caracterização das pessoas idosas participantes do estudo

12 pessoas idosas participaram do estudo, sendo seis do sexo feminino e seis do sexo masculino. A idade média foi de 79,6 anos, numa faixa etária que variou entre 61 e 93 anos. Seis têm mais de 80 anos, incluindo duas pessoas com mais de 90 anos. Nove não casaram e seis não tiveram filhos. Quanto à religião, 11 são católicas. Houve uma variação de 4 meses a 7 anos no tempo de admissão na ILPI. Quanto à escolaridade, de maneira geral, as participantes não estudaram ou estudaram poucos anos, sendo que quatro são analfabetas. Apenas uma pessoa idosa possuía o ensino superior completo.

A leitura atentiva e exaustiva das vivências compartilhadas pelas participantes do estudo, aliada ao olhar sobre o contexto que as envolve, possibilitou a elaboração de unidades de significado, para desvelar o sentido de ser-pessoa-idosa vivendo em uma ILPI. Neste processo, a pessoa idosa que reside em ILPI mostrou-se como pessoa que: 1. Vivencia a perda progressiva de autonomia e independência; 2. Percebe a ida para a ILPI como trajetória circunstancial inevitável; 3. O ser-com se torna ser-só/solitário.

Vivência da perda progressiva de autonomia e independência

A perda da autonomia e da independência foi relatada pelas pessoas idosas entrevistadas como fator condicionante para o encaminhamento para a ILPI e como consequência da vida institucionalizada, potencializando-as.

Você precisava ver quando eu fazia as coisas, eu costurava, e agora não tenho nada para fazer aqui e não iriam querer. Eu já costurei muito, fazia camisola, meio ponto, bordava, fazia para vender. A pior coisa é a doença. Quando a pessoa está sã, pode sair para qualquer lugar. E, doente, sem poder sair? É brincadeira? (Amor-perfeito, 87 anos, mulher, solteira)

Eu era dona da minha cabeça antes de vir para cá. Agora todo mundo faz tudo para mim. Não me deixam fazer nada. Ontem eu briguei aqui porque o menino queria que eu fizesse o que ele queria. Meu filho, você não pode fazer o que você quer, não, faça o que eu quero. Eu faço o que você quer se eu quiser também. Porque eu estou achando, assim, que a minha independência está “baratinada”. (Tagetes patula, 77 anos, mulher, solteira)

Os depoimentos de Amor-perfeito e Tagetes patula desvelam que, devido a condições crônicas de saúde, com o passar do tempo, deixam de realizar atividades rotineiras de prazer e ocupação, como cozinhar, costurar e ir ao banco, bem como decisões sobre o que fazer em seus momentos. O ente passa a comparar o que “eu fazia” com o que “não posso mais fazer”, gerando sofrimento.

Primeiro, eu acordo, aí me dão banho, me arrumam, me lavam a cabeça e tudo. A enfermeira me dá banho e depois me veste, aí bota perfume e creme. Se eu acordar à noite é para fazer xixi, mas eu já durmo com fralda. (Cravo, 93 anos, mulher, solteira)

Semana passada, eu estava ficando aqui até 10, 11 horas sem tomar banho. Todo mundo tomava banho e tomava café e não me davam café, porque não tinham me dado banho. (Dália, 76 anos, mulher, viúva)

Você só pode tomar um banho no dia e eu tomava banho duas vezes por dia. Troca de roupa uma vez no dia só. (Orquídea, 61 anos, homem, divorciado)

É possível identificar que as pessoas idosas que residem nesta instituição experienciam situações que nunca imaginaram enfrentar, como a dependência para a realização das atividades básicas de vida diária, a partir de imposições de normas, rotinas e horários estabelecidos pelos profissionais.

Eu preciso ser mais independente. Quer dizer, eu preciso que as pessoas saibam que eu preciso ser independente. Porque todo mundo quer mandar em mim e eu deixo. Mas eu não quero isso não. (Tagetes patula, 77 anos, mulher, solteira)

Tagetes patula compartilha que, em algumas situações, suas opiniões e desejos são ignorados e, contra a vontade, submete-se ao que lhe é imposto.

