Vulnerabilidade da pessoa idosa: análise conceitual

RESUMO

Objetivo:

Analisar o conceito de vulnerabilidade da pessoa idosa.

Método:

Trata-se de uma análise de conceito, segundo o método proposto por Walker e Avant, operacionalizada mediante revisão integrativa por meio de busca em portais de dados científicos mediante os

Descritores:

Health vulnerability, aged, health services for the aged, health of the elderly, vulnerable populations e geriatric health services. Para compor o corpus literário, foram selecionados 36 estudos.

Resultados:

Identificaram-se os antecedentes do conceito, bem como seus atributos, classificados em características individuais, sociais e programáticas, os quais compõem as características da “vulnerabilidade da pessoa idosa”, além das consequências do fenômeno. Procedeu-se a análise das referidas características com ênfase nos aspectos que contribuem no processo de vulnerabilidade da pessoa idosa.

Conclusão:

O estudo demonstrou a multidimensionalidade do fenômeno estudado, destacando as peculiaridades próprias da vulnerabilidade durante o envelhecimento. Contudo, é oportuno destacar há a necessidades de estudos mais aprofundados sobre o constructo.

Descritores:
Enfermagem; Idoso; Vulnerabilidade em Saúde; Vulnerabilidade Social; Formação de Conceito

ABSTRACT

Objective:

To analyze the concept of vulnerability of the elderly.

Method:

A concept analysis, according to the method proposed by Walker and Avant, operationalized through integrative review through search in scientific data portals using the

Descriptors:

Health vulnerability, aged, health services for the aged, health of the elderly, vulnerable populations and geriatric health services. To compose the literary corpus, 36 studies were selected.

Results:

Concept antecedents, as well as its attributes, were identified in individual, social and programmatic characteristics, which make up the characteristics of “vulnerability of the elderly”, besides consequences of the phenomenon. These characteristics were analyzed with emphasis on aspects that contribute to the process of vulnerability of the elderly.

Conclusion:

The study demonstrated the multidimensionality of the phenomena studied, highlighting the peculiarities of vulnerability during aging. However, there is a need for further studies on the construct.

Descriptors:
Nursing; Aged; Health Vulnerability; Social Vulnerability; Concept Formation

RESUMEN

Objetivo:

Analizar el concepto de vulnerabilidad de la persona mayor.

Método:

Se trata de un análisis de concepto, según el método propuesto por Walker y Avant, operacionalizada mediante revisión integrativa por medio de búsqueda en portales de datos científicos mediante los

Descriptores:

vulnerabilidad en salud, anciano, servicios de salud para ancianos, salud del anciano. Para componer el corpus literário, se seleccionaron 36 estudios.

Resultados:

Se identificaron los antecedentes del concepto así como sus atributos, clasificados en características individuales, sociales y programáticas, los cuales componen las características de la “vulnerabilidad de la persona mayor”, además de las consecuencias del fenómeno. Se procedió al análisis de dichas características con énfasis en los aspectos que contribuyen al proceso de vulnerabilidad de la persona de edad.

Conclusión:

El estudio demostró la multidimensionalidad del fenómeno estudiado, destacando las peculiaridades propias de la vulnerabilidad durante el envejecimiento. Sin embargo, es oportuno destacar las necesidades de estudios más profundos sobre el constructo.

Descriptores:
Enfermería; Anciano; Vulnerabilidad em Salud; Vulnerabilidad Social; Formación de Concepto

INTRODUÇÃO

O crescimento da população idosa é tido como uma das mais relevantes transições demográficas, o qual acontece de modo rápido e abrupto, sobretudo nos países em desenvolvimento, sem um adequado acompanhamento do progresso social e econômico. Um reflexo dessas transformações pode ser observado por meio das projeções estatísticas internacionais, as quais demonstram que entre os anos de 2000 e 2050, a proporção de habitantes do planeta maiores de 60 anos irá duplicar, passando de 11% a 22%. Em números absolutos, este grupo passará de 605 milhões para 2000 milhões no decurso de meio século ⁽¹⁾.