Percepção da ida para a instituição de longa permanência para idosos como trajetória circunstancial inevitável

Para as pessoas idosas entrevistadas, a ida para a ILPI foi uma trajetória circunstancial inevitável: as necessidades de cuidado surgiram – decorrentes do passar dos anos – e a impossibilidade de continuar com a vida que viviam veio atrelada. Não havia outra saída, a ida para ILPI mostrou-se como única solução possível:

Isso aqui é um lugar que a pessoa goste ou não goste, tem que vim, tem que ficar aqui. Os parentes não podem cuidar, podem até ajudar, trazer uma coisa, um dinheiro, mas para cuidar é difícil. Sobrinho não quer, não vai parar para cuidar de tio. (Petúnia, 78 anos, homem, solteiro)

Quando me falaram logo, eu ainda nem queria, mas eu resolvi, porque eu estava precisando. Não é como é para quem tem as pernas sãs, sem nada. Então, vamos. (Rosa, 73 anos, mulher, solteira)

Como motivos que levaram ao encaminhamento para a ILPI foram elucidadas circunstâncias compartilhadas pelo ser-no-mundo das pessoas idosas entrevistadas: estado civil (viuvez ou solteirice), não ter tido filhos, perdas familiares, morar só e condições de saúde que impactaram autonomia/independência.

Eles [filhos] tinham que trabalhar e não tinha quem tomasse conta de mim em casa. Aí, eu tive que vim, porque eu não podia ficar em casa só, fazer o quê? É o único lugar melhor que tem. Quem me trouxe para cá foi a minha filha e o meu genro. (Dália, 76 anos, mulher, solteira)

Eu não tinha mais com quem ficar. Minha sobrinha trabalhava, os filhos [da sobrinha] trabalhavam, minha irmã ficou “broca”, eu não tenho meu irmão mais. Aí eu vim morar aqui, logo depois que a minha mãe morreu. Quem me trouxe foi a minha sobrinha. (Amor-perfeito, 87 anos, mulher, solteira)

Foi ela [filha] que arranjou uma vaga. (Margarida, 82 anos, homem, solteiro)

Os depoimentos abordam que, para aqueles que tiveram filhos e/ou ainda possuem familiares (irmãos, tios, sobrinhos), a vida destes, conturbada de trabalho, demandas e compromissos, ou seja, o ser-aí mergulhado no mundo circundante, implica em uma cotidianidade que impacta o ser-com. Desse modo, não há disponibilidade para cuidar do outro ou a disponibilidade é insuficiente para as necessidades que o outro traz, sendo que, conforme evidenciado nas falas, o processo de institucionalização foi intermediado por familiares mais próximos da pessoa idosa naquele momento, sendo de alguma forma, a(s) responsável(is) pelo seu cuidado.

O ser-com torna-se ser-só/ser-solitário

O modo de ser cotidiano das pessoas idosas institucionalizadas tornou-se, na maior parte das vezes, pautado no isolamento, na reclusão e nas lembranças, conforme os relatos a seguir. Os depoimentos mencionaram a saudade de casa que, nestas circunstâncias, ultrapassa o significado denotativo de edificação/construção e assume o sentido de lar, bem como a saudade de amores vividos. Assim, se antes da institucionalização as pessoas idosas estavam inseridas em contextos/relações sociais que envolviam casa, trabalho, família e outras intersubjetividades, hoje são um ser-aí vivendo em um mundo de memórias.

Hoje eu queria estar com uma pessoa ao meu lado, de vez em quando aqui, batendo papo comigo, uma mulher, uma das que já foram minhas. Sinto muita falta. (Margarida, 82 anos, homem, solteiro)

Ah! Eu tenho uma paixão [abre um sorriso], eu tenho pela professora. Ela trabalha no Banco do Brasil, nós convivemos por 14 anos. Sonho com ela até hoje. Me sinto só. (Orquídea, 61 anos, homem, divorciado)

Esses dias eu estava chorando aqui, porque eu queria ir para casa: “eu quero ir para casa, eu quero ir para casa” feito criança, e não podia ir. (Tagetes patula, 77 anos, mulher, solteira)