O aumento da proporção de idosos na população brasileira suscita a discussão acerca da necessidade de instrumentos e modelos teóricos que direcionem a prática em relação à saúde do idoso e compreendam a sua amplitude e complexidade. Para tanto, no contexto da Gerontologia, explora-se o conceito da vulnerabilidade, o qual pode ser definido como o indivíduo que não necessariamente sofrerá danos, mas apresenta-se mais suscetível visto que possui desvantagens significativas, sobretudo na qualidade de vida. Ressalta-se que o estado de vulnerabilidade se associa a situações e contextos individuais e, sobretudo, coletivos ⁽²⁾.

O envelhecimento implica em aumento do risco para o desenvolvimento da vulnerabilidade, visto que a senescência é um processo permeado por crescentes mudanças, as quais envolvem um conjunto de aspectos individuais e coletivos que exercem influência nas condições de vida e saúde do indivíduo. Para enfrentar adequadamente a vulnerabilidade, os enfermeiros precisam ser capazes de analisar criticamente tal conceito e identificar os idosos vulneráveis em diferentes níveis de atenção à saúde, considerando que o processo de envelhecimento constitui um evento multidimensional e multideterminado, onde aspectos individuais, coletivos e contextuais podem favorecer o adoecimento e dificuldades em acessar os recursos de proteção disponíveis na sociedade ⁽³⁾.

O grau de vulnerabilidade submete-se a uma série de combinações dos elementos presentes nos domínios físico, social e programático, bem como as experiências relativas a cada um deles no passado, e lidam com as facilidades e dificuldades da vida ⁽⁴⁾. O constructo ora mencionado auxilia na reflexão de como a presença ou a ausência de problemas físicos, psicológicos ou sociais podem influenciar a qualidade de vida e a percepção de saúde.

Tendo em mente a complexidade e a multidimensionalidade da vulnerabilidade, verifica-se a necessidade de elucidar criteriosamente o significado deste conceito na população idosa e, assim, descrever e explicar os fenômenos que envolvem a vulnerabilidade e o envelhecimento. Destaca-se que, para a construção do conhecimento da Enfermagem, é preciso que haja análise e estruturação de conceitos de interesse para seu desenvolvimento, assim como sua fundamentação teórico-filosófica, definindo seus atributos, definições, antecedentes e consequências ⁽⁵⁾.

Ressalta-se ainda que, a análise conceitual consiste em um exercício intelectual que visa solucionar problemas de palavras e expressões usadas, que busca esclarecer um conceito de interesse e, assim, contribuir para adequada aplicabilidade no cuidado. Devido às modificações contínuas e complexas do conhecimento científico ao longo do tempo, emerge a necessidade da análise dos conceitos de interesse para a prática cotidiana, pois, por meio de tal análise, é possível experimentar intercâmbio entre saberes, explicar a natureza da Enfermagem, definir seu campo específico e sua metodologia científica ⁽⁶⁾.

O desenvolvimento do presente estudo fornecerá evidências que poderão ampliar a compreensão sobre a vulnerabilidade da pessoa idosa, buscando esclarecer as diversas características específicas, as quais incluem os atributos, antecedentes e consequências do conceito em questão. Logo, a construção do conhecimento favorecerá embasamento teórico à prática clínica do enfermeiro, assim como elucidará estudos no âmbito da prática acadêmica.

OBJETIVO

Analisar o conceito de vulnerabilidade da pessoa idosa.

MÉTODO

Aspectos éticos

Para a execução do presente estudo, utilizou-se apenas a literatura disponível em bases de dados online. Logo, não foi necessária apreciação ética por se tratar de artigos científicos de domínio público, não envolvendo seres humanos e, por isso, não foi submetido à apreciação do Comitê de Ética e pesquisa.

Referencial teórico-metodológico e tipo de estudo

Trata-se de um estudo do tipo descritivo com abordagem qualitativa em que foi utilizado modelo de análise conceitual proposto por Walker e Avant ⁽⁷⁾. O método, elucidado pela primeira vez em 1983, composto por oito etapas, propõe um processo interativo com o objetivo de analisar a estrutura e a função dos elementos básicos de um conceito, distinguindo-o, com o intuito de refinar ambiguidades e clarificar conceitos vagos, contribuindo, então, para o desenvolvimento da prática da Enfermagem. Destarte, é possível o esclarecimento de significados e a definição de termos a fim de que autores e leitores compartilhem de uma linguagem em comum.

Os autores elencaram uma abordagem sequencial, a qual é composta pelas seguintes etapas: seleção do conceito, determinação dos objetivos da análise conceitual, identificação dos possíveis usos do conceito, delimitação dos atributos essenciais, observação do caso modelo, reconhecimento dos casos limítrofes, relacionados, contrários, inventados e ilegítimos, identificação dos antecedentes e consequências e, por fim, a definição das referências empíricas ⁽⁷⁾. Ressalta-se que, para a construção do presente estudo, foram elencadas etapas equivalentes e semelhantes às desenvolvidas durante o processo de revisão integrativa da literatura.

Procedimentos metodológicos

Fonte de dados

A fim de identificar as características relacionadas ao conceito, procedeu-se uma revisão integrativa da literatura. Para tanto, foi estabelecida a busca em fontes indexadas em portais de dados científicos, por meio da identificação de artigos, teses e dissertações publicadas nas seguintes bases de dados eletrônicas: Banco de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior (BTD), Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Medical Literature Analysis and Retrieval Sistem online (MEDLINE), SciVerse Scopus e Web of Science.

Coleta e organização dos dados

Para assegurar busca criteriosa da literatura, delimitaram-se os seguintes termos de acordo com o vocabulário dos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS): vulnerabilidade em saúde (health vulnerability e vulnerabilidad en salud), idoso (aged e anciano), serviços de saúde para idosos (health services for the aged e servicios de salud para ancianos) e saúde do idoso (health of the elderly e salud del anciano).

Utilizou-se também como referência a terminologia disponível no Medical Subject Heading (MeSH), que compreende um conjunto de termos denominados descritores e organizados em uma estrutura hierárquica que permite a pesquisa em vários níveis de especificidade. Após a análise na referida base, foram elencados os seguintes termos: aged, vulnerable populations e geriatric health services. É oportuno destacar que os descritores foram combinados em suas diversas possibilidades nos campos “título”, “resumo” e “assunto”, sempre considerando vulnerabilidade em saúde como descritor-chave. Ademais, para efetuar essa busca, foram utilizados os descritores isoladamente e com o marcador booleano AND com o objetivo refinar os achados.

Para compor o corpus literário, estabeleceram-se os seguintes critérios de inclusão: manuscritos publicados em língua portuguesa, inglesa ou espanhola; disponibilidade do texto na íntegra e que contemplasse elementos referente ao conceito de vulnerabilidade da pessoa idosa, sem delimitação temporal de período de publicação.

Em relação aos critérios de exclusão, foram estabelecidas as seguintes condições: estudos no formato de editoriais, cartas ao editor, anais de eventos e testes-piloto, bem como pesquisas que abordavam a vulnerabilidade relacionada a problemas específicos, tais como saúde mental, HIV/AIDS, catástrofes naturais, fome e estressores ambientais, como ondas de calor.

A busca pelas publicações compreendeu o período entre janeiro a março de 2017, totalizando 750 artigos e 36 teses e dissertações. Devido à expressiva quantidade de estudos, optou-se por delimitar a amostra através da aplicação de dois testes de refinamento. Inicialmente, foram pré-selecionados 786 estudos os quais se submeteram a leitura e análise criteriosa dos elementos pré-textuais, com o objetivo de verificar se haviam os critérios essenciais que abordassem o conceito investigado. Logo, foi possível excluir 713 pesquisas, por serem indisponíveis na íntegra, não responderem à questão norteadora ou por duplicação nas bases de dados consultadas.

Análise dos dados

No segundo refinamento, após leitura exaustiva e compreensiva dos estudos, considerando-se a pertinência e consistência do seu conteúdo, foram excluídos aqueles que não abordavam o objeto da presente pesquisa. Após esses refinos da literatura, a amostra foi composta por 36 artigos, teses ou dissertações.