Sobre as relações familiares, alguns comentaram o movimento de receber visitas, caracterizando-as como ocasiões não previsíveis, que podem demorar dias, semanas ou meses. Não saber quando e se receberão visitas dos familiares e pessoas queridas pode gerar expectativas e ansiedade. Os relatos abaixo revelam esses sentimentos e nos mostram que a pessoa idosa institucionalizada vivencia incertezas da temporalidade próprias da vida na ILPI:

Alguma vez, alguém vem [da família], mas demora, é longo, dois meses, três meses. (Petúnia, 78 anos, homem, solteiro)

Eu estou com saudade do meu filho, porque nunca mais o vi. Tem uns 15, 20 dias que ele veio aqui. Mas eu telefonei para ele hoje, ele ficou de vir aqui hoje. Estou esperando. (Orquídea, 61 anos, homem, divorciado)

A minha tia disse que amanhã vem aqui, amanhã ela vem, ela tem que vir! (Tagetes patula, 77 anos, mulher, solteira)

Não recebo visitas, a não ser pessoas que vem e coisa. Eu estou aqui, aí entra, vem, conversa comigo, eu respondo. (Cravo, 93 anos, mulher, solteira)

Não recebo visitas da família não. Os estranhos que vêm me visitar. (Rosa, 73 anos, mulher, solteira)

Parentes não vem aqui. Também, estou pouco ligando para parente. Nem meus netos vêm. Então, recebo visitas assim, de você e de outros, falam comigo, conversam comigo, são jovens. (Antúrio, 92 anos, homem, viúvo)

As falas de Cravo, Rosa e Antúrio relataram que não recebem visitas ou só recebem de pessoas desconhecidas, mesmo tendo familiares residindo na cidade, como filhos, netos e sobrinhos. São relatos que desvelam um ser-com que temporaliza e torna-se ser-só/ser-solitário.

No quarto que eu durmo a gente nem se fala. Divido o quarto com quatro homens. Cada um fica no seu canto, quieto. Eu tenho a minha televisão, fico assistindo a minha televisão, o outro tem um rádio, fica ouvindo rádio fora do quarto, eu não converso com quase ninguém. (Orquídea, 61 anos, homem, divorciado)

Me botaram no quarto com aquela, como é o nome dela? Cravo! Eu tenho pavor, ela fica lá, não dá uma palavra com a pessoa. Comigo ela não conversa, não fala nada. Só converso com Dália, com essa menina aqui [aponta para outra senhora] e essas enfermeiras. (Amor-perfeito, 87 anos, mulher, solteira)

Por enquanto, minha amizade é a conta gotas. Você chegou aqui, eu fiz amizade com você, mas não tem, assim, uma amizade unida, certa, não. Por enquanto, é bom dia, boa tarde, boa noite e eu vou levando a vida. (Lírio, 86 anos, homem, solteiro)

Ainda sobre o ser-só/ser-solitário, identificamos que partilhar espaços ou ter várias pessoas fisicamente perto todos os dias não assegura companhias ou vínculos, ou seja, estar-com não significa ser-com.

DISCUSSÃO

Para Heidegger, o homem é aqui entendido como ser-aí (Dasein), projetado para vir-a-ser, o que denota abertura e movimento, e que só existe enquanto ser-no-mundo(2323 Heidegger M. Ontologia: hermenêutica da facticidade. Petrópolis: Vozes; 2012.). Nessa perspectiva de existir e poder-ser, no momento em que chega a ILPI, o ser-pessoa-idosa é atualizado para o ser-pessoa-idosa que vive em uma ILPI e o sentido de existir é, de maneira continuada, “ajustado” a cada experiência.

Esse redimensionamento da existência dos entes entrevistados, junto às circunstâncias descritas como motivadoras para a ida para a ILPI, se comunicam com o que Heidegger chama de facticidade. Para o filósofo, facticidade é “a designação para o caráter ontológico de ‘nosso’ ser-aí ‘próprio’. Esse ser-aí em cada ocasião”(2323 Heidegger M. Ontologia: hermenêutica da facticidade. Petrópolis: Vozes; 2012.). Ou seja, a facticidade é vista como constituinte básico do Dasein, que se desvela no horizonte do tempo e nos coloca novas possibilidades de ser-no-mundo.