Para o desenvolvimento dessa síntese, destacaram-se fragmentos ou unidades de análises úteis para o esclarecimento do conceito estudado. Logo, para viabilizar a categorização das evidências selecionadas, foi utilizado um instrumento estruturado, contendo informações relativas à caracterização dos estudos (tipo de estudo, ano da publicação, área de atuação dos autores e idioma) e a seguinte questão norteadora: quais as características, as condições que viabilizam e as consequências da vulnerabilidade da pessoa idosa? Nesta etapa, foram identificados os atributos, os antecedentes e os consequentes do conceito estudado, conforme apresentados na Figura 1 e discutidos com base na literatura.

Figura 1
Antecedentes, atributos e consequentes do conceito de vulnerabilidade da pessoa idosa, identificados a partir da revisão integrativa da literatura, 2018 (N = 36)

RESULTADOS

Verificou-se que a maioria dos trabalhos científicos selecionados foi desenvolvida no continente Sul Americano (12; 34,3%), especialmente no Brasil, onde foram publicados 11 estudos sobre a temática investigada. A partir do ano 2000, iniciaram-se as pesquisas que abordavam a vulnerabilidade entre as pessoas idosas, com o predomínio de publicações no ano de 2015 (07; 20,0%), seguido por 2014 (05; 14,0%) e 2010 (05; 14,0%), evidenciando o aumento do interesse dos pesquisadores em aperfeiçoar os conhecimentos nesta temática nos últimos anos.

Quanto à área de conhecimento, predominaram estudos desenvolvidos na área médica (13; 37,2%) e de enfermagem (09; 25,9%). Porém, evidenciou-se abordagem da temática em diferentes disciplinas, como Sociologia, Teologia e Arquitetura. Esse dado ratifica a importância de elucidar e refinar o conceito, construindo um significado claro e preciso do fenômeno dentro de uma determinada ciência, a exemplo da Enfermagem.

No que diz respeito ao idioma, houve a predominância de pesquisas publicadas na língua inglesa (22; 62,9%), visto que grande parte do material analisado foi oriundo de artigos científicos publicados internacionalmente. No que concerne ao tipo de estudo, verificou-se que a maioria foi classificada como transversal com abordagem quantitativa (14; 40%), seguido por transversal com abordagem qualitativa (07; 20%) e estudos longitudinais (07; 20%). Quanto aos elementos essenciais do fenômeno, antecedentes, atributos e consequências, estes estão apresentados em categorias e subcategorias de análise, conforme apresentado na Figura 1.

DISCUSSÃO

Antecedentes do conceito de vulnerabilidade da pessoa idosa

Os antecedentes do conceito são elementos determinantes que ocorrem previamente ao evento. Por meio da análise da literatura, verifica-se que a vulnerabilidade da pessoa idosa resulta de diferentes condições, as quais estão correlacionadas umas com as outras, destacando-se fatores biológicos, sociais e programáticos. Elementos, como envelhecimento biológico, deterioração da saúde, inabilidade dos serviços de saúde, hospitalizações frequentes, redes sociais inadequadas e sexo feminino, foram identificados como precursores do conceito estudado.

Do ponto de vista biológico, o envelhecimento é um processo natural que, ao longo dos anos, impõe diversas alterações e produz efeitos estruturais e comportamentais que influenciam os aspectos físicos e sociais, repercutindo diretamente no contexto biopsicossocial e na qualidade de vida das pessoas que envelhecem ⁽⁸⁾.

Envelhecer é um processo natural e fisiológico, heterogêneo e com peculiaridades próprias, visto que está relacionado às formas materiais e simbólicas que identificam socialmente cada indivíduo, variando com a época, o local e a cultura que os permeiam, apresentando-se em cada ser humano de modo singular ⁽⁹⁾.

Embora a senescência possa ser compreendida como um processo não patológico, há uma inevitável diminuição progressiva da reserva funcional, que em condições de sobrecarga e na vigência de complicações cardiovasculares e estresse emocional, podem favorecer a instalação de quadros patológicos crônicos, caracterizando, dessa forma, a senilidade, que pode favorecer a vulnerabilidade ⁽¹⁰⁾.

Estudos sugerem que as pessoas idosas experimentam um sentimento de vulnerabilidade devido ao declínio na saúde física e ou mental ⁽¹¹⁾. Fatores, como a deterioração da saúde, diminuição dos sentidos, déficits cognitivos, declínio psicológico, episódios recorrentes de quedas e fragilidade, se mostraram fortemente relacionados à vulnerabilidade da pessoa idosa ⁽¹²⁾. Tais condições favorecem a busca acentuada por serviços de saúde, entretanto, as queixas para obtenção de consultas médicas aumentaram no mesmo sentido. Estudos demonstram que ainda há uma parcela significativa de pessoas idosas que não realizam acompanhamento médico regularmente, dada à ineficiência dos postos de saúde próximos de sua residência e à distância dos grandes centros de referência ^(11-12).

O perfil socioeconômico exerce influência na busca por tais serviços. Os idosos mais envelhecidos e com menor nível de escolaridade, demonstraram menor busca pelos serviços de saúde. Ademais, tratamentos prolongados, efeitos colaterais das drogas e o próprio desconhecimento sobre a evolução da doença interferem na motivação das pessoas em busca ao atendimento qualificado ^(10,13).

Ressalta-se que os serviços de saúde ainda são pautados em práticas curativistas, com baixa ênfase nas condições crônicas e nas necessidades específicas advindas com o envelhecimento. Verifica-se a violação dos direitos da população idosa através da omissão do Estado na oferta e na avaliação de instituições que oferecem assistência, assim como a falta de capacitação dos profissionais de saúde para orientar o idoso e seu cuidador. Logo, é necessário avaliar periodicamente a integralidade e a equidade das ações, assim como o acesso aos serviços, à qualidade destes e à existência de equipes multidisciplinares, dirimindo a vulnerabilidade programática na população assistida ^(14-16).

Uma das consequências da má qualidade dos serviços preventivos é a hospitalização recorrente do idoso, considerada um fator de estresse significativo e está associada ao progressivo declínio funcional, que torna a pessoa idosa vulnerável a resultados adversos para a saúde, como institucionalização e mortalidade precoce. Pesquisa demonstra que a hospitalização pode ser um importante fator que precede a vulnerabilidade, particularmente naqueles que vivenciaram uma média de duas internações nos últimos 12 meses que antecederam o estudo ⁽¹⁷⁾.

Nesse contexto, há diferentes dimensões da vulnerabilidade envolvidas na hospitalização. Os idosos se encontram distanciados dos seus objetos e rotinas, cheiros de seu ambiente, memórias e todos os elementos que os ajudam a permanecerem alertas e ativos. Logo, a separação do ambiente familiar pode culminar em isolamento, perda de referências temporais que cria um forte impacto psicológico e transtornos mentais ⁽¹⁸⁾.

É oportuno destacar que a vulnerabilidade consiste em um constructo multidimensional, onde condições comportamentais, socioculturais, econômicas e políticas interagem com os processos biológicos ao longo da vida. Dessa forma, destacam-se como importante antecedente as redes sociais inadequadas. As pessoas idosas relatam os laços familiares como elementos centrais de suas vidas, pois os membros da família normalmente demonstram afeto um pelo outro e se ajudam mutuamente, fornecendo inúmeras formas de apoio instrumental e emocional ⁽¹⁹⁾.

Pesquisas demonstraram que a disponibilidade da família pode ser considerada um fator de proteção para o envelhecimento, visto que a vulnerabilidade, a solidão, a depressão e as más condições de saúde foram fortemente relacionadas com a disponibilidade de parentesco. Uma das causas mais comuns da dissolução do apoio familiar é o divórcio, o qual exerce um forte impacto no bem-estar mental da pessoa idosa devido à reduzida disponibilidade de relações de confiança e a diminuição da segurança econômica ⁽²⁰⁾.

Outro antecedente importante evidenciado na literatura foi o sexo, uma vez que as taxas de morbidade mais elevadas são verificadas entre as mulheres. Além disso, há também a necessidade de cuidados de saúde e a maior probabilidade de viver em situação de pobreza, se comparado com os homens ^(21-23). Um estudo canadense realizado com idosos residentes na comunidade evidenciou que a expectativa de vida entre as mulheres era afetada negativamente por questões sociais, como isolamento, adversidade econômica e residir sozinha, o que culminava com menores recursos e menos apoio social ⁽²⁴⁾.