A vivência da perda progressiva da autonomia e independência dos entes participantes, portanto, é “resultado” da facticidade do ser-aí, ou seja, de uma condição existencial repleta de possibilidades não previstas, não controláveis e, por vezes, não compreendidas, as quais incluem circunstâncias de saúde e doença. Nessa linha de pensamento, quando, numa instância ôntica, os depoimentos revelam que as pessoas idosas percebem a ida para a ILPI como trajetória circunstancial inevitável, é possível compreender que também vivenciam a facticidade do ser-aí lançado no mundo, independentemente de sua vontade e sem possibilidades de escolhas.

Pela facticidade, pode-se compreender que nos “destinos” das pessoas idosas entrevistadas, a vivência da institucionalização está ligada ao ser daquele ente que lhe vem ao encontro dentro do seu ser-no-mundo(1212 Heidegger M. Ser e tempo. 10ª ed. Petrópolis: Vozes; 2015.). Esta compreensão se relaciona ao que as pessoas idosas sinalizaram como “falta de opção”, “sem saída”.

Diante da experiência da institucionalização, o sentido de ser-pessoa-idosa vivendo em uma ILPI é desvelado como um ser-aí preso à facticidade. Tal experiência repercute no Dasein o que Heidegger chama de angústia existencial. Para o filósofo, a angústia expressa a entrega do Dasein a um mundo não dominável. É, portanto, a expressão de um ente para o ser lançado num mundo essencialmente estranho, perturbador, inquietante e, até mesmo, hostil(1212 Heidegger M. Ser e tempo. 10ª ed. Petrópolis: Vozes; 2015.,2424 Sá AF. Entre a angústia e a dor: um diálogo entre Martin Heidegger e Ernst Jünger. Nat Hum [Internet]. 2016 [cited 2018 Sep. 20];18(1):144-56. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/nh/v18n1/v18n1a08.pdf
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). Nesse mundo, o Dasein não se sente em casa e, por isso, é afligido por um sentimento de estranheza, vulnerabilidade e desassossego que se confronta com o próprio ser(2424 Sá AF. Entre a angústia e a dor: um diálogo entre Martin Heidegger e Ernst Jünger. Nat Hum [Internet]. 2016 [cited 2018 Sep. 20];18(1):144-56. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/nh/v18n1/v18n1a08.pdf
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).

A angústia experienciada pelo ser-pessoa-idosa institucionalizada começou a desvelar-se nos discursos que compartilharam a vivência da perda progressiva da autonomia e independência e a ida para a ILPI como trajetória circunstancial inevitável. A vida na ILPI, como novo mundo, proporcionou e proporciona, de maneira continuada, experiências que, em vez de amenizarem a angústia existencial, aglutinam-se e a potencializam a todo instante. Isso foi perceptível nos relatos de solidão, saudades e incertezas.

A base do ser-no-mundo é definida pelo com, o mundo é sempre o mundo compartilhado com os outros. O mundo da presença é mundo compartilhado. Assim, o homem é um ente que só existe enquanto ser-com-outros, e, portanto, não pode ser compreendido fora das relações que constituem seu mundo(1212 Heidegger M. Ser e tempo. 10ª ed. Petrópolis: Vozes; 2015.,2222 Peixoto AJ, Holanda AF, (Orgs.). Fenomenologia do cuidado e do cuidar. Curitiba: Juruá; 2011.).

A ausência ou inexistência de familiares e amigos na vida cotidiana da maioria das pessoas idosas entrevistadas desvela o ser-com como estar só vivenciando a institucionalização. “Mesmo o estar só da presença, é ser-com no mundo. Somente no ser-com e para um ser-com é que o outro pode faltar. O estar-só é um modo deficiente de ser-com(1212 Heidegger M. Ser e tempo. 10ª ed. Petrópolis: Vozes; 2015.).