Atributos do conceito de vulnerabilidade da pessoa idosa

Por meio da identificação dos atributos, é possível descrever as características de um determinado conceito. Esses atributos atuam como elementos para diagnósticos diferenciais, isto é, para discriminar o que é uma expressão do conceito daquilo que não é ^(25-26).

A determinação dos atributos essenciais da vulnerabilidade da pessoa idosa foi norteada pelas seguintes questões: quais palavras, expressões ou características foram utilizadas pelos autores para descrever esse fenômeno? Quais as ideias que os pesquisadores estão investigando sobre o conceito? A partir de tais questionamentos foi possível elencar o declínio funcional, o isolamento social, as habitações inadequadas e as raças como principais atributos do conceito?

À medida que a população envelhece, surge a necessidade de melhor compreender esse processo, visto que com o avançar da idade, os indivíduos podem apresentar diferentes tipos de agravos, podendo levá-los ao acúmulo de doenças, aumento da vulnerabilidade, episódios recorrentes de quedas, hospitalizações prolongadas e o desenvolvimento de incapacidades ⁽²⁷⁾.

Nesse contexto, destaca-se a capacidade funcional, a qual é dimensionada em termos de habilidade, independência e capacidade para realizar determinadas tarefas cotidianas relativas ao cuidado pessoal e a proteção. O desempenho funcional nas atividades básicas e instrumentais da vida diária tem sido um parâmetro amplamente aceito e reconhecido para avaliação da capacidade funcional ⁽²⁸⁾.

Estudos desenvolvidos no Brasil identificaram as atividades corriqueiras que os idosos relataram possuir maior dificuldade em desempenhar, destacando-se, entre elas: fazer compras sem auxílio de terceiros, realizar tarefas domésticas leves, responsabilizar-se com as finanças pessoais e tomar banho sozinho ^(23,29). Destaca-se que, os idosos que vivenciaram um declínio no estado funcional, são vulneráveis a resultados adversos para a saúde, como o aumento do risco de hospitalização, institucionalização e mortalidade precoce. Aqueles classificados como vulneráveis, obtiveram a probabilidade 4,2 vezes maior de apresentar declínio funcional ou morrer nos dois anos após a avaliação inicial ^(30-32).

É oportuno reconhecer a multicausalidade no declínio da capacidade funcional. Além das influências biológicas, como cardiopatias, diabetes, hipertensão arterial e doença de Parkinson, determinantes sociais se destacam como predisponentes desse fenômeno ⁽³³⁾. Pesquisas demonstram que o menor engajamento social, a ausência de redes de apoio e baixo nível socioeconômico preveem declínio funcional e cognitivo, assim como maior ocorrência de doenças crônicas e infecciosas ^(34-36). A capacidade continuada de permanecer independente e participar da sociedade é uma preocupação primordial para a população idosa. À medida que as pessoas envelhecem e se tornam mais vulneráveis, suas circunstâncias sociais afetam particularmente sua saúde, necessitando de maior apoio afetivo através de contatos sociais e familiares frequentes ⁽³⁷⁾. Observa-se também a possibilidade de perdas sociais, habilidades físicas e mentais, caracterizado pela diminuição do interesse e empatia pelo mundo ou por outras pessoas.

A manutenção da capacidade funcional está relacionada com a possibilidade da pessoa idosa se integrar socialmente, através de relações sociais com familiares e amigos, assim como a participação em atividades culturais e cívicas. Um estudo longitudinal destacou que diferentes fatores podem contribuir para o isolamento social, como a idade avançada, residir sozinho, prejuízos na saúde física, declínio cognitivo e mobilidade limitada, bem como aqueles que não possuem acesso a um carro particular ou dependem totalmente de transporte público ⁽³⁸⁾.

A situação familiar moderna favorece o isolamento, visto que culturalmente os familiares não são muito receptivos a acomodar e acompanhar membros mais velhos, o que pode gerar uma camada de vulnerabilidade para muitas pessoas idosas, em que se sentem sozinhos, isolados e um fardo para os parentes ⁽¹⁸⁾. Para dirimir tal situação, é oportuno estimular os elementos sociopsicológicos, como participação em atividades de lazer físicas e sociais, forte vínculo interpessoal e a participação em grupos. A independência e a satisfação com a vida demonstraram forte influência na prevenção de demências e maior sobrevida ⁽³⁹⁾.

Além dos fatores individuais, é oportuno ressaltar a importância da vulnerabilidade social no processo de envelhecimento. Evidências científicas demonstraram que viver em uma vizinhança pobre e com privações se associa à saúde cardiovascular ruim, maiores taxas de mortalidade, aumento de incidência de doenças infecciosas, prevalência de depressão e comportamento menos saudáveis, bem como prevalência de limitação funcional e pior autoavaliação da saúde ^(13,24,40).

Medidas agregadas, como renda média da vizinhança, ausência de campanhas de promoção de estilos de vida saudável, baixo nível de escolaridade e altas taxas de desemprego, são úteis para descrever os contextos sociais em que as pessoas vivem e permitir o estudo dos chamados efeitos contextuais sobre a saúde ⁽⁴¹⁾. Ademais, residir em bairros com baixo nível socioeconômico, alto agrupamento de minoria e alta densidade populacional culmina em reduzido acesso a equipamentos e serviços de saúde, o que desencoraja as pessoas a aderirem aos exercícios físicos regulares, influenciando diretamente a sua condição de saúde ⁽⁴⁰⁾.

Embora pouco citada nos estudos selecionados, a raça constitui um importante atributo da vulnerabilidade entre as pessoas idosas. Comparados aos brancos, os pretos e pardos possuem menor escolaridade e renda, maior desemprego e relações de trabalho precárias, piores condições de moradia e maior dificuldade de acesso a bens e serviços ⁽²⁹⁾.

Tais diferenças influenciam os índices de mortalidade, visto que mulheres idosas brancas reportam melhores condições de saúde e apresentam esperança de vida de 6,4 anos a mais que as negras ⁽⁴²⁾. A sobremortalidade dos negros dá-se principalmente devido às iniquidades no acesso à saúde de qualidade, revelando, dessa forma, a vulnerabilidade social e programática a qual esta população está exposta ⁽⁴³⁾.

Consequências associadas ao conceito de vulnerabilidade da pessoa idosa

A identificação das consequências diz respeito a situações, eventos ou acontecimentos que ocorrem após a determinação do conceito. A partir da leitura criteriosa, verificou-se a incapacidade funcional e o comprometimento da qualidade de vida como as principais consequências da vulnerabilidade da pessoa idosa.

A inabilidade em realizar tarefas cotidianas, que são indispensáveis a uma vida comunitária, define a incapacidade funcional. Alguns fatores, como a má autoavaliação da saúde, cardiopatias, diabetes, hipertensão, doença de Parkinson, transtornos mentais e depressão, demonstram-se fortemente associados com o declínio acentuado e progressivo da capacidade funcional ^(29,44).

Estudos comprovaram que idosos residentes em bairros socialmente vulneráveis apresentaram um significativo comprometimento funcional, devido aos baixos salários, reduzida escolaridade, menor participação na comunidade e insatisfação com a vida social ⁽⁴⁰⁾. Embora a incapacidade funcional esteja fortemente relacionada com a idade, nem todas as pessoas idosas possuem tal deficiência e nem todas são permanentes e imutáveis. Pesquisadores afirmam que alguns idosos conseguem melhorar sua capacidade funcional ao longo dos anos, mediante prevenção de morbidades e manutenção de atividades físicas e sociais ⁽¹⁹⁾.

Destaca-se, também, que a incidência da vulnerabilidade pode favorecer o declínio da qualidade de vida, a qual é largamente determinada pela capacidade do indivíduo em manter a autonomia e a independência ^(1,8). Inúmeros fatores favorecem a preservação da qualidade de vida, entre eles podemos destacar a manutenção da saúde física, a capacidade de realizar as atividades da vida diária, condições psicológicas adequadas, a satisfação com a vida, a preservação da autonomia, o suporte social e a moradia em local agradável e seguro ⁽¹⁹⁾.