Mesmo a pessoa idosa dividindo o quarto com outras e, diariamente, estabelecendo intersubjetividades com cuidadores, visitantes e outras pessoas idosas institucionalizadas, ainda sim houve relatos/queixas de solidão. Ou seja, mesmo quando, numa instância ôntica, as circunstâncias apontavam um ser-com, houve desvelamento do ser-só. Isso ocorre porque, na maioria das vezes, as pessoas idosas institucionalizadas não se conhecem e, de repente, precisam dividir o mesmo espaço. Tem-se, portanto, uma sociabilidade forçada, que pode levar à sensação de não pertencimento àquele local, isolamento e, consequentemente, solidão(2525 Bruinsma JL, Beuter M, Leite MT, Hildebrandt LM, Venturini L, Nishijima RB. Conflicts among institutionalized elderly women: difficulties experienced by nursing professionals. Esc Anna Nery. 2017;21(1):e20170020. doi: 10.5935/1414-8145.20170020
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). Sobre isso, Heidegger afirma que “não se elimina o estar só porque “junto” a mim ocorre outro exemplar de homem ou dez outros. A presença pode estar só mesmo quando esse e ainda outros tantos são simplesmente dados”(1212 Heidegger M. Ser e tempo. 10ª ed. Petrópolis: Vozes; 2015.).

Limitação do estudo

A limitação deste estudo está relacionada com a não generalização dos seus resultados para toda a população idosa institucionalizada, pois representam pessoas idosas que residem em uma ILPI no interior da Bahia. No entanto, os resultados possibilitam a discussão profunda das informações construídas, e podem ser aplicados a pessoas idosas que vivenciam situações similares as dos participantes da pesquisa.

Contribuições para a área da enfermagem

Os resultados do estudo contribuem no auxílio a profissionais de saúde no delineamento de estratégias de cuidados menos reducionistas e mais sensíveis e efetivas. Além disso, fornece subsídios para a (re)estruturação de políticas de saúde e estratégias voltadas para necessidades específicas, favorecendo, assim, a ressignificação de práticas e percepções a respeito da pessoa idosa que vive em ILPI.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

À luz da fenomenologia heideggeriana, foi possível concluir que a facticidade do ser-aí lançado em um mundo sem escolhas conduziu as pessoas idosas entrevistadas para: a perda progressiva de autonomia e independência, experienciar a ILPI como trajetória circunstancial inevitável e tornar-se ser só/ser-solitário.

Os depoimentos permitiram a compreensão que, atualmente, a assistência em saúde à pessoa idosa que vive em ILPI centra-se no atendimento das necessidades fisiológicas do ente idoso e restringe-se à instância ôntica. As necessidades ontológicas seguem esquecidas. Uma vez que somos ôntico e ontológico, o cuidado limitado à instância ôntica sinaliza deficiências do processo de institucionalização.

As angústias existenciais do ser-pessoa-idosa potencializam-se quando esta passa a viver em uma ILPI. Em um movimento emaranhado e reverso de implicações, a angústia existencial do ser-no-mundo – experienciada numa instância ontológica – repercute na ôntica através de manifestações biológicas, psicológicas, sociais e espirituais de cada ente idoso.

A enfermagem e demais profissionais de saúde envolvidos no cuidado à pessoa idosa institucionalizada devem realizar frequentemente um exercício de autorreflexão sobre a sua atuação, questionando sobre: a que dimensão da pessoa idosa o cuidado/assistência ofertados por mim tem alcançado? À ôntica, a qual envolve um ente de manifestação da ciência? À ontológica, que considera a facticidade do ser-aí e as suas possibilidades de vir-a-ser no mundo? Ou a ambas?

Recomenda-se que os profissionais de saúde se abram para ver aquilo que, em um primeiro momento, não é visível. Por consequência, poderão ampliar os horizontes de atuação para um cuidado ontológico ao compreenderem que não lidam com a institucionalização, pois esta não existe em si mesma, mas lidam com a pessoa idosa em seus diversos modos-de-ser-institucionalizado. Assim, as possibilidades de melhorias no cuidado são ampliadas e, por consequência, o direito de envelhecer em uma ILPI com dignidade e qualidade de vida.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Out 2019
  • Data do Fascículo
    Nov-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    27 Set 2018
  • Aceito
    21 Abr 2019
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