As pessoas idosas esperam ser reconhecidas como cidadãos e manter a sua autonomia, entretanto, os baixos rendimentos associados aos problemas de saúde desafiam a independência, culminando em um efeito deletério sobre a qualidade de vida, particularmente para aqueles que atribuem grande valor ao individualismo e à autodeterminação ⁽¹⁹⁾. Ressalta-se também que questões sociais, como o baixo valor das aposentadorias, as quais não conseguem prover condição social adequada, o fato de residir sozinho, a discriminação etária, a baixa escolaridade e o pouco envolvimento com a comunidade, podem predispor a vulnerabilidade ⁽²³⁾.

Todas essas condições adversas podem diminuir a qualidade de vida e a autonomia da pessoa idosa. Logo, uma melhor compreensão sobre o processo de envelhecimento e a identificação precoce de fatores que caracterizam os indivíduos como vulneráveis, é fundamental para direcionar intervenções preventivas. O esforço para prevenir, dirimir ou adiar as morbidades e suas consequências favorece, portanto, não só a qualidade de vida, mas também a diminuição da vulnerabilidade e o aumento da expectativa de vida ^(8,44).

Limitações do estudo

Enquanto limitação, ressalta-se o número reduzido de publicações sobre o fenômeno estudado. Embora o termo “vulnerabilidade” seja amplamente utilizado em diversas disciplinas, sobretudo na Saúde Coletiva, ainda é incipiente as produções científicas no âmbito da Saúde do Idoso, principalmente a nível nacional. Logo, recomenda-se a realização de novos estudos sobre a temática a fim de clarificar e difundir o conhecimento sobre a vulnerabilidade da pessoa idosa.

Contribuições para a área de enfermagem

Quanto às contribuições para área da Enfermagem, sabe-se que a análise conceitual viabiliza a identificação das características essenciais do fenômeno, assim como os antecedentes, atributos e consequências, permitindo, assim, a uniformização do uso e o aprimoramento dos conceitos essenciais para o aprimoramento profissional e científico da Enfermagem.

Ademais, o refinamento do conceito pode contribuir para elucidação do fenômeno, influenciando o desenvolvimento de ações direcionada a dirimir ou combater a vulnerabilidade na pessoa idosa, fundamentando o conhecimento da prática de enfermagem em relação à problemática apresentada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise do conceito de vulnerabilidade da pessoa idosa permitiu uma aproximação com a temática a partir do levantamento das características essenciais, os atributos e as consequências da problemática estudada. Apesar de ser empregado, corriqueiramente, o conceito se revelou amplo, complexo e subjetivo, visto que não há consenso na literatura a respeito do referido fenômeno, evidenciando, dessa forma, diferentes definições genéricas e incipientes que não consideram as especificidades da pessoa idosa.

A vulnerabilidade é vista como um constructo multidimensional, onde condições comportamentais, socioculturais, econômicas e políticas interagem com os processos biológicos ao longo da vida. Logo, é oportuno destacar a necessidade de estudos mais aprofundados sobre a compreensão do conceito, permitindo sua clarificação, a fim de fornecer subsídios para a sua aplicabilidade prática frente as necessidades das pessoas idosas.

Os achados evidenciados por meio da análise crítica da literatura ofereceram materiais teóricos relevantes, destacando as peculiaridades próprias da vulnerabilidade durante o envelhecimento, com características específicas que diferem das demais fases da vida. Contudo, apesar da importância do fenômeno, este é pouco explorado na Gerontologia, em que não há uma compreensão das diferentes nuances que compõem a vulnerabilidade.

Logo, faz-se necessário as pesquisas que possam favorecer o desenvolvimento de tal conceito, a fim de explorar como este se manifesta no cotidiano da pessoa idosa. A elucidação teórica e prática das características da vulnerabilidade permitem aos profissionais de saúde o embasamento científico necessário para a elaboração de estratégias eficazes no cuidado à população idosa.

• FOMENTO
  Este trabalho foi realizado durante o curso de doutoramento em Enfermagem, com apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  05 Dez 2019
• Data do Fascículo
  Nov 2019

Histórico

• Recebido
  17 Set 2018
• Aceito
  05 Jan 2019